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O ensino da descolonização ou a descolonização do ensino: a Teoria Literária em tempos de redemocratização brasileira (1986-2000)

The teaching of decolonization or the decolonization of teaching: Literary Theory in times of Brazilian redemocratization (1986-2000)

Resumo

A Teoria Literária não é uma disciplina autônoma. A proposição principal deste artigo se insere no contexto do projeto “Teorias viajantes. Histórias da Teoria Literária no Brasil e suas correlações com América Latina (1986-2000)”. Trata-se de identificar e analisar os dispositivos de legitimação das alterações e tensões entre campos de força no contexto da disciplina de Teoria Literária na universidade brasileira no período de redemocratização política. O enfoque são as tensões observadas entre a Teoria Literária compreendida no novo ambiente democrático como práticas e modos de ler e teoria empenhada como rejeição ao etnocentrismo na cultura. Este artigo demonstra os resultados preliminares dos dois primeiros anos de trabalho com o projeto, no qual foram estudados o processo de institucionalização da disciplina durante os anos de 1996-2000 nos cursos de Letras da Universidade de São Paulo e na Universidade Federal de Santa Catarina.

Palavras-chave:
ensino de literatura; Teoria Literária; Literatura Comparada; leitura; descolonização

Abstract

Literary Theory is not an autonomous discipline. The main proposition of this article falls within the context of the Traveling Theories project. Histories of Literary Theory in Brazil and its correlations with Latin America (1986-2000). It is about identifying and analyzing the devices for legitimizing changes and tensions between fields of force in the context of the Literary Theory discipline at a Brazilian university in the period of political redemocratization. The focus is on the tensions observed between Literary Theory understood in the new democratic environment as practices and ways of reading and theory committed to rejecting ethnocentrism in culture. This article demonstrates the preliminary results of the first two years of work with the project, in which was studied the institutionalization process of the discipline during the years 1996-2000 in the Literature courses at the University of São Paulo and the Federal University of Santa Catarina.

Keywords:
teaching literature; Literary Theory; Comparative Literature; reading; decolonization

Resumen

La teoría literaria no es una disciplina autónoma. La propuesta principal de este artículo se enmarca en el contexto del proyecto Teorías Viajantes. Historias de la Teoría Literaria en Brasil y sus correlaciones con América Latina (1986-2000). Se trata de identificar y analizar los dispositivos de legitimación de cambios y tensiones entre campos de fuerza en el contexto de la disciplina de Teoría Literaria en una universidad brasileña en el período de redemocratización política. La atención se centra en las tensiones observadas entre la Teoría Literaria entendida en el nuevo entorno democrático como prácticas y formas de lectura y la teoría comprometida con el rechazo del etnocentrismo en la cultura. Este artículo muestra los resultados preliminares de los dos primeros años de trabajo del proyecto, en los que se estudió el proceso de institucionalización de la disciplina durante los años 1996-2000 en las carreras de Letras de la Universidad de São Paulo y de la Universidad Federal de Santa Catarina.

Palabras clave:
enseñanza de la literatura; Teoría Literaria; Literatura Comparativa; lectura; descolonización

Em “Field and Theorizing in Intellectual History”, Martin Jay recorre ao conceito de “Reading”, de Paul De Man e Joseph Hillis Miller, ao tentar estabelecer singularidade para o conceito de campo intelectual e habitus de Pierre Bourdieu. Jay propõe que os conceitos de “campo intelectual” e habitus têm necessariamente que envolver a ideia de subjetividade, porque, enquanto produtos de um sujeito do conhecimento, em algum momento ocorre um lapso na ligação esses conceitos - habitus e “campo intelectual” - com o contexto histórico. Diante dessa constatação, Jay apresenta um debate em torno da ideia de “racionalidades compartilhadas” para fundamentar uma nova compreensão de “campo intelectual”. Com o conceito de “Reading”, que teria sua acepção correlacionada a uma ação, Jay compreende que não se trata de ler em si, mas antes de um movimento em torno à leitura. Dessa maneira, o “Reading”, o estar lendo, incorpora o sentido de algo que está incessantemente se construindo através do ato da leitura, mas que, simultaneamente, é uma necessidade do próprio texto. Trata-se de antepor ao ato da leitura um distanciamento crítico, que acontece porque existem múltiplos sentidos para cada passagem de um texto, de maneira que as combinações possíveis tornam a leitura - aqui o envolvimento do ato de interpretar e de traduzir é esperado - um processo sempre inacabado e aberto. Cabe ainda ressaltar que Martin Jay não tomará o conceito de “Reading” como única maneira de compreender os campos de forças aos quais os conceitos em geral acabam sendo submetidos:

Reduzir o “Reading” a uma leitura fechada em si mesma seria, é claro, um empobrecimento da história intelectual e, nesse sentido, confundindo-o inteiramente com certos modos de práticas de crítica literária. Contudo, certamente, deve ser observado o nível da complexidade textual, resistente a uma “solução” dada pelo campo intelectual do qual o texto de alguma forma emerge. É precisamente porque textos podem ser vistos como lugares discursivos que expressam conflitos que emergem de vários campos concorrentes ou sobrepostos, ao invés de representar uma instância de um habitus unificado. Isso também é válido para certos intelectuais em si mesmos, os quais, como tentei argumentar no caso de Adorno, podem ser pensados como ocupantes de um ponto nodal em um campo de forças ou uma constelação de impulsos concorrentes. (Jay, 1990JAY, Martin. Fieldwork and Theorizing in Intellectual History. Theory and Society. Renewal and Critique in Social Theory, v 19, p. 315-316, jun. 1990. , p. 315-316).1 1 Tradução minha, do original em inglês: “It would, of course, be a serious impoverishment of intellectual history to reduce it to nothing but reading in this sense, thus conflating it entirely with certain modes of literary criticism. But surely some attention must be paid to the level of textual complexity, which refuses to be dissolved into the intellectual field out of which texts somehow emerge. In fact, precisely because texts can be seen as the site of contesting impulses, they may well be understood as emerging out of several competing or overlapping fields rather than merely instantiating one unified habitus. The same may hold true for certain intellectuals themselves, who, as I’ve tried to argue in the case of Adorno, may be conceptualized as occupying a nodal point in a force field or constellation of competing impulses”.

Sendo assim, as alterações no âmbito da vida cultural e a sua preservação, seja na forma do arquivo ou da história cultural, são polos que se complementam e que atuam simultaneamente em suas próprias tentativas de autodefinição. Geram, com isso, um ambiente de tensões que caracterizam a estrutura fundamental de um campo. Por isso, há que se ressaltar que estamos diante de múltiplos vetores de leituras e, por isso, tratamos com campos de forças.

A questão central da pesquisa Teorias viajantes. Histórias da Teoria Literária no Brasil e suas correlações com América Latina (1986-2000) é demonstrar como os modelos teóricos desenvolvidos em práticas disciplinares nos cursos de Letras produzem lugares discursivos que interessam ao presente em função de sua permeabilidade entre diferentes sociedades, línguas, culturas e classes sociais. Não se trata, portanto, de pensar a Teoria com o intuito de delimitar um território, e sim, ao contrário, de ampliá-lo até o limite, lançá-lo ao mundo do qual ela simultaneamente é origem e destino. Pensar a deriva juntamente com a ideia de viajem, e não como substantivo concreto que indica uma origem de partida e um destino de chegada, mas compreendida a viagem como movimento de interação entre diferentes modos de “Reading”, é o que busca a análise dos dados coletados.2 2 Os resultados apresentados neste artigo têm como base de análise a pesquisa realizada em arquivos da Universidade de São Paulo e da Universidade Federla de Santa Catarina pelas bolsistas de Iniciação Científica, Bianca Maria de Souza e Érica Milani Dellai, ambas sob minha orientação. Os dados compliados e avaliados por uma equipe qualificada de professores estão registrados em seus relatórios de pesquisa, armazenados no Portal do Programa Institucional de Iniciação Científica e Tecnológica da UFSC. Disponível apenas com autorização de acesso: https://pibic.sistemas.ufsc.br/ O que importa é perceber como os professores da área em suas práticas se colocam como o “estar lendo” ao mesmo tempo em que “se é lido” dentro de um contexto amplo de debates. Para tal se fez necessária a organização de um arquivo da disciplina Teoria Literária e suas correlatas, Literatura Comparada, Literatura Latino-Americana e Literaturas Estrangeiras, objetivando dar a ver os processos de formação de profissionais, sua história e as principais “pontas-de-lança” no processo ainda em curso de institucionalização do pensamento teórico literário nos cursos de Letras. Nesse sentido, a viagem não é mais aquela pertencente à metáfora do viajante pautado por um conhecimento etnocêntrico. Trata-se agora de viagens e de viajantes os quais são organizados a partir da constatação da diferença alegórica entre o original e a cópia, entre o ponto de partida e o da chegada e “entre mundos” que se entendem como codivididos em seu pertencimento.

Há que se referir, antes de começar, às correlações entre os conceitos - isto é, como eles são tomados por este artigo - de viagem e de viajante e os de “circulação” e “lançadas (jettés)”, desenvolvidos, respectivamente, por Analía Gerbaudo e Max Hidalgo, pesquisadores cujos trabalhos estão de muitas maneiras agregados ao meu. O trabalho desenvolvido ao longo de mais de uma década por Analía Gerbaudo foi, desde sempre, uma inspiração fundamental para a pesquisa que ora realizo. Em seu livro Políticas de exhumación. Las clases de los críticos en la universidad argentina de la posdictadura 1984-1986, Analía Gerbaudo nos convida a exumar os corpos teóricos enterrados nos documentos oficiais, não apenas na Teoria Literária, mas na Literatura Vernácula, das universidades argentinas durante o pós-ditadura (1984-1986). Para isso, a autora, no lugar de concentrar-se apenas nos dados trazidos pelos documentos, buscou nas entrevistas com os professores os pequenos relatos que podem dizer o que está suspenso pelo texto, portanto, narrativas que exumam: “rodean [...] de palabra a lo indecible”. Ao mesmo tempo que trazem multiplicidade para a história, fragmentos de um processo de ruínas, que vão se superpondo, “donde ninguna puede aspirar la mayor ‘representatividad’ [...] y que trazan también el margen de los que quedan [...] fuera de las “cuentas” de los que cuentan”. (Gerbaudo, 2016GERBAUDO, Analía. Políticas de exhumación. Las clases de los críticos en la universidad argentina de la posdictadura 1984-1986. Santa Fe; Los Polvorines: Universidad Nacional de General Sarmiento, 2016., p. 20). Nesse sentido, porque exumam o que está na margem do arquivo, as narrativas tiram da história a sua performance neutra e questionam quem dá autoridade, na concepção derrideana, a essa performance. Os conceitos de “circulação” e de “lançadas” (jetées) (Derrida, 1994DERRIDA, Jacques. Some statements and Truisms about Neologisms, Newisms, Postisms, Parasitisms, and other Small Seism. In: DAVID, Carroll (ed.). The States of “Theory”. Stanford: Stanford University Press, 1994 [1987]. p. 63-94. [1987]) são os fundamentos pelos quais Gerbaudo organiza a leitura do arquivo da Teoria Literária na Argentina em clave crítica ao etnocentrismo.3 3 Conferir em: Gerbaudo (2016). Analía Gerbaudo publicará em breve o livro Tanto con tan poco. Los estudios literarios en Argentina (1958-2015), um trabalho de fôlego onde são estudados, exumados e transformados mais de cinquenta anos de ensino da literatura na Argentina. Igualmente, está em preparação um volume coletivo coordenado por Analía Gerbaudo, Max Hidalgo, Annalisa Mirizio e por mim intitulado Las letras en Argentina, España y Brasil. Dinámicas, circulaciones, a ser publicado em breve. Max Hidalgo Nácher, em importante pesquisa no que diz respeito às tensões entre política e saberes na Teoria Literária na Espanha, França e Brasil, e fundamentado na leitura operada por Analía Gerbaudo, compreende o conceito de circulação mediante a prática de abrir-se para fora, produzindo fugas do ensimesmamento do trabalho teórico na leitura literária. Hidalgo pensa a circulação com a alegoria do deslocamento e do trânsito como uma constante da aventura da área de Teoria Literária, portanto, está em íntima relação com a ideia que retomo aqui, de “viagem da descolonização”.4 4 Sobre os usos do conceito de “circulação” lidos por Hidalgo, conferir: Hidalgo (2022).

Diferentes modos de ler a mesma coisa: o sentido da área de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP

Josefina Ludmer ofereceu o curso “Algunos problemas de teoría literaria” entre 20 de agosto e 20 de novembro de 1985. Segundo a organizadora da publicação em livro das aulas de Ludmer, Annick Louis, as questões ali debatidas contribuíram para a restruturação do currículo de Letras da Universidad de Buenos Aires. Annick Louis afirma que a mais importante contribuição do curso oferecido por Ludmer, nesse ano emblemático para o país, que recém saía do regime de terror imposto pela ditadura, teria sido o de propor a obrigatoriedade da disciplina de Teoria Literária na formação dos alunos, segundo ela, fato raro nas instituições de ensino mesmo em âmbito internacional e que, em 2016, data da publicação das aulas em livro, era uma das características específicas da formação em Letras na Argentina. Uma das questões que Ludmer propôs como tarefa da Teoria Literária a partir das práticas de leitura operadas nesse curso foi a da necessidade de se distinguir a teoria de seus modelos de leitura.

A teoria literária questiona, então, a fundamentação científica dos modelos: em que se baseiam? Como leem? Por que leem? O que o modelo lê? O que ele me permite ver? Qualquer modelo ou rede, o que se chama de “grade”, permite-me ver certas coisas e oculta outras. Então, o que seria preciso mostrar num lugar onde se faz teoria literária é o que esse modelo me mostra e o que não mostra, e qual é o seu fundamento científico. A confusão entre teoria e modelo literário vem dos anos sessenta, quando o modelo semiológico foi identificado com a teoria, ou seja, semiologia e teoria. Não identificamos teoria literária com semiologia. Em geral, os modelos nos fornecem a semiologia, mas damos um passo acima ou abaixo para ler esses modelos, vivenciá-los e buscar seu fundamento. Uma das estratégias fundamentais de dominação na sociedade consiste em retirar aos grupos submersos a linguagem necessária para expressar a sua situação; cada situação social, cada situação humana, tem um código, uma linguagem, uma filosofia que explica aquela situação, que pode explicá-la e mostrar, ao mesmo tempo, os caminhos para sair ou não no caso de algumas situações que se mantêm. A dominação textual consiste justamente em impor outros códigos ou outras linguagens para que determinados grupos não tenham o que lhes será explicado; negar certos códigos, negar certos dispositivos interpretativos. A mesma coisa acontece com os modelos; os modelos nos dizem algo, nos encobrem algo, nos mostram algo que talvez na Argentina não tenhamos nenhum interesse em que nos mostrem. A partir da teoria eles conseguem ver os limites, as possibilidades, as características ocultas do modelo, mas não identificam teoria e modelo. (Ludmer, 2016LUDMER, Josefina. Clases 1985. Algunos problemas de Teoría Literaria. Edición y Prólogo Annik Louis. [s. l]: Epublibre, 2016., p. 38-39).5 5 (Ludmer, 2016) em tradução minha a partir do original em castelhano: “La teoría literaria se pregunta, entonces, por el fundamento científico de los modelos: ¿en qué se basan?, ¿cómo leen?, ¿por qué leen?, ¿qué lee el modelo?, ¿qué me deja ver? Un modelo o una red cualquiera, lo que se llama una «rejilla», me deja ver ciertas cosas y me tapa otras. Entonces, lo que uno tendría que mostrar en un lugar donde se hace teoría literaria es qué me muestra este modelo y qué no, y cuál es su fundamento científico. La confusión entre teoría literaria y modelo proviene de los años sesenta en que se identificaba modelo semiológico con teoría, o sea, semiología y teoría. Nosotros no identificamos la teoría literaria con la semiología. Por lo general, los modelos nos proveen la semiología, pero nosotros damos un paso más arriba o más abajo para leer esos modelos, para experimentarlos y para buscar su fundamento. Una de las estrategias fundamentales de dominación en la sociedad consiste en quitarle a los grupos sumergidos el lenguaje necesario para expresar su situación; cada situación social, cada situación humana, tiene un código, un lenguaje, una filosofía que explica esa situación, que puede dar razón de ella y mostrar, al mismo tiempo, los modos de salir o no salir en el caso de algunas situaciones que se mantienen. La dominación textual consiste justamente en imponer otros códigos u otros lenguajes para que ciertos grupos no tengan esto que les van a explicar; negar ciertos códigos, negar ciertos aparatos interpretativos. Con los modelos pasa igual; los modelos nos dicen algo, nos tapan algo, nos muestran algo que tal vez en Argentina no nos interesa en absoluto que nos muestren. Desde la teoría pueden ver los límites, posibilidades, ocultaciones del modelo, pero no identifiquen teoría y modelo”.

No intuito de demonstrar os movimentos em direção à construção de um projeto político-social e as tensões ali desenvolvidas a partir da produção intelectual da área de Teoria Literária no âmbito das Ciências Humanas, coube-me nesse momento estudar o percurso da área na Universidade de São Paulo e, por sua proximidade acadêmico-teórica, à área na Universidade Federal de Santa Catarina, uma vez que esta possui vínculos bastante fortes com a USP, constatação realizada na análise do currículo do curso de Letras Vernáculas da UFSC, no qual foi detectada na organização programática das disciplinas de Teoria Literária e Literatura Brasileira a presença constante de bibliografia de autoria de Antonio Candido. Os documentos consultados foram os arquivos do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas e o Arquivo Geral na UFSC e, na USP, o Arquivo Geral e a Revista do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, Literatura e Sociedade. Partindo da informação que consta tanto no contrato de trabalho de Candido com a Universidade de São Paulo, quanto em depoimentos de seus ex-alunos, o professor, que foi assistente de cátedra de sociologia de Fernando Azevedo e que deixou a função para se lançar às aventuras da teoria e da crítica literária, Antonio Candido, em 1961, regressa à USP, após um período de trabalho com a Teoria Literária na UNESP, para criar, e por ela se responsabilizar durante anos, a disciplina Teoria Geral da Literatura, estimulando a consolidação de uma modalidade de pesquisa que viria a ser decisiva na produção crítica de alguns de seus mais destacados alunos e responsável por um modo de ensinar Teoria Literária nas cinco décadas seguintes (Ramassote, 2018RAMASSOTE, Rodrigo. A passagem de Antonio Candido por Assis. Revista Unesp Ciência, n. 98, julho, 2018., p. 35).

Em 1959, Candido publica o livro Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Nele é elaborada uma teoria para a literatura brasileira mediante a formulação de várias perguntas. A primeira delas era a distinção entre a literatura escrita em língua portuguesa no Brasil colonial e a literatura escrita na metrópole portuguesa. A diferença nas respostas oferecidas pelo livro de Candido se pautava pela consciência de um atraso da colônia em relação à vida cultural da metrópole. Antonio Candido atribuiu o atraso da produção intelectual brasileira na formação colonial e no país ainda pré-industrial à falta de um projeto de transmissão da cultura europeia, causado principalmente pela ausência das instituições culturais, entenda-se a escola, a imprensa e o sistema editorial (Candido, 1975 CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. Momentos decisivos. Volume 1 (1750-1836). Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 1975.[1959]). Nos anos da Ditadura Cívico-Militar no Brasil (1964-1986), com a inserção do país no sistema capitalista pós-industrial, não se altera substancialmente o quadro, que já era bem ruim, em que pese todos os esforços para promoção, por parte do Estado autoritário, de um acerto nos ponteiros do relógio do “progresso” nacional com a busca mais intensa pela internacionalização da ciência e cultura. Candido alerta para a falácia da promessa oferecida por esse modelo de modernização uma vez que reforçava uma modernidade relativa, exigida pelo capital internacional e por ele também controlada. Tal análise está presente nas suas formulações teóricas posteriores ao livro Formação da literatura brasileira, a saber: “Literatura de dois gumes”, lido na Universidade de Cornell em 1966, e “Literatura e subdesenvolvimento”, publicado em francês em 1970, ambos reunidos no livro A educação pela noite e outros ensaios em 1989, no qual foram incluídos os ensaios “A revolução de 1930 e a cultura” (1980) e “A nova narrativa” (1979). Neles, Candido revê sua hipótese de leitura do processo de formação da literatura brasileira como “consciência amena do atraso”,6 6 Uma leitura atenta dessa deriva no interior do próprio pensamento de Antonio Candido em relação ao problema da situação da literatura brasileira frente à europeia foi operada pelo professor do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC, João Ernesto Weber, na qual se formula uma análise da tensão gerada por esse movimento nas ideias de Candido cujo resultado foi o abandono do conceito de “atraso” pelo pensador paulista. Cf. em: Weber (1997). já que a aliança entre elites e progresso não resultou em outra situação que não fosse a da continuidade do processo autoritário e segregador da modernização com bases na inserção do país na lógica das metrópoles, não mais coloniais, porém, todavia, financeiras. A integração da literatura brasileira ao Ocidente moderno passa a ser vista por Candido como resultado de uma ambivalência: é ao mesmo tempo instrumento de inserção e de dominação: “somos um continente sob intervenção” (Candido, 1989 CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Editora Ática, 1989.[1959], p. 146).

Os modelos utilizados para ler os textos literários deveriam levar em conta, nos anos de 1950, uma postulação teórica: essa “consciência amena do atraso” (Candido, 1975CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. Momentos decisivos. Volume 1 (1750-1836). Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 1975. [1959]). E, nos anos de 1970, em plena Ditadura Civil-Militar, “a do continente sobre intervenção” (Candido, 1989CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Editora Ática, 1989., p. 146). Em 1958, Antonio Candido foi o responsável pela disciplina de Teoria Geral da Literatura, do currículo do curso de Letras da UNESP, em Assis. No âmbito dessa cadeira, lecionou para os alunos ingressantes, com a colaboração de Naief Sáfady, o curso “Introdução aos estudos literários”. Em 1959, essa disciplina apresentava um programa com três tarefas: o trabalho com o manuscrito, o trabalho com o texto impresso e o trabalho com a autoria (Candido, 2005CANDIDO, Antonio. Introdução aos estudos literários. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005., p. 3). Tratava-se de um modo de ensinar, diga-se, no qual além de prover estudos gerais introdutórios e estudos teóricos especializados, indispensáveis para uma boa formação, valorizava e politizava os estudos literários, associando-os a uma leitura do “nacional” e seus problemas para a consolidação de uma nação moderna e autônoma.

Em 1961, Candido fundou o curso de graduação em Teoria Literária, que, em 1962, foi renomeado como Teoria Literária e Literatura Comparada para se assegurar o estudo das literaturas estrangeiras bem como o espaço institucional para a Literatura Comparada. Segundo Sandra Nitrini (1994NITRINI, Sandra. Teoria Literária e Literatura Comparada. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, p. 473-480, 1994.), os objetivos das disciplinas Teoria Literária e Literatura Comparada eram: “ensinar de maneira aderente ao texto, evitando teorizar demais e procurando mostrar de que maneira os conceitos lucram em serem apresentados como instrumentos de prática imediata, isto é, de análise” (Nitrini, 1994NITRINI, Sandra. Teoria Literária e Literatura Comparada. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, p. 473-480, 1994., p. 8). Na edição comemorativa dos 1960 anos da área de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP, em 2021, os professores Ariovaldo Vidal, Edu Teruki Otsuka e Maria Augusta Fonseca, editores desse número da revista Literatura e Sociedade, entrevistaram os colegas que participaram da fundação do curso e do posterior departamento de ensino DTLLC. Em seu depoimento, Davi Arrigucci Júnior relaciona o modo operado por Candido de ler a literatura com ênfase nos aspectos textuais e a sua opção pelos valores culturais definidos pelo Ocidente como semelhantes àqueles praticados nas análises da Estilística e do New Criticism, mas que os recolocava num âmbito cultural brasileiro.

Mas naquela época se estudava aqui quase tão-só a história literária, e não a literatura viva. As coisas paravam praticamente no final do século 19 e no começo do século 20; não se estudavam em classe os autores inovadores deste século [...] De repente Antonio Candido trazia Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Drummond.[...] O “O estudo analítico do poema” foi sobre a obra de Bandeira, um curso que me marcou profundamente e a que levei anos tentando responder à minha maneira [...] Outro impacto é o que abria do ponto de vista teórico, não apenas a tradição da crítica brasileira de uma forma absolutamente sustentada e inovadora, superando as dicotomias entre literatura e sociedade e se aproximando muito de certas leituras internas da Estilística, sobretudo da vertente social de Spitzer e de Auerbach, mas também, principalmente, pelo trabalho sobre o texto, coisa que eu nunca tinha visto no Brasil, quer dizer, nunca tinha lido nada igual àquelas aulas. Aulas que saíam muito da leitura cerrada, do close reading norte-americano, do New Criticism, que comecei a ler muito, sobretudo Cleanth Brooks e Richard Blackmur, além dos críticos de Chicago, Eliot e William Empson. Mas o importante mesmo era a prática de Antonio Candido e o que ele passava de visão sedimentada da tradição crítica do Brasil, dos grandes críticos do século 19, que desaguavam todos ali, passando pelo Modernismo e pela crítica militante dos anos posteriores ao Modernismo. [...] Enfim, ele incorporava tudo e dava um salto muito além deles todos. Quer dizer, de repente aparecia uma síntese histórica tão poderosa ali como não se havia visto no Brasil. (Arrigucci Júnior, 2021ARRIGUCCI , JÚNIOR Davi. Entrevista com Davi Arrigucci Júnior. Literatura e Sociedade, v. 26, n. 33, p. 157, 2021., p. 155).

A proposta de Candido incluía na formulação da Teoria Literária um modo de ler a literatura que indicasse sentidos para Literatura Brasileira em seu momento moderno e contemporâneo e que fosse compatível com os valores liberais das democracias do Ocidente. A presença de uma questão teórica definida a priori foi importante para a configuração do modo de ler: a literatura brasileira em sua configuração moderna e ocidental era o ponto de chegada da viagem, sendo que o ponto de partida fora definido a partir de um modo de ler a literatura europeia. Esse foi o fundamento pelo qual o conceito de “formação” foi sustentado.

Nos modos de ler dele derivados, tensões foram geradas mesmo durante seus primeiros exercícios, inclusive entre seus “iniciados”. A exemplo de Haroldo de Campos, que teve sua tese de doutorado orientada por ninguém menos que Antonio Candido e que criou claramente uma deriva em relação ao mestre, de quem retomou a proposição de ler a literatura brasileira a partir de uma teoria da nacionalidade brasileira, contudo, sem a perspectiva colonial de ponto de partida e de chegada na viagem que os textos literários empreendem. Com sua tese de doutorado, intitulada Para uma teoria da prosa modernista brasileira, apresentada em 1972, propõe uma diferença em relação ao conceito de “formação”, tanto da literatura quanto dos quadros da crítica e do ensino de teoria no Brasil. Incialmente, a leitura com a teoria do elemento “nacional” de Macunaíma tinha o objetivo de ser a primeira de uma série de estudos para reconfigurar a ideia de prosa literária brasileira modernista, conforme o próprio autor afirma na “Nota introdutória” à publicação em livro da tese em 1973, dedicada a Antonio Candido, e com um novo título, Morfologia do Macunaíma:

O presente livro constitui o primeiro volume de uma obra mais ampla - SEMIOLOGIA DA PROSA BRASLEIRA DE VANGUARDA - em progresso. Um segundo volume está previsto e em andamento, compreendendo uma Poética de Oswald de Andrade (com a integração, ampliada e concatenada, dos meus prefácios às reedições de Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande) e um Retrospecto e Prospecto, no qual procurarei, através de uma leitura sincrônica do legado diacrônico de nossa literatura em prosa - no que ele exibe de inventivo e premonitório - pensar criticamente as possibilidades da escritura ou do texto hoje. (Campos, 1973CAMPOS, Haroldo. Morfologia do Macunaíma. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973., p. IX-X).

Observa-se no fragmento acima que a ideia de uma organização de obras sob o conceito nacional-brasileiro para Haroldo de Campos não era operada partir de um ponto de origem, hierárquico, do qual emanava um modelo a ser desenvolvido com outro ponto de “originalidade” e em conjunto com outros meios de cultura escrita das sociedades democráticas, a saber: os autores, a imprensa e o público leitor. Contudo, a hipótese de Haroldo de Campos também levava em conta a noção de sistema literário. Conforme a formulação teórica de seu orientador, entretanto, esse sistema, para Campos, não conjugava uma noção de hierarquia, precedência ou centralidade; inseria as obras escritas por brasileiros em uma outra noção de sistema: o da rede de afinidades textuais e culturais dos textos em oposição ao conjunto das obras e de sua recepção conformados em um único critério de reunião. Isso demonstra que tanto para a teoria da “formação” de Antonio Candido como para a “poética sincrônica”7 7 Nas notas do livro O sequestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: o caso Gregório de Mattos, Haroldo de Campos explicita sua intenção de eleborar um método de leitura. Fala do projeto por uma “semiologia da evolução literária”, o que se soma à apresentação da edição em livro da sua tese de doutorado, cujo vínculo com essa semiologia também está declarado. “O presente estudo foi elaborado a partir das notas de preleção do curso “Semiologia da evolução literária: o modelo barroco e sua produtividade na poeisa brasileira”, que ministrei no Semestre de Primavera de 1978 na Universidade de Yale, como Fullbright-Hays Visiting Professor. Desse modo, constata-se que se trata de um exercício de leitura, pois há uma teoria que fundamenta esse modo de ler: a da “poética sincrônica” (Campos, 1989, p. 79). de Haroldo de Campos foi importante incorporar a estrutura do sistema literário nacional. Os fundamentos dos modos de ler a literatura para que se encontre nela “sentido do nacional” pressupunham, na hipótese de Antonio Candido, a existência, pelo menos em termos teóricos, de um sistema republicano e democrático de produção e reprodução das obras com todas as suas instituições funcionando. Para a teoria de leitura da literatura brasileira de Candido, o sistema literário nacional tem um fim, ou ainda, uma finalidade que se cumpre mediante observação dos fundamentos das democracias liberais do Ocidente, pautado por um conjunto de instituições as quais funcionam como esteio e guardiões da vida social, a saber, a imprensa livre, judiciário autônomo e liberdade de expressão. Esse é o “sentido” da “formação”.

Para a pesquisa que realizo, é importante compreender as forças que atuaram para corroborar a teoria de Candido como aquelas que se propuseram a dinamizá-la, tanto durante a vigência como após o fim da última Ditadura Civil-Militar. É importante detectar no momento da (re)democratização política brasileira as reconfigurações que a disciplina de Teoria Literária porventura recebeu no Departamento de Teoria Literária da USP. A Teoria Literária, como se demonstrou até aqui, se distingue dos modelos de leitura, e no que se refere ao conceito de “formação” de Candido, o lugar discursivo é o da teoria, uma vez que há um interrogante que o fundamenta, portanto, o que se deixa ver através dele é o que o torna uma teoria.8 8 Cabe aqui citar novamente as anotações do curso “Algunos problemas de teoria literária” de Josefina Ludmer: “Pensamos que en la sociedad se enfrentan muchos modos de leer. Más adelante me referiré concretamente a ese concepto, ¿qué son modos de leer?, que implican posiciones respecto del sentido, la interpretación, etc. Esos modos de leer son formas de acción. La teoría literaria vendría a explicar los fundamentos de esos modos de leer, las controversias, los debates, y a dejar por sentado que en esas luchas se debaten distintos tipos de poderes, distintos tipos de enfrentamientos institucionales. Esos modos de leer no son eternos, son históricos, son sociales. Uno podría decir que distintos grupos en una sociedad, incluso distintos grupos sexuales, generacionales, etc. tienen modos distintos de leer, aunque tal vez desde la escuela primaria les hayan inculcado un solo modo de leer, un solo modo de pensar la literatura. Sin embargo, les aclaramos que esos modos de leer son cambiantes, históricos, se enfrentan entre sí; y nosotros apostamos a los cambios en los modos de leer, a descongelarlos, a que cambien en una sociedad, que se lea de otro modo y, por lo tanto, se produzca también a lo mejor un cambio de la literatura, porque los modos de leer producen también literatura” (Ludmer, 2016, p. 29). E, dessa maneira, se organizam diferentes modelos de leitura.

Não pretendo tratar sem distinção os conceitos de “formação” e o de teoria literária desenvolvidos por Antonio Candido e tampouco como fundamento de uma teoria da “leitura” fechada em si mesma da literatura. O “sentido” da “formação” envolve questões de uma teoria social que tem a intenção de compreender e valorizar a literatura brasileira a partir da existência de uma vida nacional no contexto das democracias ocidentais. Em relação à teoria literária, seu aporte filosófico para a leitura era a teoria do texto. Nesse sentido, é possível compreender a avaliação de Davi Arrigucci quando aproxima a prática da leitura operada por Antonio Candido à “de certas leituras internas da Estilística, sobretudo da vertente social de Spitzer e de Auerbach” (Arrigucci Júnior, 2021ARRIGUCCI , JÚNIOR Davi. Entrevista com Davi Arrigucci Júnior. Literatura e Sociedade, v. 26, n. 33, p. 157, 2021., p. 5). Leitura do texto que, nas mãos de Candido, se posicionava na abertura da literatura para a história brasileira do século XIX, ultrapassando com a história social o close reading da Nova Crítica, pois traçava um percurso do século da independência do país até o momento posterior ao modernismo.

A partir desses fundamentos, no que diz respeito ao “ensino” da Teoria Literária e da Literatura Comparada por parte de Antonio Candido, as questões do método foram oferecidas pelas obras dos teóricos elencados por ele, as quais reuniam as qualidades da teoria do texto justapostas às de uma reflexão profunda dos elementos basilares da vida social no Brasil a partir do século XIX, tomadas, por sua vez, de outros teóricos das ciências sociais também levantados por Candido. Nesse sentido, os teóricos mais relevantes que frequentaram os programas de ensino da disciplina na área de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo durante os anos de 1986 até os anos 2000 foram aqueles que insistiam na formulação de que a vida social era o elemento fundador da literatura, aí incluída a ideia da democracia liberal no Ocidente e, sendo assim, esse momento de (re)democratização do país, após os anos de Ditadura Civil-Militar (1964-1985), deveria estar contemplado na organização do ensino da Teoria Literária, conforme a filosofia do ensino da literatura de Antonio Candido.

Durante toda a Ditatura, o ensino da Teoria Literária na USP parece ter se colocado na tarefa de produzir resistência à barbárie estatal, à falta da democracia e a todas as proposições de mudança atravessadas pela ideia de progresso gerados pelo capitalismo pós-industrial. E, devido ao fato de que naquele momento o governo militar apresentava-se como o caminho pelo qual essa modernização se implementaria, havia que se resistir à barbárie estatal militar. A área de Teoria Literária se posicionava como resistência às alterações modernizadoras da disciplina. Segundo Sandra Nitrini, de 1969 a 1990, a área permaneceu com o mesmo currículo inicial, incluindo apenas algumas “pequenas modificações, constituindo sempre um primeiro ano de Introdução aos Estudos Literários e um quarto ano de Teoria Literária e Literatura Comparada”. Com a reforma de 1969, as disciplinas se tornaram semestrais, tornando-se mais flexível a possibilidade de o aluno seguir a disciplina de Teoria Literária e Literatura Comparada em diferentes momentos do curso. O quinto ano, ou especialização, foi cancelado pela criação da pós-graduação, em 1971 (Nitrini, 2021NITRINI, Sandra. Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada. Depoimento de Sandra Nitrini sobre a formação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo. Literatura e Sociedade, v. 26, n. 33, p. 63-74, 2021., p. 66). É importante ressaltar que a disciplina unificada “Teoria Literária e Literatura Comparada”, em 1988, foi desdobrada e a Literatura Comparada ganha um estatuto específico. A justificativa se encontra registrada na ata da reunião de departamento em que a proposta foi apresentada: “Tendo havido um crescente interesse pelos estudos comparatistas no Brasil nos últimos anos, cabe ao Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada a responsabilidade de reforçar, também, a formação específica de nossos alunos de Graduação e de Pós-Graduação no campo da história e das teorias da Literatura Comparada para “que produzam substanciosos trabalhos críticos comparatistas” (Arquivo Geral da USP, proposta de desdobramento da disciplina de Teoria Literária e Literatura Comparada em duas, em separado, para efeito de concurso de livre-docência). Ainda será Sandra Nitrini a recordar esse desdobramento que parece ter sido motivado pela necessidade interna da administração do departamento, porém com o uso de uma justificativa teórica temporal.

Muitos anos depois, em 1988, a disciplina de Teoria Literária e Literatura Comparada se desdobrou para se garantir um espaço no currículo de Letras, no qual os alunos tivessem acesso, de um lado, à discussão e sistematização das questões do núcleo central da Teoria Literária, voltado para o problema do modo de ser da obra literária, de sua compreensão crítica e para uma série de assuntos afins, e de outro, à análise e reflexão de problemas específicos da Teoria da Literatura Comparada, campo de estudos literários que passou a ser alvo de um interesse renovado no Brasil, nos anos de 1980. (Nitrini, 2021NITRINI, Sandra. Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada. Depoimento de Sandra Nitrini sobre a formação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo. Literatura e Sociedade, v. 26, n. 33, p. 63-74, 2021., p. 66).

Durante seus anos de quase inalteração, a bibliografia da disciplina de Teoria Literária e Literatura Comparada contou com um estudo bastante consistente da prosa literária, com a bibliografia dando ênfase ao pensamento social europeu que vai desde a presença de Lucien Goldman, Georg Lukács a Theodor Adorno, que são os autores com mais obras incluídas na bibliografia do programa da disciplina Teoria Literária e Literatura Comparada I. E, no âmbito do estudo do poema, encontrou-se um pálido planejamento de estudos no qual não há como fazer destaque da presença significativa de obras teóricas, já que os autores não se repetem. Talvez o que se poderia concluir pelos títulos que constam da bibliografia do programa é que novamente se constata a presença da relação do texto com uma teoria da história social, pois os títulos das obras remetem a essa produtividade teórica. Vejam-se os exemplos: quando um teórico de uma teoria do texto é citado, como Gérard Genette, a abordagem teórica selecionada mantém afinidades com a história, nesse caso, o livro indicado era Poétique et histoire (1972). Ou ainda, quando um teórico e poeta é elencado na bibliografia do programa da disciplina Teoria Literária e Literatura Comparada II, o que se destaca de uma obra como El arco y la lira (1970), de Octavio de Paz, é o capítulo “Poesia e história”. Com o que se conclui que a literatura como um dos elementos fundadores da vida social é a concepção teórica que organiza o método de leitura do texto literário. Ressalto novamente que essa teoria não compreende a literatura como fundadora da vida social a partir de uma essência do “ser” social que nasce da experiência da leitura. Esse ser social é compreendido na sua relação com ponto de procedência, o Ocidente, e o seu destino, o Brasil - no primeiro momento de elaboração da teoria da formação da literatura brasileira. Posteriormente, a partir do intercâmbio de experiências comparadas dentro do continente americano, o destino será a América Latina, contudo, o ponto de procedência continua sendo a Europa. Portanto, para Candido, o sentido da Teoria Literária está relacionado ao esclarecimento da causa do descompasso entre a vida social e o texto que o pensamento ocidental requer para definir a experiência com a literatura. O modo de ler a literatura brasileira não poderia ser fundamentado no isolamento cultural resultado de um nacionalismo puritano e exacerbado, ao contrário, necessita ler e ser lido na prática mesma da colonização, que produz a “civilização” mediante uma política cultural que deseja a inclusão para, logo em seguida, agir mediante a exclusão por não a reconhecer como propriamente “ocidental”. Para existir, a literatura brasileira precisa entender-se como parte dessa civilização, isso é a base do primeiro momento da compreensão do pensamento teórico de Candido, nas décadas de 1950 e 1960. Contudo, ela será lida com um critério excludente por essa mesma lógica que a incluiu a partir dos textos de Candido escritos na década de 1970. Disso, me parece, origina-se o interesse pela literatura latino-americana, ou seja, o comparatismo operado pelo pensamento teórico de Candido não é mais com a literatura europeia justamente porque ele se dá conta da inexorabilidade da inclusão excludente. Contudo, Candido, nesse momento, já está aposentado e talvez seja essa a causa da ausência das marcas bibliográficas do pensamento latino-americano dos programas de Teoria Literária e Literatura Comparada dos anos da (re)democratização política brasileira.9 9 Adelia Bezerra Meneses, em seu depoimento publicado na edição comemorativa aos 1960 anos das áreas de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP, em 2021, relata que “o professor Antonio Candido se aposentou na USP (em 1978) - e a observação a ser feita é que chocou a todos a velocidade com que tramitou o seu processo de aposentadoria, naqueles tempos escuros. É como se houvesse, nos escalões administrativos da Universidade de São Paulo, gente interessada em que ele deixasse os quadros ativos da USP. Ele continuou, no entanto, com as orientações de Mestrado e Doutorado, e a influência de sempre” (Meneses, 2021, p. 21).

Diferentes modos de ler a mesma coisa: o sentido da área de Teoria Literária e Literatura Brasileira na UFSC

É importante ressaltar que a pesquisa nos arquivos do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC revelou que houve um certo “fracasso” na tentativa de organizar as áreas de Teoria Literária e de Literatura Comparada como correlatas, e o mesmo pode ser observado nas áreas de concentração do Programa de Pós-Graduação em Literatura. A presença constante de bibliografia de autoria de Antonio Candido nos programas das disciplinas Teoria Literária e da Literatura Brasileira do curso de Letras Vernáculas da UFSC a partir da década de 1980 demonstram a importância em se correlacionar comparativamente as informações obtidas nas análises dos programas da disciplina Teoria Literária e Literatura Comparada da USP.

Informação relevante é que a presença da bibliografia de Candido antes da década de 1980 não foi constatada. Ao contrário, o que se compreendeu na análise dos currículos do curso de Letras Neolatinas da UFSC em 1954 foi que a orientação era a de consolidar as cadeiras de: Língua e Literatura Grega, Língua e Literatura Latina, Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Língua e Literatura Francesa, Língua e Literatura Espanhola, Língua e Literatura Italiana, Língua e Literatura Inglesa, e Língua e Literatura Alemã (Fontes, 2016FONTES, Henrique da Silva. Primeiro Caderno. Da Faculdade de Filosofia. In: MAMIGONIAN, Armen; AURAS, Marli (org.). Henrique da Silva Fontes: pensamentos, palavras e obras. Florianópolis: Edufsc, 2016. p. 23-108., p. 3). Como catedrático da cadeira de literatura brasileira, o professor Aníbal Nunes Pires (Fontes, 2016FONTES, Henrique da Silva. Primeiro Caderno. Da Faculdade de Filosofia. In: MAMIGONIAN, Armen; AURAS, Marli (org.). Henrique da Silva Fontes: pensamentos, palavras e obras. Florianópolis: Edufsc, 2016. p. 23-108., p. 3), que posteriormente será professor de teoria da literatura (Arquivo Central UFSC, 1965), recebeu orientações pedagógicas de Henrique Fontes, diretor da faculdade, que incluíam o destaque ao patriotismo e a busca pela identidade nacional (em consonância com o projeto desenvolvimentista) e o espiritualismo cristão e a fé (em consonância com a cultura predominantemente católica oferecida pelo projeto formador das elites locais, materializada na ação do Colégio Catarinense).

No programa de curso, elaborado pelo professor Aníbal Nunes Pires, já é possível constatar a presença da Literatura Comparada. Entretanto, ela está compreendida como um modelo de leitura pois, ali o comparatismo aparece como uma das partes práticas da disciplina. Não muito diferente do que aconteceria posteriormente em nível nacional, conforme se pode observar na análise à proposta de currículo elaborada sob a coordenação de Afrânio Coutinho para os cursos de Letras, e encaminhada ao CNE em 1984. No documento, se percebe que a Literatura Comparada também é pensada a partir de uma noção de prática de leitura. Nessa proposta, a disciplina recebe o nome de “História da literatura ocidental e Literatura Comparada” e Afrânio Coutinho a define como:

A Literatura Comparada é o método mais adequado e útil para a finalidade [o alargamento do horizonte cultural do estudante]. Ao estudarmos a tragédia, seja como gênero isoladamente, seja localizada em qualquer literatura moderna - inglesa, francesa, espanhola - não é possível deixar de partir do conhecimento da tragédia grega. Um aluno brasileiro, ao tomar conhecimento do Romantismo em nosso país, em especial estudando Alvares de Azevedo e seu byronismo, deve relacioná-lo com o poeta inglês Byron. E assim com outros poetas românticos - Leopardi, Espronceda, Musset, Lamartine, Victor Hugo […]. É indispensável que ele, ao menos, localize esses autores para adquirir uma visão menos paroquial e provinciana do desenvolvimento da Literatura […] Igual consideração deve ser feita em relação a Machado de Assis e Graciliano Ramos, que não podem ser bem compreendidos sem um conhecimento dos trágicos gregos e Shakespeare […]. (Brasil, 1984BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Reformulação dos Cursos de Letras. Brasília: Conselho Federal de Educação, 1984, p. 73-74).

A Literatura Comparada é compreendida na proposição de Afrânio Coutinho como método para alcançar uma finalidade: “ampliar o horizonte cultural do estudante” e não como uma teoria capaz de questionar o processo de colonização. Em se tratando do momento de criação do curso de Letras na UFSC e a ênfase dada à criação e fortalecimento de áreas relacionadas às línguas e culturas nacionais, mesmo em se tratando de línguas estrangeiras, a proposição de uma área propriamente dita de Literatura Comparada, a partir de uma leitura de Antonio Candido, terá que esperar o período de reabertura política após a Ditadura Militar. A solicitação da criação da disciplina foi feita no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas em 1987, através da Portaria nº 331/PRE/87. Contudo, o processo resulta na criação de uma disciplina optativa de Literatura Comparada: a Literatura Brasileira no Contexto Latino-Americano (LLV1148). Dois anos se passam e, em ata de reunião do DLL, registrou-se a exigência de que o professor a ser contratado possuísse título de doutor em Teoria da Literatura e/ou Literatura Comparada. Em ata do mesmo ano (Centro de Comunicação e Expressão, 1989CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO. Departamento de Língua e Literatura Vernáculas. Atas do Colegiado do Departamento de Língua e Literaturas Vernáculas. 1989., p. 10a), os professores de Literária e Literatura Brasileira manifestaram sua disposição em participar da organização da segunda edição do Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada que seria realizado em outubro de 1991.

Observa-se, com isso, que o debate em torno das questões relacionadas ao comparatismo esteve presente na área de Teoria Literária e Literatura Brasileira da UFSC a partir da década de 1980 e suas questões não se restringiam àquelas proposições iniciais do curso formuladas localmente no momento de sua criação. Em 1986, no âmbito do I Seminário Latino-americano de Literatura Comparada, realizado de 8 a 10 de setembro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi criada a Associação Brasileira de Literatura Comparada, em Porto Alegre, com a participação de comparatistas europeus e latino-americanos. Entre os participantes-fundadores estavam alguns professores da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 1988, após o primeiro congresso da ABRALIC, propôs-se a realização do segundo seminário, que veio a acontecer na UFSC em outubro de 1991, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Letras cujas áreas de concentração eram a Teoria Literária e a Literatura Brasileira. É interessante dar destaque ao problema teórico proposto para o segundo Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada, quer seja, “Identidade & RepresentaçãoANTELO, Raul (org.). Identidade &Representação. Dissertação (Pós-Graduação em Letras/Literatura Brasileira e Teoria Literária) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1994.”. A questão propunha formular algum modo de colocar em crise a proposição teórica de uma literatura comparada pensada a partir de conceitos como os de representação e de identidade. Tal posição talvez tenha sido motivada tanto por uma resistência aos conceitos de literaturas nacionais no qual estavam assentadas as estruturas dos cursos de línguas e literaturas nacionais no âmbito da área de Letras na UFSC, quanto uma crítica, uma sobreposição de tensões à teoria pós-colonial sobre a qual a ABRALIC vinha sendo constituída. Vale relembrar que a imagem que compunha o cartaz, os folders e, depois, os Anais do I Seminário Latino-americano de Literatura Comparada, realizado de 8 a 10 de setembro de 1986 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, era a de um fragmento da cena canibalesca que emoldura a reedição fac-similada da Revista de Antropofagia em suas “dentições” de 1928 e 1929.

De toda maneira, a disciplina de Literatura Comparada como obrigatória para a formação do graduando ou mesmo a tentativa de correlacioná-la à Teoria Literária não vigou na UFSC. Durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1985), nas disciplinas relacionadas ao ensino de literatura, a frequência intensa de bibliografia relacionada às teorias que compreendem o texto literário de modo autônomo, somada à justaposição de bibliografia referente ao pensamento teórico-romântico durante a década de reabertura política, e que culmina com a tentativa mal fadada de implementar a área de Literatura Comparada na UFSC, criam um paradoxo, se analisadas no contexto das disciplinas de Teoria Literária e Literatura Brasileira as quais terão nos livros de autoria de Antonio Candido seu maior peso de leituras obrigatórias. Nos planos de trabalhos individuais de professores e nos programas regulamentadores do currículo em Letras, habilitação Português, no ano de 1990, constam 16 títulos do teórico e crítico paulista.

A partir da década de 1990, ainda que mantivessem a compreensão teórica que a literatura e a teoria estavam correlacionadas a uma visão autonomista, tanto em relação à história quanto ao texto literário, as ementas e as práticas de leitura dos professores em seu planejamento de trabalho e produção crítica modificaram o que permanecia não declarado e, principalmente, sob “tensão”.10 10 A tensão é o que o define o campo intelectual como um lugar em que o “Reading”, teorizado por Martin Jay, estava em ação, produzindo desse modo os campos intelectuais no plural. Havia uma marca singular na orientação teórica do curso, isto é, a predileção por uma teoria do texto. A quantidade de disciplinas dedicadas ao trabalho com o intrínseco se sobrepunha àquelas que trabalham a partir do extrínseco em relação ao literário. Esse quadro desenha o perfil do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas, assim como a Pós-Graduação em Literatura Brasileira e Teoria Literária durante o período de (re)democratização. A aproximação da UFSC com as correntes pós-estruturalistas, com ênfase na desconstrução e no estudo da cultura de massas acontecerá na década seguinte.

Nesse sentido, as áreas de Teoria Literária tanto no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP quanto nas de Teoria Literária e Literatura Brasileira da UFSC compreenderam a teoria como produção de pensamento crítico a partir do que Martin Jay denominou com seu conceito de “Reading”, isto é, um ato de ler as questões suscitadas pelas práticas com a literatura como um movimento em torno à leitura, não se limitando a tentar compreender a leitura da literatura com um algo fechado em si mesmo e também distante de uma teoria literária que abandonasse a proposição de uma singularidade da literatura frente às ciências humanas. O movimento de ler, no âmbito analisado por este artigo, foi elaborado como um “estar lendo” e, com isso, incorporando-se o sentido de algo que está incessantemente se construindo como teoria e como crítica.

Referências

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  • WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso: a construção da nacionalidade na historiografia literária brasileira. Florianópolis: Editora da UFSC, 1997.
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    Tradução minha, do original em inglês: “It would, of course, be a serious impoverishment of intellectual history to reduce it to nothing but reading in this sense, thus conflating it entirely with certain modes of literary criticism. But surely some attention must be paid to the level of textual complexity, which refuses to be dissolved into the intellectual field out of which texts somehow emerge. In fact, precisely because texts can be seen as the site of contesting impulses, they may well be understood as emerging out of several competing or overlapping fields rather than merely instantiating one unified habitus. The same may hold true for certain intellectuals themselves, who, as I’ve tried to argue in the case of Adorno, may be conceptualized as occupying a nodal point in a force field or constellation of competing impulses”.
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    Os resultados apresentados neste artigo têm como base de análise a pesquisa realizada em arquivos da Universidade de São Paulo e da Universidade Federla de Santa Catarina pelas bolsistas de Iniciação Científica, Bianca Maria de Souza e Érica Milani Dellai, ambas sob minha orientação. Os dados compliados e avaliados por uma equipe qualificada de professores estão registrados em seus relatórios de pesquisa, armazenados no Portal do Programa Institucional de Iniciação Científica e Tecnológica da UFSC. Disponível apenas com autorização de acesso: https://pibic.sistemas.ufsc.br/
  • 3
    Conferir em: Gerbaudo (2016NITRINI, Sandra. Teoria Literária e Literatura Comparada. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, p. 473-480, 1994.). Analía Gerbaudo publicará em breve o livro Tanto con tan poco. Los estudios literarios en Argentina (1958-2015), um trabalho de fôlego onde são estudados, exumados e transformados mais de cinquenta anos de ensino da literatura na Argentina. Igualmente, está em preparação um volume coletivo coordenado por Analía Gerbaudo, Max Hidalgo, Annalisa Mirizio e por mim intitulado Las letras en Argentina, España y Brasil. Dinámicas, circulaciones, a ser publicado em breve.
  • 4
    Sobre os usos do conceito de “circulação” lidos por Hidalgo, conferir: Hidalgo (2022HIDALGO, Max. Los discursos críticos: anacronismo y contemporaneidad. In: AGUILAR, Gonzalo; PINO, Claudia Amigo; MIRIZIO Annalisa (ed.). Travesías, desvíos, obstrucciones. La circulación de la teoría francesa en Latinoamérica y en España. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2022. p. 95-110.).
  • 5
    (Ludmer, 2016LUDMER, Josefina. Clases 1985. Algunos problemas de Teoría Literaria. Edición y Prólogo Annik Louis. [s. l]: Epublibre, 2016.) em tradução minha a partir do original em castelhano: “La teoría literaria se pregunta, entonces, por el fundamento científico de los modelos: ¿en qué se basan?, ¿cómo leen?, ¿por qué leen?, ¿qué lee el modelo?, ¿qué me deja ver? Un modelo o una red cualquiera, lo que se llama una «rejilla», me deja ver ciertas cosas y me tapa otras. Entonces, lo que uno tendría que mostrar en un lugar donde se hace teoría literaria es qué me muestra este modelo y qué no, y cuál es su fundamento científico. La confusión entre teoría literaria y modelo proviene de los años sesenta en que se identificaba modelo semiológico con teoría, o sea, semiología y teoría. Nosotros no identificamos la teoría literaria con la semiología. Por lo general, los modelos nos proveen la semiología, pero nosotros damos un paso más arriba o más abajo para leer esos modelos, para experimentarlos y para buscar su fundamento. Una de las estrategias fundamentales de dominación en la sociedad consiste en quitarle a los grupos sumergidos el lenguaje necesario para expresar su situación; cada situación social, cada situación humana, tiene un código, un lenguaje, una filosofía que explica esa situación, que puede dar razón de ella y mostrar, al mismo tiempo, los modos de salir o no salir en el caso de algunas situaciones que se mantienen. La dominación textual consiste justamente en imponer otros códigos u otros lenguajes para que ciertos grupos no tengan esto que les van a explicar; negar ciertos códigos, negar ciertos aparatos interpretativos. Con los modelos pasa igual; los modelos nos dicen algo, nos tapan algo, nos muestran algo que tal vez en Argentina no nos interesa en absoluto que nos muestren. Desde la teoría pueden ver los límites, posibilidades, ocultaciones del modelo, pero no identifiquen teoría y modelo”.
  • 6
    Uma leitura atenta dessa deriva no interior do próprio pensamento de Antonio Candido em relação ao problema da situação da literatura brasileira frente à europeia foi operada pelo professor do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC, João Ernesto Weber, na qual se formula uma análise da tensão gerada por esse movimento nas ideias de Candido cujo resultado foi o abandono do conceito de “atraso” pelo pensador paulista. Cf. em: Weber (1997WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso: a construção da nacionalidade na historiografia literária brasileira. Florianópolis: Editora da UFSC, 1997.).
  • 7
    Nas notas do livro O sequestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: o caso Gregório de Mattos, Haroldo de Campos explicita sua intenção de eleborar um método de leitura. Fala do projeto por uma “semiologia da evolução literária”, o que se soma à apresentação da edição em livro da sua tese de doutorado, cujo vínculo com essa semiologia também está declarado. “O presente estudo foi elaborado a partir das notas de preleção do curso “Semiologia da evolução literária: o modelo barroco e sua produtividade na poeisa brasileira”, que ministrei no Semestre de Primavera de 1978 na Universidade de Yale, como Fullbright-Hays Visiting Professor. Desse modo, constata-se que se trata de um exercício de leitura, pois há uma teoria que fundamenta esse modo de ler: a da “poética sincrônica” (Campos, 1989CAMPOS, Haroldo. O sequestro do barroco na Formação da literatura Brasileira: o caso Gregório de Mattos. Salvador: FCJA, 1989., p. 79).
  • 8
    Cabe aqui citar novamente as anotações do curso “Algunos problemas de teoria literária” de Josefina Ludmer: “Pensamos que en la sociedad se enfrentan muchos modos de leer. Más adelante me referiré concretamente a ese concepto, ¿qué son modos de leer?, que implican posiciones respecto del sentido, la interpretación, etc. Esos modos de leer son formas de acción. La teoría literaria vendría a explicar los fundamentos de esos modos de leer, las controversias, los debates, y a dejar por sentado que en esas luchas se debaten distintos tipos de poderes, distintos tipos de enfrentamientos institucionales. Esos modos de leer no son eternos, son históricos, son sociales. Uno podría decir que distintos grupos en una sociedad, incluso distintos grupos sexuales, generacionales, etc. tienen modos distintos de leer, aunque tal vez desde la escuela primaria les hayan inculcado un solo modo de leer, un solo modo de pensar la literatura. Sin embargo, les aclaramos que esos modos de leer son cambiantes, históricos, se enfrentan entre sí; y nosotros apostamos a los cambios en los modos de leer, a descongelarlos, a que cambien en una sociedad, que se lea de otro modo y, por lo tanto, se produzca también a lo mejor un cambio de la literatura, porque los modos de leer producen también literatura” (Ludmer, 2016LUDMER, Josefina. Clases 1985. Algunos problemas de Teoría Literaria. Edición y Prólogo Annik Louis. [s. l]: Epublibre, 2016., p. 29).
  • 9
    Adelia Bezerra Meneses, em seu depoimento publicado na edição comemorativa aos 1960 anos das áreas de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP, em 2021, relata que “o professor Antonio Candido se aposentou na USP (em 1978) - e a observação a ser feita é que chocou a todos a velocidade com que tramitou o seu processo de aposentadoria, naqueles tempos escuros. É como se houvesse, nos escalões administrativos da Universidade de São Paulo, gente interessada em que ele deixasse os quadros ativos da USP. Ele continuou, no entanto, com as orientações de Mestrado e Doutorado, e a influência de sempre” (Meneses, 2021, p. 21).
  • 10
    A tensão é o que o define o campo intelectual como um lugar em que o “Reading”, teorizado por Martin Jay, estava em ação, produzindo desse modo os campos intelectuais no plural.
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2024
  • Aceito
    20 Fev 2024
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