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CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS EM UMA JAGUATIRICA (LEOPARDUS PARDALIS)

SQUAMOUS CELL CARCINOMA IN AN OCELOT (LEOPARDUS PARDALIS)

RESUMO

Um caso de carcinoma de células escamosas (carcinoma epidermóide) do conduto auditivo em uma fêmea de jaguatirica (Leopardus [Felis] pardalis) é relatado. Ao exame microscópico foi observado padrão característico de carcinoma invasivo, mas não foram encontradas metástases. Este é o primeiro relato de caso de um carcinoma epidermóide em jaguatirica.

PALAVRAS-CHAVE:
Carcinoma de células escamosas; jaguatirica; Leopardus [Felis] pardalis, neoplasma; carcinoma epidermóide.

ABSTRACT

A case of squamous cell carcinoma (epidermoid carcinoma) of the ear canal in an old female ocelot (Leopardus [Felis] pardalis) is described. Microscopic examination of the neoplasm revealed a pattern characteristic of invasive carcinoma, but metastatic spreading was not seen. This is the first reported case of epidermoid carcinoma in ocelot to our knowledge.

KEY WORDS:
Squamous cell carcinoma; ocelot; Leopardus [Felis] pardalis; neoplasm; epidermoid carcinoma.

A jaguatirica, classificada como Leopardus (Felis) pardalis, família dos Felídeos, ordem dos Carnívoros, é um mamífero selvagem pouco maior que o gato doméstico, de corpo robusto e patas curtas. Vive desde os Estados Unidos até a Argentina. A coloração da pelagem é muito variada, apresentando manchas arredondadas, de cor negra, sobre um fundo de tonalidade amarelada, que são maiores na zona anterior do corpo. Este felino é inofensivo para o ser humano e caça diversas espécies de pequenos animais nas florestas e zonas de mato alto que constituem seu habitat (VON IHERING, 1968VON IHERING, R. Dicionário dos animais do Brasil. São Paulo: Ed. Universidade de Brasília, 1968. 790p.; LEYHAUSEN, 1990LEYHAUSEN, P. Cats. In: PARKER, S.P. (Ed.). Grzimek’s encyclopedia of mammals. New York: McGraw-Hill, 1990. v.3., p.576-632.).

O carcinoma cutâneo de células escamosas, também conhecido como carcinoma epidermóide, é comum em gatos domésticos( Felis catus), tratando-se de um tumor com agressividade local, com baixa taxa de metástases. A maioria das lesões ocorre na cabeça, principalmente, no plano nasal, pálpebras e orelhas (LANA et al., 1997LANA, S.E.; OGILVIE, G.K.; WITHROW, S.J.; STRAW, R.C.; ROGERS, K.S. Feline cutaneous squamous cell carcinoma of the nasal planum and the pinnae: 61 cases. J. Am. Anim. Hospital Assoc., v.33, n.4, p.329-332, 1997.; RUSLANDER et al., 1997RUSLANDER, D.; KASER-HOTZ, B.; SARDINAS, J.C. Cutaneous squamous cell carcinoma in cats. Compend. Continuing Educ. Pract. Vet., v.19, n.10, p.1119-1129, 1997.). Já o carcinoma auricular é considerado pouco freqüente em gatos (LONDON et al., 1996LONDON, C.A.; DUBILZEIG, R.R.; VAIL, D.M.; OGILVIE, G.K.; HAHN, K.A.; BREWER, W.G.; HAMMER, A.S.; O’KEEFE, D.A.; CHUN, R.; MCENTEE, M.C.; MCCAW, D.L.; FOX, L.E.; NORRIS, A.M.; KLAUSNER, J.S. Evaluation of dogs and cats with tumors of the ear canal: 145 cases (1978-1992). J. Am. Vet. Med. Assoc., v.208, n.9, p.1413-1418, 1996.).

Na presente citação, descreve-se, pela primeira vez, um caso de carcinoma epidermóide em uma jaguatirica (Leopardus [Felis] pardalis). Não foi relatado na literatura nacional qualquer outro caso desta neoplasia nesta espécie animal.

Uma fêmea de jaguatirica, Leopardus (Felis) pardalis era mantida em cativeiro no Zoológico de Bauru, desde sua apreensão pela Polícia Federal em 1983, juntamente com um macho da mesma espécie.

No início de 1998, constatou-se midríase, com protusão de terceira pálpebra no olho direito, a pupila não respondia aos estímulos luminosos e o reflexo palpebral era quase ausente. Foi, também, observado início de úlcera córnea por deficiência da lubrificação lacrimal. Observouse, ainda, a ausência de reflexo da orelha direita e a presença de uma tumefação de coloração rósea de 3 x 1,5 cm, situada na entrada do canal auricular direito (Fig. 1). Ulcerações da pele foram notadas na face interna do pavilhão auricular direito (Fig. 2). Ao exame radiológico da cabeça, a bulha timpânica apresentou-se translúcida e sem alterações ósseas estruturais, Havia,entretanto, atrofia da musculatura dos maxilares.

Fig. 1
Presença de formação tumoral situada no início do canal auricular.

Fig. 2
Aspecto nodular, da formação tumoral.

Fig. 3
Em estágio mais avançado do processo neoplásico, com ocorrência de hemorragia.

Fig. 4
Caracterização microscópica da neoplasia. Observase o caráter invasivo e desordenado do carcinoma. Aum 25X.

Fig. 5
Detalhe em grande aumento de células tumorais anaplásicas, com acentuado pleomorfismo celular e nucle ar. Aum 100 X.

Fig. 6
Aspecto alterado da superfície óssea na base da região parietal, a qual estava porosa, comprometendo, também, a base da arcada zigomática.

Em alguns dias, já não havia resposta favorável ao esquema terapêutico adotado e, após 25 dias de observação, o animal apresentou um agravamento do quadro clinico, exibindo uma respiração ruidosa, rejeição aos alimentos e uma ampliação das lesões do pavilhão auricular,com presença de hemorragia (Fig. 3).

Foi realizada coleta de fragmentos do processo auricular por biópsia para o estudo histopatológico. Este material foi fixado em formalina 10%, emblocado em parafina, cortado com 5 micras de espessura e corado com hematoxilina e eosina. O exame deste material, revelou tratar-se de um carcinoma epidermóide (escamoso) pouco queratinizado, apresentando acentuado pleomorfismo celular e nuclear, com aspecto invasivo e desordenado (Figs. 4 e 5).

Face ao quadro clínico, e tendo sido diagnosticado carcinoma epidermóide, optou-se pela eutanásia. Após este procedimento, fragmentos de diversos órgãos foram submetidos às mesmas técnicas de histopatologia. Este estudo revelou pneumonia intersticial congestiva e edematosa, enfisema pulmonar, acentuada nefroesclerose renal, atrofia das vilosidades intersticiais, dissociação das fibras musculares cardíacas e congestão hepática e esplênica. Não foram observadas metástases nos órgãos examinados. Após maceração dos tecidos moles, foi observada no crânio, uma alteração óssea, na qual a superfície mostrava-se rústica e áspera na região focal parietal, comprometendo também, a base área zigomática (Fig. 6).

Apesar da ocorrência de neoplasias em felinos domésticos estar bem documentada, nos animais silvestres, estas patologias são menos conhecidas, provavelmente, pela pouca sobrevivência dos animais em cativeiro. Em felinos selvagens, há relatos de neoplasias em leões (Panthera leo), tigres (P. tigris), jaguars (P. onca), leopardos (P. pardus), panteras (Felis concolor) e gatos-do-mato (F. chaus) (HAYERS & SASS, 1987HAYES, H.M. & SASS, B. Testis neoplasia in captive wildlife mammals: comparative aspects and review. J. Zoo Wildl. Med., v.18, n.4, p.162-165, 1987.; FRAZIER et al., 1994FRAZIER, K.S.; HINES, M.E.; RUIZ, C.; HERRON, A.J.; ALTMAN, N.H. Immunohistochemical differentiation of multiple metastatic neoplasia in a jaguar (Panthera onca). J. Zoo Wildl. Med., v.25, n.2, p.286-293, 1994.; HARRENSTEIN et al., 1996HARRENSTIEN, L.A.; MUNSON, L.; SEAL, U.S. Mammary cancer in captive wild felids and risk factors for its development: a retrospective study of the clinical behavior of 31 cases. J. Zoo Wildl. Med., v.27, n.4, p.468476, 1996.). Não foi até o momento,no entanto, relatado nenhum caso de neoplasia em jaguatiricas.

A etiologia dos carcinomas epidermóides ainda não está completamente esclarecida. A causa exógena desse tipo de neoplasia, comumente aceita, é a exposição à luz ultravioleta da luz solar e como conseqüência uma lesão de DNA e mutagenicidade associada. A luz solar,além de seu efeito sobre o DNA parece exercer um efeito imunossupressor, ao menos transitório, sobre a pele, afetando as células de Langerhans, apresentadoras de antígenos, em sua função de vigilantes epiteliais. Outras células, entretanto, também apresentadoras de antígeno são resistentes à luz ultravioleta, o que levaria em desequilíbrios locais da função de célula T, favorecendo a tumorigenicidade e a progressão tumoral (COTRAN et al., 2000CONTRAN, R.S.; KUMAR, V.; COLLINS, T. Neoplasias. Robbins: Patología Estrutural e Funcional. 6.ed. Rio de Janeiro: Ed Guanabara- Koogan, 2000. p.233-295.). Em gatos, esta patologia parece estar também associada a uma maior exposição à radiação ultravioleta da luz solar. Gatos de coloração branca são mais susceptíveis entre a população felina (RUSLANDER et al., 1997RUSLANDER, D.; KASER-HOTZ, B.; SARDINAS, J.C. Cutaneous squamous cell carcinoma in cats. Compend. Continuing Educ. Pract. Vet., v.19, n.10, p.1119-1129, 1997.). Não se pode rejeitar, além disso, a possibilidade de ter ocorrido indução viral. De fato, os papilomavírus parecem estar envolvidos na indução de carcinomas de células escamosas em humanos (ELIAS, 1987ELIAS, E.G. Epidermoid carcinoma of the head and neck: epidemiology and etiology. Med J., v.36, p.477, 1987.; PFISTER, 1992PFISTER, H. Human papillomaviruses and skin cancer. Semin. Cancer Biol., v.3, n.5, p.263-271, 1992.), sendo que seqüências de seu DNA foram extraídas de precursores potenciais do carcinoma escamoso ou epidermóide. Alguns agentes químicos também têm efeito mutagênico direto ao produzirem produtos de ativação do DNA, com a ativação subseqüente de oncogenes (COTRAN et al., 2000CONTRAN, R.S.; KUMAR, V.; COLLINS, T. Neoplasias. Robbins: Patología Estrutural e Funcional. 6.ed. Rio de Janeiro: Ed Guanabara- Koogan, 2000. p.233-295.).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CONTRAN, R.S.; KUMAR, V.; COLLINS, T. Neoplasias. Robbins: Patología Estrutural e Funcional. 6.ed. Rio de Janeiro: Ed Guanabara- Koogan, 2000. p.233-295.
  • ELIAS, E.G. Epidermoid carcinoma of the head and neck: epidemiology and etiology. Med J., v.36, p.477, 1987.
  • FRAZIER, K.S.; HINES, M.E.; RUIZ, C.; HERRON, A.J.; ALTMAN, N.H. Immunohistochemical differentiation of multiple metastatic neoplasia in a jaguar (Panthera onca). J. Zoo Wildl. Med., v.25, n.2, p.286-293, 1994.
  • HARRENSTIEN, L.A.; MUNSON, L.; SEAL, U.S. Mammary cancer in captive wild felids and risk factors for its development: a retrospective study of the clinical behavior of 31 cases. J. Zoo Wildl. Med., v.27, n.4, p.468476, 1996.
  • HAYES, H.M. & SASS, B. Testis neoplasia in captive wildlife mammals: comparative aspects and review. J. Zoo Wildl. Med., v.18, n.4, p.162-165, 1987.
  • LANA, S.E.; OGILVIE, G.K.; WITHROW, S.J.; STRAW, R.C.; ROGERS, K.S. Feline cutaneous squamous cell carcinoma of the nasal planum and the pinnae: 61 cases. J. Am. Anim. Hospital Assoc., v.33, n.4, p.329-332, 1997.
  • LEYHAUSEN, P. Cats. In: PARKER, S.P. (Ed.). Grzimek’s encyclopedia of mammals New York: McGraw-Hill, 1990. v.3., p.576-632.
  • LONDON, C.A.; DUBILZEIG, R.R.; VAIL, D.M.; OGILVIE, G.K.; HAHN, K.A.; BREWER, W.G.; HAMMER, A.S.; O’KEEFE, D.A.; CHUN, R.; MCENTEE, M.C.; MCCAW, D.L.; FOX, L.E.; NORRIS, A.M.; KLAUSNER, J.S. Evaluation of dogs and cats with tumors of the ear canal: 145 cases (1978-1992). J. Am. Vet. Med. Assoc., v.208, n.9, p.1413-1418, 1996.
  • PFISTER, H. Human papillomaviruses and skin cancer. Semin. Cancer Biol., v.3, n.5, p.263-271, 1992.
  • RUSLANDER, D.; KASER-HOTZ, B.; SARDINAS, J.C. Cutaneous squamous cell carcinoma in cats. Compend. Continuing Educ. Pract. Vet., v.19, n.10, p.1119-1129, 1997.
  • VON IHERING, R. Dicionário dos animais do Brasil São Paulo: Ed. Universidade de Brasília, 1968. 790p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2003

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2003
  • Aceito
    26 Jun 2003
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