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AÇÃO DE EXTRATOS DAS MADEIRAS DE IPÊ (TABEBUIA SP., BIGNONIACEAE) E DE ITAÚBA (MEZILAURUS SP., LAURACEAE) SOBRE O CUPIM-DE-MADEIRA-SECA CRYPTOTERMES BREVIS (ISOPTERA, KALOTERMITIDAE)* * Este trabaho é parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” - ESALQ / USP, para o curso de Ciência e Tecnologia de Madeiras.

EFFECTS OF EXTRACTS OF THE WOODS TABEBUIA SP. (BIGNONIACEAE) AND MEZILAURUS SP. (LAURACEAE) ON THE DRY-WOOD TERMITE, CRYPTOTERMES BREVIS (ISOPTERA: KALOTERMITIDAE)

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo verificar a ação de extratos clorofórmicos das madeiras de Ipê (Tabebuia sp.) e Itaúba (Mezilaurus sp.) em cupins-de-madeira-seca (Cryptotermes brevis), analisando o consumo de substrato impregnado com esses extratos, a mortalidade dos cupins e a ação sobre os simbiontes intestinais. Os extratos foram testados na concentração 0,1 g/mL. Os resultados obtidos para o consumo e a mortalidade, foram analisados, ao final de 30 dias de exposição aos cupins, pelo teste não-paramétrico, Kruskal-Wallis. A ação sobre os simbiontes foi analisada após 7 e 30 dias de exposição aos cupins. Verificou-se o número de dois simbiontes xilófagos - Calonympha sp. e Devescovina sp., e a presença e ausência dos outros simbiontes intestinais. Os resultados indicaram uma ação fagoinibidora para os cupins e tóxica para esses insetos e seus simbiontes.

PALAVRAS-CHAVE:
Extratos; madeiras; ipê; itaúba; cupins; simbiontes.

ABSTRACT

The effects of chlorophormic extracts of the woods Ipê (Tabebuia sp.) and Itaúba (Mezilaurus sp.) on the dry-wood termite Cryptotermes brevis were investigated. The extracts were applied at a rate of 0.1g/mL to filter paper used to feed the termites. Analysis of substrate consumption rates and mortality by the Kruskal-Wallis method indicate a statistically significant reduction of feeding rates and increase of mortality after 30 days. All symbionts were totally eliminated by Ipê extracts. Itaúba extracts, however, removed Calonympha sp. and Devescovina sp., but not other symbionts, from termite guts. Clearly, extracts of both Ipê and Itaúba contain toxic compounds to termites and their symbionts.

KEY WORDS:
Extracts; woods; Tabebuia; Mezilaurus; termites; symbionts.

INTRODUÇÃO

A espécie conhecida popularmente como cupim-de-madeira-seca, Cryptotermes brevis (Kalotermitidae), ocorre em todas as regiões zoogeográficas (BACCHUS, 1987BACCHUS, S. A taxonomic and biometric study of the genus Cryptotermes (Isoptera: Kalotermitidae). Trop. Pest Bull., n.7, p.1-91, 1987.) e é encontrada essencialmente no ambiente domiciliar onde ataca o mobiliário e componentes de madeira das edificações. São cupins que vivem em madeiras com baixo teor de umidade, inferior à 30%, seu ninho se restringe às galerias escavadas na madeira e suas colônias possuem apenas algumas centenas de indivíduos.

O método convencional de combate aos cupins tem como princípio a utilização de produtos químicos. Estes inseticidas , hoje principalmente organofosforados e piretróides, apresentam toxicidade para o homem e outros seres-vivos e risco de contaminação ambiental. Por essas razões estão sendo desenvolvidas pesquisas em busca de produtos alternativos, dentre os quais se destacam feromônios, análogos do hormônio juvenil, inibidores da síntese de quitina e extrativos vegetais. Neste último caso, os estudos não visam utilizá-los diretamente, mas conhecer sua composição e forma de ação para que substâncias com base nos componentes ativos sejam sintetizadas.

O objetivo deste trabalho foi o de verificar a ação de extratos clorofórmicos das madeiras de Ipê (Tabebuia sp. - Bignoniaceae) e de Itaúba (Mezilaurus sp. - Lauraceae), sobre o cupim-de-madeira-seca, Cryptotermes brevis (Kalotermitidae), em condições laboratoriais, analisando a ocorrência de fagoinibição e a toxicidade para os cupins e seus simbiontes intestinais.

MATERIAL E MÉTODOS

Cupins utilizados

Os cupins foram coletados de peças de madeira compensada, fornecidas pelo Laboratório de Entomologia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo.

As madeiras de Ipê e Itaúba foram adquiridas da Madeireira Amarante, localizada na cidade de São Paulo, oriundas, respectivamente dos municípios de Espigão D’Oeste e Alta Floresta, ambos no Estado de Roraima. Conforme atestado pela Madeireira, essas madeiras não receberam nenhum tipo de tratamento químico.

Método de extração

Os extratos foram obtidos segundo metodologia adotada por SILVA & ASSUMPÇÃO (1970)SILVA, S.M.K. & ASSUMPÇÃO, R.M.V. Contribuição ao estudo dos princípios antifúngicos obtidos de madeiras brasileiras. Bol. Téc. IPT, São Paulo, n.799, p.101-120, 1970., que consiste em submeter 100 gramas de pó-de-serra das madeiras ao destilador Soxhlet, usando 1,5 litros de solvente, durante 24 horas. O solvente utilizado no presente trabalho foi o clorofórmio e para a obtenção do extrato seco foi utilizado o Rotavapor.

Corpo-de-prova e impregnação com os extratos

Os corpos-de-prova consistiram de discos de papel-filtro (Whatman® no 42) de 3,4 cm de diâmetro. A massa dos corpos de prova foi determinada por pesagem, utilizando-se uma balança analítica em câmara climatizada a 22ºC e 50%UR.

A impregnação dos corpos-de-prova foi feita aplicando-se sobre eles, com uma pipeta, 0,15 mL da solução do extrato, na concentração de 0,1 g/ml, o que corresponde a 0,0016 g/cm2 de extrato por corpo-deprova. A série testemunha recebeu igual quantidade apenas de clorofórmio.

Unidades de teste e exposição aos cupins

Cada unidade de ensaio consistiu de um tubo plástico de 4 cm de altura e 2,5 cm de diâmetro interno, aberto em ambas extremidades e colocado sobre o corpo-de-prova dentro de uma placa de Petri, e fixado com elástico (Fig. 1). No interior de cada tubo foram colocados 10 operários (pseudergates) de Cryptotermes brevis. Os ensaios foram montados e mantidos em câmara climática à temperatura de 27 ± 2°C e umidade relativa de 70 ± 5%.

Determinação do consumo e da mortalidade

Para a determinação do consumo, utilizou-se 12 repetições por série, no total de 4 séries, assim designadas: Ipê, Itaúba, Solvente (clorofórmio) e Controle (papel-filtro sem impregnação). A duração do teste foi de 30 dias e após esse período determinou-se a mortalidade e o consumo de substrato [(massa inicial = após impregnação) - (massa final = após exposição aos cupins)].

Ação sobre os simbiontes

Para verificar a ação dos extratos sobre os simbiontes, adotou-se a metodologia utilizada por LELIS (1992)LELIS, A.T. The loss of intestinal flagellates in termites exposed to the juvenile hormone analogue (JHA) - methoprene. Material und Organismem, v.27, n.3, p.172178, 1992.., que consiste em examinar o conteúdo intestinal dos cupins em solução tampão Sorensen (Na2HPO4.2H2O + NaH2PO4.H2O, pH 7,2). Foram feitas duas análises. A primeira delas ao final de 30 dias de exposição aos extratos, analisando-se 2 cupins sobreviventes por repetição. A segunda foi especialmente montada para esse fim e analisada ao final de 7 dias. Nessa última análise, anteriormente ao teste de exposição aos cupins, os corpos-de-prova foram impregnados com Nigrosina, em solução aquosa 1%, mergulhando-os na solução durante 5 segundos. Conforme Lelis (op.cit.), esta substância cora o trato digestivo do inseto e assim facilita a separação dos cupins que estão em muda e que não se prestam portanto para essa análise; na fase de muda os cupins perdem o simbiontes pelo esvaziamento do trato digestivo, o que é evidenciado pela perda da coloração. (Fig. 2). Os indivíduos analisados foram portanto os que não estavam em processo muda (coloridos). A impregnação dos corpos-de-prova com os extratos foi feita como anteriormente descrito

Foram utilizados 6 repetições para cada série: Ipê, Itaúba, Solvente (clorofórmio), Nigrosina, Sem substrato e Controle. A série Nigrosina serviu para verificar possível interferência deste corante. A série Sem substrato foi feita com o objetivo de verificar um possível efeito do jejum sobre a fauna intestinal, considerando-se que os cupins não se alimentariam dos substratos impregnados com os extratos. Os dois simbiontes xilófagos analisados foram Calonympha sp. e Devescovina sp. Além deles observou-se também a ausência ou presença dos outros simbiontes intestinais. Para a contagem utilizou-se um microscópio óptico Zeiss (S10/0,22).

Avaliação

Os resultados da avaliação do consumo de substrato e mortalidade foram submetidos à análise estatística não-paramétrica, adotando o nível de significância (a) de 5%, pelo método Kruskal-Wallis, e avaliação do efeito sobre os simbiontes foi feita comparando-se as médias de cada série com o controle, utilizando-se o software Graph Pad Prisma.

Fig. 1
Unidade de teste

A utilização da estatística não-paramétrica deveu-se à grande variação de respostas observadas entre as repetições e a não garantia de homogeneidade de distribuição dos extratos sobre o substrato.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta o resultado do consumo de substrato e a mortalidade dos cupins ao final de 30 dias. O extrato de Ipê foi o menos consumido pelos cupins, seguido pelo extrato de Itaúba. A análise estatística mostrou não existir diferença de consumo entre as séries Ipê e Itaúba, enquanto ambas foram significativamente diferentes das séries solvente e controle. Quanto à mortalidade, o extrato de Ipê mostrou ser significativamente diferente da série controle, enquanto que o extrato de Itaúba não diferiu nem do Ipê nem das séries solvente e controle. Não houve diferença entre as séries Solvente e Controle, demonstrando não haver influência do clorofôrmio sobre o consumo e a mortalidade.

A Tabela 2 apresenta o resultado do efeito sobre os simbiontes após 30 e 7 dias de exposição. Nota-se uma ação diferenciada dos extratos em ambos os testes. Na série impregnada com o extrato de Ipê não foi verificada a presença dos simbiontes xilófagos (Calonympha sp. e Devescovina sp.). Na série Itaúba foi verificado um pequeno número de Devescovina sp. após 7 dias e ausência dos dois simbiontes xilófagos após 30 dias. Nas séries Solvente, Nigrosina, Sem alimento e Controle esses simbiontes estavam presentes. Quanto aos outros simbiontes eles eram ausentes na série ipê e presentes em todas as outras séries. O corante Nigrosina não interferiu na fauna intestinal dos cupins. Na série Sem alimento, verificou-se que o jejum, naquele espaço de tempo (7 dias), não foi suficiente para causar perda dos simbiontes.

Fig. 2
Cupins coloridos em azul, alimentados com papel-filtro impregnado com solução aquosa (0,1%) de Nigrosina.

DISCUSSÃO

Muitas espécies de madeira possuem substâncias que são nocivas aos insetos por apresentarem toxicidade ou por causarem reações fagoinibidoras ou de repelência. Essas diferentes formas de ação podem ainda ocorrer isoladamente ou simultaneamente. O extrato cloroformico de Ipê mostrou ser tóxico aos cupins e seus simbiontes, verificado pela alta mortalidade dos insetos e perda dos simbiontes intestinais, e causou ainda fagoinibição, verificado pelo baixo consumo de substrato. Segundo GRACE et al. (1989)GRACE, J.K.; WOOD, D.L.; FRANKIE, G.W. Behavior and survival of Reticulitermes hesperus Banks (Isoptera: Rhinotermitidae) on selected sawdusts and wood extracts. J. Chem. Ecol., v.15, n.1, p.128-139, 1989., os extratos metanólicos de Tabebuia ochracea possuem substâncias repelentes, inibidores de alimentação e tóxicas à Reticulitermes hesperus. Em ensaios laboratoriais realizados por CAÑEDO & LELIS (1985)CAÑEDO, M.D. & LELIS, A.T. Laboratory tests on natural resistance to Cryptotermes brevis (Walker) attack of native hardwoods for crossarms production. ANNUAL MEETING OF THE INTERNATIONAL RESEARCH GROUP ON WOOD PRESERVATION, 16., 1985, Guarujá, BR. Document IRG/WP/1266. Guarujá, BR, 1985. p.1-7., a madeira de Ipê apresentou uma grande resistência quando exposta à 40 operários de Cryptotermes brevis durante 45 dias, verificando-se uma mortalidade de 72,5%. Outros registros de ensaios laboratoriais, demonstraram ser a madeira de Ipê de alta resistência ao ataque de organismos xilófagos (MAINIERI & CHIMELO, 1989MAINIERI, C. & CHIMELO, J.P. Ficha de características das madeiras brasileiras. São Paulo: IPT- Divisão de Madeiras, 1989. p.219-336.).

Tabela 1
Valores médios com os respectivos desvios padrões de mortalidade e consumo de substrato (papel filtro) impregnados com extratos de madeiras (0,0016 g/ cm2), após 30 dias de exposição ao cupim Cryptotermes brevis.
Tabela 2
Valores médios do número de simbiontes por cupim, Cryptotermes brevis, após 30 e 7 dias de exposição a substratos impregandos com extratos de madeiras (0,0016 g/cm2).

O extrato de Itaúba causou fagoinibição, moderada toxicidade aos cupins e seus simbiontes xilófagos. Segundo CARTER & DE CAMARGO (1983CARTER, F.L. & CAMARGO, C.R.R. Testing antitermitic properties of brazilian woods and their extracts. Wood Fiber Sci., v.15, n.4, p.350-357, 1983.), extratos de Mezilaurus itauba obtidos com os solventes hexano, acetona, metanol e água apresentaram repelência e afetaram os simbiontes de Reticulitermes flavipes e Coptotermes formosanus, provavelmente por uma ação sobre os simbiontes ou pelo jejum. Segundo Mainieri & Chimelo (1989)MAINIERI, C. & CHIMELO, J.P. Ficha de características das madeiras brasileiras. São Paulo: IPT- Divisão de Madeiras, 1989. p.219-336., a madeira de Itaúba apresenta resistência muito alta ao ataque de organismos xilófagos.

CONCLUSÕES

O extrato clorofórmico da madeira de Ipê, Tabebuia sp., apresenta constituintes químicos com propriedades fagoinibidoras e tóxicas para espécie Cryptotermes brevis, inclusive para seus simbiontes intestinais.

O extrato clorofórmico da madeira de Itaúba, Mezilaurus sp., apresenta também, de modo mais moderado que o extrato de ipê, substâncias com propriedades fagoinibidoras e tóxicas para a espécie Cryptotermes brevis e seus simbiontes xilófagos Calonympha sp. e Devescovina sp.

Os extratos destas espécies de madeiras apresentam propriedades inseticidas e são uma alternativa viável para o controle de cupins.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT, onde este trabalho foi desenvolvido; à Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES/ MEC, pelo auxílio financeiro; e ao Prof. Dr. Odair Bueno Correa (UNESP/Rio Claro), pela colaboração na análise estatística, comentários e sugestões.

  • *
    Este trabaho é parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” - ESALQ / USP, para o curso de Ciência e Tecnologia de Madeiras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BACCHUS, S. A taxonomic and biometric study of the genus Cryptotermes (Isoptera: Kalotermitidae). Trop. Pest Bull., n.7, p.1-91, 1987.
  • CAÑEDO, M.D. & LELIS, A.T. Laboratory tests on natural resistance to Cryptotermes brevis (Walker) attack of native hardwoods for crossarms production. ANNUAL MEETING OF THE INTERNATIONAL RESEARCH GROUP ON WOOD PRESERVATION, 16., 1985, Guarujá, BR. Document IRG/WP/1266. Guarujá, BR, 1985. p.1-7.
  • CARTER, F.L. & CAMARGO, C.R.R. Testing antitermitic properties of brazilian woods and their extracts. Wood Fiber Sci., v.15, n.4, p.350-357, 1983.
  • GRACE, J.K.; WOOD, D.L.; FRANKIE, G.W. Behavior and survival of Reticulitermes hesperus Banks (Isoptera: Rhinotermitidae) on selected sawdusts and wood extracts. J. Chem. Ecol., v.15, n.1, p.128-139, 1989.
  • LELIS, A.T. The loss of intestinal flagellates in termites exposed to the juvenile hormone analogue (JHA) - methoprene. Material und Organismem, v.27, n.3, p.172178, 1992.
  • MAINIERI, C. & CHIMELO, J.P. Ficha de características das madeiras brasileiras São Paulo: IPT- Divisão de Madeiras, 1989. p.219-336.
  • SILVA, S.M.K. & ASSUMPÇÃO, R.M.V. Contribuição ao estudo dos princípios antifúngicos obtidos de madeiras brasileiras. Bol. Téc. IPT, São Paulo, n.799, p.101-120, 1970.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Jun 2001

Histórico

  • Publicado
    24 Ago 2000
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