ROTAVÍRUS DO GRUPO A EM REBANHOS BOVINOS LEITEIROS DA REGIÃO NORDESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO

GROUP A ROTAVIRUS FROM DAIRY HERDS IN NORTHERN REGION OF SÃO PAULO STATE

RESUMO

Um estudo foi realizado para determinar a ocorrência de infecção por rotavírus em rebanhos bovinos leiteiros da região nordeste do Estado de São Paulo. Foram analisadas por meio da técnica de eletroforese em gel de poliacrilamida (EGPA) 576 amostras de fezes de bezerros, entre 1 e 45 dias, colhidas em 63 rebanhos de gado bovino leiteiro. Destas, 222 pertenciam a animais com diarréia e 354 foram obtidas de animais clinicamente sadios. Através da EGPA foram detectadas 4,9% (28/576) de amostras positivas, das quais 9,9% (22/ 222) e 1,7% (6/354) pertenciam a animais com e sem diarréia, respectivamente. Todas as amostras positivas foram testadas pelo ensaio imunoenzimático (Kit-EIARA/Fiocruz), sendo caracterizadas como rotavírus do grupo A. A análise do perfil do genoma revelou grande diversidade, com sete eletroferótipos distintos.

PALAVRAS-CHAVE:
Rotavírus; diarréia; bovinos; eletroferótipos.

ABSTRACT

A study was realized in order to determine the occurrence of rotavirus infection among dairy herds from northern region of São Paulo State. Fecal samples from 576 calves, between 1 to 45 days old, were obtained from 63 dairy herds and were analysed by polyacrylamide gel electrophoresis (PAGE). From these samples, 222 belonged to diarrheic animals and 354 to healthy calves. The use of PAGE detected 4.9% (28/576) of positive samples of which 9.9% (22/222) and 1.7% (6/354) belonged to diarrheic and healthy animals, respectively. All positive samples were analysed by enzyme-linked immunosorbent assay (kit-EIARA/Fiocruz) and were classified as rotavirus group A. The analysis of genomic profiles revealed a high diversity with seven distinct electropherotypes.

KEY WORDS:
Rotavirus; diarrhea; electropherotypes; catlle.

INTRODUÇÃO

As diarréias dos bezerros constituem importantes causas de morbidade e mortalidade durante as primeiras semanas de vida (MCNULTY & LOGAN, 1983; SNODGRASS et al., 1990; LUCCHELLI et al., 1992). As causas dessas infecções são freqüentemente multifatoriais (REYNOLDS et al., 1986; SNODGRASS et al., 1986). No entanto, com o avanço dos métodos de diagnóstico, verificou-se que as infecções virais são comuns e que alguns vírus podem estar envolvidos nesse quadro clínico. Dentre esses vírus destacam-se os rotavírus que são importantes patógenos e estão freqüentemente associados a surtos de diarréia. Dos vários métodos disponíveis para se detectar rotavírus nas fezes a eletroforese em gel de poliacrilamida apresenta grande sensibilidade (HERRING et al., 1982). Por meio dessa técnica, os 11 segmentos do RNA de cadeia dupla apresentam um padrão de migração característico denominado eletroferótipo. Essa técnica tem sido muito empregada em estudos epidemiológicos da infecção por rotavírus, revelando aspectos da infecção não detectáveis por métodos convencionais (THEIL & MCCLOSKEY, 1989; ISHIZAKI et al., 1995).

Nesse estudo, é relatada a ocorrência de infecção por rotavírus em bezerros de rebanhos bovinos leiteiros pertencentes a alguns municípios da região nordeste do Estado de São Paulo. Por meio das técnicas de eletroforese em gel de poliacrilamida (EGPA) e ensaio imunoenzimático foi realizada a determinação de grupo e a análise do perfil do genoma das estirpes detectadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras de fezes

Foram analisadas 576 amostras de fezes de bezerros, colhidas em 63 propriedades rurais pertencentes a 19 municípios da região nordeste do Estado de São Paulo. Destas, 222 pertenciam a animais com quadro clínico de diarréia e 354 foram obtidas de animais clinicamente sadios. As amostras de fezes foram consideradas diarreicas quando apresentavam consistência líquida. Fezes de consistência firme ou pastosa foram consideradas não diarreicas. Os rebanhos eram formados por animais da raça Holandesa e gado cruzado, criados sob condições semelhantes de manejo. Em cada propriedade, todos os bezerros com idade até 45 dias foram amostrados uma única vez, sendo que o número médio de bezerros por propriedade foi de 4,9.

Eletroforese em gel de poliacrilamida (EGPA)

A presença de rotavírus nas fezes foi detectada por meio da EGPA, segundo HERRING et al. (1982), com algumas modificações propostas por PEREIRA et al. (1983).

Ensaio imunoenzimático para detecção de rotavírus e adenovírus

Todas as amostras positivas na EGPA também foram testadas pelo ensaio imunoenzimático para rotavíus e adenovírus (Kit-EIARA/Fiocruz-Rio de Janeiro), para a confirmação quanto ao grupo antigênico, segundo PEREIRA et al. (1985).

A possibilidade de uma associação entre a presença de rotavírus e a consistência das fezes foi avaliada através do teste de χ² (THRUSFIELD, 1995).

RESULTADOS

Foram detectadas pela EGPA 4,9% (28/576) de amostras positivas para rotavírus, todas com perfil longo característico de rotavírus do grupo A. Dentre as 222 amostras de fezes diarreicas de bezerros, 22 (9,9%) foram positivas para rotavírus, enquanto 1,7% (6/354) foram obtidas de animais sem diarréia. Esses resultados foram submetidos à análise estatística e os resultados mostraram que não existe associação entre a presença de rotavírus e a consistência das fezes com χ² = 19,9%; P > 0,01.

Dentre as 28 amostras positivas, 26 (92,9%) foram provenientes de animais com diarréia, na faixa etária de 6 e 20 dias, sendo que a maior freqüência de infecção foi detectada em bezerros com idade entre 16 e 20 dias (17/28; 60,7%) (Tabela 1).

Tabela 1
Resultado das amostras positivas para rotavírus, de acordo com o município e a propriedade de origem, idade do animal e a consistência das fezes. Jaboticabal, 2002.

Município	Propriedade	No amostra	Idade do animal (dias)	Consistência das fezes*
Ribeirão Preto	RA1	BO/R 228	6 - 10	D
		BO/R 264	6 - 10	D
	RA2	BO/R 180	6 - 10	D
		BO/R 181	6 - 10	N
Viradouro	RB	BO/R 220	11 - 15	D
		BO/R 275	11 - 15	D
Taiaçu	RC	BO/R 311	16 - 20	N
Descalvado	RD	BO/R 601	16 - 20	D
		BO/R 623	16 - 20	D
		BO/R 9/0	16 - 20	D
		BO/R 23/0	16 - 20	D
		BO/R 70/0	16 - 20	D
		BO/R 72/0	16 - 20	N
		BO/R 92/0	16 - 20	D
		BO/R 93/0	16 - 20	D
		BO/R 95/0	16 - 20	D
		BO/R 98/0	16 - 20	D
		BO/R 101/0	16 - 20	D
		BO/R 105/0	16 - 20	D
		BO/R 108/0	16 - 20	D
		BO/R 109/0	16 - 20	D
		BO/R 110/0	16 - 20	N
		BO/R 116/0	16 - 20	D
Altinópolis	RE1	BO/R 79/0	1 - 5	D
		BO/R 80/0	11 - 15	D
		BO/R 117	16 - 20	D
	RE2	BO/R 123	25 - 30	N
Cravinhos	RF	BO/R 188	10 - 15	N

• ^*
  D = diarréia N = normal

A análise do perfil do genoma indicou a presença de sete eletroferótipos distintos, denominados ao acaso A, B, C, D, E, F e G (Tabela 2). Na Figura 1 é apresentado o perfil eletroforético do genoma de rotavírus de amostras representativas dos tipos A, B e C, em comparação ao rotavírus padrão NCDV (Nebraska Calf Diarrhoea Virus). As principais diferenças encontradas entre os diferentes eletroferótipos de rotavírus estavam localizadas na posição de migração dos segmentos das classes I e III. Nos rebanhos RA₁, RA₂ e RC um único eletroferótipo foi detectado (tipos D, C e E), respectivamente, enquanto nos rebanhos RD (tipos F e G) e RE₁ (tipos A e B), dois eletroferótipos distintos estavam circulando concomitantemente entre os bezerros.

Tabela 2
Tipos eletroforéticos de rotavírus bovino distribuídos segundo os municípios e as propriedades de origem. Jaboticabal, 2002.

Município	Amostras +*	Propriedade			Tipos eletroforéticos					Amostras
			A	B	C	D	E	F	G	Não classificadas**
Ribeirão Preto	4	RA1				1				1
		RA2			2
Viradouro	2	RB								2
Taiaçu	1	RC					1
Descalvado	16	RD						6	6	4
Altinópolis	4	RE1	2	1
		RE2								1
Cravinhos	1	RF								1
Total	28		2	1	2	1	1	6	6	9

• ^*
  + = positivo.
• ^**
  = Amostras não classificadas na EGPA por apresentar segmentos muito claros difíceis de serem comparados.

Fig. 1
Perfil eletroforético do genoma de rotavírus das amostras BO/R601 (F), BO/R623 (F), BO/R09 (G), BO/R23 (G), BO/R79 (A) e BO/R80 (A) em comparação ao do rotavírus padrão NCDV (Nebraska Calf Diarrhoea Virus).

DISCUSSÃO

Para verificar a freqüência de rotavírus em bezerros de rebanhos leiteiros, foram colhidas amostras de fezes de animais com e sem diarréia e examinadas por meio das técnicas de EGPA e EIARA. Dentre as 576 amostras examinadas por EGPA detectou-se 4,9% (28/576) de casos positivos, porcentagem considerada inferior à obtida em outros trabalhos (FIJTIMAN et al., 1987; THEIL & MCCLOSKEY, 1989). Esse resultado pode refletir a grande quantidade de amostras obtidas de animais sem diarréia (n = 354), enquanto nos trabalhos apresentados anteriormente as amostras foram colhidas de animais diarreicos e/ou durante surtos de diarréia.

Nos bezerros com fezes diarreicas detectou-se 9,9% (22/222) de amostras positivas, quando comparados com 1,7% (6/354) dos bezerros sem diarréia. A correlação entre a presença de rotavírus e a consistência das fezes não foi estatisticamente significante pelo teste de χ² (P > 0,001), indicando que a probabilidade de detectar rotavírus nos animais independe da consistência das fezes. A eliminação assintomática de rotavírus nas fezes esta bem documentada, sugerindo a possibilidade de animais infectados tornarem-se portadores e, conseqüentemente uma fonte de infecção para animais susceptíveis. Não obstante, como os animais foram amostrados uma única vez, existe a possibilidade deles estarem eliminando rotavírus antes ou após os sinais clínicos, conforme sugerido por LUCCHELLI et al. (1992).

A maior freqüência de infecção por rotavírus ocorreu em bezerros com idade entre 16 e 20 dias (60,7%), semelhante ao observado por LUCCELLI et al. (1992) e ISHIZAKI et al. (1995). Em nosso estudo, bezerros recém nascidos (1 a 5 dias) também estavam eliminando rotavírus nas fezes, indicando que eles foram expostos à infecção logo após o nascimento. A esse respeito, MCNULTY & LOGAN (1983) ressaltam que a eliminação de partículas virais nas fezes coincide com a queda de anticorpos colostrais no lúmen intestinal, tornando o bezerro susceptível à infecção nas primeiras semanas de vida.

A análise do perfil do genoma indicou a presença de grande diversidade genômica, com sete eletroferótipos distintos, todos característicos de rotavírus do grupo A. Nos rebanhos RA₁, RA₂ e RC, um único perfil foi identificado. Resultados semelhantes foram obtidos na Argentina, Japão e Estados Unidos em que ocorreu ausência de diversidade genômica entre estirpes de rotavírus, quando estudadas por períodos de seis meses a um ano. Entretanto, nos rebanhos RD e RE₁, diferentes eletroferótipos estavam circulando concomitantemente entre os animais. As razões para a ocorrência de eletroferótipos distintos estarem circulando entre os bezerros não foi determinada. No entanto, esse fato poderia indicar a introdução de novas estirpes no rebanho, o surgimento de uma estirpe variante com vantagens seletivas ou, ainda, uma estirpe previamente associada com infecções assintomáticas que se torna virulenta. A rigor, a análise do perfil do genoma por meio da EGPA é útil para se distinguir diferenças entre estirpes de campo, bem como para fornecer informações sobre o significado epidemiológico da variação genômica dos rotavírus. Contudo, não fornece dados sobre antigenicidade, necessitando estudos comparativos para determinar a especificidade de sorotipos (G e P), caso uma estratégia de vacinação seja implementada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Set 2024
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2002

Histórico

• Recebido
  04 Jul 2002
• Aceito
  12 Nov 2002