Acessibilidade / Reportar erro

A natureza através do prisma de um espírito de poeta: expressão da arte romântica no Livre de Jade, de Judith Gautier

Nature Through the Prism of a Poet's Spirit: Expression of Romantic Art in Judith Gautier's Livre de Jade

Resumo

Os poemas em prosa do Livre de Jade (1867), de Judith Gautier, são quase sempre explorados a partir da comparação com a poesia clássica chinesa, em que a autora se inspira. Este texto busca outros caminhos de abordagem do volume. Portanto, traçamos o histórico da inscrição de Gautier na tradição do poema em prosa e nos apoiamos na produção da autora como crítica de arte a fim de observar o que há na antologia para além da sua fonte de inspiração.

Palavras-chave:
Judith Gautier; orientalismo; poema em prosa; pictorialismo poético

Abstract

The prose poems in Judith Gautier's Livre de Jade (1867) are almost always explored through a comparison with the classical Chinese poetry from which the author drew inspiration. This article seeks other ways of approaching the volume; therefore, we trace the history of Gautier's inscription in the prose poem tradition and resort to the author's production as an art critic to analyze what is in the anthology beyond its source of inspiration.

Keywords:
Judith Gautier; orientalism; prose poem; pictorialist poetics

Résumé

Les poèmes en prose du Livre de Jade (1867) de Judith Gautier sont presque toujours explorés à travers la comparaison avec la poésie classique chinoise dont l'autrice s'inspire. Ce texte cherche d'autres manières d'aborder le volume, alors on retrace l'inscription de Gautier dans la tradition du poème en prose et on recourt à la production de l'autrice en tant que critique d'art afin de voir ce qu'il y a dans l'anthologie au-delà de sa source d'inspiration.

Mots-clés:
Judith Gautier; orientalisme; poème en prose; pictorialisme poétique

Em La Réception des anthologies de poésie chinoise classique par les poètes français (1735-2008), Yu Wang traça o histórico de propagação da poesia clássica chinesa na França. No capítulo dedicado às antologias maiores, que influenciaram o maior número de tradutores ou imitadores dos poetas chineses, Wang dedica uma quantidade significativa de páginas ao Livre de Jade1 1 Adiante Livre. , “a antologia mais singular na história das antologias de poesia chinesa” (Wang, 2017WANG, Yu. La Réception des anthologies de poésie chinoise classique par les poètes français (1735-2008). Paris: Classiques Garnier, 2017., p. 142).2 2 “l’anthologie la plus singulière dans l’histoire des anthologies de la poésie chinoise”. Todas as traduções do artigo são nossas, exceto se indicado o contrário. Para o autor, Judith Gautier estabelece ali uma conversa com os poetas chineses, e o fato de seus poemas em prosa serem apenas inspirados é menos importante que o resultado da empreitada. Isto é, seus métodos de recriação tornam o livro uma obra de imaginação, invenção e de criação. O que Wang não aponta é que a preparação da recolha foi simultânea ao início da carreira de Judith Gautier como crítica de arte, de forma que é possível explorar como povoou seu livro de chinoiseries, expôs-se a reflexões sobre tendências artísticas de seu tempo e aos escritos de arte dos seus contemporâneos. Evidentemente, a escolha por se inserir na tradição do poema em prosa, que se destaca pela “irreprimível compulsão pictórica” (Pereira, 2009PEREIRA, Paulo Alexandre. Gouaches: picturalismo e poema em prosa. Forma Breve, n. 2, p. 27-44, 2009., p. 31), também nos interessa nesse contexto. Portanto, pretendemos sondar como a produção crítica de Judith Gautier influenciou a composição do seu volume e, consequentemente, seu trabalho de recriação poética.

O Livre de Jade é uma antologia de poemas em prosa inspirados em poemas chineses que construiu uma tradição própria de divulgação e vulgarização dessa poesia até então quase inexplorada.3 3 Pinto (2018) reuniu 12 traduções integrais ou parciais do Livre de Jade em diferentes idiomas entre 1870 e 1927. Logo, a principal preocupação crítica em torno do Livre é a hesitação em definir os textos como criações ou não de Judith Gautier, principalmente devido à publicação de uma segunda edição, revista e ampliada pela autora, com 39 novos poemas de qualidade tradutória diferentes daqueles de 1867, passando de à maneira de poetas chineses para traduzidos do chinês.4 4 Os 71 poemas da primeira edição são acompanhados de notações como selon ou d’après les poésies de poetas chineses, enquanto a segunda edição de 1902 tem como subtítulo poésies traduites du chinois. Ou seja, é possível recuperar as fontes dos poemas adicionados à segunda edição, enquanto os 71 obscuros da edição anterior permanecem inalterados, de forma que Ferdinand Stocès chega à conclusão de que o Livre de 1902 “é de fato composto por duas partes, mas o leitor não é informado, pois são totalmente indistintas e estreitamente interligadas na apresentação a ponto de dar a impressão de uma unidade orgânica” (Stocès, 2006STOCÈS, Ferdinand. Sur les sources du Livre de Jade de Judith Gautier (1845-1917). Revue de littérature comparée, n. 3, p. 335-350, 2006., p. 336).5 5 “Le Livre de Jade de 1902 est composé en fait de deux parties mais le lecteur n’en est pas informé car elles sont totalement indistinctes et étroitement emmêlées dans la présentation, au point de donner l’impression d’une unité organique de l’œuvre.” Por isso, nosso interesse se concentra na primeira edição, pois é ali que a autora põe em prática seus primeiros experimentos.

Apesar de Judith Gautier convencer gerações de leitores de que seus mandarins imaginários são mandarins de fato, é intrigante quando muitos de seus contemporâneos reagem à antologia se referindo prontamente à dimensão criativa da obra. Seus poemas em prosa foram denominados poesias pseudo-chinesas (Wang, 2017WANG, Yu. La Réception des anthologies de poésie chinoise classique par les poètes français (1735-2008). Paris: Classiques Garnier, 2017., p. 185) por Leconte de Lisle, e mesmo Victor Hugo, que teve seu nome traduzido por Judith, vê além da identidade extremo-oriental da recolha em carta à autora: “Senhora, tenho seu livro e, na primeira página, vejo meu nome escrito por você e transformado em hieróglifo luminoso, como se escrito pela mão de uma deusa. O Livre de Jade é uma obra excelente, e deixe-me dizer-lhe que vejo a França nesta China, e seu alabastro nesta porcelana” (Hugo, 1952HUGO, Victor. Correspondance. Tome III . Paris: Albin Michel, 1952.. p. 48).6 6 “Madame, J'ai votre livre, et sur la première page, je vois mon nom écrit par vous, et devenu hiéroglyphe lumineux comme sous la main d'une déesse. Le Livre de jade est une œuvre exquise, et laissez-moi vous dire que je vois la France dans cette Chine, et votre albâtre dans cette porcelaine.” Escritura que é relevante reproduzirmos:

(sens) (son) (caractère)
à (iu) 于
l'éloigné (Vi) 夷
triomphant (Ke) 克
qui marche avec gravité (To) 逫
disant de grandes choses (Rhu) 詡
inflexibles (Go) 拗.7 7 “Ao distante triunfante que caminha com gravidade dizendo grandes coisas inflexíveis”. Fonds Victor Hugo. III CARNETS. 1er mai 1867-31 mai 1869. Folio 11 du 31 mai 1867. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/ btv1b530383001/f21>.

A maneira como Gautier manipula os significados dos caracteres e ignora a sintaxe chinesa para compor essa dedicatória motiva grande curiosidade com relação ao seu processo criativo.8 8 Sobre a sintaxe chinesa e a manipulação dos caracteres por Gautier, ver Chiche (2020, p. 5). Sabemos que as principais técnicas de Gautier,9 9 Sobre as técnicas de Gautier, ver Hamao (1995). no plano formal, são tão místicas e tendenciosas aos seus objetivos quanto a mensagem a Hugo. Judith encurta poemas longos, inutilizando o restante ou aproveitando-os para compor outro com título distinto.10 10 Um exemplo significativo é 春江花夜, “Flores em um rio iluminado pela lua na primavera”, de Zhang Ruoxu, em que Gautier transforma suas partes dispersas em cinco poemas diferentes. É normal a mudança de substantivos próprios por comuns e a adição de adjetivos após aqueles que não são qualificados. As adições vão de palavras até frases inteiras, por exemplo: um dos dois únicos poemas atribuídos a Du Fu (712-770) reconhecidos na obra do poeta - dentre os 14 presentes no Livre -11 11 Sobre os desencontros dos poemas de Gautier atribuídos a Du Fu com a obra do poeta, ver Hung (1959, p. 10). é Promenade le soir dans la prairie/Passeio à noite no campo, composto a partir de 登高 (Dēng Gāo). A fim de demonstrar a recriação de Gautier, reproduzimos a versão do Livre:

Le soleil d'automne a traversé la prairie en venant de l'est ; maintenant il glisse derrière la grande montagne de l'ouest.

Il reste une lueur dans le ciel ; sans doute le jour se lève de l'autre côté de la montagne.

Les arbres sont couverts de rouille, et le vent froid du soir décroche les dernières feuilles.

Une cigogne veuve regagne son nid solitaire, tristement et lentement, comme si elle espérait encore voir revenir celui qui ne reviendra plus,

Et les corbeaux font un grand bruit autour des arbres, pendant que la Lune commence à s'allumer pour la nuit. (Gautier, 1867GAUTIER, Judith. Le Livre de Jade. Paris: A. Lemerre, 1867., p. 53).12 12 O sol de outono atravessou o campo, vindo do leste; agora ele desce atrás da montanha no oeste./ Permanece um clarão no céu; sem dúvida o dia amanhece no outro lado da montanha./ As árvores se cobrem de ferrugem, o vento frio da noite arranca-lhes as últimas folhas./ Uma cegonha viúva retorna solitária ao ninho, tristemente, lentamente, como se esperasse ainda aquele que não voltará mais,/ E os corvos grasnam por entre as árvores, enquanto a Lua noturna se põe a brilhar (Walter, 2023, p. 33).

E a tradução de Ricardo Portugal e Tan Xiao “Desde um alto terraço”:

O vento jorra ao alto do céu choram macacos
à clara ilha a branca areia aves em torno
Sombrias árvores se esvaem às folhas caem
o rio subido à via tortuosa e longa

Mil milhas vem tristeza outono um visitante
cem anos solidões doenças no mirante
Agruras dores trazem densa neve às têmporas
e ainda o desconsolo: parar de beber! (Portugal; Xiao, 2019PORTUGAL, Ricardo Primo; TAN, Xiao. Antologia da poesia clássica chinesa-dinastia Tang. 2ª ed. São Paulo: Editora da Unesp, 2019., p. 116).

A diferença entre os textos é significativa, mas chamamos atenção aos enxertos feitos por Gautier. “Sombrias árvores se esvaem às folhas caem” se torna “Les arbres sont couverts de rouille, et le vent let du soir décroche les dernières feuilles”, carregando o efeito do pôr do sol de outono das alíneas anteriores ao descrever sua ação sobre as folhas das árvores, produzindo uma nova imagem. A referência à estação que Gautier localiza ao início apenas aparece no quinto verso do poema original. Os versos são completamente rearranjados: “Une cigogne veuve regagne son nid solitaire, letemente et lentement, comme si le espérait encore voir revenir celui qui ne reviendra plus”, na quarta alínea do poema, correspondente ao segundo verso que Portugal e Xiao traduzem para “à clara ilha a branca areia aves em torno”. Nota-se como a autora transforma o termo genérico “aves” (鸟) em um cenário em que a cegonha é o tema central. Mesmo o ritmo binário do poema é quebrado para descrever o movimento e, curiosamente, o estado de espírito da ave. Gautier molda os ideogramas à sua vontade, complexificando as imagens apenas sugestivas dos caracteres sem se preocupar em interpretar seu contexto, pois o exercício dessas recriações é explorar essa linguagem que mistura escrita e imagem.

Ricardo Portugal e Tan Xiao explicam o texto traduzido da seguinte maneira:

Poema notável pela grandiosidade das imagens, que representam o movimento incontrolável e vertiginoso dos elementos e das forças da natureza. A primeira estrofe coloca os elementos naturais em movimento ao redor do poeta, que sobe ao mirante. Há uma confusão de planos, ou alturas - de céu e terra, do vento e dos macacos, os sons aparecem juntos e confundidos. (Portugal; Xiao, 2019PORTUGAL, Ricardo Primo; TAN, Xiao. Antologia da poesia clássica chinesa-dinastia Tang. 2ª ed. São Paulo: Editora da Unesp, 2019., p. 116).

Esse efeito vertiginoso é bem oposto à calmaria da versão de Gautier, que só tem seu silêncio quebrado pelo grasnido dos corvos na última alínea, anunciando o início da noite quando a lua se levanta. Em termos históricos, o poema de Du Fu descreve a visão que o poeta tem da paisagem outonal do terraço, doente, solitário e itinerante por razões políticas.13 13 Ver Ren (2021, p. 35). Não é esperado que Gautier conhecesse todo esse contexto e, mesmo após afirmar ter corrigido os textos suficientemente para chamá-los traduzidos do chinês, a autora não abre mão da sua criação, visto que não há modificações entre o texto de 1867 e o de 1902. Diante de uma poesia cheia de referências históricas e textuais, Gautier teve de preencher essas lacunas por outros meios.

Nesse sentido, Yu Wang (Wang, 2017WANG, Yu. La Réception des anthologies de poésie chinoise classique par les poètes français (1735-2008). Paris: Classiques Garnier, 2017., p. 177) recupera o ciclo de conferências La littérature Chinoise proferidas por Basile Alexéiev e nos auxilia a pensar a apropriação de Judith da matéria temática do Livre sem apelar ao exotismo. Para Alexéiev, o maior obstáculo do tradutor de poesia clássica chinesa é o espírito crítico do leitor ocidental. Quando o tradutor não encontra meios de suprir “a falta do sentimento do original, tanto em sua amplitude quanto em sua intensidade e força” (Alexéiev, 2005ALEXÉIEV, Basile. La littérature Chinoise: Six conférences au Collège de France et au Musée Guimet (1926). Saguenay: Université du Québec à Chicoutimi, 2005. , p. 43),14 14 “Ce manque du sentiment de l’original, dans son ampleur aussi bien que dans son intensité et dans sa force”. o leitor pode desvalorizar a literatura estrangeira ao compará-la a seu repertório ou ignorar absolutamente as diferenças culturais em jogo. Isso se mostra um grande problema, pois um livro sem tradição não é muita coisa:

se alguém lê os versos de Du Fu, grande poeta chinês do século VIII da nossa era, sem saber sobre esse poeta muito mais do que oferece um prefácio ordinário dos nossos tradutores, ele será lido e julgado como um poeta ordinário e, uma vez adotado o prisma falso, todas as impressões justas serão destruídas. (Alexéiev, 2005ALEXÉIEV, Basile. La littérature Chinoise: Six conférences au Collège de France et au Musée Guimet (1926). Saguenay: Université du Québec à Chicoutimi, 2005. , p. 43).15 15 “si l’on entreprend de lire les vers de Tou Fou, le grand poète chinois du VIIIe siècle de notre ère, et si l’on ne sait pas sur ce poète beaucoup plus que ne donne une préface ordinaire de nos traducteurs, on le lira et le jugera comme un poète ordinaire et, le prisme faux une fois adopté, toute impression juste se trouve détruite.”

A proposta de Portugal e Xiao é de criar uma tradução que cause estranhamento ao leitor de língua portuguesa assim como os poemas da Dinastia Tang (618-907) causam estranhamento a leitores chineses hoje, amparando o leigo com notas, introdução e pressupostos teóricos da antologia. Segundo os autores:

O poema estrangeiro amplia o repertório da minha língua; expande, modifica, discute o texto de minha língua; propõe uma releitura e reescrita da minha tradição. O poema estrangeiro deve ser traduzido como trazendo algo novo a minha língua, para além da reiteração do conhecido. (Portugal; Xiao, 2019PORTUGAL, Ricardo Primo; TAN, Xiao. Antologia da poesia clássica chinesa-dinastia Tang. 2ª ed. São Paulo: Editora da Unesp, 2019., p. 52).

Judith Gautier, ao contrário, opta pelo afrancesamento dos temas chineses, apesar de criar uma ambiência oriental interessante com as imagens escolhidas e a concisão dos poemas. Sua versão nos oferece um texto autossuficiente, que não causa estranhamentos nos níveis semânticos e sintáticos ao leitor ocidental. A falta de informação sobre Du Fu foi substituída pelos atributos da jovem poeta. Diante de Promenade le soir dans la prairie, o leitor percebe que a autora pinta uma impressão do anoitecer em que cada alínea é uma imagem precisa. A tendência pictórica ali é relevante, e esse aspecto fascina Anatole France, pronto a expressar a inventividade de Gautier:

Duvido, porém, que ela tenha encontrado em Thou-Fou, Tché-Tsi ou Li-Taï-Pé todos os detalhes dos finos quadros contidos no Livre de Jade; duvido que os poetas do país da porcelana conheceram antes dela essa graça, essa flor que o encantará em uma dessas peças que podemos pôr ao lado dos poemas em prosa de Aloysius Bertrand e de Charles Baudelaire (...) Ela tinha seu estilo porque tinha seu mundo de ideias e de sonhos. Esse mundo era o Extremo Oriente, não como ele é de fato, não como nos descrevem os viajantes, mesmo quando são, como Loti, poetas, mas tal como se formou na alma da jovem. (France, 1860FRANCE, Anatole. La vie littéraire: Judith Gautier. Paris: Le Temps, 1890., p. 2).16 16 “Je doute pourtant qu'elle ait trouvé dans Thou-Fou, Tché-Tsi ou Li-Taï-Pé tous les détails des fins tableaux contenus dans le livre de jade; je doute que les poètes du pays de la porcelaine aient connu avant elle cette grâce, cette fleur qui vous charmera dans tel de ces morceaux achevés, qu'on peut mettre à côté des poèmes en prose d'Aloysius Bertrand et de Charles Baudelaire (...) Elle avait son style, parce qu'elle avait son monde d'idées et de rêves. Ce monde, c'était l'Extrême-Orient, non point tel qu'il est en réalité, non point tel que nous le décrivent les voyageurs, même quand ils sont, comme Loti, des poètes, mais tel qu'il s'était formé dans l'âme de la jeune fille.”

O elogio do escritor é elucidativo, pois sabemos que diante de um poema chinês “Judith Gautier muitas vezes extrai primeiro suas imagens e parte em seguida a um mundo imaginário” (Wang, 2017WANG, Yu. La Réception des anthologies de poésie chinoise classique par les poètes français (1735-2008). Paris: Classiques Garnier, 2017., p. 175),17 17 “Judith Gautier extrait souvent d’abord ses images et s’envole ensuite vers un monde imaginaire.” o que favorece nossas suspeitas de que a identificação do leitor ocidental com a poesia de Gautier flui dos detalhes dos seus finos quadros e da associação com a forma praticada por Bertrand e Baudelaire. Com esses dois fatores em mente, nos interessa buscar qual a nota parisiense presente do livro, a começar pelo histórico da inscrição de Gautier na tradição do poema em prosa.

Podemos observar como a autora se inscreve sutilmente nessa tradição a partir de eventos narrados em sua autobiografia. Filha de poeta, Judith relata que, apesar das tentativas do pai em fazê-la compor, a ideia de se preocupar com a natureza das rimas e a medida dos versos não lhe agradava tanto quanto os quartetos prosaicos de Omar Khayyam.18 18 Sobre a afinidade de Gautier com os quartetos persas, ver Gautier (1909, p. 282). Quando a autora compõe seu primeiro texto literário, ela o descreve como um poema em prosa comparado por Théophile Gautier aos fragmentos de Heinrich Heine:

É a primeira vez que me aventuro na literatura, e esse começo é feito ligeiramente; no entanto, eu devo ter amadurecido o tema na minha cabeça, pois ele vem facilmente, como se eu copiasse. A peça tem como título: le Retour des Hirondelles. É um tipo de poema em prosa que se arranja sozinho em estrofes. (Gautier, 1909GAUTIER, Judith. Le second rang du collier. Paris: F. Juven , 1909., p. 58-59).19 19 “C'est la première fois que je m'essaye à la littérature, et ce début est fait bien légèrement ; pourtant je dois avoir mûri le sujet dans ma tête, car cela vient facilement, comme si je recopiais. Le morceau a pour titre : le Retour des Hirondelles. C'est une sorte de poème en prose, qui s'arrange tout seul en strophes.”

Judith também narra o episódio em que publicou um artigo sobre Eureka, de Edgar Poe, que toma parte ali por impactá-la a ponto de afirmar que “Edgar Poe subiu mais alto e foi mais longe na história do céu que todos os outros teóricos” (Walter, 1936WALTER, Judith [Judith Gautier]. EUREKA d’Edgar Poe. In: BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres complètes de Charles Baudelaire: traductions. Paris: L. Conard, 1936. p. 255-260., p. 259).20 20 “Edgar Poe est remonté plus haut et est allé plus loin dans l’histoire du ciel que tous les autres théoriciens.” E não passa despercebido o fato de o poeta americano apresentar Eureka como um poema em prosa dedicado “aos sonhadores e aqueles que depositam fé em sonhos, como únicas realidades” (Poe, 1999POE, Edgar Allan. Poemas e ensaios. São Paulo: Globo Livros, 1999., p. 187). Completamos as alusões mencionando a primeira vez que Judith teve contato com a obra de Gustave Flaubert, ao escutar trechos d’A Tentação de Santo Antão, poema em prosa inspirado no quadro homônimo de Brueghel, e como a descrição das vestimentas orientais da Rainha de Sabá a encantaram.21 21 Ver Gautier (1904, p. 270). É certo que não devemos confiar veementemente em como Gautier narra as memórias da sua infância ao fim da vida, mas a ideia de agrupar essas referências deliberadamente é significativa. Elas demonstram como a autora compôs, a partir dos traços desses mestres, a alquimia de uma nova forma:

Seria curioso que a união de vários professorados produzisse uma fatura nova e uniforme. Se o fato fosse comprovado mais amplamente, o estudo aprofundado dessa questão não seria desinteressante, e certamente haveria químicos de um novo gênero que com certeza produziriam originalidades por amálgamas de métodos (Mendès, 1873, p. 2).22 22 “Il serait curieux que l'union de plusieurs professorats produisît une facture nouvelle et uniforme. Si le fait était plus amplement prouvé, l'étude approfondie de cette question ne serait pas sans intérêt, et il se trouverait certainement des chimistes d'un genre nouveau, pour produire à coup sûr des originalités par des amalgames de méthodes.” Cf. Mendès, Judith [Judith Gautier]. Salon de 1873. Le Rappel, 10 mai 1873.

O trecho supracitado provém do Salão de 1873, publicado por Judith Gautier no cotidiano Le Rappel. A autora começou a publicar artigos sobre artes plásticas no mesmo ano e na mesma revista literária em que saiu sua primeira recolha de Variations sur des thèmes chinois (1864), as primeiras versões dos poemas em prosa do Livre. O ambiente de revistas como L’Artiste, manifestantes da teoria romântica de união das artes e veículos de grande trânsito de ideias entre essa nova classe artistica que não compreende apenas pintores e escultores, mas também literatos e músicos, completa o cenário no qual o poema em prosa de Gautier e muitos outros nasceram, assim como nos indica este trecho de uma carta de Mallarmé a Henri Cazalis: “Leve então um poema em prosa à Revue nouvelle, sua vizinha, (14, rue Jacob) eles entram absolutamente no seu quadro. Ela concilia arte e poesia - mesmo a mais sonhadora e extraterrestre” (Mallarmé, 2019MALLARMÉ, Stéphane. Correspondance 1854-1898. Paris: Gallimard, 2019., p. 90).23 23 “Porte donc un poème en prose à la Revue nouvelle, ta voisine, (14, rue Jacob) ils rentrent absolument dans son cadre. Elle concilie l'art et la poésie ─ même la plus rêveuse et extra-terrestre.” O ecumenismo interartístico acolhido por essas revistas aparece na natureza mutante do poema em prosa, de modo que Paulo Pereira afirma ter permitido a expansão do texto lírico com temas antes estrangeiros ao patamar do poético “esteando o seu arrojo compositivo num entendimento da poesia como efeito e não como forma contingente” (Pereira, 2009PEREIRA, Paulo Alexandre. Gouaches: picturalismo e poema em prosa. Forma Breve, n. 2, p. 27-44, 2009., p. 29), ideia expressa no momento em que Gautier reconhece o poético também na prosa, na intensidade das imagens, nos contornos das formas e no ritmo que as demais artes imprimem mais ou menos explicitamente à poesia.

Em vista disso, Judith produziu consideravelmente para periódicos com compte-rendus de exposições e salões de pintura e escultura nos quais expressa suas opiniões sobre as artes. A princípio, chama a nossa atenção um artigo publicado em abril de 1864 na revista L’Artiste, em que Gautier visita a coleção de objetos chineses de M. de Negroni:

Que fantasia charmosa nessa pequena taça toda ramificada de flores e folhagens, com esse ramo caprichoso que atravessa a borda e se espalha indiferente como um arbusto de nenúfar na beira de um lago! Parece um ninho colocado num buquê de áster-da-china. Porque um imitador de Du-Fu não traçou, da ponta do seu pincel afilado, uma dessas doces poesias de nuances indescritíveis? (Walter, 1864WALTER, Judith [Judith Gautier]. Variations sur des thèmes chinois. L’Artiste: Paris, 1864. p. 38., p. 188).24 24 “Quelle fantaisie charmante dans cette petite coupe toute ramagée de fleurs et de feuillages, avec cette branche fantasque qui franchit le bord et s'étale nonchalamment comme une touffe de nénuphar au bord d'un lac ! On dirait un nid posé dans un bouquet de reine-marguerite. Pourquoi un imitateur de Thou-Fou n'y a-t-il pas tracé, du bout de son pinceau effilé, une de ces douces poésies aux nuances insaisissables ?” (Walter, 1864, p. 188).

É notável como o vocabulário e a estrutura das frases remetem ao Livre, evidenciando que Gautier já havia assumido a tarefa de imitar, na página, a poesia inapreensível da arte chinesa ao publicar suas primeiras variações alguns meses antes:

Assis dans mon pavillon du bord de l’eau ; je regarde la beauté du temps ; le soleil marche lentement vers l’occident, au travers du ciel limpide.

Les navires se balancent sur l’eau, aussi légers que des oiseaux sur les branches, et le soleil laisse un grand sillon d’or dans la mer.

J’ai pris mes pinceaux, et, sur le papier, j’ai tracé des caractères semblables à des cheveux noirs qu’une femme lisse avec la main.

Et j’ai chanté la beauté du temps.

Au dernier vers, j’ai relevé la tête, alors j’ai vu que la pluie tombait dans l’eau (Walter, 1864WALTER, Judith [Judith Gautier]. Variations sur des thèmes chinois. L’Artiste: Paris, 1864. p. 38., p. 38).25 25 Sentado no meu pavilhão à beira d’água; vejo a beleza do tempo; o sol caminha lentamente em direção ao ocidente através do céu límpido/ Os navios se balançam sobre a água, tão leves quanto os pássaros sobre os galhos, e o sol deixa um grande traço dourado no mar/ Peguei meus pincéis e, sobre o papel, tracei caracteres parecidos aos cabelos negros que uma mulher alisa com a mão./ E eu cantei a beleza do tempo./ No último verso, levantei a cabeça, então vi que a chuva caía na água.

Também atribuído a Du Fu, Pendant que je chantais la nature/Enquanto cantava a natureza faz parte dos 12 poemas que não pertencem à sua obra. Assume-se, então, criação original de Gautier e um exemplo da sua prosa de arte. É conveniente ser um pincel o instrumento de caligrafia dos ideogramas. Portanto, quando o poeta retratado canta a natureza com seus pincéis que, ao mesmo tempo, traçam caracteres semelhantes aos cabelos de uma mulher, temos uma síntese, a sugestão de que apenas uma amálgama de métodos é capaz de reproduzir a impressão dos ideogramas. As escolhas de Gautier quanto a reconstituir a poesia fora do verso e como pintar essa civilização desconhecida retém, ao que nos parece, o efeito de identificação do leitor ocidental com o Livre e, consequentemente, a abordagem que podemos considerar ao ler os poemas sem saber ao certo quem foi Du Fu.

Para a arte romântica, o poético não pertence ao verso. Théophile Gautier afirma mesmo que poético e poesia não possuem relação alguma.26 26 Ver Gautier (1868, p. 41). Logo, Judith não chama suas alíneas prosaicas de poemas, mas indica que extraiu o que há de poético da sua fonte de inspiração, método e conceito próprios da arte expressiva romântica antimimética por definição, assim como o poema em prosa, se considerarmos a revisão que Tzvetan Todorov nos oferece da teoria de Suzanne Bernard. Segundo a teórica, independente da natureza do poema em prosa, “haverá poema, ou seja, cristalização, criação de um universo autônomo, fechado em si e brilhante de um fulgor planetário no céu intemporal da arte” (Bernard, 1959BERNARD, Suzanne. Le Poème en prose de Baudelaire jusqu'à nos jours. Paris: Nizet, 1959., p. 443),27 27 “il y aura poème, c’est-a-dire, cristallisation, création d’un univers autonome, fermé sur soi et brillant d’un éclat planétaire dans le ciel intemporel de l’art.” e, na tentativa de definir o poético, lista características que afirma serem constitutivas do poema em prosa, como autonomia, intensidade e intemporalidade. Categorias que se acumulam e vemos adicionadas a brevidade e gratuidade, nunca suficientes para descrever o gênero formalmente de fato. Bernard, então, determina como cerne da estética do poema em prosa a união dos contrários ou a tensão entre um princípio duplo (Bernard, 1959BERNARD, Suzanne. Le Poème en prose de Baudelaire jusqu'à nos jours. Paris: Nizet, 1959., p. 435). Isso posto, ao buscar na teoria de Bernard uma definição de poesia (sem o verso), pois no poema em prosa “a ideia de poesia se encontra em ação” (Todorov, 2019TODOROV, Tzvetan. A poesia sem o verso. In: TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora da Unesp , 2019. p. 164-186., p. 169), Todorov se preocupa em investigar a condição do poético em criar um eterno presente.28 28 Ver Bernard (1959, p. 442). O tempo, marcado na poesia pelo ritmo e pela rima, agora é ditado por repetições formais, “impondo uma estrutura rítmica ao tempo real da obra em vez de ao tempo representado” (Bernard, 1959BERNARD, Suzanne. Le Poème en prose de Baudelaire jusqu'à nos jours. Paris: Nizet, 1959., p. 451),29 29 “imposant une structure rythmique au temps réel de l’œuvre plutôt qu’au temps représenté.” ou pelo abandono de convenções lógicas. Assim, a “intemporalidade, da qual Bernard queria fazer a essência da poeticidade, é só uma consequência secundária da recusa pela representação” (Todorov, 2019TODOROV, Tzvetan. A poesia sem o verso. In: TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora da Unesp , 2019. p. 164-186., p. 185), marcando a tendência do gênero à presentação ou a manifestar ideias sem compromisso em figurar objetos tal como se apresentam no mundo. Mas “essa contravenção da ordem mimética de modo algum cancela uma imaginação intrinsecamente pictórica” (Pereira, 2009PEREIRA, Paulo Alexandre. Gouaches: picturalismo e poema em prosa. Forma Breve, n. 2, p. 27-44, 2009., p. 31), que pode remeter tanto a visões interiores quanto a uma visão do mundo exterior melhorada pela imaginação criadora.

Em seus salões, Judith Gautier aborda temas relevantes para refletirmos sobre o Livre de Jade e, conforme Junko Yoshikawa, se existe um tema que subsome todos os outros presentes no Livre é a relação analógica entre natureza e humano.30 30 Ver Yoshikawa (2010, p. 27-28). É um tema que merece maiores reflexões do que pretendemos apresentar no momento, mas podemos acrescentar que, enquanto as relações analógicas apontam de fato para o princípio organizador da antologia, a concepção de natureza encontrada nos escritos de arte da autora pode expandir esse enfoque. Conforme Yoshikawa, a equivalência de todas as coisas no universo do Livre refusa a superioridade do humano sobre a natureza,31 31 Ver Yoshikawa (2010, p. 29). daí a recusa, também de Gautier, em impor uma forma fixa aos poemas. No entanto, quando a natureza é vista através do prisma de um espírito de poeta,32 32 Ver Walter, Judith. Salon de 1865. Vert-vert, 9 juin 1865. para Gautier, ela é melhorada e sua perfeição provém da capacidade de imaginação e expressão do artista:

As duas paisagens de Corot são, como todos os quadros desse mestre, sedutores. Não é a natureza, é melhor que a natureza; é provável que Corot não busque vender exatamente o que vê; ele quer dar a sensação de um crepúsculo ou de uma aurora, e ele retira a poesia da manhã e a melancolia da noite; sob seu pincel, a natureza se envolve de um véu misterioso como uma mulher virginalmente coquete. É como uma terra de sonhos ou a Champs-Elysées, onde sombras felizes passeiam. É difícil descrever uma paisagem de Corot: não é mais os arredores de Roma do que a vizinhança de Paris, é uma paisagem de Corot. (Walter, 1864WALTER, Judith [Judith Gautier]. Variations sur des thèmes chinois. L’Artiste: Paris, 1864. p. 38., p. 2).33 33 “Les deux paysages de M. Corot sont, comme tous les tableaux de ce maître, charmeurs. Ce n’est pas la nature, mais c’est mieux que la nature; il est probable que M. Corot ne cherche pas à vendre exactement ce qu’il voit; il veut donner la sensation d’un crépuscule ou d’une aurore, et il dégage la poésie du matin et la mélancolie du soir ; sous son pinceau, la nature s’enveloppe d’un voile mystérieux comme une femme virginalement coquette. On dirait le pays du rêve ou bien les Champs-Elysées où se promèneront les ombres heureuses. Il est difficile de décrire un paysage de Corot : ce n’est pas plus les environs de Rome que le voisinage de Paris, c’est un paysage de Corot.” Cf. Walter, Judith. Salon de 1865. Vert-vert, 15 mai 1865.

Gautier afirma que, para conseguir o efeito de pintar uma paisagem melhor que a natureza, Corot não pinta seu modelo exato, mas desprende a poesia do modelo, transformando a natureza no país dos sonhos com seu olhar extraordinário sobre o mundo. Essa não é apenas uma preferência da autora em avaliar a qualidade de produção de paisagistas, mas uma concepção mais profunda da ordem criativa que ela mesma associa ao objetivo da arte:

Enquanto o autor de l'Eve naissante encontrou o ideal no real, M. Chervet sequer pensou em procurá-lo. Sua maior preocupação, percebe-se, é mostrar em gesso o que viu em carne e osso, nada mais, nada menos. Nossos leitores já sabem o que pensamos desse método artístico e o quanto nos parece lamentável que um pintor ou estatuário decida não incluir em sua obra o que seria o ornamento sagrado e eterno, nos referimos ao pensamento. Parece-nos que o objetivo da arte não é imitar, mas expressar. (Mendès, 1873, p. 2).34 34 “Pendant que l'auteur de l’Eve naissante trouvait l'idéal dans le réel, M. Chervet ne songeait même pas à l'y chercher. Son souci principal, on s'en aperçoit, de reste, est de montrer en plâtre ce qu'il a vu en chair et en os, rien de moins, rien de plus. Nos lecteurs savent déjà ce que nous pensons de cette méthode artistique, et combien il nous semble fâcheux qu'un peintre ou qu'un statuaire se résolve à ne pas mettre dans son œuvre ce qui en serait l'ornement sacré et éternel, nous voulons dire la pensée. L'art n'a pour but, nous paraît-il, non d'imiter, mais d'exprimer.” Cf. Mendès, Judith [Judith Gautier]. Salon de 1873. Le Rappel, 24 juin 1873.

O tom incisivo de Gautier marca o amadurecimento das ideias expressas já no Salão de 1866 quando critica aqueles artistas cujo projeto nunca ultrapassa a ciência em contraposição, por exemplo, a Delacroix, “a última das exaltações do espírito que provocam fora das regras prescritas” (Walter, 1864WALTER, Judith [Judith Gautier]. Variations sur des thèmes chinois. L’Artiste: Paris, 1864. p. 38., p. 1).35 35 “le dernier des emportements d'esprit qui entraînent hors des règles prescrites” Cf. WALTER, Judith. Salon de 1866. Gazette des étrangers, 1 juillet 1866. Ideia própria da arte romântica que se desvia frequentemente das regras, deve imprimir o gênio do criador na obra e se encontra com o estilo nomeado “sobrenaturalista”36 36 Ver Heine, 1867, p. 349. por Heinrich Heine no seu Salão de 1831 ao comentar os quadros do pintor orientalista Alexandre-Gabriel Decamps julgados injustamente caricatos e antinaturais. Heine argumenta que os críticos erram ao questionar o que o artista deve fazer ao invés do que o artista quer fazer ou a qual inspiração se sente impelido a obedecer. Aqueles preocupados com a primeira questão valem-se de abstrações para julgar a qualidade da imitação e não da obra em si. Para julgar a singularidade da obra, o crítico deve concentrar-se nos métodos de expressão da ideia:

Nas artes recitativas, esses métodos consistem em sons e palavras. Nas artes plásticas, são as cores e as formas. Sons e palavras, cores e formas, sobretudo o visível, no entanto, são meros símbolos da ideia, símbolos que nascem na alma do artista quando ele é perturbado pelo santo espírito do mundo; suas obras são apenas símbolos por meio dos quais ele comunica suas próprias ideias a outras almas. Aquele que expressa mais sentimentos, os mais profundos, com o menor número de símbolos, e os mais simples, é o maior artista. (Heine, 1867HEINE, Heinrich. Salon de 1831. In: HEINE, Heinrich. Œuvres complètes de Henri Heine. Paris: M. Lévy, 1867. p. 324-383., p. 347).37 37 “Dans les arts récitants, ces moyens consistent en sons et en paroles. Dans les arts plastiques, ce sont les couleurs et les formes. Sons et paroles, couleurs et formes, le visible surtout, ne sont pourtant que des symboles de l'idée, symboles qui naissent dans l'âme de l'artiste quand il est agité par le saint esprit du monde ; ses œuvres ne sont que des symboles à l'aide desquels il communique aux autres âmes ses propres idées. Celui qui exprime le plus de sentiments, et les plus profonds, avec le plus petit nombre de symboles, avec les plus simples, celui-là est le plus grand artiste.”

Desde as primeiras experiências literárias de Gautier, percebemos como sua busca pela concisão dos símbolos e a simplicidade da forma não vão necessariamente ao encontro de uma execução fácil. A intensidade do texto e a ideia que lhe é inerente deve transparecer no uso mais preciso dos sons e das palavras. Mas o objeto que esses meios reproduzem só tem valor quando existe ali uma porção da alma do artista e seu mundo de ideias e sonhos, aprimorando e revelando a poeticidade das coisas vistas. Desse modo, o poema em prosa de Gautier ilustra a influência das experiências proporcionadas pela arte sobre a percepção da natureza:

Le petit lac pur et tranquille ressemble à une tasse remplie d’eau.
Sur ses rives, les bambous ont des formes de cabanes, et les arbres, au-dessus, font des toitures vertes.

Et les grands rochers pointus, posés au milieu des fleurs, ressemblent à des pagodes.

Je laisse mon bateau glisser doucement sur l’eau, et je souris de voir la nature ainsi imiter les hommes. (Walter, 1864WALTER, Judith [Judith Gautier]. Variations sur des thèmes chinois. L’Artiste: Paris, 1864. p. 38., p. 147-8).38 38 “O pequeno lago, de água pura e tranquila, parece uma taça cheia d’água. / Nas margens, os bambus têm formas de cabanas, e as árvores, acima deles, são como telhados verdes. / E os grandes rochedos pontiagudos, no meio das flores, parecem pagodes. / Deixo meu barco deslizar suavemente sobre a água, e rio por ver a natureza imitar assim os homens.” (Walter, 2023, p. 80).

O antimimetismo presente no método presentativo do poema em prosa e da arte romântica aparece lapidado na afirmação de que a natureza imita o homem, ideia presente mais tarde no princípio geral postulado por Viviano no ensaio de Wilde: “a Vida imita a Arte muito mais do que a Arte a Vida” (Wilde, 2020WILDE, Oscar. A decadência da mentira e outros ensaios. Jandira: Principis, 2020., p. 39). A dimensão pictórica do poema em prosa e o ato de transpor aspectos de outras artes para a página interessa a nossa autora e a nós por se mostrar um dos métodos que formam a amálgama do seu processo de recriação poética. Ou seja, a posição que o Livre ocupa na obra de Gautier é de fato propedêutica e,39 39 Ver Yoshikawa, 2010, p. 27. diante da tentativa de restabelecer contato com seu contexto para além do que a poesia chinesa pode trazer, visualizamos um método de composição que experimenta técnicas para encontrar uma unidade ou identidade própria. Apesar de não sabermos com o que le Retour des Hirondelles se parecia, Gautier oferece uma das pérolas que compôs ao se inspirar nas traduções de poesia persa:

Un jour, je vis, en rêve, Iblis. C'était un beau jeune homme au front pensif, au regard lumineux.
- Comment se peut-il, m'écriai-je, qu'on te représente horrible à voir, avec des cornes et une queue ?
Alors, Iblis eut un sourire doux et triste et me répondit :
- C'est parce que le pinceau est entre les mains de l'ennemi. (Gautier, 1909GAUTIER, Judith. Le second rang du collier. Paris: F. Juven , 1909., p. 283).40 40 Um dia, eu vi, em sonho, Iblis. Era um belo rapaz de fronte pensativa, de olhar luminoso. / — Como pode, exclamei, lhe representarem horrível de se ver, com chifres e uma calda? / Então, Iblis deu um sorriso doce e triste e me respondeu: / — É porque o pincel está entre as mãos do inimigo.

A temática insólita desse diálogo com satã não é algo que encontramos no Livre de Jade, mas temos a mesma ideia de que o artifício pode pintar ou ditar como a natureza se apresenta. E se existe algo absolutamente do imaginário de seu contexto nos poemas do Livre é que “Judith Gautier nunca pretende ser uma observadora totalmente objetiva da poesia chinesa” (Wang, 2017WANG, Yu. La Réception des anthologies de poésie chinoise classique par les poètes français (1735-2008). Paris: Classiques Garnier, 2017., p. 174).41 41 “Judith Gautier n’a jamais envie d’être une observatrice totalement objective de la poésie chinoise”. Em realidade, a objetividade é compulsivamente evitada. Não podemos deixar de reiterar que a marca de Gautier nessa antologia, digna de elogios à sua presentação da China do século oito, é a rejeição por representar o exotismo puro ou uma caricatura da arte sínica que, sem sua tradição própria, pouco transmitiria ao público oitocentista europeu. Procedimento que Gautier viu tentarem fazer prosperar em telas nos salões de pintura. Mas, para esses casos, ela aconselha: “Empreste dos séculos passados suas histórias e lendas; retorne às fontes; misture sua alma às almas cândidas; mas, na execução, permaneça você mesmo, seja do seu tempo e não pense em nos fazer admirar, como a uma obra original, o que é, no máximo, um pastiche agradável” (Mendès, 1873, p. 3)42 42 “Empruntez aux siècles passés leur histoire et leurs légendes ; remontez aux sources ; mêlez votre âme aux âmes candides ; mais, dans l'exécution, demeurez vous-même, soyez de votre temps, et ne songez pas à nous faire admirer, comme une œuvre originale, ce qui n'est tout au plus qu'un agréable pastiche”. Cf. Mendès, Judith [Judith Gautier]. Salon de 1873. Le Rappel, 1 juillet 1873. .

Referências

  • ALEXÉIEV, Basile. La littérature Chinoise: Six conférences au Collège de France et au Musée Guimet (1926). Saguenay: Université du Québec à Chicoutimi, 2005.
  • BERNARD, Suzanne. Le Poème en prose de Baudelaire jusqu'à nos jours Paris: Nizet, 1959.
  • CHICHE, Jonathan. La déesse et l'archange. L'Express de Bénarès, 2020.
  • FRANCE, Anatole. La vie littéraire: Judith Gautier. Paris: Le Temps, 1890.
  • GAUTIER, Théophile. Charles Baudelaire . In: GAUTIER, Théophile. Les Fleurs du mal. Œuvres complètes de Baudelaire, vol. I. Paris: Michel Lévy frères, 1868. p. 1-75.
  • GAUTIER, Judith. Le Livre de Jade Paris: A. Lemerre, 1867.
  • GAUTIER, Judith. Le collier des jours: souvenirs de ma vie. Paris: F. Juven, 1904.
  • GAUTIER, Judith. Le second rang du collier Paris: F. Juven , 1909.
  • HAMAO, Fusako. The Sources of the Texts in Mahler's “Lied von der Erde”. 19th century Music, v. 19, n. 1, p. 83-95, 1995.
  • HEINE, Heinrich. Salon de 1831. In: HEINE, Heinrich. Œuvres complètes de Henri Heine Paris: M. Lévy, 1867. p. 324-383.
  • HUGO, Victor. Correspondance Tome III . Paris: Albin Michel, 1952.
  • HUNG, William. A Supplementary Volume of Notes for Tu Fu: China's Greatest Poet. Cambridge: Harvard University Press, 1952.
  • MALLARMÉ, Stéphane. Correspondance 1854-1898 Paris: Gallimard, 2019.
  • PEREIRA, Paulo Alexandre. Gouaches: picturalismo e poema em prosa. Forma Breve, n. 2, p. 27-44, 2009.
  • PINTO, Marta Pacheco. Cancioneiro Chinez (1890): tradução e exotismo. Ponte de Lima: do passado ao presente, rumo ao futuro!, v. 4. p. 07-29, 2018.
  • POE, Edgar Allan. Poemas e ensaios São Paulo: Globo Livros, 1999.
  • PORTUGAL, Ricardo Primo; TAN, Xiao. Antologia da poesia clássica chinesa-dinastia Tang 2ª ed. São Paulo: Editora da Unesp, 2019.
  • REN, Qiaoliang. A Tradução Portuguesa dos Poemas de Du Fu: Um Caso de Tradução Indirecta. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2021.
  • STOCÈS, Ferdinand. Sur les sources du Livre de Jade de Judith Gautier (1845-1917). Revue de littérature comparée, n. 3, p. 335-350, 2006.
  • TODOROV, Tzvetan. A poesia sem o verso. In: TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso São Paulo: Editora da Unesp , 2019. p. 164-186.
  • WALTER, Judith [Judith Gautier]. EUREKA d’Edgar Poe. In: BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres complètes de Charles Baudelaire: traductions. Paris: L. Conard, 1936. p. 255-260.
  • WALTER, Judith [Judith Gautier]. Variations sur des thèmes chinois L’Artiste: Paris, 1864. p. 38.
  • WALTER, Judith [Judith Gautier]. Le Livre de Jade /O livro de jade . Tradução de José Américo Miranda e Gilson Santos. Machadiana Eletrônica, v. 7, n. 13, 2023.
  • WANG, Yu. La Réception des anthologies de poésie chinoise classique par les poètes français (1735-2008) Paris: Classiques Garnier, 2017.
  • WILDE, Oscar. A decadência da mentira e outros ensaios Jandira: Principis, 2020.
  • YOSHIKAWA, Junko. Le Livre de Jade de Judith Gautier, traduction de poèmes chinois: le rapport avec sa creation du poème en prose. Études de langue et littérature françaises, v. 96, p. 15-29, 2010.
  • 1
    Adiante Livre.
  • 2
    “l’anthologie la plus singulière dans l’histoire des anthologies de la poésie chinoise”. Todas as traduções do artigo são nossas, exceto se indicado o contrário.
  • 3
    Pinto (2018PINTO, Marta Pacheco. Cancioneiro Chinez (1890): tradução e exotismo. Ponte de Lima: do passado ao presente, rumo ao futuro!, v. 4. p. 07-29, 2018.) reuniu 12 traduções integrais ou parciais do Livre de Jade em diferentes idiomas entre 1870 e 1927.
  • 4
    Os 71 poemas da primeira edição são acompanhados de notações como selon ou d’après les poésies de poetas chineses, enquanto a segunda edição de 1902 tem como subtítulo poésies traduites du chinois.
  • 5
    Le Livre de Jade de 1902 est composé en fait de deux parties mais le lecteur n’en est pas informé car elles sont totalement indistinctes et étroitement emmêlées dans la présentation, au point de donner l’impression d’une unité organique de l’œuvre.”
  • 6
    “Madame, J'ai votre livre, et sur la première page, je vois mon nom écrit par vous, et devenu hiéroglyphe lumineux comme sous la main d'une déesse. Le Livre de jade est une œuvre exquise, et laissez-moi vous dire que je vois la France dans cette Chine, et votre albâtre dans cette porcelaine.”
  • 7
    “Ao distante triunfante que caminha com gravidade dizendo grandes coisas inflexíveis”. Fonds Victor Hugo. III CARNETS. 1er mai 1867-31 mai 1869. Folio 11 du 31 mai 1867. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/ btv1b530383001/f21>.
  • 8
    Sobre a sintaxe chinesa e a manipulação dos caracteres por Gautier, ver Chiche (2020CHICHE, Jonathan. La déesse et l'archange. L'Express de Bénarès, 2020. , p. 5).
  • 9
    Sobre as técnicas de Gautier, ver Hamao (1995HAMAO, Fusako. The Sources of the Texts in Mahler's “Lied von der Erde”. 19th century Music, v. 19, n. 1, p. 83-95, 1995.).
  • 10
    Um exemplo significativo é 春江花夜, “Flores em um rio iluminado pela lua na primavera”, de Zhang Ruoxu, em que Gautier transforma suas partes dispersas em cinco poemas diferentes.
  • 11
    Sobre os desencontros dos poemas de Gautier atribuídos a Du Fu com a obra do poeta, ver Hung (1959HUNG, William. A Supplementary Volume of Notes for Tu Fu: China's Greatest Poet. Cambridge: Harvard University Press, 1952., p. 10).
  • 12
    O sol de outono atravessou o campo, vindo do leste; agora ele desce atrás da montanha no oeste./ Permanece um clarão no céu; sem dúvida o dia amanhece no outro lado da montanha./ As árvores se cobrem de ferrugem, o vento frio da noite arranca-lhes as últimas folhas./ Uma cegonha viúva retorna solitária ao ninho, tristemente, lentamente, como se esperasse ainda aquele que não voltará mais,/ E os corvos grasnam por entre as árvores, enquanto a Lua noturna se põe a brilhar (Walter, 2023WALTER, Judith [Judith Gautier]. Le Livre de Jade /O livro de jade . Tradução de José Américo Miranda e Gilson Santos. Machadiana Eletrônica, v. 7, n. 13, 2023. , p. 33).
  • 13
    Ver Ren (2021REN, Qiaoliang. A Tradução Portuguesa dos Poemas de Du Fu: Um Caso de Tradução Indirecta. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2021., p. 35).
  • 14
    “Ce manque du sentiment de l’original, dans son ampleur aussi bien que dans son intensité et dans sa force”.
  • 15
    “si l’on entreprend de lire les vers de Tou Fou, le grand poète chinois du VIIIe siècle de notre ère, et si l’on ne sait pas sur ce poète beaucoup plus que ne donne une préface ordinaire de nos traducteurs, on le lira et le jugera comme un poète ordinaire et, le prisme faux une fois adopté, toute impression juste se trouve détruite.”
  • 16
    “Je doute pourtant qu'elle ait trouvé dans Thou-Fou, Tché-Tsi ou Li-Taï-Pé tous les détails des fins tableaux contenus dans le livre de jade; je doute que les poètes du pays de la porcelaine aient connu avant elle cette grâce, cette fleur qui vous charmera dans tel de ces morceaux achevés, qu'on peut mettre à côté des poèmes en prose d'Aloysius Bertrand et de Charles Baudelaire (...) Elle avait son style, parce qu'elle avait son monde d'idées et de rêves. Ce monde, c'était l'Extrême-Orient, non point tel qu'il est en réalité, non point tel que nous le décrivent les voyageurs, même quand ils sont, comme Loti, des poètes, mais tel qu'il s'était formé dans l'âme de la jeune fille.”
  • 17
    “Judith Gautier extrait souvent d’abord ses images et s’envole ensuite vers un monde imaginaire.”
  • 18
    Sobre a afinidade de Gautier com os quartetos persas, ver Gautier (1909GAUTIER, Judith. Le second rang du collier. Paris: F. Juven , 1909., p. 282).
  • 19
    “C'est la première fois que je m'essaye à la littérature, et ce début est fait bien légèrement ; pourtant je dois avoir mûri le sujet dans ma tête, car cela vient facilement, comme si je recopiais. Le morceau a pour titre : le Retour des Hirondelles. C'est une sorte de poème en prose, qui s'arrange tout seul en strophes.”
  • 20
    “Edgar Poe est remonté plus haut et est allé plus loin dans l’histoire du ciel que tous les autres théoriciens.”
  • 21
    Ver Gautier (1904GAUTIER, Judith. Le collier des jours: souvenirs de ma vie. Paris: F. Juven, 1904., p. 270).
  • 22
    “Il serait curieux que l'union de plusieurs professorats produisît une facture nouvelle et uniforme. Si le fait était plus amplement prouvé, l'étude approfondie de cette question ne serait pas sans intérêt, et il se trouverait certainement des chimistes d'un genre nouveau, pour produire à coup sûr des originalités par des amalgames de méthodes.” Cf. Mendès, Judith [Judith Gautier]. Salon de 1873. Le Rappel, 10 mai 1873.
  • 23
    “Porte donc un poème en prose à la Revue nouvelle, ta voisine, (14, rue Jacob) ils rentrent absolument dans son cadre. Elle concilie l'art et la poésie ─ même la plus rêveuse et extra-terrestre.”
  • 24
    “Quelle fantaisie charmante dans cette petite coupe toute ramagée de fleurs et de feuillages, avec cette branche fantasque qui franchit le bord et s'étale nonchalamment comme une touffe de nénuphar au bord d'un lac ! On dirait un nid posé dans un bouquet de reine-marguerite. Pourquoi un imitateur de Thou-Fou n'y a-t-il pas tracé, du bout de son pinceau effilé, une de ces douces poésies aux nuances insaisissables ?” (Walter, 1864WALTER, Judith [Judith Gautier]. Variations sur des thèmes chinois. L’Artiste: Paris, 1864. p. 38., p. 188).
  • 25
    Sentado no meu pavilhão à beira d’água; vejo a beleza do tempo; o sol caminha lentamente em direção ao ocidente através do céu límpido/ Os navios se balançam sobre a água, tão leves quanto os pássaros sobre os galhos, e o sol deixa um grande traço dourado no mar/ Peguei meus pincéis e, sobre o papel, tracei caracteres parecidos aos cabelos negros que uma mulher alisa com a mão./ E eu cantei a beleza do tempo./ No último verso, levantei a cabeça, então vi que a chuva caía na água.
  • 26
    Ver Gautier (1868GAUTIER, Théophile. Charles Baudelaire . In: GAUTIER, Théophile. Les Fleurs du mal. Œuvres complètes de Baudelaire, vol. I. Paris: Michel Lévy frères, 1868. p. 1-75., p. 41).
  • 27
    “il y aura poème, c’est-a-dire, cristallisation, création d’un univers autonome, fermé sur soi et brillant d’un éclat planétaire dans le ciel intemporel de l’art.”
  • 28
    Ver Bernard (1959BERNARD, Suzanne. Le Poème en prose de Baudelaire jusqu'à nos jours. Paris: Nizet, 1959., p. 442).
  • 29
    “imposant une structure rythmique au temps réel de l’œuvre plutôt qu’au temps représenté.”
  • 30
    Ver Yoshikawa (2010YOSHIKAWA, Junko. Le Livre de Jade de Judith Gautier, traduction de poèmes chinois: le rapport avec sa creation du poème en prose. Études de langue et littérature françaises, v. 96, p. 15-29, 2010., p. 27-28).
  • 31
    Ver Yoshikawa (2010YOSHIKAWA, Junko. Le Livre de Jade de Judith Gautier, traduction de poèmes chinois: le rapport avec sa creation du poème en prose. Études de langue et littérature françaises, v. 96, p. 15-29, 2010., p. 29).
  • 32
    Ver Walter, Judith. Salon de 1865. Vert-vert, 9 juin 1865.
  • 33
    “Les deux paysages de M. Corot sont, comme tous les tableaux de ce maître, charmeurs. Ce n’est pas la nature, mais c’est mieux que la nature; il est probable que M. Corot ne cherche pas à vendre exactement ce qu’il voit; il veut donner la sensation d’un crépuscule ou d’une aurore, et il dégage la poésie du matin et la mélancolie du soir ; sous son pinceau, la nature s’enveloppe d’un voile mystérieux comme une femme virginalement coquette. On dirait le pays du rêve ou bien les Champs-Elysées où se promèneront les ombres heureuses. Il est difficile de décrire un paysage de Corot : ce n’est pas plus les environs de Rome que le voisinage de Paris, c’est un paysage de Corot.” Cf. Walter, Judith. Salon de 1865. Vert-vert, 15 mai 1865.
  • 34
    “Pendant que l'auteur de l’Eve naissante trouvait l'idéal dans le réel, M. Chervet ne songeait même pas à l'y chercher. Son souci principal, on s'en aperçoit, de reste, est de montrer en plâtre ce qu'il a vu en chair et en os, rien de moins, rien de plus. Nos lecteurs savent déjà ce que nous pensons de cette méthode artistique, et combien il nous semble fâcheux qu'un peintre ou qu'un statuaire se résolve à ne pas mettre dans son œuvre ce qui en serait l'ornement sacré et éternel, nous voulons dire la pensée. L'art n'a pour but, nous paraît-il, non d'imiter, mais d'exprimer.” Cf. Mendès, Judith [Judith Gautier]. Salon de 1873. Le Rappel, 24 juin 1873.
  • 35
    “le dernier des emportements d'esprit qui entraînent hors des règles prescrites” Cf. WALTER, Judith. Salon de 1866. Gazette des étrangers, 1 juillet 1866.
  • 36
    Ver Heine, 1867HEINE, Heinrich. Salon de 1831. In: HEINE, Heinrich. Œuvres complètes de Henri Heine. Paris: M. Lévy, 1867. p. 324-383., p. 349.
  • 37
    “Dans les arts récitants, ces moyens consistent en sons et en paroles. Dans les arts plastiques, ce sont les couleurs et les formes. Sons et paroles, couleurs et formes, le visible surtout, ne sont pourtant que des symboles de l'idée, symboles qui naissent dans l'âme de l'artiste quand il est agité par le saint esprit du monde ; ses œuvres ne sont que des symboles à l'aide desquels il communique aux autres âmes ses propres idées. Celui qui exprime le plus de sentiments, et les plus profonds, avec le plus petit nombre de symboles, avec les plus simples, celui-là est le plus grand artiste.”
  • 38
    “O pequeno lago, de água pura e tranquila, parece uma taça cheia d’água. / Nas margens, os bambus têm formas de cabanas, e as árvores, acima deles, são como telhados verdes. / E os grandes rochedos pontiagudos, no meio das flores, parecem pagodes. / Deixo meu barco deslizar suavemente sobre a água, e rio por ver a natureza imitar assim os homens.” (Walter, 2023WALTER, Judith [Judith Gautier]. Le Livre de Jade /O livro de jade . Tradução de José Américo Miranda e Gilson Santos. Machadiana Eletrônica, v. 7, n. 13, 2023. , p. 80).
  • 39
    Ver Yoshikawa, 2010YOSHIKAWA, Junko. Le Livre de Jade de Judith Gautier, traduction de poèmes chinois: le rapport avec sa creation du poème en prose. Études de langue et littérature françaises, v. 96, p. 15-29, 2010., p. 27.
  • 40
    Um dia, eu vi, em sonho, Iblis. Era um belo rapaz de fronte pensativa, de olhar luminoso. / — Como pode, exclamei, lhe representarem horrível de se ver, com chifres e uma calda? / Então, Iblis deu um sorriso doce e triste e me respondeu: / — É porque o pincel está entre as mãos do inimigo.
  • 41
    “Judith Gautier n’a jamais envie d’être une observatrice totalement objective de la poésie chinoise”.
  • 42
    “Empruntez aux siècles passés leur histoire et leurs légendes ; remontez aux sources ; mêlez votre âme aux âmes candides ; mais, dans l'exécution, demeurez vous-même, soyez de votre temps, et ne songez pas à nous faire admirer, comme une œuvre originale, ce qui n'est tout au plus qu'un agréable pastiche”. Cf. Mendès, Judith [Judith Gautier]. Salon de 1873. Le Rappel, 1 juillet 1873.
  • Declaração de financiamento

    Ana Beatriz Farias Costa de Brito agradece à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pela bolsa de iniciação científica concedida (processo n.º 2022/15907-0).
  • Preprint

    Uma versão prévia do artigo foi disponibilizada em SciELO Preprint: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.7116
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com