Acessibilidade / Reportar erro

A vida cotidiana na universidade, em cinco atos* * Este texto é uma versão revisada de parte do Memorial Acadêmico submetido em 2022 ao Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP durante concurso para Professor Titular

Everyday Life in the University, in Five Acts

Resumo

Apropriando-se do gênero dramático, que tem alguns de seus procedimentos citados na forma do texto, este artigo desenvolve uma reflexão a respeito do ensino de literatura na universidade brasileira. Na sequência de cinco atos, cada um remetendo a um espaço do ambiente universitário (a sala de aula, a sala de reuniões, a sala de concursos), o texto explora diferentes noções de aprendizado e ensino, comenta respostas a mudanças recentes no corpus e nos corpos presentes na universidade, analisa a relação entre a tradição endógena da cultura patriarcal brasileira e políticas imunitárias e reflete sobre a complexidade da noção de herança, em diálogo com os espectros que assombram as instituições dedicadas ao ensino de literatura, como um dia foi assombrado Hamlet. Ao longo do texto, busca-se apontar para aspectos da materialidade da vida cotidiana na universidade.

Palavras-chave:
ensino; literatura; universidade; espectros; Hamlet.

Abstract

Appropriating the dramatic genre, whose procedures are cited in the body of the text, this article reflects on some of the aspects involved in the teaching of literature in contemporary Brazilian universities. In a five-act sequence -each act referring to a different space in the university environment (the classroom, the meeting room, etc.)-, this paper explores different notions of learning and teaching, comments on responses to recent changes in the corpus and university bodies in Brazil, considers the relationship between the endogenous tradition of Brazilian patriarchal culture and immunitarian policies, and reflects on the complexity of the notion of heritage, in dialogue with the specters that haunt both Hamlet and the institutions where literature is taught. Throughout the text, I seek to highlight the materiality of daily life at university.

Keywords:
teaching; literature; university; specters; Hamlet.

Resumen

Apropiándose del género dramático, cuyos procedimientos son citados en la forma del texto, el artículo desarrolla una reflexión sobre algunos aspectos de la enseñanza de la literatura en las universidades brasileñas contemporáneas. En una secuencia de cinco actos, cada uno de ellos referido a un espacio del ambiente universitario, el texto explora diferentes nociones de aprendizaje y enseñanza, comenta respuestas a cambios recientes en el corpus y los cuerpos presentes en la universidad, considera la relación entre la tradición endógena de la cultura patriarcal brasileña y las políticas inmunitarias, y reflexiona sobre la complejidad de la idea de herencia, dialogando con los espectros que acechan a Hamlet y a las instituciones de enseñanza de la literatura. A lo largo del texto, busco señalar la materialidad de la vida cotidiana en la universidad.

Palabras clave:
enseñanza; literatura; universidad; espectros; Hamlet.

I begin, as usual, in the classroom.

Gayatri Chakravorty Spivak

ATO I

Numa sala de aulas do prédio de Letras

Oito horas da manhã

Entram alunas e alunos

Nas perguntas sobre como aprender, como aprender a aprender, como ensinar a aprender, como aprender a ensinar e como aprender a dar aula, mais uma vez são espectros que aparecem, considerando que o professor foi um dia estudante, e tanto um quanto o outro são assombrados pelas experiências que tiveram em sala de aula, nas diferentes versões da máquina escolar pelas quais passaram. Essas lembranças afetarão a herança que se quer preservar, mas também as práticas que não se deseja repetir.

Da pergunta sobre já ter aprendido a ensinar - afinal, você sabe ensinar? - só é possível se aproximar dirigindo-a ao porvir, identificando uma tarefa ainda a ser realizada. O que permanece, como pergunta, no começo de cada semestre, é: o que aprenderemos nos próximos meses? O que este conjunto de textos, lido junto a esse grupo particular de alunas e alunos, vai nos ensinar? E como a presença destes textos, nesta sala de aula, vai exigir uma mudança na forma da aula, afetando a textura das conversas disparadas por eles? O reconhecimento da indeterminação e do risco busca evitar a naturalização do lugar do mestre e a posição de domínio, almejando um dia, enfim, conseguir chegar à frente da sala vulnerável e desarmado como o nadador de Kafka (2018KAFKA, Franz. O grande nadador. In: KAFKA, Franz. Blumfeld, um solteirão de mais idade e outras histórias. Tradução de Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 251-253., p. 251-253), para dizer: não entendo uma palavra do texto que lemos para hoje. Dando mais um giro à conhecida frase de Lacan - um louco não é apenas um mendigo que pensa que é um rei, mas também o rei que pensa que é um rei (1966LACAN, Jacques. Écrits. Paris: Seuil, 1966. , p. 171) - e ao acréscimo de Žižek - ... além do analista que pensa que é um analista (2021ŽIŽEK, Slavoj. For Lacan, against Lacanian Ideology. In: TUPINAMBÁ, Gabriel. The Desire of Psychoanalysis: Exercises in Lacanian Thinking. Evanston: Northwestern University Press, 2021. p. XI-XVII., p, XII) -, louco é o professor que pensa que é um professor.

Entra o professor

Neste exercício especulativo, é preciso dar centralidade à forma da aula, espaço-tempo a ser pensado como uma espécie de laboratório, uma oficina para a experimentação, com outros, da leitura, da escrita e do pensamento. Assim como acontece em experimentos científicos, o que se faz na sala de aula é controlar algumas condições específicas - de tempo e espaço, em primeiro lugar, mas também de acesso, com a determinação do número de participantes, que passam a compor uma comunidade acidental e provisória em torno de um arquivo de textos. Feita a circunscrição, poderão ser elaboradas e testadas hipóteses, que, no caso da aula sobre literatura, serão sempre diferentes modos de falar e escrever. Neste exercício, mais do que transmitir informação, o que se faz é criar novas combinações e interlocuções, indicando a existência de diferentes maneiras de pensar, que são também diferentes formas de estar no mundo.

Assim, recusando a oposição entre teoria e prática, ou entre pedagogia e literatura, a sala de aula será sempre um espaço próximo do teatro e da ficção. Em cada um ocorre um corte em relação ao mundo, e é esse corte que permite gestos e movimentos singulares, nesse jogo com regras predeterminadas. Outro elemento em comum entre esses espaços - sala de aula, teatro, ficção - é que em todos eles há pouca relevância em denúncias de sua artificialidade. De pouco servem as observações que alertam, buscando desmerecer a pertinência da literatura ou condenar a ingenuidade daqueles que se comovem com ela, que a representação é mera ficção. Afinal, a experiência e a comoção produzidas por ela só foram possíveis graças ao corte produzido pela ficcionalidade, que abala com sua indeterminação a distinção clara entre o interior e o exterior, o espontâneo e o artificial, o verdadeiro e o falso.

Toques na porta

Entram alunas do centro acadêmico pedindo para dar um aviso à turma sobre o ponto de encontro na manifestação de domingo na Avenida Paulista

Ainda que considerações éticas recomendem que seja preservado o sigilo daqueles que participaram de uma aula - esse pacto também contribui para a existência do corte -, essas preocupações não são suficientes para explicar a escassez de bibliografia nos estudos literários que reconheça a centralidade, para o campo e os saberes que circulam nele, da experiência de estar em sala de aula - carência que se torna evidente se esse arquivo for comparado à bibliografia sobre a psicanálise, na qual são comuns o reconhecimento da indissociabilidade de teoria e prática e a reflexão sobre o modo como o espaço da clínica é decisivo para a construção do saber analítico, que é sempre tanto teoria quanto terapia (Wilson, 2020WILSON, Mitchell. The Analyst’s Desire: The Ethical Foundation of Clinical Practice. New York: Bloomsbury Academic, 2020. ). Ainda que as diferenças entre as duas esferas sejam importantes - os estudos literários não são terapia, mas teoria e pedagogia -, aproximá-las pode aumentar nossa compreensão do tipo de trabalho que ocorre em sala de aula. Se reflexões mais críticas consideram que na bibliografia psicanalítica não é incomum que seja subestimada a importância do desejo da analista, pode-se afirmar o mesmo sobre o desejo da professora na sala de aula. É comum que seja atribuída aos alunos e alunas a responsabilidade pelos impasses que surgem no contexto escolar, incluindo a culpa pelo eventual fracasso do exercício pedagógico, tanto que é parte corriqueira da vida cotidiana na universidade escutar de colegas queixas a respeito de seus alunos, aos quais faltariam interesse, entusiasmo, preparo e repertório. Quando, nesses lamentos, não se examina o desejo da professora e do professor, indagação que deveria, ao contrário, ser parte fundamental de nossa reflexão cotidiana, perde-se a possibilidade de pensar com precisão a natureza do impasse, que é constituído, afinal, por uma divergência entre aquilo que a professora quer de seus alunos e aquilo que recebeu deles (Wilson, 2020WILSON, Mitchell. The Analyst’s Desire: The Ethical Foundation of Clinical Practice. New York: Bloomsbury Academic, 2020. ).

ATO II

Na sala de aula de um edifício do Instituto de Ciências Biomédicas

Entram alunas e alunos

Entra o professor

Os últimos 10 anos viram uma transformação significativa da composição interna da Universidade de São Paulo, com consequências para as aulas e os saberes produzidos na instituição e com mudanças que ainda estão em curso e levarão um tempo para serem plenamente entendidas. Como resultado de esforços de diferentes movimentos sociais ao longo de décadas, em particular do movimento negro dentro e fora da universidade, avançou na USP, mesmo após considerável resistência interna, a implementação de diferentes modalidades de ações afirmativas, incluindo cotas sociais e étnico-raciais, na seleção de alunas e alunos para os cursos de graduação (nas universidades brasileiras em geral, o número de alunos negros na última década quadruplicou). É verdade que as medidas que visam tornar menos homogêneo e endógeno o corpo docente ainda engatinham; também é verdade que na maioria dos programas de pós-graduação da Universidade ações afirmativas ainda são raras. Também é certo que o que se viu nos anos após a implementação de algumas dessas políticas públicas foi uma série de reações internas, também ela ainda em andamento. Contudo, por mais que sejam tardias e insuficientes as medidas adotadas, por mais que o processo também desta vez seja complexo e contraditório, vendo-se contaminado em alguns momentos por um léxico diluidor próximo do mercado, talvez se possa justificar certa dose de entusiasmo por parte de quem acompanhou algumas dessas mudanças, considerando a dimensão e a duração da exclusão que historicamente caracterizou a educação superior no país. Como é disso que se trata - de confrontar uma tradição consolidada e naturalizada de apropriação do Estado por elites locais, caracterizada por diversas modalidades de clientelismo e patrimonialismo que garantiram para uma sucessão de gerações privilégios que se tornaram tão sólidos quanto as paredes (Ahmed, 2022AHMED, Sara. Viver uma vida feminista. Tradução de Jamille Pinheiro Dias, Sheyla Miranda e Mariana Ruggieri. São Paulo: Ubu Editora, 2022., p. 13) -, talvez se desculpe que este texto, que, como se pode notar, gostaria de ser uma peça de teatro, inclua, neste seu segundo ato, uma menção do maravilhamento provocado quando se vê e se escuta, no teatro de uma sala de aula, sinais de mudanças nesse quadro histórico. Escuta-se, afinal, que “a USP é solo preto e indígena” (Manifesto, 2022MANIFESTO: A USP é Solo Preto e Indígena. 2022. Disponível em Disponível em https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfgHfbwt2fpnhJGGrf5Euar5hsFAniL9uIuCSJR7Tj_3irB2w/viewform . Acesso em: 10 de novembro de 2023.
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQ...
), declaração que, ao ser conjugada no presente, demanda que a Universidade passe a reconhecer, em suas práticas, suas políticas de permanência e suas contratações, nos nomes dados a seus espaços, em suas grades curriculares, um fato. O Manifesto conclui, respondendo à suposição de que medidas paliativas ou reformistas teriam efeito desmobilizador, que “as cotas foram só o começo”, convidando-nos a imaginar o que pode vir a ser a universidade no porvir, essa universidade ainda desconhecida.

Entra um aluno atrasado. Explica que levou 20 minutos para caminhar do prédio de Letras até o Instituto de Ciências Biomédicas, ao qual as aulas haviam sido transferidas por causa da carência de salas no prédio de Letras

Seria difícil imaginar que, 15 ou 20 anos atrás, uma intervenção coletiva vinculada às universidades brasileiras pudesse com legitimidade afirmar sua exterioridade em relação à identidade senhoril, reivindicando um lugar de enunciação em tensão com a tradição patriarcal local. É o que se vê hoje, no entanto, em diferentes espaços, como, para mencionar apenas um, em chamada pública da Revista Mana no primeiro semestre de 2022 (Borges; Bernardino-Costa, 2022BORGES, Antonádia; BERNARDINO-COSTA, Joaze. Des-senhorizar a Universidade: 10 anos da Lei 12.711, ação afirmativa e outras experiências. Revista Mana, v. 28, n. 3, 2022. Disponível em: http://revista-mana.org/dossie/ . Acesso em: 15 de julho de 2023.
http://revista-mana.org/dossie/...
), na qual se solicita a submissão de artigos para um novo número do periódico ligado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ). Assinado pelos professores Antonádia Borges (UFRRJ) e Joaze Bernardino-Costa (UnB), o texto da convocação propõe a reunião de artigos para um dossiê intitulado “Des-senhorizar a Universidade”, mencionando que, mesmo após 10 anos de vigência da chamada Lei de Cotas (Lei nº 12.711, de agosto de 2012), permanece insuficiente a transformação do panorama monocromático das universidades brasileiras, especialmente entre docentes e pós-graduandos. O neologismo “des-senhorizar” sinaliza o desejo de juntar estudos sobre o “confinamento racial” do ambiente acadêmico, registrando esforços que propõem confrontá-lo, incluindo revisões curriculares, políticas de permanência e mudanças em práticas institucionais. Além disso, a chamada estimulava a apresentação de trabalhos etnográficos sobre experiências vividas na academia que pudessem ajudar a mapear as “várias faces do racismo e dos inúmeros enfrentamentos encetados, assim como um levantamento das barreiras interpostas” e dos “revezes vividos tanto no cotidiano quanto em momentos excepcionais da experiência de quem se vê dedicado às lutas antirracistas”, incluindo, entre os assuntos passíveis de estudo, as “dinâmicas de concursos para docentes”.

Para que um texto como essa convocação não soe falso, e até mesmo para que exista material etnográfico a ser apresentado, a questão do número é fundamental: é preciso que exista, dentro da universidade, um conjunto de pessoas avesso à sociabilidade patriarcal, gerando embates práticos e epistêmicos dentro dos espaços institucionais. É preciso que já esteja instalado, no interior da universidade, e com resultados ainda em aberto, o confronto entre sujeitos e grupos que se posicionam de maneiras diferentes diante da cultura senhorial local. A referência à “des-senhorização” da universidade interessa, portanto, não só por aquilo que enuncia como desejo; interessa também por sinalizar que algo já está acontecendo, em processo que aos poucos vai gerando novas leituras críticas da endogenia e do patrimonialismo da sociedade brasileira.

Um barulho vindo de fora. Todos tentam rastrear de onde vem o ruído

Por certo, mudanças na composição dos corpos discente e docente, por mais modestas que sejam, provocaram também insegurança, ambivalência e aversão, por vezes em tom e conteúdo que talvez não seja um despropósito associar a teorias ansiosas sobre a substituição do familiar, como a Great Replacement Theory nos Estados Unidos ou a teoria do Grand Remplacement na França. Reproduz-se, inclusive, a sensação de que aqueles que se preocupam com uma suposta catástrofe por vir - o fim da USP, a perda da qualidade, o abandono do mérito, etc. - são os mesmos que se beneficiaram da catástrofe ancestral, dando outro sentido à ideia de que o surgimento do novo será necessariamente uma perda (Povinelli, 2021POVINELLI, Elizabeth. Between Gaia and Ground: Four Axioms of Existence and the Ancestral Catastrophe of Late Liberalism. Durham: Duke University Press, 2021.).

Na revisão recente da Lei nº 12.711, o piso do debate parece já ter sido outro, em comparação com a discussão de 15 anos atrás, em parte como resultado justamente das mudanças no acesso ao ensino superior. O período incluiu também a mudança de posição sobre ações afirmativas de parte importante da intelectualidade local, dando novos contornos às discussões sobre meritocracia, sobre as relações entre as categorias de raça e classe social e sobre a ideia das cotas como um estímulo ao antagonismo racial, alguns dos argumentos históricos contrários às políticas de ação afirmativa. De todo modo, são sempre relevantes os momentos em que uma pressão social emergente força a verbalização de ansiedades e temores difusos, e, nesse sentido, são especialmente reveladoras as posições que insistem na necessidade de estabelecer limites para a transformação ou frear a sua velocidade, formulações que, ao ganharem status de senso comum, ajudam a distinguir e definir os perfis de pensadores e correntes críticas.

Como exemplo do que seria um gesto diferente, menos ambivalente em relação à mudança, voltemos ao quarto capítulo de Pele negra, máscaras brancas, no qual Frantz Fanon retoma a pergunta formulada anteriormente por Aimé Césaire no seu Diário de um retorno ao país natal (2012CÉSAIRE, Aimé. Diário de um retorno ao país natal. Tradução de Lilian Pestre de Almeida. São Paulo: Editora da USP, 2012.): “o que é preciso começar?”. Fanon faz ecoar em seu texto a resposta de Césaire - “A única coisa no mundo que vale a pena começar: O fim do mundo” (2012CÉSAIRE, Aimé. Diário de um retorno ao país natal. Tradução de Lilian Pestre de Almeida. São Paulo: Editora da USP, 2012., p. 23) - em um dos trechos do livro em que reivindica não a reforma, mas o que chama de “reestruturação do mundo” (Fanon, 2020FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Sebastião Nascimento e Raquel Camargo. São Paulo: Ubu Editora, 2020., p. 111).1 1 Ver também, a respeito, artigo de Nathalia Silva Carneiro e Nicolau Gayão (2021). No posfácio a essa tradução mais recente do Peau noire, masques blancs ao português, Deivison Faustino recupera a proposta e escreve que “o movimento ético, político e estético inaugurado por Pele negra, máscaras brancas abre um espectro vastíssimo de possibilidades de reflexões, (auto)análise e, sobretudo, ações”, sugerindo que com a nova publicação do volume

As ciências sociais e humanas, assim como os diversos movimentos sociais brasileiros, têm um poderoso presente em mãos, e devemos isso não apenas ao contexto de lutas anticoloniais que levantaram as questões a que Fanon procurou responder, mas também à presença cada vez mais incontornável de estudantes, pesquisadores e professores negros nas universidades e nos movimentos sociais brasileiros, tensionando, ampliando ou recusando o cânone teórico. (Faustino, 2020FAUSTINO, Deivison Mendes. Posfácio. In: FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu Editora, 2020. p. 245-263. , p. 262).

A sugestão é que o ingresso de um número maior de estudantes e pesquisadores negros nas universidades brasileiras, começando a modificar sua tendência secular à homogeneidade, está levando a uma nova recepção de Fanon, diferente daquelas vistas em 1983, 2008 e 2017, datas das publicações de outras traduções do livro ao português. No fim do parágrafo citado, a sequência de verbos escolhidos para descrever possíveis efeitos da desestabilização da homogeneidade social e epistêmica das universidades nacionais vai descrever diferentes modos de leitura da tradição, incluindo a ampliação do arquivo (movimento que leva à inserção no cânone de obras, questões teóricas, autoras e autores antes ausentes) e seu tensionamento (através de modos de ler que envolvem torções interpretativas e pressões diversas aplicadas a textos conhecidos, questionando amplos consensos de leitura). No terceiro elemento da sequência, a lista de ações imagináveis não exclui, ao contrário do que costuma acontecer em posições conservadoras a respeito do arquivo, a possibilidade da recusa. Desse modo, é reconhecido o risco inerente a qualquer exercício crítico rigoroso, cujo desfecho é impossível, em último caso, prever. Não haverá como distinguir, de uma vez por todas, tensionamento e recusa, sendo impossível garantir que o primeiro não levará ao segundo. Uma vez redefinidas as questões teóricas vistas como fundamentais, o cânone literário e teórico precisa necessariamente passar por uma revisão. Considerando que sua ampliação infinita não é possível, será sempre necessário escolher o que ler ou incluir na bibliografia de uma disciplina, o que significa que não há como contornar a decisão sobre o que não se deve ler.

A aluna que dormia acorda e se levanta

ATO III

The play’s the thing.

Shakespeare

Na sala de reuniões da secretaria do Departamento

Entram as professoras, os professores, o secretário e a representante discente

Em Hamlet, peça que assombra este texto2 2 Texto que se apropria, em alguns de seus trechos, da tradução recente da obra feita por Bruna Beber (Shakespeare, 2019). , acompanhamos em determinado momento a expectativa de que a análise da resposta a uma obra ficcional - a peça dentro da peça - produza um saber sobre a vida social. Buscando interpretar como o rei Claudius está recebendo a peça a que assiste, Hamlet aposta que a reação do rei às cenas representadas pelos atores fornecerá indícios de sua responsabilidade pela morte de seu pai. Por um lado, o exercício incerto de Hamlet é um subterfúgio usado para adiar o reconhecimento da necessidade do ato de vingança, estipulando mais uma condição para que seja tomada uma decisão difícil (nessa leitura o adiamento da decisão é a ação principal). Ao mesmo tempo, é um trabalho de pesquisa e investigação que afirma a importância da análise da leitura alheia, a leitura da leitura, nesse caso dando importância até mesmo para expressões e gestos de Claudius, nos quais se imagina que poderão aparecer sinais de sua consciência culpada. É uma aposta na existência de vínculos entre a leitura de uma obra ficcional e a vida social, nesse caso o cotidiano das intrigas palacianas, e de uma relação entre o modo de ler e a política institucional, em mútua contaminação. Não se trata, lá ou aqui, neste texto sobre a universidade brasileira, de assegurar a coerência entre pensamento e vida, mas de pensar as formas de contaminação recíproca entre essas esferas, em relação que inclui dissonâncias e convergências. É a mediação entre essas instâncias a matéria para reflexão, naquela peça ou nesta.

Na tragédia de Shakespeare, o gênero dramático estimula certa circunscrição: a cada cena corresponde um cenário e um ambiente próprios, destacando a autonomia relativa de cada episódio, ainda que certa linearidade nunca desapareça completamente. A centralidade da cena, da vignette, sem anular a narratividade, dá à obra um aspecto pontilhado, ressaltando o serialismo da estrutura, algo que também caracteriza o ritmo da vida institucional, seja nas aulas ao longo de um semestre ou na sequência de reuniões de um departamento.

Professor sai da sala de reuniões ao ver que chega outro, seu desafeto

No caso deste texto, as referências a cenas e ambientes, ainda que apenas esboçadas, são um reconhecimento da importância dos espaços em que transcorre a vida universitária, justamente os espaços de que fomos afastados durante a pandemia de COVID-19, que nos extraiu repentinamente de todo espaço comum. Nessa psicoteologia (psicopatologia?) do cotidiano, parte-se da hipótese de que a história dos conceitos não é separável da história das práticas, ideia tomada de Foucault e das leituras de sua obra feitas por Arnold Davidson, especialmente em The Emergence of Sexuality: Historical Epistemology and the Formation of Concepts, livro que busca entender como conceitos e estilos de pensamento surgem, são adotados e se generalizam (Davidson, 2019DAVIDSON, Arnold. O surgimento da sexualidade: Epistemologia histórica e a formação de conceitos. Tradução de Rogerio Galindo. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2019.). Trata-se de tentar trazer à tona, tornando pensável e teorizável, a história do campo, das instituições e da sociabilidade acadêmica, em sua variante brasileira,3 3 “estou há dois meses querendo ignorar que você gritou naquela reunião e ninguém te impediu de continuar estou há cinco horas com seu tom autoritário me cobrando presença estou viva não sei até que esquina” (Pequeno, 2022, 53). pensando essa história na sua relação com a história dos conceitos, evitando a forma hegemônica desse relato, que é a narração confidencial de intrigas e ações nos bastidores, forma que dificulta tanto a teorização quanto a historização do quadro.

Nesse exercício de elaboração de uma arqueologia do ofício do professor, atividade situada no interior de uma instituição, pode ser útil mais uma comparação, desta vez com outra tradição reflexiva, aquela captada pela bibliografia sobre a vida monástica. Nela, a indissociabilidade dos sintagmas vida e obra (ou vida e regra) exige uma reflexão constante sobre a relação entre aquilo que, em outros discursos, seria chamado, de maneira duvidosa, de teoria e prática. Em mosteiros, como analisado por Giorgio Agamben em Altíssima pobreza: regras monásticas e forma de vida, a regra, ou seja, o texto, afeta concretamente a vida comum e o cotidiano da vida com os outros, num ciclo que envolve um exercício de releitura permanente. A regra já é, evidentemente, a leitura e interpretação de outro texto, que ela condensa, recria e traduz, dando-lhe a forma de um conjunto de orientações para a vida cotidiana, e nesse processo intrincado de tradução e transposição, entre texto sagrado, regra e vida, os monges buscam, completa Agamben, “realizar seu ideal de uma forma de vida comum”. Assim, o “caso exemplar do monasticismo” tenta

construir uma forma-de-vida, ou seja, uma vida que se vincule tão estreitamente a sua forma a ponto de ser inseparável dela. É nessa perspectiva que a investigação se confronta sobretudo com o problema da relação entre regra e vida, que define o dispositivo pelo qual os monges tentaram realizar seu ideal de uma forma de vida comum. Tratava-se não tanto - ou não só - de investigar o complicado acúmulo de minuciosos preceitos e técnicas ascéticas, de claustros e horologia, tentações solitárias e liturgias corais, exortações fraternas e ferozes punições pelos quais o cenóbio, tendo em vista a salvação do pecado e do mundo, se constitui como uma “vida regular”, quanto de compreender, antes de mais nada, a dialética que dessa maneira se instaura entre os dois termos “regra” e “vida”. (Agamben, 2014AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma de vida. Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 7).

A atenção a essa relação entre regra e vida, entre formas de escrita e formas de vida, inspira o exame do modo como, em outro ecossistema (o universitário), a leitura de determinados textos afeta a leitura do mundo e a compreensão da vida diária, as leituras ajudando a dar forma à vida cotidiana.

Um professor: Quero que isto conste em ata...

A principal e mais importante experiência de vida comum na universidade é certamente o encontro periódico com alunas e alunos nas aulas, cujos ritmo e métrica regulares são a pontuação básica da vida universitária. Essa estrutura seriada, formada pela sequência preparação-de-aula-aula-preparação-de-aula, é cortada por acontecimentos de outra ordem, com destaque para tarefas burocráticas e reuniões administrativas. Embora essas interrupções também tenham um ritmo regular, e embora seu objetivo último seja a criação de condições para que o ensino possa continuar a acontecer, elas raramente aparecem no arquivo na teoria literária. No entanto, é também nesses eventos intrigantes, com suas dinâmicas fascinantes, que a vida silenciosa de quem se dedica ao estudo encontra sua horologia profana. Em volta de uma mesa fria, em ambiente em geral inóspito, marca-se o ritmo da vida comunitária, com todos os desafios próprios do “cenóbio” (a vida comum). À diferença da sala de aula, que se renova a cada semestre, essa peça costuma ter os mesmos personagens ao longo de anos, às vezes décadas. Nesse contexto, a utilidade de qualquer regra, de qualquer teoria, vem de sua capacidade de tocar, moldar e afetar a vida, criando um “campo de tensões históricas e hermenêuticas que exige um repensar de ambos os conceitos. O que é uma regra, se ela parece confundir-se sem resíduos com a vida? E o que é uma vida humana, se ela já não pode ser distinguida da regra?” (Agamben, 2014AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma de vida. Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 11).

Outro professor: Peço que isto não seja registrado em ata, mas...

ATO IV

Na sala de concursos do prédio da administração da Faculdade

Soam trombetas e oboés. Começa a pantomima

A atenção ao cruzamento desses sintagmas - obra e vida, regra e cotidiano, teoria e vida institucional - contribuiria para a elaboração de uma história da universidade brasileira, caracterizada pelo encontro entre perfis teóricos variados e uma enraizada sociabilidade patriarcal consagrada à própria reprodução. Às vezes se escuta, como contra-argumento à crítica à endogenia de determinados departamentos, que este seria o estado natural da vida institucional, com a mesma lógica centrípeta se reproduzindo, ainda que com sinais trocados e outros nomes, em qualquer universidade nacional. Não seria muito diferente a situação, alega-se, se a hegemonia neste espaço específico fosse de outra família, não desta. Se fosse o caso, haveria mesmo pouco a ser pensado, pelo menos a respeito da relação que este texto busca destacar. O que se percebe, no entanto, é que diferenças existem, incluindo variações na compreensão de alguns aspectos básicos da questão, como a institucionalidade, o comum, o dissenso e a dívida, com consequências concretas para a forma e a extensão do desejo de preservação do existente.

Pensando nisso, seria esclarecedor um estudo comparado do léxico, dos procedimentos formais e da arquitetura retórica adotados por diferentes tradições críticas brasileiras em seus rituais de consagração (e nos de profanação), um estudo sobre as diferenças encontradas nas homenagens a figuras como Silviano Santiago, Luiz Costa Lima, Haroldo de Campos e Raúl Antelo. Como esses tributos se distinguem das homenagens a críticos como Antonio Candido, Davi Arrigucci e Roberto Schwarz? E como, em cada um desses casos, os pressupostos teóricos afetam os rituais de consagração? O exercício nos ajudaria a entender a pluralidade das tradições patriarcais locais - além da presença, desigual e singular, em cada uma delas, de momentos e gestos antipatriarcais. A complexidade da “adaptação” de tradições críticas diversas, com suas suposições filosóficas particulares, à mecânica da institucionalidade brasileira, é mais uma vez o que interessa aqui. Efetivamente, encontramos situações inusitadas, como ambientes intelectuais dominados por leitores da desconstrução cobrando fidelidade a uma origem única, organizando o mundo a partir da divisão amigo/inimigo; e também encontramos lugares em que a corrente crítica que no Brasil desenvolveu uma crítica rigorosa e precisa à lógica do favor - a crítica materialista local - foi capaz de reproduzir aquilo que havia se dedicado a denunciar - ambos fatos que apresentam desafios hermenêuticos importantes.

Em nenhuma situação essas questões se tornam mais dramáticas e urgentes do que nos concursos públicos para a contratação de novos docentes. Se universidades na última década mudaram alguns aspectos da seleção de ingressantes para os seus cursos de graduação, e se na pós-graduação as mudanças, embora mais lentas, também começam a acontecer, nos processos para a contratação de docentes as seleções continuam enigmáticas e repletas de contradições. O modelo vigente no Brasil - a seleção por concurso, numa espécie de maratona infernal com etapas difíceis de justificar - é muito diferente das soluções encontradas em sistemas universitários de outros países. Trata-se de uma tentativa de responder ao sistema anterior, em vigor até as últimas décadas do século passado, quando eram explícitos e esperados o apadrinhamento e a troca de favores. Em reação a isso, o que se gerou foi um modelo que combina de maneira estranha regras rígidas e maleabilidade, definindo como momentos decisivos do processo um curioso sorteio de ponto e, antes do início, a escolha da banca.4 4 Não é farto o material a respeito do assunto, mas uma tentativa recente de compreensão das peculiaridades e contradições do modelo brasileiro aparece no artigo “Comments about Academic Job Position Filling: The Case of the Brazilian ‘Concursos’” de Astolfo Gomes de Mello Araujo (2019).

Professor (para os colegas de banca): A candidata que agora vai fazer a prova didática pelo menos será agradável aos olhos.

Com seus dilemas práticos e políticos, seus impasses e atritos, cada um deles relevante também teoricamente, as decisões tomadas em processos seletivos têm consequências concretas e de longo alcance, ajudando a definir a codificação de valor na esfera político-cognitiva (Spivak, 1993SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Outside in the Teaching Machine. New York: Routledge, 1993., p. 62) e determinando quais obras, temas, problemas e abordagens serão estudados, ensinados e pesquisados nas décadas seguintes. De novo, as variações institucionais não são irrelevantes (qual peso se dá na seleção ao regional, ao nacional, ao internacional?), mas no ambiente que pude acompanhar mais de perto ao longo dos anos - o de um departamento que incluiu, em edital recente para a abertura de vaga em concurso público (Universidade de São Paulo, Edital FFLCH/FLT Nº 004/2023UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Edital FFLCH/FLT Nº 004/2023. Diário Oficial Caderno Executivo, Seção III, São Paulo, v. 133, n. 141, p. 398-399, 26 de dezembro de 2023.), referências a seu fundador e elogios à continuidade5 5 No anexo ao texto do edital, lê-se que “Nossa produção acadêmica, por sua vez, tem uma excelência reconhecida e confirmada em diferentes níveis, seja pela referência que nossos docentes representam em seus campos de atuação, seja pelos vários prêmios que o corpo docente e discente da pós-graduação tem recebido periodicamente e, em especial, nos últimos anos, com professores que continuaram e continuam a grande obra construída pela geração formada pelo professor emérito da Universidade, Antonio Candido de Mello e Souza” (Edital, 2023, p. 399). - ressoam elementos que lembram políticas de imunidade, nas quais a preocupação com a ameaça externa ao corpo (docente) e o risco de invasão produz uma lógica que prioriza a segurança (Neocleous, 2022NEOCLEOUS, Mark. The Politics of Immunity: Security and the Policing of Bodies. Londres: Verso, 2022.). Como vimos, mais uma vez, nos últimos anos, na mais recente pandemia, a percepção da permeabilidade do corpo gera crises epistêmicas profundas em resposta à desestabilização dos limites do conhecido. A peste, o vírus, a ameaça à percepção de integridade do corpo, são multiplicadores de hipóteses e teorias - como coloca o historiador Carlo Ginzburg, que sustenta que as primeiras grandes teorias da conspiração surgiram com as primeiras grandes pestes europeias (1990GINZBURG, Carlo. Deciphering the sabbath. In: ANKARLOO, Bengt; HENNINGSEN, Gustav (ed.). Early Modern European Witchcraft: Centres and Peripheries. Oxford: Oxford University Press, 1990. p. 121-138.).

Se as epidemias têm uma história, têm também uma poética e uma erótica, que incluem, no caso de doenças virais, ansiedades relacionadas à possibilidade do mascaramento, exigindo atos constantes de identificação e desvelamento. Como corpos podem estar contaminados pelo vírus sem que apresentem sintomas, a interpretação e nomeação são cruciais. Do mesmo modo, departamentos e espaços institucionais regidos por políticas da imunidade também precisam de examinação permanente, antecipando-se até mesmo às ameaças que começam a ganhar forma no horizonte.

Nesse contexto, não deve surpreender a frequência com que aparecem, nas controvérsias a respeito do estudo da literatura, em espaços como esses em que transcorrem as cenas desta peça, metáforas da virologia - referências a forças invasoras, a pestes vindas do estrangeiro, a corpos estranhos que maculam e colocam em risco a integridade do organismo saudável. Do mesmo modo, não surpreende a prevalência de metáforas associadas à família em descrições do campo e das instituições. Se é esse o contexto, também não deve espantar que o deboche seja o modo preferencial de intervenção em tantas das querelas públicas locais. Ele é, afinal, um dos gêneros preferidos da família, pois nele, como na epidemiologia, delimita-se o interior e o exterior, identificando, inclusive, aquilo que, mesmo estando dentro, na verdade pertence ao fora, precisando ser excluído.

No caso desta peça, interessaria, mais do que condenar moralmente a prática ou prescrever uma solução, tentar entender o sentido e o funcionamento do deboche na divergência intelectual. Ele precisa, afinal, primeiro, que o outro seja definido como inimigo, uma ameaça à família, numa economia que de novo se alimenta da história da sociabilidade patriarcal brasileira. Nela, o sarcasmo, a desqualificação jocosa, a sacada ferina, o golpe certeiro, buscam o enrijecimento de um “nós” já conhecido, em situações em que, como lembra Foucault, o importante é impedir que surja um “nós” que não existia, evitar que ocorra algum deslocamento nas posições correntes e inibir que as posições disponíveis no tabuleiro voltem a ser pensadas, o que abriria uma brecha para uma posição imprevista (Foucault, 2010FOUCAULT, Michel. Polêmica, política e problematizações. In: FOUCAULT, Michel. Ditos & Escritos V: Ética, sexualidade, política. Tradução de Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 225-233.).

Professora (para a candidata): Você não acha que seu perfil, tão diferente do nosso, poderia tornar difícil sua vida no Departamento?

Sabemos como termina, senão por outra fonte, pela Lavoura arcaica de Raduan Nassar, a fantasia da família autossuficiente e o sonho patriarcal da reprodução sem produção (isto é, sem a mulher). No romance, a mãe é uma “protuberância”, uma “anomalia” na árvore genealógica e na mesa familiar, gerando frutos duvidosos, em contraste com o tronco paterno, no qual a repetição é bem-sucedida. Como explica em momento decisivo o patriarca,

só através da família é que cada um em casa há de aumentar sua existência, é se entregando a ela que cada um em casa há de sossegar os próprios problemas, é preservando sua união que cada um em casa há de fruir as mais sublimes recompensas; nossa lei não é retrair mas ir ao encontro, não é separar mas reunir, onde estiver um há de estar o irmão também. (Nassar, 1997NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 1997., p. 148).

O governo do espaço social pela lógica da filiação, que busca fixar a reprodução, leva à fantasia do círculo fechado, os herdeiros manifestando sua fidelidade até mesmo quando parecem se afastar do pai: “nunca, nem antes e nem depois de ter partido, eu pensei que pudesse encontrar o que não me davam aqui dentro”, diz o filho no romance de Nassar (1997NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 1997., 160). Contudo, como em “The Masque of the Red Death”, virologia em forma de conto publicada por Edgar Allan Poe em 1842 (1978POE, Edgar Allan. The Masque of the Red Death. In: MABBOTT, T. O. (org.). The Collected Works of Edgar Allan Poe: Tales & Sketches 1831-1842 (Vol. 2). Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press, 1978. p. 667-678), em Lavoura arcaica o desejo de fechamento absoluto da família e do corpo descobre que a casa já está, desde sempre, contaminada.

Voltando ao início, e mais uma vez a Fanon, nas políticas de imunidade e no imaginário familiar está desde sempre presente a racialização. Mesmo no conceito de fraternidade, ideia crucial para democracias modernas e não modernas, já está em operação o racismo, como sempre que se concede qualquer privilégio ao irmão - e não, destaca Derrida, à irmã (2003DERRIDA, Jacques. Keynote address. Response to Etienne Balibar. Congresso tRACEs: Race, Deconstruction, and Critical Theory, University of California Humanities Research Institute, 10-11 de abril de 2003. Disponível em: https://vimeo.com/showcase/1631670/video/25689804 . Acesso em: 15 de dezembro de 2023.
https://vimeo.com/showcase/1631670/video...
). Racismo é, nesse sentido, um nome para a ansiedade em relação à reprodução, atrelando-se, portanto, também à sexualidade - suas interdições, suas fantasias. É quando a naturalização da reprodução heteronormativa é ameaçada que o racismo se torna especialmente útil, chegando ao limite da eugenia, na qual o desejo de controle da reprodução dá forma à fantasia patriarcal de preservação da pureza. Assim, a reflexão sobre o racismo leva automaticamente a uma reflexão crítica sobre as instituições, incluindo a universitária, na qual o vocabulário da fraternidade e do lar e as imagens de filiação têm lugar decisivo.

É nesse sentido que o clientelismo e o patrimonialismo são outras formas de racialização. Em sua variante hispano-americana, escreve Samuel Steinberg, essa arquitetura vai inventar um humanismo criollo (isto é, da elite europeizada), uma

formação político-teológica que produz como justificativa para seu empreendimento literário-filosófico a necessidade do pagamento sacrificial de dívidas e a obrigação de cumprir deveres, organizando, de maneira ampla, sua servidão à ordem social. Por criollo quero nomear uma herança colonial espanhola e certa inscrição racializada que funciona para imunizar o esforço latino-americanista contra a especulação teórica, resultando num latino-americanismo que tem sido altamente inconsequente - seu beletrismo ou “engajamento político” é a face gêmea de um campo que muitas vezes só é capaz de se compreender em termos de serviços prestados a um poder do qual se esforça por se distinguir. Por um lado, o criollo fala como herdeiro da tradição ocidental; por outro, fala como conhecedor e protetor de um conhecimento autóctone incomensurável com a especulação teórica. (Steinberg, 2019STEINBERG, Samuel. The Secular Duty: Latin Americanism as Criollo Humanism. Revista Hispánica Moderna, v. 72, n. 2, p. 209-218, dezembro de 2019. , p. 209).

Convergem, dessa maneira, a alergia à teoria e a naturalização da instituição racializada e fraternal, com o signo literatura ajudando a encobrir as histórias de sujeição da região e fornecendo um álibi para a defesa da tradição. O modo como a identidade (nacional) foi construída, a partir da celebração da semelhança e da invenção de uma homogeneidade ameaçada por alienígenas, é encoberto pelo apelo à ideia de literatura, que funciona no discurso como elemento transcendente e imobilidade fundadora, o princípio organizador que garante uma certeza tranquilizadora, como se ele próprio estivesse fora do jogo.

A indignação das respostas àquilo que é visto como infestação, quando a imobilidade da origem é abalada, sugere surpresa, apoiada numa “visão totalizante da identidade”, diante da existência de alteridade na área. O surgimento do novo, como a “multiplicação atual das abordagens e dos objetos de estudo”, passa a ser entendido necessariamente como perda (Siscar, 2006SISCAR, Marcos. O discurso da história na teoria literária brasileira. In: SANTOS, A. C.; DURÃO, F. A.; SILVA, M. G. V. (org.). Desconstruções e contextos nacionais. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006. p. 102-114., p. 111). Essa expectativa de unanimidade é sinal de que se entendia o campo não como um espaço caracterizado por um antagonismo produtivo, com deslocamentos constantes provocados pelo atrito e a discussão sem fim, mas como um espaço plano, algo que caberia então tentar entender.

Entra uma abelha pela janela

Em Hamlet, o fantasma do pai, ao aparecer, exige do filho uma ação. Como na demanda feita por Deus a Abraão, aqui também o que se cobra é um ato violento, um assassinato, mas, à diferença do relato bíblico, no qual há uma resposta imediata ao pedido, aqui o receptor da demanda não fará outra coisa a não ser duvidar e adiar a decisão. Essa hesitação, contudo, é o que abre espaço para a interrogação da autoridade simbólica e da exigência trazida por ela. A fortuna crítica da peça de Shakespeare aponta como elemento propriamente moderno da tragédia essa dúvida sobre a natureza da fala do fantasma, que inclui o questionamento de sua origem e sentido. Nesse quadro, é o conteúdo da herança que é colocado em questão, reconhecendo que ela é sempre mais de uma, sempre plural. Como com qualquer herança, o legado que Hamlet recebe também precisa ser submetido a leituras e interpretações, não havendo um sentido auto-evidente na mensagem vinda do pai (se for mesmo o espectro do pai a falar, pois até disso Hamlet chega a duvidar). Até o fantasma, em sua fala, reconhecera que não seria capaz de explicar tudo, precisando então sugerir e insinuar. Desde o início, então, compreende-se que qualquer ato terá que passar pelo trabalho de interpretação, tarefa principal de qualquer herdeiro.6 6 É o que se verá, de outro modo, também em Macbeth, obra em que a profecia, uma vez enunciada, ainda precisará ser desvendada, havendo inclusive o risco do mal-entendido. É até mesmo possível que o conteúdo da profecia inclua o alerta de que ela não será compreendida.

A hesitação de Hamlet e o adiamento da ação permitem que se perceba a complexidade da fala do fantasma, e poderá, então, ser esquadrinhado o sentido de sua reivindicação, gerando ambivalência no sujeito. Por outro lado, toda incerteza se esfuma quando Hamlet está diante de Ophelia e Gertrude, sua mãe. O comportamento e as falas das duas mulheres rapidamente têm seu sentido fixado, sem ponderação ou matização, em leituras misóginas que as enxergam como representativas de uma suposta condição feminina, ao mesmo tempo dissimuladas, débeis e perigosamente traiçoeiras. É também isso que se pode aprender sobre a modernidade com a peça: a necessidade constitutiva da exclusão. Congelando de modo paranoico o sentido do outro, a peça demonstra por que a misoginia é útil, a autenticidade do sujeito dependendo da acusação de inautenticidade dirigida ao outro (a falsidade das mulheres, etc.) (McGowan; Engley, 2022MCGOWAN, Todd; ENGLEY, Ryan. Hamlet. In: Why Theory. Podcast. 14 maio 2022. Disponivel em: Disponivel em: https://soundcloud.com/whytheory/hamlet . Acesso em: 15 out. 2023.
https://soundcloud.com/whytheory/hamlet...
).

Se fossem incorporadas ao exercício de narrar a história de uma instituição, essas intuições recomendariam que se destacasse a impureza de qualquer história, inclusive por causa da impossibilidade de unicidade e univocidade de qualquer autoridade simbólica. Mesmo ela, a autoridade simbólica, como o fantasma do pai de Hamlet, é incapaz de encerrar a discussão sobre o sentido da própria fala, ainda que se deseje fazer dela uma regra. Não há texto que diga uma coisa só,7 7 Nem “O direito à literatura”, texto de Antonio Candido que tem um trecho reproduzido na página de apresentação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP na internet (https://dtllc.fflch.usp.br/). e a herança “não é jamais una consigo mesma”, sendo preciso filtrá-la, peneirá-la e criticá-la; é sempre “preciso escolher entre vários possíveis que habitam a mesma injunção”, possíveis que vivem dentro da herança de modo contraditório, como se existissem em torno de um segredo. Afinal, se “a legibilidade de um legado fosse dada, natural, transparente, unívoca, se ela não pedisse e não desafiasse ao mesmo tempo a interpretação, não se teria nunca o que herdar. Seríamos afetados por isso como por uma causa - natural ou genética” (Derrida, 1994DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994., p. 33).

Em Hamlet - no Manifesto Comunista, nos Espectros de Marx... -, a chegada do fantasma é intempestiva. Esse espectro - do pai (em Shakespeare), do Comunismo (em Marx), de Marx (em Derrida) - é simultaneamente desejado e temido, interno e externo, doméstico e estrangeiro; ele pertence e não pertence. Estudiosos não sabem bem o que fazer com ele, a não ser renegá-lo, escreve Derrida, e não porque falte saber, mas porque o espectro é um não-objeto, alheio ao saber. Essa é a primeira questão em Hamlet: afinal, alguém pode dizer que viu algo? Marcellus, Barnardo? Os dois convocam um terceiro, Horatio, como testemunha, incertos da própria autoridade e duvidosos dos próprios olhos. Assim, a questão rapidamente se torna coletiva: o espectro precisa aparecer para mais de um para dificultar seu descarte como alucinação individual. Sua voz também será escutada, mas só por alguns, não por todos. Há cenas em que ele só é ouvido, não visto (nem no plano ficcional, nem no teatro), deixando-nos “entregues à sua voz” (Derrida, 1994DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994., p. 23). Não vemos a origem da lei, mas escutamos uma voz, que parece trazer uma ordem e exigir um juramento. Como em qualquer trabalho de luto, a tarefa é decidir o que fazer com essa demanda, com essa responsabilidade, o que fazer com o que sobra após a morte, com os restos e ruínas, o que fazer com esses espectros e assombrações que insistem, apesar de tudo, em aparecer.

Entram dois coveiros, o primeiro carregando uma pá e uma picareta. Saem carregando o corpo

ATO V

Numa sala de aulas do prédio de Letras

Oito horas da manhã

Entram alunas e alunos

Entra o fantasma

Referências

  • AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma de vida. Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2014.
  • AHMED, Sara. Viver uma vida feminista Tradução de Jamille Pinheiro Dias, Sheyla Miranda e Mariana Ruggieri. São Paulo: Ubu Editora, 2022.
  • ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello. Comments about Academic Job Position Filling: The Case of the Brazilian ‘Concursos’. Social Science Open Access Repository, São Paulo, p. 1-15, 2019. Disponível em: https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:0168-ssoar-62189-v2-6 Acesso em: 15 de dezembro de 2023.
    » https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:0168-ssoar-62189-v2-6
  • BORGES, Antonádia; BERNARDINO-COSTA, Joaze. Des-senhorizar a Universidade: 10 anos da Lei 12.711, ação afirmativa e outras experiências. Revista Mana, v. 28, n. 3, 2022. Disponível em: http://revista-mana.org/dossie/ Acesso em: 15 de julho de 2023.
    » http://revista-mana.org/dossie/
  • CARNEIRO, Nathalia Silva; GAYÃO, Nicolau. A carne e o fogo: despedaçamento e criação na obra de Frantz Fanon. Revista Rosa, s. 1, n. 3, 2021. Disponível em: https://revistarosa.com/3/a-carne-e-o-fogo. Acesso em: 15 de dezembro de 2023.
  • CÉSAIRE, Aimé. Diário de um retorno ao país natal Tradução de Lilian Pestre de Almeida. São Paulo: Editora da USP, 2012.
  • DAVIDSON, Arnold. O surgimento da sexualidade: Epistemologia histórica e a formação de conceitos. Tradução de Rogerio Galindo. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2019.
  • DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
  • DERRIDA, Jacques. Keynote address. Response to Etienne Balibar Congresso tRACEs: Race, Deconstruction, and Critical Theory, University of California Humanities Research Institute, 10-11 de abril de 2003. Disponível em: https://vimeo.com/showcase/1631670/video/25689804 Acesso em: 15 de dezembro de 2023.
    » https://vimeo.com/showcase/1631670/video/25689804
  • UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Edital FFLCH/FLT Nº 004/2023. Diário Oficial Caderno Executivo, Seção III, São Paulo, v. 133, n. 141, p. 398-399, 26 de dezembro de 2023.
  • FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas Tradução de Sebastião Nascimento e Raquel Camargo. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
  • FAUSTINO, Deivison Mendes. Posfácio. In: FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas São Paulo: Ubu Editora, 2020. p. 245-263.
  • FOUCAULT, Michel. Polêmica, política e problematizações. In: FOUCAULT, Michel. Ditos & Escritos V: Ética, sexualidade, política. Tradução de Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 225-233.
  • GINZBURG, Carlo. Deciphering the sabbath. In: ANKARLOO, Bengt; HENNINGSEN, Gustav (ed.). Early Modern European Witchcraft: Centres and Peripheries. Oxford: Oxford University Press, 1990. p. 121-138.
  • KAFKA, Franz. O grande nadador. In: KAFKA, Franz. Blumfeld, um solteirão de mais idade e outras histórias Tradução de Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 251-253.
  • LACAN, Jacques. Écrits Paris: Seuil, 1966.
  • MANIFESTO: A USP é Solo Preto e Indígena. 2022. Disponível em Disponível em https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfgHfbwt2fpnhJGGrf5Euar5hsFAniL9uIuCSJR7Tj_3irB2w/viewform Acesso em: 10 de novembro de 2023.
    » https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfgHfbwt2fpnhJGGrf5Euar5hsFAniL9uIuCSJR7Tj_3irB2w/viewform
  • MCGOWAN, Todd; ENGLEY, Ryan. Hamlet. In: Why Theory Podcast. 14 maio 2022. Disponivel em: Disponivel em: https://soundcloud.com/whytheory/hamlet Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://soundcloud.com/whytheory/hamlet
  • NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
  • NEOCLEOUS, Mark. The Politics of Immunity: Security and the Policing of Bodies. Londres: Verso, 2022.
  • PEQUENO, Tatiana. Tocar o terror São Paulo: Editora Bregantini, 2022.
  • POE, Edgar Allan. The Masque of the Red Death. In: MABBOTT, T. O. (org.). The Collected Works of Edgar Allan Poe: Tales & Sketches 1831-1842 (Vol. 2). Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press, 1978. p. 667-678
  • POVINELLI, Elizabeth. Between Gaia and Ground: Four Axioms of Existence and the Ancestral Catastrophe of Late Liberalism. Durham: Duke University Press, 2021.
  • SHAKESPEARE, William. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca Tradução de Bruna Beber. São Paulo: Ubu Editora, 2019.
  • SISCAR, Marcos. O discurso da história na teoria literária brasileira. In: SANTOS, A. C.; DURÃO, F. A.; SILVA, M. G. V. (org.). Desconstruções e contextos nacionais Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006. p. 102-114.
  • SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Outside in the Teaching Machine New York: Routledge, 1993.
  • STEINBERG, Samuel. The Secular Duty: Latin Americanism as Criollo Humanism. Revista Hispánica Moderna, v. 72, n. 2, p. 209-218, dezembro de 2019.
  • WILSON, Mitchell. The Analyst’s Desire: The Ethical Foundation of Clinical Practice. New York: Bloomsbury Academic, 2020.
  • ŽIŽEK, Slavoj. For Lacan, against Lacanian Ideology. In: TUPINAMBÁ, Gabriel. The Desire of Psychoanalysis: Exercises in Lacanian Thinking. Evanston: Northwestern University Press, 2021. p. XI-XVII.
  • *
    Este texto é uma versão revisada de parte do Memorial Acadêmico submetido em 2022 ao Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP durante concurso para Professor Titular
  • 1
    Ver também, a respeito, artigo de Nathalia Silva Carneiro e Nicolau Gayão (2021CARNEIRO, Nathalia Silva; GAYÃO, Nicolau. A carne e o fogo: despedaçamento e criação na obra de Frantz Fanon. Revista Rosa, s. 1, n. 3, 2021. Disponível em: https://revistarosa.com/3/a-carne-e-o-fogo. Acesso em: 15 de dezembro de 2023.).
  • 2
    Texto que se apropria, em alguns de seus trechos, da tradução recente da obra feita por Bruna Beber (Shakespeare, 2019SHAKESPEARE, William. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Tradução de Bruna Beber. São Paulo: Ubu Editora, 2019.).
  • 3
    “estou há dois meses querendo ignorar que você gritou naquela reunião e ninguém te impediu de continuar estou há cinco horas com seu tom autoritário me cobrando presença estou viva não sei até que esquina” (Pequeno, 2022PEQUENO, Tatiana. Tocar o terror. São Paulo: Editora Bregantini, 2022., 53).
  • 4
    Não é farto o material a respeito do assunto, mas uma tentativa recente de compreensão das peculiaridades e contradições do modelo brasileiro aparece no artigo “Comments about Academic Job Position Filling: The Case of the Brazilian ‘Concursos’” de Astolfo Gomes de Mello Araujo (2019ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello. Comments about Academic Job Position Filling: The Case of the Brazilian ‘Concursos’. Social Science Open Access Repository, São Paulo, p. 1-15, 2019. Disponível em: https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:0168-ssoar-62189-v2-6 . Acesso em: 15 de dezembro de 2023.
    https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:016...
    ).
  • 5
    No anexo ao texto do edital, lê-se que “Nossa produção acadêmica, por sua vez, tem uma excelência reconhecida e confirmada em diferentes níveis, seja pela referência que nossos docentes representam em seus campos de atuação, seja pelos vários prêmios que o corpo docente e discente da pós-graduação tem recebido periodicamente e, em especial, nos últimos anos, com professores que continuaram e continuam a grande obra construída pela geração formada pelo professor emérito da Universidade, Antonio Candido de Mello e Souza” (Edital, 2023UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Edital FFLCH/FLT Nº 004/2023. Diário Oficial Caderno Executivo, Seção III, São Paulo, v. 133, n. 141, p. 398-399, 26 de dezembro de 2023., p. 399).
  • 6
    É o que se verá, de outro modo, também em Macbeth, obra em que a profecia, uma vez enunciada, ainda precisará ser desvendada, havendo inclusive o risco do mal-entendido. É até mesmo possível que o conteúdo da profecia inclua o alerta de que ela não será compreendida.
  • 7
    Nem “O direito à literatura”, texto de Antonio Candido que tem um trecho reproduzido na página de apresentação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP na internet (https://dtllc.fflch.usp.br/).
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2024
  • Aceito
    20 Fev 2024
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com