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LESÕES ANÁTOMO-HISTOPATOLÓGICAS EM RÃS-TOURO (RANA CATESBEIANA, SHAW, 1802) ASSOCIADAS À DETERIORAÇÃO DA RAÇÃO* * Artigo decorrente do trabalho “Lesões anátomo-histopatológicas em rãs-touro (Rana catesbeiana, Shaw, 1802) associadas à deterioração da ração”, apresentado no V ENBRAPOA & I ELAPOA, 1998, Maringá, PR.

ANATOMO-HISTO-PATHOLOGICAL LESIONS IN BULLFROGS (RANA CATESBEIANA, SHAW, 1802) ASSOCIATED WITH FEED DETERIORATION.

RESUMO

Em ranário próximo à São Paulo, relata-se grande perda de animais de engorda, manifestando apatia, inapetência, retardamento no crescimento, prolapso da cloaca, perda do tônus muscular e morte. A necropsia revelou fígado hipertrofiado, friável, de cor palha e manchado; coração hipertrofiado e isquêmico; rins hemorrágicos e hipertrofiados; intestinos hemorrágicos; reto e estômago edemaciados com paredes espessadas. Pela histopatologia, foi visto no fígado rarefação e degeneração celular protéica e hidrópica; no intestino, enterite, descamação epitelial e atrofia das vilosidades; no coração, dissociação das fibras musculares e, no baço, degeneração. O prolapso da cloaca está associado à enterite. Tais lesões sugerem um quadro degenerativo nutricional por intoxicação com deficiência protéica. No diagnóstico diferencial, a presença de aflatoxina foi negativa. No histórico do caso, o criador informou que a ração alterada foi ministrada aos animais por não ter outra disponível. Cuidados básicos no armazenamento da ração, bem como o conhecimento de alguns indicadores para uma ração deteriorada como mudança de cor, aspecto, odor, esfarelamento, grumos, compactação e bolor é fundamental, juntamente com um perfeito gerenciamento de estoque. Sugere-se a interrupção no fornecimento de alimento até que a ração seja substituída evitando-se as graves consequências decorrentes do uso do alimento deteriorado.

PALAVRAS-CHAVE:
Rã-touro; Rana catesbeiana; intoxicação; patologia; doença.

ABSTRACT

This article describes a great mortality of bullfrogs, in a frog farm near São Paulo City. There was observed apathy, inappetence, reduced growth rate, prolapse of rectum and lost of muscular tonnus. The anatomo-histo-pathologic lesions were observated in liver, friable, with alterations of colour and hiperthofic, and hidropic degeneration; in intestines, enteritis, epithelial descamation and atrophy of vilosities; in hearth, dissociation of cardiac musculature, and in spleen, degeneration. These lesions suggest an intoxication with proteic deficiency. The presence of aflatoxin was negative. The farmer feeded the frogs with feed storaged in bad conditions. The storage of feed in apppropiate places and knowledge of any signals of deteriorated feed is very important to avoid those cases, with a ideal management of feed stock. The stoped of alimentation by any days for the change of feed is preferable to avoid the consequent serious motivated by deteriorated feed.

KEY WORDS:
Bullfrog; Rana catesbeiana; intoxication; pathology; disease.

A ranicultura comercial é um fato incontestável na moderna aquicultura nacional. Devido a este crescimento, visando dar as garantias nutricionais necessárias a um pleno desenvolvimento dos animais com a facilitação no manejo alimentar, usam-se rações comerciais, especialmente recomendadas para a rãtouro. Por outro lado, as vezes, usam-se adaptações de rações destinadas à outros animais aquáticos como para os peixes. Problemas de abastecimento por parte do fabricante ou distribuidor levam o criador a adquirir uma quantidade maior ao que será consumido, fazendo um estoque.

Caso este estoque não for devidamente conservado, com o passar do tempo, pode deteriorar-se, mesmo dentro do prazo de validade. Quando o criador não está preparado para reconhecer esta deterioração, fornecendo tal ração aos animais, pode levar a uma situação grave, como a perda de grande número de animais.

A literatura consultada descreve inúmeros processos patológicos para os anfíbios, tais como infeccções, obstruções intestinais, parasitoses, neoplasias, doenças carências, aflatoxicoses e outras (ANVER & POND, 1984ANVER, M.R. & POND, C.L. Biology and disease of amphibians. In: FOX, J.G.; COHEN, B.J.; LOEW, F.M. (Eds.) Laboratory animal medicine. Orlando: Academic Press, 1984. p.427-447.; BALDASSI et al., 1995BALDASSI, L.; HIPOLITO, M.; SOUZA JR., F.L.; SOUZA, C.W.O. Presença de Clostridia em lesões de míiase bucal em rã-touro (Rana catesbeiana Shaw, 1802 ). Bol. Inst. Pesca, v.22, n.2, p. 95-102, 1995.; COOPER, 1987COOPER, J.E. Veterinary work with non-domesticated pets. IV. Lower vertebrates. Br. Vet. J., v.143, n.3, p. 192-202, 1987.; COOPER & SAINSBURY, 1997COOPER, J.E. & SAINSBURY, A.W. Espécies exóticas. São Paulo: Manole, 1997.; ELKAN, 1976ELKAN, E. Pathology in the amphibia. In: LOFTS, B. Physiology of the amphibia. London: Academic Press, 1976. p.273-311.; GRINER, 1983GRINER, L.A. Amphibians and reptiles. In: Pathology of zoo animals: a review of necropsies conducted over a fourteen-year period at the San Diego Wild Animal Park. San Diego: Zoological Society of San Diego, 1983. p. 3-17.; HIPOLITO, 1995aHIPOLITO, M. Causas de mortalidade na ranicultura. In: ENCONTRO NACIONAL DE RANICULTURA, 8., & INTERNATIONAL MEETING ON FROG RESEARCH AND TECHNOLOGY, 1, 1995. Viçosa/MG. Anais. Viçosa: ABETRA, 1995a . p. 199-207, v.2.; HIPOLITO et al., 1995bHIPOLITO, M.; BALDASSI, L.; CALIL, E.M.B.; MOULIN, A.A.P.; MACRUZ, R. Nódulos com depósito de cálcio em girinos e imagos de rã-touro (Rana catesbeiana Shaw, 1802). Bol. Inst. Pesca, v. 22, n. 2, p. 121-127, 1995b.; HIPOLITO et al., 1997HIPOLITO, M.; LEME, M.C.M.; MALLOZZI, M.A.B. Micotoxicose por aflatoxina B1 em rãs-touro (Rana catesbeiana SHAW, 1802). Arq.Inst.Biol., São Paulo, v.64, n.2, p.8186, 1997.; HIPOLITO et al., 1998HIPOLITO, M.; MOULIN, A.A.P.; CALIL, E.M.B.; BALDASSI, L.; PORTUGAL, M.A.S.C. Processos obstrutivos intestinais, por causas variadas, em rãs-touro (Rana catesbeiana Shaw, 1802 ) de criações comerciais no Estado de São Paulo, Brasil. Arq.Inst.Biol., São Paulo, v.65, n.2, p.103110, 1998.; SOUZA JR. et al., 1996SOUZA JR., F.L.; MARTINS, M.L.; HIPOLITO, M. Anfíbios. In: DE LUCA, R.R.; ALEXANDRE, S.R.; MARQUES, T.; SOUZA, N.L.; MERUSSE, J.L.B.; NEVES, S.P. (Eds.). Manual para técnicos em bioterismo. São Paulo: COBEA, 1996. p. 239-259.). Até o presente, este parece ser o primeiro caso de intoxicação associado à deterioração de ração.

Esta comunicação destaca a importância do manejo sanitário e nutricional para a moderna ranicultura comercial, que visando racionalizar e dinamizar as criações, passou a utilizar rações comerciais, além da melhoria na qualidade e quantidade dos nutrientes presentes nestes produtos. Porém falhas no acondicionamento da ração podem comprometer este avanço, portanto sua conservação deve ser a melhor possível, evitando-se sua deterioração e as graves conseqüências que disto decorrem.

Estudou-se animais em fase de engorda, provenientes de ranário da região da Grande São Paulo. Segundo o criador, “havia saída de sangue pelo ânus e ficavam deitados” (sic) , sendo que a maioria dos espécimenes estava aparentemente normal, alguns com pequenas lesões ulcerativas externas e sem mudanças na coloração da pele, manifestando apatia, inapetência e desenvolvimento retardado. A maioria que apresentava este sinal evoluia para a morte.

Dos 10 animais vivos encaminhados para exame, dois apresentavam prolapso de cloaca, confundido com perda de sangue pelo ânus (Fig. 1), enquanto que outros manifestavam atonia muscular. A necropsia destes animais revelou fígado hipertrofiado, friável, de cor palha e manchado; coração hipertrofiado e isquêmico; rins hemorrágicos e hipertrofiados; intestinos hemorrágicos; reto edemaciado; estômago também edemaciado com paredes espessadas e grande quantidade de muco (Fig. 2).

Fragmentos deste órgãos foram fixados em formol neutro a 10% e preparados para histopatologia pela técnica da hematoxilina-eosina após inclusão em parafina com cortes de 5 µ, observados por microscopia óptica comum por transmissão de luz.

A histopatologia revelou rarefação e degeneração celular protéica e hidrópica no fígado; enterite, descamação epitelial e atrofia das vilosidades no intestino; o coração apresentou dissociação das fibras musculares, e o baço, degeneração (Figs. 3 a 5). O prolapso da cloaca está associado à enterite.

As lesões sugerem um quadro degenerativo nutricional por intoxicação com deficiência protéica (HUTYRA et al., 1973HUTYRA, F.; MAREK, J.; MANNIGER, R. Patologia y terapéutica especiales de los animales domésticos. Barcelona: Editorial Labor, 1973. 2v.; NIEBERLE & COHRS, 1970NIEBERLE, K. & COHRS, P. Anatomia patológica especial dos animais domésticos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.). O diagnóstico diferencial com amostra da ração para a presença de aflatoxina foi negativo.

No histórico do caso, com pedidos de informações direcionadas ao manejo alimentar, o criador informou que a parte de um estoque de ração ficou comprometida por umidade e compactação por falta de conservação adequada. Mesmo percebendo alterações, ela foi ministrada aos animais, sendo que depois de alguns dias começaram a manifestar os sintomas e lesões. Esta situação poderia ter sido evitada com procedimentos corretos no manejo alimentar. Tais rações possuem um alto valor protéico de origem animal portanto, com rápida deterioração. Além de conservação imprópria, outro fator de alteração da qualidade da ração está relacionado, ainda com a qualidade da matéria prima e da qualidade do processo de produção de seus subprodutos, principalmente aqueles de origem animal, empregados na produção de ração. O uso de produtos vegetais em brotamento ou fermentados, além daqueles de origem animal que tenham sofrido putrefação, apresentam toxinas, má-palatabilidade e baixa proteína digestível (TEIXEIRA, 1982TEIXEIRA, Z.S. Qualidade das matérias primas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DAS INDÚSTRIAS DE RAÇÕES, 1., 1982, São Paulo/SP. Anais. São Paulo: ANFAR, 1982. p.204-216.).

Portanto são necessários cuidados básicos na produção e na conservação da ração, tais como armazenamento em locais apropriados, secos, ventilados, afastados do chão e protegidos contra roedores, pássaros e insetos. Deve-se também, além de se evitar grandes pilhas que poderiam causar a compactação das embalagens de baixo, saber reconhecer alguns indicadores de uma ração deteriorada como mudança de cor, aspecto, odor, esfarelamento, compactação, além da presença de grumos e bolor. Isto é fundamental para evitar tais ocorrências. O gerenciamento do estoque é um fator que não deve ser negligenciado na ranicultura comercial moderna. Não deve haver sobras de lotes de ração já vencidos. Deve-se lembrar que o custo da ração é o principal elemento dentro da planilha de custos e grandes perdas de ração, por sobra ou deterioração, implicam em maiores gastos, podendo-se até inviabilizar a criação.

É preferível a não alimentação da rã-touro por alguns dias, até a troca da ração comprometida, do que sofrer as graves conseqüências decorrentes de rações deterioradas. É relevante ainda a importância de uma investigação bem conduzida e do diagnóstico diferencial entre os diversos casos de perda de animais com comprometimento do metabolismo nutricional.

Fig. 1
Aspecto externo dos animais. Presença de pequenas lesões ulcerativas cutâneas e um dos exem plares com prolapso de cloaca.

Fig. 2
Aspecto interno dos animais. Fígado alterado de cor mais clara, aumentado de volume e manchado. Coração aumentado de volume. Presença de áreas hemorrágicas nos intestinos.

Fig. 3
Corte histológico do fígado. Rarefação celular protéica, degeneração protéica associada à lesões incipientes de degeneração hidrópica e congestão sangüínea. Coloração pela hematoxilina-eosina; aumento de 50 x 2:1.

Fig. 4
Corte histológico de coração. Dissociação das fibras musculares cardíacas. Coloração pela hematoxilina-eosina; aumento de 50 x 2 :1.

Fig. 5
Cortes histológicos de intestino. Sinais de enterite crônica, descamação epitelial, atrofia das vilosidades, congestão sangüínea e áreas de autólise. Coloração pela hematoxilina-eosina; aumento de 50 x 2: 1.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Jun 2001

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2000
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