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LONGEVIDADE DO BICUDO DO ALGODOEIRO ANTHONOMUS GRANDIS BOH., CRIADO EM HOSPEDEIRAS ALTERNATIVAS NO LABORATÓRIO* * Integrated Pest Management of the Cotton Boll Weevil in Argentina, Brazil and Paraguay- ICAC/04

LONGEVITY OF THE ANTHONOMUS GRANDIS BOH. REARED WITH ALTERNATE HOST PLANTS IN THE LABORATORY

RESUMO

As espécies Hibiscus tiliaceus, Hibiscus rosa-sinensis, Hibiscus schizopetalus, Malvaviscus arboreus e Abutilon striatum foram avaliadas como fonte alternativa para alimentação do bicudo do algodoeiro.Verificou-se que bicudos alimentados com Hibiscus, principalmente, H. tiliaceus foram os mais longevos. Essa espécie é capaz de manter os bicudos vivos em média por 131,6 dias o que demonstra a grande importância dessa malvácea, como hospedeira alimentícia, na sobrevivência do bicudo durante a entressafra. Nas espécies M. arboreus e A. striatum os bicudos machos viveram, no máximo, respectivamente, 42 e 17 dias, enquanto que para as fêmeas esses valores foram 95 e 50 dias.

PALAVRAS-CHAVE:
Anthonomus grandis; Malvaceae; hospedeiras alimentícias; longevidade.

ABSTRACT

Hibiscus tiliaceus, Hibiscus rosa-sinensis, Hibiscus schizopetalus, Malvaviscus arboreus and Abutilon striatum were available as alternate feeding sources and the weevils feeding on Hibiscus showed greater longevity, mainly H. tiliaceus. This species is able to maintain weevils alive for a mean of 131.6 days and this fact gives to H. tiliaceus a big importance as an alternate feeding plant for boll weevil survival during the cotton-free period. For M. arboreus and A. striatum the males lived, at maximum, respectively, 42 and 17 days while for females the values found were 95 and 50 days.

KEY WORDS:
Anthonomus grandis; Malvaceae; feeding host plants; longevity.

Os entomologistas franceses que coletaram pela primeira vez Anthonomus grandis, no Estado de Vera Cruz, México, no início da década de 1830, a princípio, não o associaram, a nenhum hospedeiro, apesar de terem feito anotações sobre hospedeiros de vários outros insetos que coletaram na mesma expedição.

Este fato sugere que o bicudo não foi coletado em planta de importância econômica tão conhecida como o algodoeiro.

O primeiro registro da relação do bicudo com o algodoeiro cultivado ocorreu em 1855, quando se encontrou o inseto causando danos em algodoeiros próximos a Monclava, Estado de Coahuila, México. Esta região é muito isolada e se encontra em uma zona climática completamente distinta da área de Vera Cruz.

Posteriormente, o bicudo foi encontrado nos EUA, em 1892, e reavivou-se o interesse em conhecer melhor seu local de origem e seu hospedeiro nativo. Muitas expedições foram realizadas ao México e América Central no início do século, com o objetivo de obter essas informações.

Depois de vários estudos concluiu-se que o bicudo sendo originário, provavelmente, da zona de Vera Cruz, México, hospedava-se, possivelmente, em espécies malváceas do gênero Hampea spp. (especialmente Hampea nutricia) e, com o tempo, passou a ser praga do algodão cultivado, Gossypium hirsutum (Manessi, 1997MANESSI G., O. Plantas hospederas de Anthonomus grandis Boh. IN: MANESSI G., O. Anthonomus grandis Boh. "El picudo mexicano del algodonero" "La super plaga". Santa Fé, Argentina: FULCPA, 1997.).

São referidas como hospedeiras do bicudo Thespesia populnea, Cienfuegosia affinis, Cienfuegosia glabrifolia, Cienfuegosia drummondii e Cienfuegosia spp., todas distribuídas em diversos estados brasileiros. Entretanto, nenhuma é comparável ao algodoeiro na manutenção de populações de bicudo, mas podem manter os adultos até que esses localizem as plantações de algodão. STONER (1968)STONER, A. Sphaeralcea sp as host of the boll weevil in Arizona. J. Econ. Entomol., v.61, n.4, p.1100-1101, 1968. menciona que os adultos do bicudo podem sobreviver, na entressafra, alimentando-se em botões florais de Sphaeralcea.CROSS et al. (1975)CROSS, W.H.; LUKEFAHR, M.J.; FRYXELL, P.A.; BURKE, H.R. Host plant of the boll weevil. Environ. Entomol., v. 4, n.1, p.19-26, 1975. publicaram uma revisão sobre hospedeiros do bicudo, onde foram apresentados registros de novas espécies e informações adicionais sobre sua taxonomia. BURKE & CLARK (1976)BURKE, H.R. & CLARK, W.E. Cienfuegosia drummondii as host of the boll weevil, Anthonomus grandis, in South Texas. In: Conference on Boll Weevil Supression, Management and Elimination Technology, 1974, Menphis, Tennessee. Proceeding,. p.12-21 (U.S. Agric. Res. Rep. ARS-S-171, 1976). consideram que a importância de C. drummondii como hospedeira alternativa do bicudo, no sul do Texas, fundamenta-se na sua capacidade de suporte de pequenas populações que podem ser a origem de infestações em culturas do algodoeiro.

RUMMEL et al. (1978)RUMMEL, D.R.; WHITW, J.R.; PRUITT, G.R. A wild feeding host of the boll weevil in West Texas. Southwest. Entomol., v.3, p.171-175, 1978., examinando o conteúdo do intestino de bicudos coletados na entressafra, no Texas, confirmaram que os insetos alimentam-se de pólen de Hymenopappus flavescens. Esses autores consideram a hipótese que na ausência de frutificação do algodoeiro, alguns bicudos hibernantes podem significativamente prolongar suas vidas, utilizando o pólen dessa planta.

Segundo JOLY (1966)JOLY, A.B. Botânica: introdução à taxonomia vegetal. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. 634p. (Ciências Puras, v.4)., a família Malvaceae é a maior da ordem Malvales e compreende oitenta e cinco gêneros e mais de mil e quinhentas espécies com centro de dispersão nas regiões tropicais, mas espalhada em todo o mundo. São plantas de hábito variado, com ervas, arbustos e árvores. Dentre as cultivadas destacam-se espécies de Hibiscus com variedades introduzidas da Ásia e Havaí, Malvaviscus, Malva, Abutilon. Certas espécies de Hibiscus produzem frutos comestíveis como a rosélia e a vinagreira.

LUKEFAHR et al. (1986)LUKEFAHR, M.J; BARBOSA, S; BRAGA SOBRINHO, R. Plantas hospedeiras do bicudo com referência especial à flora brasileira. In: BARBOSA, S.; LUKEFAHR, M.J.; BRAGA SOBRINHO, R. O bicudo do algodoeiro. Brasília: EMBRAPA - DDT, 1986. p.275-285 (Documentos, 4). afirmam que por ter o bicudo se estabelecido ao sul do Equador, terá acesso a múltiplas espécies de plantas em sua expansão geográfica e muitas dessas espécies poderão servir como novas hospedeiras. Nas regiões onde o inverno não é rigoroso, a sobrevivência do bicudo, que não entra em diapausa, está condicionada à presença de hospedeiras alternativas que servem de alimento. Neste particular, poucos estudos foram feitos, principalmente, nas regiões de climas tropicais.

O ensaio foi instalado em 22/1/98, no Laboratório de Entomologia Econômica, no Centro Experimental Central do Instituto Biológico (CEIB), em Campinas, SP. Para a obtenção dos bicudos foram coletados do solo, botões florais de algodoeiro IAC-22, contendo em seu interior larvas de 28 e 38 ínstar. No laboratório esses botões foram acondicionados em cuba de vidro recoberta com tela de nylon. Após a emergência os adultos foram transferidos para uma gaiola onde receberam botões florais e maçãs novas de algodoeiro para alimentação. As espécies de Malvaceae utilizadas foram Hibiscus rosa-sinensis (Fig. 1), Hibiscus schizopetalus (Fig. 2) (tribo Hibisceae), Malvaviscus arboreus (Fig. 3) (tribo Malvaviceae), Abutilon striatum (Fig. 4) (tribo Malvaeae), presentes em cercas vivas e jardins do CEIB e Hibiscus tiliaceus (Fig. 5) (tribo Hibisceae) que se encontra no viveiro do Parque Ecológico, em área adjacente ao CEIB. Para cada espécie foi coletado no campo, diariamente, um botão floral que, no laboratório, foi mantido com água em frascos de 4,5 cm de altura e 1,5 cm de diâmetro.Os frascos foram colocados sobre a parte interna de uma placa de Petri com 2,0 cm de altura e 13,5 cm de diâmetro, revestida com papel filtro. Esse conjunto foi coberto por um recipiente de vidro, com altura de 19,0 cm e diâmetro superior de 6,5 cm e inferior de 8,0 cm, cuja extremidade superior foi vedada por tela de nylon presa por elástico, enquanto a inferior permaneceu sobre a placa de Petri, formando uma gaiola. Em 4/2/98, cinco adultos (três fêmeas e dois machos) foram colocados em cada gaiola e, para cada espécie de planta, utilizou-se quatro gaiolas. Essas foram mantidas em sala de criação de insetos com temperatura de 25± 2º C, umidade relativa média de 74,6 % e fotofase de 10 horas.

Fig. 1
Hibiscus rosa-sinenesis.

Fig. 2
Hibiscus schizopetalus.

Fig. 3
Malvaviscus arboreus.

Fig. 4
Abutilon striatum.

Fig. 5
Hibiscus tiliaceus.

Os botões florais foram trocados diariamente assim como o papel filtro e o frasco com água.Os recipientes de vidro e as telas de nylon foram substituídos semanalmente. Após a troca os botões foram examinados para a constatação de danos e depois da morte de cada bicudo foram determinados sexo e longevidade.

Os dados relativos à longevidade dos bicudos alimentados com botões florais de diferentes espécies de Malvaceae encontram-se na Tabela 1. Pode-se verificar que os bicudos alimentados com espécies de Hibiscus, principalmente Hibiscus tiliaceus, foram os mais longevos (225 dias para machos e 253 dias para fêmeas). Essa espécie, portanto, pode manter as populações do bicudo durante a entressafra do algodoeiro. Nas condições do Estado de São Paulo o período da entressafra é de 90 dias e o botão floral (estrutura preferencial para a oviposição) tem início aos 45 dias do plantio, isto significa que a disponibilidade em campos de algodão, para o bicudo, será aos 120 dias, após o término da safra anterior, por isso as espécies que permitem a sobrevivência dos bicudos além dos 120 dias, podem ser consideradas hospedeiras alternativas de alimentação.

Tabela 1
Longevidade média (dias) para bicudos criados em diferentes espécies de Malvaceae, Campinas, SP. 1998.

Os bicudos alimentados com Malvaviscus arboreus e Abutilon striatum apresentaram longevidade bastante reduzida. Em M. arboreus viveram machos e fêmeas, respectivamente, 42 e 95 dias, no máximo, e em A. striatum 17 e 50 dias. Para a maioria das espécies avaliadas as fêmeas apresentaram vida mais longa do que os machos exceto os criados em H. tiliaceus onde foram mais longevos, em média, 1,2 dias do que as fêmeas.

CHANDLER & WRIGHT (1991)CHANDLER, L.D. & WRIGHT, J.E. Longevity of the boll weevil (Coleoptera: Curculionidae) on cotton and alternate feeding sources under various temperature regimes in the laboratory. J.Econ. Entomol., v. 84, n.6, p.16991704, 1991. afirmam que os botões florais de Hibiscus cannabinus L. e Hibiscus esculentus L. = Abelmoschus esculentus tem uma menor importância na sobrevivência do bicudo, entretanto, em Hibiscus rosa-sinensis os bicudos podem viver mais do que 120 dias. Nas condições do presente trabalho a longevidade média nessa espécie foi de 75,0 dias, em combinação de sexo, sendo que o exemplar mais longevo viveu 116 dias. GABRIEL et al. (1986)GABRIEL, D.; CALCAGNOLO, G.; T ANCINI, R.S.; DIAS NETTO, N. Estudos de biologia do Anthonomus grandis Boheman, 1843 (Coleoptera; Curculionidae) em condições de laboratório. Biológico, São Paulo, v.52, n.10/12, p.83-90, 1986. estudaram em condições de laboratório (temperatura média de 22,18º C e umidade relativa média de 79,3%) a algodoeiro, flores de H. rosa-sinensis e fruto de banana Musa sp. e encontraram os valores médios, respectivamente, de 98, 72 e 85 dias, determinados em combinação de sexos.

Quanto aos danos ocasionados o bicudo demonstrou preferência pelos diferentes componentes florais, conforme a espécie. Em A striatum praticamente não houve danos. Em M. arboreus foram danificados pétalas, andróforo, anteras, estames, cálice, estigma e estilo. Para H. schizopetalus e H. rosa-sinensis, com exceção do cálice, os demais componentes foram danificados. Para H. tiliaceus os danos foram nas pétalas, anteras e estames.

MARENGO L. & WHITCOMB (1993)MARENGO, L.R.M. & WHITCOMB, W.H. Hospederas alternantes del picudo mejicano del algodonero (Anthonomus grandis Boh.). Asunción: Ministério de Agricultura y Ganaderia, 1993. 40 p. (Publicacion Miscelanea, 27) avaliaram dezoito botões florais, duas flores e três frutos de Abutilon spp. e sete botões florais de M. arboreus e não constataram danos pelo bicudo nessas estruturas.

Segundo HARDEE et al. (1999)HARDEE, D.D.; JONES, G.D.; ADAMS, L.C. Emergence, movement, and host plants of the boll weevils (Coleoptera:Curculionidae) in the Delta of Mississippi. J. Econ. Entomol., v 92, n.1, p.130-139, 1999., embora larvas de bicudo se alimentem em botões florais e frutos de Malvaceae: Gossypieae, os adultos têm uma ampla distribuição de recursos alimentícios e alimentamse de uma variedade de malváceas incluindo Abutilon, Cienfuegosia, Gossypium, Hampea, Hibiscus, Sida, Sphaeralcea e Thespesia. Fontes alternativas de alimento tem um papel significativo na sobrevivência dos bicudos, especialmente, durante períodos de entressafra. Esse fato tem sugerido que o bicudo alimentando-se em plantas que não pertencem a Malvaceae, durante períodos de entressafra, reflete uma adaptação evolutiva para viver nos trópicos onde os bicudos se mantém ativos durante todo o ano.

Os resultados indicam que as espécies de Hibiscus, principalmente, H. tiliaceus são importantes na sobrevivência do bicudo. As observações de campo permitem afirmar que as temperaturas mais baixas (entressafra do algodoeiro) não afetam o desenvolvimento de H. tiliaceus, uma vez que com a chegada do solstício de inverno (21 de junho), essa continua a produzir botões, flores e frutos, o que garante a alimentação do inseto. Trabalhos devem ser conduzidos, no campo, a fim de verificar a densidade populacional dessa espécie em áreas próximas às de cultivo do algodoeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BURKE, H.R. & CLARK, W.E. Cienfuegosia drummondii as host of the boll weevil, Anthonomus grandis, in South Texas. In: Conference on Boll Weevil Supression, Management and Elimination Technology, 1974, Menphis, Tennessee. Proceeding,. p.12-21 (U.S. Agric. Res. Rep. ARS-S-171, 1976).
  • CHANDLER, L.D. & WRIGHT, J.E. Longevity of the boll weevil (Coleoptera: Curculionidae) on cotton and alternate feeding sources under various temperature regimes in the laboratory. J.Econ. Entomol, v. 84, n.6, p.16991704, 1991.
  • CROSS, W.H.; LUKEFAHR, M.J.; FRYXELL, P.A.; BURKE, H.R. Host plant of the boll weevil. Environ. Entomol, v. 4, n.1, p.19-26, 1975.
  • GABRIEL, D.; CALCAGNOLO, G.; T ANCINI, R.S.; DIAS NETTO, N. Estudos de biologia do Anthonomus grandis Boheman, 1843 (Coleoptera; Curculionidae) em condições de laboratório. Biológico, São Paulo, v.52, n.10/12, p.83-90, 1986.
  • HARDEE, D.D.; JONES, G.D.; ADAMS, L.C. Emergence, movement, and host plants of the boll weevils (Coleoptera:Curculionidae) in the Delta of Mississippi. J. Econ. Entomol, v 92, n.1, p.130-139, 1999.
  • JOLY, A.B. Botânica: introdução à taxonomia vegetal. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. 634p. (Ciências Puras, v.4).
  • LUKEFAHR, M.J; BARBOSA, S; BRAGA SOBRINHO, R. Plantas hospedeiras do bicudo com referência especial à flora brasileira. In: BARBOSA, S.; LUKEFAHR, M.J.; BRAGA SOBRINHO, R. O bicudo do algodoeiro Brasília: EMBRAPA - DDT, 1986. p.275-285 (Documentos, 4).
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  • STONER, A. Sphaeralcea sp as host of the boll weevil in Arizona. J. Econ. Entomol, v.61, n.4, p.1100-1101, 1968.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2002

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2002
  • Aceito
    18 Mar 2003
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