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FLUTUAÇÃO POPULACIONAL DAS ESPÉCIES DE OPHYRA ROBINEAU-DESVOIDY (DIPTERA, MUSCIDAE, AZELIINAE), EM PELOTAS, RS

POPULATION FLUCTUATION OF SPECIES OF OPHYRA ROBINEAU-DESVOYDI (DIPTERA, MUSCIDAE, AZELIINAE) IN PELOTAS, RS

RESUMO

Com o objetivo de conhecer as espécies de Ophyra que ocorrem em Pelotas, bem como estimar a flutuação populacional destas espécies, foram instaladas três armadilhas orientadas pelo vento (W.O.T. = Wind Oriented Trap), no Campus da Universidade Federal de Pelotas. As armadilhas foram instaladas com fígado bovino em decomposição como atrativo, durante os três anos do experimento. Foram capturados 132.466 dípteros, sendo que 5.607 (4,23%) pertenciam ao gênero Ophyra representado pelas espécies O. aenescens; O. albuquerquei; O. chalcogaster e O. solitaria, com freqüências de captura de 1,59%; 2,15%; 0,45% e 0,04%, respectivamente. Constatou-se que, nos meses com temperatura média mensal inferior a 15,4oC, não houve captura de Ophyra ou a população foi muito reduzida. Durante o período experimental a densidade relativa, mensal e anual, das espécies de Ophyra apresentaram variações estatisticamente significativas, o que também ocorreu com o modelo populacional anual.

PALAVRAS-CHAVE:
Ophyra; Muscidae; flutuação populacional.

ABSTRACT

In order to survey the Ophyra species that occur in Pelotas and estimate population fluctuation three W.O.T. (Wind Oriented Trap) traps were established at the university campus for three years. The traps were baited with decaying bovine liver. A total of 132,466 Diptera were captured, 5,607 (4.23%) belonging to the genera Ophyra, represented by the species O. aenescens; O. albuquerquei; O. chalcogaster and O. solitaria with the respective frequencies of 1.59%, 2.15%, 0.45% and 0.04%. It was observed that in the months with mean temperature lower than 15.4oC, there was no capture of Ophyra. During the experimental period, the relative density of Ophyra species demonstrated significant difference, among the months and years.

KEY WORDS:
Ophyra; Muscidae; populational.fluctuation

INTRODUÇÃO

As espécies de Ophyra Robineau-Desvoidy (Muscidae, Azeliinae) são moscas freqüentemente associadas a granjas avícolas e de suínos e lixos urbanos, aparentemente sem hábitos domiciliares.

SKIDMORE (1985)SKIDMORE, P. The biology of the Muscidae of the world. Dordrecht: Junk Publishers, 1985. 550p. mencionou que Ophyra pertence a sub-família Azeliinae, a qual possui muitas espécies carnívoras facultativas ou obrigatórias, na fase larval, bem como, espécies coprófagas/saprófagas. Relatou ainda que poucas espécies de Ophyra, dispersas pelo mundo através do comércio, são sinantrópicas, atuando principalmente como reguladoras de populações de moscas, e deste modo primariamente benéficas ao homem. A sinantropia das espécies de Ophyra tem sido aborda por vários pesquisadores, destacando-se LINHARES (1981)LINHARES, A.X. Synantrhropy of Muscidae, Faniidae and Anthomyiidae (Diptera) in the city of Campinas, São Paulo, Brazil. Rev. Bras. Entomol., v.25, n.4, p.231-243, 1981. que, em Campinas, SP, registrou que O. aenescens e O. chalcogaster são atraídas por carcaça de camundongo e vísceras de galinha, em decomposição; com índices sinantrópicos, respectivos, de +67,2 e + 42,0 (fórmula de Nuorteva, 1963). CARVALHO et al. (1984)CARVALHO, C.J.B.; ALMEIDA , J.R.; JESUS, C.B. Dípteros sinantrópicos de Curitiba e arredores (Paraná, Brasil). I. Muscidae. Rev. Bras. Entomol., v.28, n.4, p.551-560, 1984., ao estudar muscídeos sinantrópicos em Curitiba, PR, e arredores, capturaram apenas quatro espécimens de O. aenescens, na área da mata e rural, representando 0,62% dos muscídeos capturados, usando como atrativo a sardinha.

Segundo ANDERSON & POORBAUGH (1964)ANDERSON, J.R. & POORBAUGH, J.H. Biological control possibility for house flies. Calif. Agr., v.18, n.9, p.2-4, 1964. sobre a natureza carnívora das larvas de Ophyra comentaram que uma larva de O. leucostoma (Wiedemann, 1817) (= O. ignawa), durante o desenvolvimento, pode predar de 2 a 20 larvas de M. domestica Linnaeus, 1758, por dia, matando mais larvas que pode consumir.

A maioria dos trabalhos mais recentes, sobre as espécies de Ophyra, aborda a possibilidade de aproveitamento dos hábitos carnívoros de suas larvas no controle biológico de M. domestica, principalmente em granjas de suínos e aves (GEDEN et al., 1988GEDEN, C.J.; STINNER, R.E.; AXTELL, R.C. Predation by predators of the housefly in poultry manure: Effects of predator density feeding history, interspecific interference, and field conditions. Environ. Entomol., v.17, p.320-329, 1988.; BETKE et al., 1989BETKE, P.; HIEPE, T.; MULLER, P.; RIBBECK, R.; SCHUKTKA, H.; SCHUMANN, H. Biological control of Musca domestica with Ophyra aenescens on pig production enterprises. Monastsh. Veterinaermed., v.44, p.842-844, 1989.; SCHUMANN, 1989SCHUMANN, H. Biological control, using the house fly predator Ophyra aenescens as an escaple. Wiss. Z. Humboldt Univ. Berl., Math. Naturwiss. Reihe, v.38, p.415-419, 1989.; YOUNGMAN et al., 1991YOUNGMAN, R.R. ; TURNER JR., E. C.; R EUZLER, P.L. Instructions on insectary establishment, mass rearing, and release of Ophyra aenescens. A house fly predator. Bull. Virginia Cooperative Extension, Virginia State, EUA, Public. n. 325, 1991.; OLCKERS & HULLEY, 1984OLCKERS, T. & HULLEY, P.E. Facultative predation of house fly larval by larvas of Ophyra capensis (Wiedemann) (Diptera: Muscidae). J. Entomol. Soc. South. Afr., v.47, p.231-237, 1984.), por soltura inundativa, com vantagens econômicas e ecológicas.

LEGNER & DIETRICK (1989)LEGNER, E.F. & DIETRICK, E.J. Coexistence of predatory Muscina stabulans and Ophyra aenescens (Dipt: Muscidae) with dipterous prey in poultry manure. Entomophaga, v.34, n.4, p.453-461, 1989. ao avaliar a coexistência de Muscina stabulans (Fallén, 1817) e Ophyra aenescens Wiedemann, 1830 com presas [M. domestica, Fannia femoralis (Stein, 1898) e Fannia canicularis (Linnaeus, 1761)], em fezes de aves de dez granjas da Califórnia, constataram relações significativas quanto à emergência, entre as espécies predadoras e presas. Todas as espécies de Diptera, especialmente O. aenescens e F. femoralis, responderam ao esterco disponível, alcançando densidades mais baixas em granjas com maior superfície de cria. Consideraram que as espécies predadoras muitas vezes funcionam no controle natural, especialmente contra presas dominantes.

WILLIS et al. (1990)WILLS, L.E.; MULLENS, B.A.; MANDEVILLE, J.D. Effects of pesticides on filth fly predators (Coleoptera: Histeridae, Staphylinidae; Acarina: Macrochelidae, Uropodidae) in caged layer poultry manure. J. Econ. Entomol., v.83, n.2, p.451-457, 1990. relataram a existência de numerosos artrópodos predadores de moscas, em fezes de aves, nos Estados Unidos, ocupando posição de destaque coleópteros histerídeos e estafilinídeos, ácaros macroquelídeos e uropodídeos e larvas do gênero Ophyra.

Na natureza, as populações de insetos flutuam em função do tempo devido à ação dos fatores ecológicos. Desta forma, no estudo da população de qualquer inseto, deve ser considerado também estas variações numéricas dadas pelas flutuações populacionais (SILVEIRA-NETO, 1976SILVEIRA-NETO, S. Manual de ecologia dos insetos. São Paulo: Ed. Agronômica Ceres, 1976. 419p.).

STEIN & KNOLL (1972)STEIN, W. & KNOLL, K.H. Zum Aufreten Von Ophyra aenescens (Wiedmann) (Dipt.,Muscidae) in Deustechland I. Phänologie auf einer Mülldeponie. Z. Angew. Zool., v.59, n.4, p.433-438, 1972.apudSKIDMORE (1985)SKIDMORE, P. The biology of the Muscidae of the world. Dordrecht: Junk Publishers, 1985. 550p. constataram que, na Alemanha, as populações de Ophyra alcançam pique populacional em setembro e outubro (outono) e trabalhos posteriores constataram que isto é normal.

MOURA et al. (1997)MOURA, M.O.; CARVALHO, C.J.B.; MONTEIRO-FILHO, E.L.A. A preliminary analysis of insects of medical-legal importance in Curitiba, State of Paraná. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, v.92, n.2, p.269-274, 1997., em uma avaliação preliminar dos insetos de importância médico-criminal, em Curitiba, PR, avaliaram a associação dos insetos mais comuns com carcaça de Rattus novergicus e registraram a ocorrência apenas de O. albuquerquei, no outono.

DAJOZ (1983)DAJOZ, R. Ecologia geral. Petrópolis: Editora Vozes, 1983. 472p., revisando flutuações populacionais, mencionou as experiências de Nicholson ao constatar que em Lucilia cuprina (Wiedemann, 1830), em condições de laboratório, quando mantida com alimentação limitada para larvas e abundante para adultos, ocorriam flutuações regulares da população, pois as larvas ao tornarem-se numerosas entravam em competição, provocando alta mortalidade. Quando as larvas recebiam alimentação em abundância e os adultos limitada, ocorria diminuição da fecundidade dos adultos, com redução da população, seguida pelo estabelecimento de flutuações regulares da população.

HO (1990)HO, T.M. Phoretics association between Macrocheles muscadometicae (Acari: Macrochelidae) and flies inhabiting poultry manure in Peninsular Malaysia. Exp. Appl. Acaral., v.10, n.1, p.61-68, 1990., avaliando a associação forética entre Macrocheles muscadomesticae (Scopoli, 1772) (Acari: Macrochelidae) e moscas em granjas de aves, constatou que 0,9% dos espécimens de Ophyra chalcogaster possuiam este ácaro.

BATISTA (1998)BATISTA, Z.R. Dermatobia hominis (L. Jr., 1781) (Diptera: Oestridae: Cuterebrinae): ciclo silvestre e ecologia das infestações de bovinos pelo berne no município de Pedro Leopoldo. Belo Horizonte: 1998. 101p. [Tese (Doutorado), Departamento de Parasitologia, Universidade Federal de Minas Gerais]. fez o primeiro registro, no Brasil, da veiculação de ovos de Dermatobia hominis (Linnaeus Jr., 1781) por Ophyra aenescens, em Minas Gerais. Capturou oito espécimens com posturas de D. hominis, do total de 320 espécimens capturados.

Com a finalidade de proporcionar conhecimentos adicionais sobre as espécies de Ophyra, em Pelotas, na tentativa de viabilizar manejo integrado de moscas sinantrópicas, o presente trabalho tem por objetivo, estimar a freqüência e a flutuação populacional mensal das espécies de Ophyra em Pelotas, RS.

MATERIAL E MÉTODOS

Para estimar a flutuação populacional das espécies de Ophyra, foram utilizadas três armadilhas orientadas pelo vento W.O.T. (Wind Oriented Trap = armadilha orientada pelo vento), construídas de acordo com BROCE et al. (1977)BROCE, A.B.; GOODENOUGH, J.L.; COPPEDGE, J.R. A wind oriented trap for screw worm flies. J. Econ. Entomol., v.70, n.4, p.413-416, 1977., modificadas por OLIVEIRA (1980)OLIVEIRA, C.M.B. Biologia, flutuação populacional e patologia de Cochliomyia hominivorax (Coquerel, 1858). Rio de Janeiro: 1980. 100p. [ Tese (Doutorado) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro]..

As armadilhas foram instaladas no Campus da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), próximas a residências esparsas, em ambiente modificado pelo homem, com criação de animais domésticos. O Campus (latitude 31o 52’ 00” S, longitude 52o 21’ 24” O e altitude de 13,24 m) está localizado no Município de Capão do Leão, que faz parte da Região Encosta do Sudeste do RS.

As armadilhas foram iscadas com 500 g de fígado bovino, em decomposição. As iscas, antes de serem utilizadas, foram expostas à temperatura ambiente dois a três dias e, posteriormente, com bom teor de umidade, colocadas no interior das armadilhas, em recipiente plástico com 12 cm de diâmetro e 7 cm de profundidade. Semanalmente, substituía-se 50% da isca, com o objetivo de reativar o princípio atrativo, observando-se o seu teor de umidade.

As armadilhas foram suspensas em árvores a uma altura do solo de 1,20 m e eqüidistantes 50 m permanecendo instaladas 24 horas por dia, durante todo o período experimental.

O período de acompanhamento do experimento foi de 01/06/93 a 31/05/94 e 01/06/95 a 31/05/97, totalizando três anos.

Todos os dípteros capturados foram retirados duas vezes por semana, onde foram mortos, previamente no interior das armadilhas, com piretróide em aerossol. O material coletado foi individualizado, em frascos por armadilha, levados ao laboratório para identificação e contagem.

As espécies de Ophyra foram identificadas, conforme PAMPLONA & COURI (1989)PAMPLONA, D. & COURI, M.S. Revisão das espécies neotropicais de Ophyra Robineau-Desvoidy, 1830 (Diptera: Muscidae, Azeliinae). Mem. Inst. Oswaldo Cruz, v. 84, n.4, p.419-429, 1989., com auxílio de estereomicroscópio e os demais dípteros foram considerados “outros dípteros”.

Para estimar a flutuação populacional de cada espécie, utilizou-se a média mensal de espécimes das três armadilhas.

Os dados meteorológicos de temperatura média mensal e precipitação pluviométrica foram obtidos junto à Estação Agroclimatológica do Campus da UFPel.

Análise estatística

Para estimar e avaliar a flutuação populacional das espécies de Ophyra, foram utilizadas três armadilhas (repetições) durante três anos e o número de espécimes mensais foi analisado anualmente de acordo com o seguinte esquema:

Causas da Variação Graus de Liberdade Anos 2 Meses 11 Interação Anos x Meses 22 Resíduo 72 Total 107

A flutuação populacional foi avaliada através da análise de regressão polinomial, decompondo a interação através do estudo do comportamento dos valores capturados, ao longo dos meses, para cada um dos anos estudados. Os valores (espécimens capturados por armadilha) foram transformados para log (x+10).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período experimental, foram capturados 132.466 dípteros (Tabela 1), nas três armadilhas utilizadas. Deste total, 4,23% pertenciam ao gênero Ophyra, representado por quatro espécies O. aenescens; O. albuquerquei Lopes, 1985; O. chalcogaster (Wiedemann, 1824) e O. solitaria Albuquerque, 1858. As demais espécies eram dípteros Muscidae, Sarcophagidae, Fanniidae, Anthomyiidae e Calliphoridae.

A diversidade e quantidade de moscas capturadas, deve-se, logicamente, aos fatores bióticos e abióticos do local de captura. Entretanto, quanto à quantidade e à eficiência da armadilha W.O.T., idealizada por BROCE et al. (1977)BROCE, A.B.; GOODENOUGH, J.L.; COPPEDGE, J.R. A wind oriented trap for screw worm flies. J. Econ. Entomol., v.70, n.4, p.413-416, 1977. para moscas, deve-se considerar que as armadilhas permaneceram instaladas (24 horas por dia) durante todo o período experimental. Esta armadilha instalada a ±1,20m do solo, orientando sua abertura constantemente no sentido do vento, mantém a forte orientação das moscas em direção ao atrativo, o que a torna eficaz.

A grande diversidade de espécies capturadas, deve-se à isca (fígado bovino, em decomposição), cuja influência foi decisiva para esta variável, demonstrando um largo espectro atrativo. Resultados similares foram obtidos por OLIVEIRA (1980)OLIVEIRA, C.M.B. Biologia, flutuação populacional e patologia de Cochliomyia hominivorax (Coquerel, 1858). Rio de Janeiro: 1980. 100p. [ Tese (Doutorado) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro]., no Rio de Janeiro, RJ; BATISTA (1998)BATISTA, Z.R. Dermatobia hominis (L. Jr., 1781) (Diptera: Oestridae: Cuterebrinae): ciclo silvestre e ecologia das infestações de bovinos pelo berne no município de Pedro Leopoldo. Belo Horizonte: 1998. 101p. [Tese (Doutorado), Departamento de Parasitologia, Universidade Federal de Minas Gerais]., em Pedro Leopoldo, MG; VIANNA (1998)VIANNA, E.E.S.; BRUM, J.G.W.; RIBEIRO, P.B.; SILVEIRA JR., P. Synanthropy of Calliphoridae (Diptera) in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil. Rev. Bras. Parasitol. Vet., v.7, n.2, p.141-147, 1998., em Pelotas, RS e COSTA et al. (1992)COSTA, P.R.P.; WIEGAND, M.M.; BRUM, J.G.W.; RIBEIRO, P.B. Flutuação populacional das espécies de Chrysomya (Diptera, Calliphoridae) no Município de Capão do Leão, RS. Arqu. Bras. Med. Vet. Zootec., v.44, n.4, p.289-296, 1992., no Município do Capão do Leão, RS.

A diversidade de dípteros atraídos pelo fígado bovino, em decomposição, possivelmente deve-se ao fato do fígado ocupar lugar de relevo no cenário bioquímico corporal. Suas funções são múltiplas e atingem elevadíssimo grau de complexidade, com reserva tissular a ponto de manter suas funções inalteradas com apenas 15% de suas estruturas (MILLER & GONÇALVES, 1995MILLER, O. & GONÇALVES, R.R. Laboratório para o clínico. Belo Horizonte: Ed. Atheneu, 1995. 607p.). O fígado armazena glicose sob a forma de glicogênio, secreta proteínas plasmáticas e lipoproteínas, bilirrubina, sais biliares e IgA, desintoxica drogas e toxinas (CORMACK, 1984CORMACK, D.H. Histologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1984. 388p.). Este órgão possui aspectos fisiológicos complexos, estimando-se que mais de 500 atividades metabólicas sejam efetuadas por uma célula hepática, com a participação de centenas de enzimas (ROBBINS, 1968ROBBINS, S.L. Tratado de patologia. México, DF: Ed. Interamericana, 1968. 1332p.). Toda esta diversidade bioquímica, em decomposição, certamente deve produzir uma grande diversidade de apneumônios, o que possivelmente explica o grande número de espécies de insetos capturados. O termo apneumônio foi empregado, pela primera vez, por NORDLUND & LEWIS (1976) apudALI & MORGAN (1990)ALI, M.F. & MORGAN, E.D. Chemical communication in insect communities: A guide to insect pheromones with special emphasis on social insects. Biol. Rev., v.65, p.227-247, 1990. para designar semioquímicos exalados de matéria orgânica em decomposição.

As espécies do gênero Ophyra que ocorrem, bem como as respectivas freqüências, podem ser observadas na Tabela 1, onde se constata que a O. albuquerquei e O. aenescens representaram respectivamente 2,15% e 1,59% do total de dípteros capturados. Já as espécies O. chalcogaster e O. soltaria foram pouco representativas, com freqüências respectivas de 0,45% e 0,04%. PAMPLONA & COURI (1989) realizaram uma revisão das espécies neotropicais de Ophyra, registrando as espécies Ophyra aenescens (Wiedemann, 1830), O. capensis (Wiedemann,1818), O. chalcogaster (Wiedemann, 1824), O. leucostoma (Wiedemann, 1817), O. solitaria Albuquerque, 1958 e O. albuquerquei Lopes, 1985.

Fig. 1
Flutuação populacional de Ophyra aenescens, no período de junho a maio 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

Fig. 1.1
Representação gráfica do modelo matemático da flutuação populacional de Ophyra aenescens, no período de junho a maio 93/94 e 95/96, em Pelotas, RS.

Fig. 2
Flutuação populacional de Ophyra albuquerquei, no período de junho a maio 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

Fig. 2.1
Representação gráfica do modelo matemático da flutuação populacional de Ophyra albuquerquei, no período de junho a maio 93/94 e 95/96, em Pelotas, RS.

Fig. 3
Flutuação populacional de Ophyra chalcogaster, no período de junho a maio 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

Fig. 3.1
Representação gráfica do modelo matemático da flutuação populacional de Ophyra chalcogaster, no período de junho a maio 93/94 e 95/96, em Pelotas, RS.

Fig. 4
Flutuação populacional de Ophyra solitaria, no período de junho a maio 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

Fig. 4.1
Representação gráfica do modelo matemático da flutuação populacional de Ophyra solitaria, no período de junho a maio 95/96, em Pelotas, RS.

Tabela 1
Freqüência de captura das espécies de Ophyra e “outros dípteros”, em armadilhas W.O.T., iscadas com fígado bovino, em decomposição, em Pelotas, RS, nos períodos de junho/93 a maio/94 e junho/95 a maio/97. Outros dípteros: Calliphoridae, Sarcophagidae, Fanniidae, Anthomyiidae e outros gêneros de Muscidae.

Flutuação populacional de Ophyra aenescens

Durante o período experimental (três anos), a temperatura média mensal variou de 9,4oC a 23,9oC (Tabela 2), não havendo captura de O. aenescens em temperaturas inferiores a 11,4oC, nem superiores a 23,4oC. Foram capturados 92,46% dos espécimens, na faixa de temperatura média mensal entre 15,5oC e 23,4oC, sendo que a maior freqüência (39,12%), ocorreu na faixa de 21,4oC a 23,4oC.

Tabela 2
Distribuição de freqüências da captura de Ophyra aenescens, de acordo com a temperatura média mensal, no Campus da UFPel, no período de junho/93 a maio/94 e junho/95 a maio/97.

Na Tabela 3, constata-se que durante os 36 meses do período experimental, 22 meses apresentaram temperatura média mensal superior a 15,4oC, com captura de O. aenescens em 18 meses. Dos 14 meses com temperatura média mensal inferior a 15,4oC, apenas em sete meses houve captura de O. aenescens. Resultados estes que estão de acordo com LINHARES (1981)LINHARES, A.X. Synantrhropy of Muscidae, Faniidae and Anthomyiidae (Diptera) in the city of Campinas, São Paulo, Brazil. Rev. Bras. Entomol., v.25, n.4, p.231-243, 1981. que, ao avaliar a variação populacional mensal de O. aenescens, na cidade de Campinas, SP, constatou ser esta espécis muito termófila, com ausência nos meses frios.

Tabela 3
Associação entre a temperatura média mensal e a presença de adultos de Ophyra aenescens, em armadilha W.O.T., no Campus da UFPel, no período de junho a maio de 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

A flutuação mensal da população de O. aenescens, capturada no Campus da UFPel, no período de junho/ 93 a maio/94 e junho/95 a maio/97, pode ser observada na Figura 1. Nesta figura constata-se que nos meses de julho, agosto e setembro, dos três anos do período experimental, não houve captura de O. aenescens, demonstrando ser este o período crítico para a espécie, na região de Pelotas. No período 93/94 o surgimento da espécie, após o período crítico, foi em novembro, enquanto que em 95/96 foi em outubro, com o maior acme populacional de todo o período experimental. Isto devese, possivelmente, ao fato da temperatura média mensal, em julho, estar acima da temperatura média normal. LOMÔNACO & PRADO (1994)LOMÔNACO, C. & PRADO, A.P. Estrutura comunitária e dinâmica populacional da fauna de dípteros e seus inimigos naturais em granjas avícolas. An. Soc. Entomol. Bras., v.23, n.1, p.71-80, 1994., em Uberlândia, MG, constataram que o pico de ocorrência de O. aenescens coincide com o pico de ocorrência de M. domestica, nos meses de dezembro e janeiro. A pequena diferença de sazonalidade das populações de O. aenescens, nas duas regiões, certamente deve-se às peculiaridades bióticas e abióticas de cada região.

Durante o período junho/96 a maio/97, a captura de O. aenescens foi muito reduzida, possivelmente devido ao fato de neste período ter ocorrido os dois extremos de temperatura média mensal, com 9,4oC, em julho/96 e 23,9oC, em janeiro/97. O fato da temperatura média de julho/96 (período crítico) estar bem abaixo da temperatura média normal (12,6oC) deve ter provocado um impacto negativo muito grande sobre a população de O. aenescens. Contribuindo ainda, para esta baixa densidade populacional no período, está a temperatura média mensal de 23,9oC, em janeiro/97, que esteve acima da temperatura normal (23,3oC).

O modelo da flutuação populacional de O. aenescens, registrado na Figura 1, evidencia graficamente que as temperaturas extremas são limitantes para as populações desta espécie, em Pelotas. Não existe evidência gráfica da influência da precipitação pluviométrica sobre a flutuação populacional de O. aenescens, certamente devido ao fato da precipitação estar distribuída ao longo do ano.

Pela análise da variação do esquema anos x meses, em delineamento Inteiramente Casualizado, com três repetições, observou-se que todos os fatores foram altamente significativos.

Causas da GL SQ QM Valor F Prob. >F VariaçãoAno 2 8,735 4,36 12,83 0.00008 Mês 11 14,634 1,33 3,90 0.00034 Ano x Mês 22 24,170 1,09 3,22 0.00020 Resíduo 72 24,510 0,34 Total 107 72,050 GL - Graus de Liberdade SQ - Soma dos Quadrados QM - Quadrado Médio Prob. > F - Nível de significância

Tendo em conta os resultados da análise da variação ajustaram-se os polinômios para as densidades populacionais de O. aenescens, em função dos meses, dentro de cada um dos níveis do fator ano.

Para o primeiro ano (93/94) do experimento, a equação ajustada foi: Y i = 5,034 - 0,924xi + 0,073xi2 onde xi = 6,7,...,4,5 (ordem dos meses do ano). O coeficiente de determinação r2 = 0,86 indica um bom ajuste do modelo aos dados observados (Fig. 1.1).

Para o segundo ano (95/96), o modelo ajustado foi uma equação de 5o grau, como segue:

Yi = 5,810 - 5,239xi + 2,633xi2 - 0,538xi3 + 0,048xi4 0,002xi5, onde xi = 6,7,...,4,5 (ordem dos meses do ano). O coeficiente de determinação (r2 = 0,66) indica um regular ajuste do modelo aos dados observados (Fig.1.1).

No terceiro ano, não foi possível ajustar nenhum dos modelos testados aos dados observados, devido à baixa densidade populacional.

Flutuação populacional de Ophyra albuquerquei

A O. albuquerquei, a exemplo de O. aenescens, foi capturada com maior freqüência na faixa de temperatura de 15,5oC a 23,4oC, com 92,78% dos espécimens capturados. A classe com maior percentual de captura foi de 15,5oC a 17,4oC, com 46,67% do total capturado (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição de freqüências da captura de Ophyra albuquerquei, de acordo com a temperatura média mensal, no Campus da UFPel, no período de junho/93 a maio/ 94 e junho/95 a maio/97.

A Tabela 5 registra a associação entre a temperatura média mensal e a presença de O. albuquerquei, em armadilhas W.O.T., no Campus da Universidade Federal de Pelotas. Constatando-se que durante o período experimental (36 meses), 22 meses apresentaram temperatura média mensal superior a 15,4oC, com ocorrência de O. albuquerquei em 18 meses, sendo portanto, alta a probabilidade de captura de O. albuquerquei nos meses com temperatura média mensal superior a 15,4oC.

Tabela 5
Associação entre a temperatura média mensal e a presença de adultos de Ophyra albuquerquei, em armadilhas W.O.T., no Campus da UFPel, no período de junho a maio de 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

Quanto à flutuação populacional mensal, pode-se constatar na Figura 2, que a O. albuquerquei apresenta um modelo similar ao de O. aenescens (Fig. 1), possivelmente por responderem de mesma maneira aos fatores ambientais.

Tal fato foi confirmado pela análise da variação do esquema fatorial anos x meses, em delineamento Inteiramente Casualizado, com três repetições, que revela variação significativa para os fatores e interação.

Causas da Variação GL SQ QM Valor F Prob. >F Ano 2 9,569 4,78 11,49 0.00015 Mês 11 12,830 1,16 2,80 0.00455 Ano/ Mês 22 24,320 1,10 2,65 0.00124 Resíduo 72 29,980 0,41 Total 107 76,701 GL - Graus de Liberdade SQ - Soma dos Quadrados QM - Quadrado Médio Prob. > F - Nível de significância

Em razão dos resultados da análise da variação ajustaram-se os polinômios para as densidades populacionais de O. albuquerquei em relação aos meses, dentro de cada um dos níveis do fator ano.

No primeiro ano (93/94) do experimento a equação ajustada foi: Y i = 4,411 - 0,698xi + 0,057xi2 onde xi = 6,7,...,4,5 (ordem dos meses do ano). O coeficiente de determinação r2 = 0,82 indica um bom ajuste do modelo aos dados observados (Fig. 2.1).

Para o segundo ano (95/96), o modelo ajustado foi uma equação de 5o grau, como segue:

Yi = 5,532 - 5,029xi + 2,647xi2 - 0,561xi3 + 0,051xi4 0,002xi5, onde x i = 6,7,...,4,5 (ordem dos meses do ano). O coeficiente de determinação (r2 = 0,71) indica um regular ajuste do modelo aos dados observados (Fig.2.1).

A exemplo de O. aenescens, no terceiro ano, não foi possível ajustar nenhum dos modelos testados aos dados observados, devido à baixa densidade populacional.

Flutuação populacional de Ophyra chalcogaster

A O. chalcogaster foi capturada com maior freqüência (77,24%) na faixa de temperatura média mensal (Tabela 6) entre 19,5oC e 23,4oC.

Tabela 6
Distribuição de freqüências da captura de Ophyra chalcogaster, de acordo com a temperatura média mensal, no Campus da UFPel, no período de junho/93 a maio/94 e junho/95 a maio/97.

Quanto à associação entre a temperatura média mensal e a captura de O. chalcogaster, em Pelotas, constata-se na Tabela 7 que em 22 meses com temperatura superior a 15,4oC, em 14 houve captura de O. chalcogaster, enquanto que em 14 meses com temperatura inferior a 15,4oC, sete foram positivos para presença de O. chalcogaster.

Tabela 7
Associação entre a temperatura média mensal e a presença de adultos de Ophyra chalcogaster, em armadilhas W.O.T., no Campus da UFPel, no período de junho a maio de 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

Quanto à flutuação de O. chalcogaster, registrada na Figura 3, constata-se que não ocorreu um padrão durante o período experimental. No primeiro ano (93/94), o acme populacional foi em novembro, havendo um decréscimo populacional até maio; já no segundo período a população cresceu de fevereiro a abril, com queda em maio. No terceiro período (96/97) praticamente não houve captura de O. chalcogaster. A inexistência de uma flutuação populacional padrão possivelmente seja decorrente da baixa densidade populacional de O. chalcogaster na região, quando comparada a O. aenescens e O. albuquerquei. A exemplo de O. aenescens e O. albuquerquei, considerandose todo o período experimental, o período de menor captura foi o de junho a setembro.

Pela análise da variação do esquema fatorial anos X meses, em delineamento Inteiramente Casualizado, com três repetições, observou-se que todos os fatores foram altamente significativos.

Causas da Variação GL SQ QM Valor F Prob. >F Ano 2 3,.578 1,789 19,70 0.00001 Mês 11 4,919 0,447 4,92 0.00005 Ano x Mês 22 9,469 0,430 4,73 0.00001 Resíduo 72 6,539 0,090 Total 107 24,506 GL - Graus de Liberdade SQ - Soma dos Quadrados QM - Quadrado Médio Prob > F - Nível de significância

Pelos resultados da análise da variação foram ajustados os polinômios para as densidades populacionais de O. chalcogaster em função dos meses, dentro de cada um dos níveis do fator ano.

No primeiro ano (93/94) do experimento, a equação ajustada foi: Y i = 3,858 - 0,441xi + 0,032xi2, onde xi = 6,7,...,4,5 (ordem dos meses do ano). O coeficiente de determinação r2 = 0,83 indica um bom ajuste do modelo aos dados observados (Fig. 3.1).

Para o segundo ano (95/96), o modelo ajustado foi uma equação de 4o grau, como segue: Yi = 0,299 - 2,387xi - 0,598xi2 + 0,055xi3 - 0,002xi4, onde x i = 6,7,...,4,5 (ordem dos meses do ano). O coeficiente de determinação (r2 = 0,82) indica um bom ajuste do modelo aos dados observados (Fig. 3.1).

No terceiro ano, não foi possível ajustar nenhum dos modelos testados aos dados observados, devido à baixa densidade populacional.

Flutuação populacional de Ophyra solitaria

Na Tabela 8, como ocorreu com as demais espécies de Ophyra, constata-se que não ocorreu captura de O. solitaria nos meses com temperatura média mensal inferior a 11,5oC, nem superior a 23,4oC. Na freqüência absoluta observa-se que esta espécie foi a de menor captura, com 71,93% dos espécimens capturados na faixa de 19,5oC a 23,4oC.

Tabela 8
Distribuição de freqüências da captura de Ophyra solitaria, de acordo com a temperatura média mensal, no Campus da UFPel, no período de junho/93 a maio/94 e junho/95 a maio/97.

Na Tabela 9, constata-se que em apenas 10 meses do período experimental (36 meses), houve captura de O. solitaria, sete meses com temperatura média mensal superior a 15,4oC e três com temperatura inferior a 15,4oC. Comparando com as demais espécies, foi a que ocorreu durante menor período do experimento (36 meses).

Tabela 9
Associação entre a temperatura média mensal e a presença de adultos de Ophyra solitaria, em armadilhas W.O.T., no Campus da UFPel, no período de junho a maio de 93/94 e 95/97, em Pelotas, RS.

A flutuação populacional de O. solitaria está registrada na Figura 4, onde observa-se que houve captura praticamente apenas no segundo ano (95/ 96), com maior captura no período de outubro a janeiro. No primeiro ano (93/94), a densidade relativa foi insignificante, enquanto que no terceiro ano (96/97) não houve captura de O. solitaria. Em síntese, a captura de O. solitaria em Pelotas ocorreu esporadicamente durante o período experimental.

Pela análise da variação do esquema fatorial anos X meses, em delineamento Inteiramente Casualizado, com três repetições, observou-se que apenas o fator ano foi significativo.

Causas da Variação GL SQ QM Valor F Prob. >F Ano 2 0.1902665 0.0951332 6.0177 0.00417 Mês 11 0.1894567 0.0172233 1.0895 0.38192 Ano/ Mês 22 0.4933216 0.0224237 1.4184 0.13577 Resíduo 72 1.1382334 0.0158088 Total 107 2.0112782 GL - Graus de Liberdade SQ - Soma dos Quadrados QM - Quadrado Médio Prob. > F - Nível de significância

Mesmo com esses resultados, estudou-se o comportamento da flutuação populacional da O. solitaria emf unção dos meses, dentro de cada um dos níveis do fator ano.

No primeiro ano (93/94) do experimento, não foi possível ajustar nenhum dos modelos testados aos dados observados, devido a baixa densidade populacional do período.

Para o segundo ano (95/96), o modelo ajustado foi uma equação de 4o grau, como segue: Y i= 1,949 + 0,470xi - 0,164xi2+ 0,021xi3- 0,001x4 onde xi = 6,7,...,4,5 (ordem dos meses do ano). O coeficiente de determinação (r2 = 0,88) indica um bom ajuste do modelo aos dados observados (Fig.4.1).

No terceiro ano (96/97), não foi possível ajustar nenhum dos modelos testados aos dados observados, devido à baixa densidade populacional

Considerações Gerais

A flutuação populacional das espécies de Ophyra com densidades absolutas expressas nas Figuras 1, 2, 3 e 4, devido a grande variação da densidade mensal, dificultam a interpretação, pois não expressam com sensibilidade as pequenas variações. Entretanto, as Figuras 1.1, 2.1, 3.1 e 4.1, cujas densidades mensais foram analisadas após a transformação para log (x + 10), apresentam uma representação gráfica de alta sensibilidade, permitindo constatar com precisão as pequenas variações da densidade populacional.

A flutuação populacional das espécies de Ophyra, certamente encontra respaldo na revisão conclusiva de DAJOZ (1983) ao mencionar que as flutuações populacionais dos animais pecilotérmicos são muito mais dependentes dos fatores climáticos, quando comparados aos homeotérmicos. Quando o clima é favorável, o desenvolvimento dos pecilotérmicos é rápido, permitindo em pouco tempo alcançar altas densidades populacionais. No final do período favorável à ação combinada do clima, predadores e doenças reduzem rapidamente suas populações. O autor registrou também que a complexidade do ecossistema tem influência, pois quanto mais complexo, maior é o número de espécies que interferem e mais estáveis são as populações.

LARA (1992)LARA, F.M. Princípios de entomologia. São Paulo: Ed. Ícone, 1992. 331p. citou que as populações de insetos não são constantes, pois apresentam crescimento quando o ambiente é favorável e decréscimo quando sobrepujam os fatores desfavoráveis. Portanto, num determinado espaço de tempo as populações flutuam, na dependência dos fatores ambientais, conforme o local e a movimentação dos indivíduos na própria área ou de uma área para outra.

Durante o período experimental, o modelo matemático da flutuação populacional das espécies de Ophyra variou significativamente ao longo dos anos (três anos), demonstrando grande instabilidade populacional. Possivelmente esta variação seja justificada pela baixa capacidade de deslocamento das espécies, pois conforme BISHOPP & LAAKE (1921)BISHOPP, F.C. & LAAKE, E.W. Dispersion of flies by flight. J. Agric. Res., v.21, n.10, p.729-766, 1921., trabalhando com soltura e recaptura de moscas marcadas, para avaliar a dispersão pelo vôo, constataram que a distância máxima de dispersão de O. leucostoma e O. aenescens foi de 7,0 e 4,1 milhas, respectivamente. Consideraram inquestionável a influência do clima, sobre a dispersão, onde provavelmente a temperatura, umidade, radiação solar, direção e velocidade dos ventos, precipitação, pressão atmosférica e fenômenos elétricos, apresentam influências distintas. Os autores mencionaram ainda, a influência sazonal e a procura por alimento.

Devem ser considerados também, os aspectos de dispersão mencionados por Stein et al. (1977) apudSKIDMORE (1985)SKIDMORE, P. The biology of the Muscidae of the world. Dordrecht: Junk Publishers, 1985. 550p. ao registrarem que as fêmeas de O. aenescens têm limitada atividade de vôo, não sendo capazes de propagar mais de 4 milhas do local de criação. EL-DESSUOKI et al. (1978)EL-DESSOUKI, S. & STEIN, W. Untersuchungen uber die Insektenfauna von Mulldeponien. III. Die Ausbreitungstendenz von Fliegen einer Rottedeponie (Dipt., Muscidae und Calliphoridae). Z. Angew. Zool., v.65, n.3, p.367-375, 1978., avaliando as tendências da dispersão de moscas em fossas aeróbicas de lixo, sugerem que moscas sinantrópicas são atraídas para o ambiente humano se as condições ecológicas de dispersão forem mais fortes do que os atrativos do lixo. Trabalhando com soltura e recaptura de espécimens marcados, em fossas aeróbicas de lixo, verificaram que Lucilia sericata e O. aenescens não apresentam grande tendência para dispersar.

Seguramente a capacidade de dispersão influi no modelo da flutuação populacional, principalmente quando a densidade é baixa e a capacidade de dispersão da espécie é pequena. Considerando-se ainda, que a estabilidade populacional das espécies de insetos que desenvolvem em nichos efêmeros é mantida pela capacidade de deslocamento.

NOLAM III & KISSAM (1987)NOLAN III, M.P. & KISSAM, J.B. Nuisance potencial of a dump fly, Ophyra aenescens (Diptera: Muscidae), breeding poultry farms. Environ. Entomol., v.16, p.828-831, 1987., monitorando a população de O. aenescens, em granjas avícolas, constataram que mesmo com alta freqüência no aviário, já a 300-400 m, esta população é insignificante, concluindo que seu uso como estratégia de controle de Musca domestica é aceitável, pois sua migração para habitações humanas é mínima.

Outro fator a ser considerado é o fato das espécies de Ophyra serem predadoras, o que aumenta a dependência, tornando suas populações mais instáveis. Segundo SILVEIRA-NETO (1976)SILVEIRA-NETO, S. Manual de ecologia dos insetos. São Paulo: Ed. Agronômica Ceres, 1976. 419p., quando o predador é fortemente limitante ao ponto de reduzir a presa a extinção ou quase extinção, podem ocorrer violentas oscilações nas populações de predadores e presas, caso o predador não possa se alimentar de outras populações. Os nichos efêmeros das presas podem contribuir para esta instabilidade, mas possivelmente o hábito facultativo de predação de O. aenescens possa atenuar parcialmente esta influência.

CONCLUSÕES

  • - A variação dos modelos de flutuação populacional, das espécies de Ophyra, nos três anos do experimento, foi significativa;

  • - Conforme a metodologia empregada, as espéciesO. aenescens e O. albuquerquei foram as espécies mais prevalentes;

  • - A O. chalcogaster e a O. solitaria apresentaram baixa freqüência, sendo que a O. solitaria durante o período experimental foi capturada esporadicamente;

  • - As densidades relativas, mensais e anuais, das espécies de Ophyra apresentaram variações estatisticamente significativas;

  • - As temperaturas médias mensais baixas (< 15,4oC) são limitantes para as populações das espécies de Ophyra, pois, nestes meses, a ocorrência de adultos não foi registrada ou foi muito pequena.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2000

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2000
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