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A imanência estética

TRADUÇÃO

A imanência estética

Georges Didi-Huberman

É filósofo, crítico de arte e professor da École de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Publicou, entre vários outros títulos, La Peinture incarnée, suivi de Le chef-d'oeuvre inconnu par Honoré de Balzac (Paris: Minuit, 1985), Devant l'image. Question posée aux fins d'une histoire de l'art (Paris: Minuit, 1990), Ce que nous voyons, ce qui nous regarde (Paris: Minuit, 1992), La Ressemblance de l'informe, ou le gai savoir visuel selon Georges Bataille (Paris: Macula, 1995), Devant le temps. Histoire de l'art et anachronisme des images (Paris: Minuit, 2000) e L'image survivante. Histoire de l'art et temps des fantômes selon Aby Warburg (Paris: Minuit, 2002)

RESUMO

O autor propõe-se a mostrar que a aparente contradição da arte de Victor Hugo – a dispersão e a multiformidade, de um lado, o "uno compacto", de outro – deve ser compreendida em função de uma grande tentativa de ultrapassar as oposições clássicas entre o universal e o singular, o movimento centrífugo do diverso e o movimento centralizador da unidade. A originalidade dos procedimentos gráficos de Hugo em seus desenhos aponta para uma estética da imanência, que se deseja gesto e não representação, Darstellung e não Vorstellung, processo e não aspecto, contato e não distância. Ela é teatro: ela tenta encenar, reencenar em sua minúscula escala – uma mesa, uma folha de papel, tinta e uma pena – o grande jogo do "mistério da vida".

Palavras-chave: crítica de arte, estética da imanência, Victor Hugo

ABSTRACT

The author tries to show that the apparent contradiction in Victor Hugo's art – dispersion and multiformity, on the one hand, and compact unity, on the other – must be understood as a great attempt to overcome the classical oppositions between the universal and the singular, the centrifugal movement of the different and the centralizing movement of unity. The originality in Hugo's graphic procedures in his drawings points to an imma-nence aesthetics, one of the gesture instead of representation, Darstellung instead of Vorstelung, process instead of aspect, contact instead of distance. It is a theater: it tries to enact and re-enact in minute scale – a table, a sheet of paper, ink and a feather – the great play of the "mistery of live".

Keywords: art criticis, immanence aesthetics, Victor Hugo

No magnífico texto que lhe dedicou, em 1861, Baudelaire creditava a Hugo tudo o que se pode esperar, radicalmente, de uma estética romântica: "exprimir por meio da poesia o que chamarei de o mistério da vida"*1 *1 (Baudelaire, C. "Victor Hugo" (1861). Em: C. Pichois (ed.). Œuvres com-plètes, II. Paris: Gallimard, 1976: 131. ) . No ano seguinte, Téophile Gautier homenageava Hugo desenhista em termos bastante comparáveis: "A vida oculta sob as formas a ele se revela em sua atividade misteriosa"*2 *2 (Gautier, T. "Dessins de Victor Hugo" (1862). Em: F. Court-Pérez (ed.). Victor Hugo. Paris: Honoré Champion, 2000: 209, grifo meu. ) . E Nietzsche, um pouco mais tarde: "É um ser da natureza (um naturalista, disse Flaubert): tem a seiva das árvores nas veias"*3 *3 (Nietzsche, F. apud Maurel, J. Victor Hugo philosophe. Paris, PUF, 1985: 11. ) . A rítmica de Hugo – que use sua pena num sentido ou noutro, seja descrevendo uma tempestade para um romance ou mergulhando seu papel em tinta marrom para um desenho – seria então o eco fiel de uma psyché "barométrica" ou "sismográfica" ou estésica que teria captado bem demais o pulso da physis universal?

Dessa faculdade de absorção da vida exterior, única por sua amplitude, e dessa outra poderosa faculdade de meditação, resultou, em Victor Hugo, um caráter poético bastante particular, interrogativo, misterioso e, como a natureza, imenso e minucioso, calmo e agitado. [...] Daí estas turbulências, estes acúmulos, estes desabamentos de versos, estas massas tempestuosas, que se vão com a velocidade de um caos que foge; daí estas freqüentes repetições de palavras, todas destinadas a expressar trevas cativantes ou a enigmática fisionomia do mistério.

Assim, Victor Hugo possui não apenas a grandeza mas a universalidade. Como seu repertório é variado! e, embora sempre uno e compacto, como é multiforme! [...] Em tudo ele põe a palpitação da vida. Se pinta o mar, nenhuma marinha igualará as suas. Os navios que lhe riscam a superfície ou que lhe atravessam os turbilhões terão, mais do que os de qualquer outro pintor, esta fisionomia de lutadores apaixonados, este caráter de vontade e de animalidade que se destaca tão misteriosamente [...]. A força o encanta e embriaga; ele se dirige a ela como a um parente: atração fraterna. Assim ele é levado irresistivelmente para todo símbolo do infinito, o mar, o céu; [...] ele se move no imenso. [...] Germinações, eclosões, florações sucessivas, simultâneas, lentas ou súbitas, progressivas ou completas...*4 *4 (Baudelaire, C. "Victor Hugo". Op. cit.: 134-8.)

Como sempre, Baudelaire toca aqui no essencial: a aparente contradição da arte de Hugo – a dispersão e a multiformidade, de um lado, o "uno compacto", de outro – deve justamente ser compreendida em função de uma grande tentativa de ultrapassar as oposições clássicas entre o universal e o singular, o movimento centrífugo do diverso e o movimento centralizador da unidade. "Em tudo ele põe a palpitação da vida", escreve Baudelaire: compreendamos, em primeiro lugar, que Hugo toma tudo, toma "o tudo" – em sua infinita variedade – como campo de seu trabalho poético; mas que, em tudo, através de tudo, bate esta palpitação característica que é preciso chamar de a vida. A arte poética de Hugo, o ritmo de seus versos, o tema de seus romances, a estrutura de seu pensamento, a energia de seus desenhos, tudo isso faz apelo a – ou tem sua origem em – uma filosofia da vida.

Uma Naturphilosophie guia constantemente a estética de Hugo, até em suas imagens mais supostamente afastadas da realidade. Nisso ele é o romântico por excelência, e Baudelaire tem razão em pôr toda a tentativa hugoliana sob o signo do que ele chama de "o inesgotável fundo da analogia universal", evocando os nomes de Byron e de Swedenborg mas também os de Goethe e de Lavater*5 *5 (Ibid .: 133.) . O próprio Baudelaire defendia uma teoria da imaginação – e desta "faculdade de absorção da vida exterior" que ele creditava ao poeta de As contemplações – oposta a qualquer " fantasia" subjetiva trivial: "A Imaginação é uma faculdade quase divina que percebe em primeiro lugar [...] as relações íntimas e secretas das coisas, as correspondências e as analogias"*6 *6 (Baudelaire, C. "Notes nouvelles sur Edgar Poe" (1857). Em: Œuvres com-plètes, II. Op. cit.: 329. ) . Ele havia há muito promovido a imaginação como uma faculdade "científica", uma objetivação das semelhanças no seio desta "analogia universal" que ele encontrava em toda parte na obra de Victor Hugo:

Há muito tempo que digo [...] que a imaginação é a mais científica das faculdades, porque apenas ela compreende a analogia universal, ou o que uma religião mística chama de correspondência. Mas quando quero mandar imprimir essas coisas, dizem que sou louco – e sobretudo louco por mim mesmo – e que odeio os pedantes apenas por minha educação falha. – O que há de certo, porém, é que tenho uma mente filosófica que me faz ver claramente o que é verdadeiro, até mesmo em zoologia, embora eu não seja nem caçador nem naturalista.*7 *7 (Baudelaire, C. "Lettre à Alphonse Toussenel du 21 janvier 1856". Em: Crépet, J. (ed.) Œuvres complètes. Correspondance générale, I. 1833-1856. Paris: Conard, 1947: 368. )

Victor Hugo foi ainda mais "naturalista" do que Baudelaire, mesmo que sua paixão pelas ciências naturais – especialmente pelos tesouros lingüísticos de seus diferentes jargões técnicos – raramente tenha ultrapassado o nível de um enciclopedismo à Flammarion.*8 *8 (Cf. Albouy, P. "Raison et science chez Victor Hugo" [1952]. Em: Mythographies: 98-120. Sobre a importância da "ciência recreativa" no século XIX, cf. Romantisme, n. 65, 1989 ["Science pour tous"]). Entretanto, a questão estética não pode ser reduzida ao domínio ou não por um poeta de suas fontes científicas. O que conta é esta faculdade de fazer proliferarem as semelhanças até que surja algo como um ritmo estrutural característico. A proliferação das semelhanças está ligada ao quimérico, e mesmo ao alucinatório ou à desmedida hipocondríaca; mas o reconhecimento dos ritmos depende de uma sensibilidade particular às saliências e às pregnâncias, isto é, às morfologias objetivas.

***

É sobretudo nos anos 1860-1866 – período que começa com a retomada de Os miseráveis e se encerra com a publicação de Os trabalhadores do mar – que Victor Hugo multiplica os recursos ao vocabulário da imanência: eles vêm diretamente de Spinoza, evidentemente, que Hugo evoca aqui e ali, sem, entretanto, ao que parece, o ter lido em detalhe; mas vêm também de Pierre Leroux, de Proudhon ou dos hegelianos de esquerda que fugiram da Alemanha para Paris em 1843.*9 *9 (Cf. Gohin, Y. "Sur l'emploi des mots immanent et immanence chez Victor Hugo": 3-24. Sobre a re-cepção de Spinoza na França, cf. Vernière, Paul. Spinoza et la pensée française avant la Révolution. Paris: PUF, 1954.) De acordo com Charles Renouvier, "a imanência é, na linguagem de Victor Hugo, uma força obscura, irresistível, inerente em qualquer tempo aos seres, dominando-os"*10 *10 (Renouvier, C. Victor Hugo le philosophe (1900). Paris: Maisonneuve & Larose, 2002: 226. ) . Trata-se, pois, do "mistério da vida" de que falava Baudelaire e, conseqüentemente, do próprio princípio desta "universal analogia" em que ciência e poesia podem reconhecer seu objeto estético comum. É este "Todo solidário" e fluido que Hugo tão bem resume em um único verso de Les Contemplations: "Para sempre! o sem fim corre no sem fundo".*11 *11 (Sobre a poética hugoliana do "Todo solidário", cf. especialmente Robert, G. "Chaos vaincu". Em: Quelques remarques sur l'oeuvre de Victor Hugo. Paris: Les Belles Lettres, 1976, I: 237-48; Glauser, A. La poétique de Hugo: 71-104 ("Tout cherche tout") e Gohin, Y. "Une écriture de l'immanence". Em: Hugo le fabuleux: 19-36.)

Como freqüentemente, Victor Hugo considera uma palavra francesa a partir de seu uso latino. Assim, ele pensa a imanência segundo o verbo immanere, que significa ficar, permanecer. Mas o poeta considera também o adjetivo latino que se encontra ao lado: a palavra immanis, que significa o imenso, o demasiado vasto, o monstruoso, o prodigioso, o áspero e o selvagem, em suma, tudo o que Hugo empresta justamente às "forças obscuras", da physis como da psyché, da soberana tormenta natural como dos perpétuos tormentos da alma.

Houve, por outro lado, em Hugo – como em inúmeros poetas e grandes artistas – uma espécie de intuição filosófica que o levava com um só gesto ao problema justo: ele certamente não havia observado que o enunciado da imanência, em Spinoza, está ligado a um vocabulário da fluidez [effluere] e da dobra [complicare, explicare], mas não deixou de fazer um enorme tumulto de fluidos e de dobras. Como esclareceria mais tarde, em termos filosóficos, Gilles Deleuze em uma boa parte de seus trabalhos, desde os comentários sobre Spinoza e sobre Leibniz até o último texto por ele publicado, no qual a imanência é focalizada precisamente a partir de um certo conceito de vida e de multiplicidade, isto é, as duas noções que haviam retido Baudelaire em sua leitura de Hugo.*12 *12 (Cf. Spinoza, B. Éthique [1675]. Tradução B. Pautrat. Paris: Seuil, 1988 (ed. revista 1999). I, 17, " effluere" (p. 48) e I, 18, "definição da causa imanente" (p. 51); Deleuze, Gilles. Spinoza et le problème de l'expression. Paris: Minuit, 1968: 153-69 e "L'immanence: une vie...". Philosophie, n. 47. 1995: 3-7. Esse último texto foi comentado por Agamben. G. "L'immanence absolue". Em: Alliez. Éric (dir.) Deleuze: une vie philosophique. Paris: Le Plessis-Robinson, Institut Synthélabo pour le Progrès de la Connaissance, 1998: 165-88. Agradeço a Élie During a lembrança.)

Imanência, pois: o fluxo generalizado, a dobra de cada coisa em cada coisa, a vida em toda parte, a matéria porosa destinada às turbulências. E, com isso, um efeito crítico sobre a representação, um modo de dissolver os aspectos nos meios. Em termos estéticos, estamos evidentemente na esfera do sublime*13 *13 (Saint Girons, B. Fiat Lux. Une philosophie du sublime. Paris: Quai Voltaire, 1993: 53-110 e 154-221. Cf. também Burgard, C. & Saint Girons, B. Le Paysage et la question du sublime. Valen-ce / Paris: Musée de Valence-RMN, 1997. ) . Se as "marinhas" de Victor Hugo se mostram a esse ponto diferentes de uma construção realista à Courbet – penso, é claro, nas diversas versões de A onda*14 *14 (Cf. Flécheux, C. " La Vague est-elle un paysage?". Em: Le Paysage et la ques-tion du sublime. Op. cit.: 137-48.) –, é porque ele pensava em primeiro lugar não em definir o que via (aspectos), mas em afogar-se no que olhava (meios). Tentava, portanto, em seus desenhos, fundir a "psique" de Goya, com seus perpétuos tormentos, à física de Turner, com suas soberanas tormentas.*15 *15 (Sobre as "tormentas" de Turner e sua estética dos meios fluidos difundida desde 1820 pelas gravuras de W. B. Cook, cf. especialmente Gowing, L. Turner: peindre le rien (1963-1966). Tradução de G. Morel. Paris: Macula, 1994; Hamilton, J. Turner and the scientists. Londres: Tate Gallery Publishing, 1998: 58-91 e Parris, L. (dir.). Exploring late Turner. New York: Salander-O'Reilly Galleries, 1999. )

Mas a questão assume novo aspecto se aceitarmos reconstituir – com o próprio Hugo – a genealogia do sublime: pelo viés de um fervor particular pelas ruínas e, sobretudo, de uma constante involução no mundo mitológico da Antigüidade*16 *16 (Cf. Albouy, P. La Création mythologique chez Victor Hugo: 61-116 [especialmente 111-5 sobre as ninfas e Vênus e 180-208 sobre aspecto cósmico e dinâmico]; Py, A. Les Mythes grecs dans la poésie de Victor Hugo. Genève: Droz, 1963: 61-81 [metamorfoses] e 161-70 [ninfas] e Mortier, Roland. La Poétique des ruines en France. Ses ori-gines, ses variations de la Renaissance à Victor Hugo. Genève: Droz, 1974: 211-22.) , Hugo fez da imanência uma potência de metamorfose sobre qualquer coisa e qualquer vida. Leu Ovídio e compreendeu que a noção de metamorfose podia dar a regra poética e filosófica de todas as multiformidades, de todas as analogias, das quimeras como das formas exatas, das semelhanças imaginadas como das homologias objetivas... É nesse sentido que pôde especular tão livremente, em suas notas inéditas, sobre as ordens naturais. Por exemplo:

A vida e a vegetação, a vida e a mineralização se encontram e se combinam em certos seres que caracterizam os aspectos mais misteriosos da criação e algumas de suas harmonias visíveis. O crocodilo, o anfíbio dos rochedos e das águas, é pedra tanto quanto animal; o cervo, este habitante inquieto da floresta, carrega ramos de árvore sobre a cabeça.*17 *17 (Hugo, V. "La création – La nature" (1840-1845). Em: Océan: 44.)

E é então que ressurge Lucrécio: "colossal e lúgubre pensamento", capaz, como nenhum outro, de "descer" na profundeza das coisas. Esse pensamento é poético e filosófico ao mesmo tempo: sentido do ritmo e sentido do risco mesclados. "Píndaro plana, Lucrécio mergulha: Lucrécio é quem mais se arrisca"*18 *18 (Hugo, V. " Dieu, fragments" (1856-1858), I. Em: Chantiers: 412 e "Pro-montorium somnii"(1863). Em: Critique: 652. ) . Em 1864, Hugo quis contar sua descoberta precoce do De rerum natura:

Lembro-me quando, adolescente, um dia, em Romorantin, numa casinha que tínhamos, sob um parreiral verde traspassado de ar e de luz, percebi sobre uma tábua um livro, o único livro que havia na casa, Lucrécio, De rerum natura. Meus professores de retórica me haviam falado muito mal dele, o que o recomendava. Abri o livro. [...] Alguns instantes depois, não via mais nada, não ouvia mais nada, estava imerso no poeta; à hora do almoço, fiz sinal com a cabeça de que não estava com fome, e à noite, quando o sol se pôs e os rebanhos voltaram para o estábulo, eu ainda me encontrava no mesmo lugar, lendo o livro imenso.*19 *19 (Hugo, V. William Shakespeare (1864), I, III, 4. Critique: 301-2.)

E, nestas páginas famosas sobre aqueles que chama de "homens oceano", Hugo explicita esse imenso do poema de Lucrécio por meio de nada menos do que a imanência que sustenta todo o seu empreendimento:

Lucrécio é esta grande coisa obscura: Tudo. [...] Viu tantos homens que eles acabaram por se confundir em sua pupila e que essa multidão tornou-se para ele fantasma. Chegou a este excesso de simplificação do universo que é quase seu desvanecimento. Sondou até sentir flutuar a sonda. [...] Talvez nos juncos tenha falado com Oannès, o homem-peixe da Caldéia, que tinha duas cabeças, em cima uma cabeça de homem, embaixo uma cabeça de hidra, e que, bebendo o caos pela goela inferior, o vomitava de volta à terra pela boca superior, em terrível ciência. Lucrécio possui essa ciência. Isaías confina aos arcanjos, Lucrécio às larvas. Lucrécio torce o velho véu de Ísis embebido na água das trevas e com ele exprime, ora em torrentes, ora gota a gota, uma poesia sombria. O ilimitado está em Lucrécio. Em certos momentos passa um poderoso verso espondaico quase monstruoso e cheio de sombra [...]. Aqui e ali uma vasta imagem do acoplamento se esboça na floresta [...]; e a floresta é a natureza. Esses versos são impossíveis para Virgílio. Lucrécio dá as costas à humanidade e olha fixamente o Enigma.*20 *20 (Ibid., I, II, 2: 269-70.)

Num pequeno folheto conservado na Biblioteca Nacional da França, Hugo desenhou o perfil severo de um homem de barba; uma espécie de mancha, na frente de sua boca, parece fazer as vezes de sopro sombrio, como este caos "vomitado de volta à terra" pela goela do homem-peixe. Embaixo, à direita, está inscrito: "Demócrito ria/ Heráclito chorava/ Aristóteles observava". Depois, em letras grandes: "Lucrécio sonha"*21 *21 (Victor Hugo. Lucrèce songe, c. 1864-1869. Pena, pincel, tinta marrom e guache branco sobre papel, 19,7 x 12,3 cm. Paris, Biblioteca Nacional da França, Mss, NAF 13355, f. 14. Agradeço Marie-Laure Pré-vost por ter-me chamado a atenção para esse desenho.) . Como em vários outros desenhos, o rosto traçado a pena parace exalar esta visão – esta "ciência terrível" – que a aguada torna indistinta como um turbilhão no qual tudo é chamado a se afogar, a se dissolver.

Ora, Hugo reivindicava para si o "método do sonhador" proveniente dessa velha poesia filosófica. Pode-se reconhecer em toda parte as características lucrecianas da poesia de Hugo: dizer o Todo em um poema; sonhar a respeito dos átomos, das sementes, dos animálculos, dos monstros da criação; pôr um traço-de-união – estabelecer a morfologia comum ou a "analogia universal" – entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande; refletir sobre a queda dos elementos e as bifurcações do clinamen; pensar todas as coisas sob o ângulo do movimento e da atração sexual, mas também sob o da corrosão, da destruição, da pulverização; olhar o formigamento dos seres como uma constante germinação do meio, uma potência da imanência*22 *22 (Cf. Marquet, J.-F. "Victor Hugo et l'infiniment petit". Po&sie, n. 31, 1984: 59-77. ) .

É nessa perspectiva que o mundo hugoliano deve ser compreendido como uma "ondulação universal", um turbilhão de átomos dominados pela lei dos "atritos", por uma irradiação de todas as substâncias: "Todos os corpos irradiam sua substância [e] sua imagem", escreve Hugo em uma variante atenta – o uso transitivo do verbo o atesta*23 *23 (N. do T.: o uso do verbo francês rayonner é sempre intransitivo, diferentemente do português irradiar, que admite normalmente os usos transitivo e intransitivo.) – da teoria lucreciana dos simulacros. "De todo lago desprende-se um vapor, de todo pensamento um devaneio, de toda poesia uma música"*24 *24 (Hugo, V. "Philosophie prose" (1840, 1854 e 1860). Océan: 64, 69 e 109; "Science – Questions relatives à la forme sphérique" (1843). Océan: 130-1 e "Critique" (1840 ?). Océan: 148.) . Em suma, "tudo é grande na criação [e] o pequeno existe apenas na ordem moral": o mundo inteiro tem sua figura em um simples tronco de árvore cortado, "monstros" surgem de suas raízes. "Ei, pegue seu microscópio, imbecil, e trema. Tudo é o mesmo abismo com as mesmas ondas"*25 *25 (Hugo, V. "Unité" (1844-1846). Toute la lyre, II, 46: 236; "La création – La nature " (c. 1850). Océan: 44 e " Dieu, fragments" (1856), I. Chantiers: 506.) .

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Assim move a imanência. O mundo faz ondas: tal é seu próprio ritmo, sua respiração, sua vida. As tormentas chegam como espasmos, crises, sintomas nesse corpo imenso. "A criação [não] é outra coisa senão a onda da plenitude", afirma Hugo. Em outro texto, ele fala da "onda inumerável": o mundo bate, respira e se irradia. Eis por que não é possível espantar-se com o fato de que "o absoluto [seja] monótono [e] sempre incompreensível". Tudo nasce, tudo se desenvolve a partir desta grande respiração do meio – até mesmo a escrita, sobre a qual Hugo imagina que poderia se ter formado climaticamente: o Z no raio, as letras redondas nas nuvens, e assim por diante.*26 *26 (Hugo, V. "La création – La nature" (1859-1860 e c. 1870). Océan: 46 e 51-2; "Philosophie prose" (c. 1870). Océan: 71 e "Voyons, d'où vient le verbe ? " (non daté). Dernière Gerbe, XXIV: 828-9).

Compreende-se melhor por que o mar, em seus grandes movimentos de fluxo e de refluxo, de extensão e de profundidade, pôde constituir o próprio paradigma da imanência segundo Hugo. Compreende-se melhor, filosoficamente, por que tudo retorna poeticamente para o mar. Por que o tempo e o ser são um oceano vivo; por que a mulher é um mar e o mar um imenso impessoal feminino onde lutam, intricados um no outro como serpente sobre serpente, dobra sobre dobra, lado sobre lado, onda sobre onda, Eros (a erótica dos fluidos onde nascer e enrolar-se) e Thanatos (a ameaça dos fluidos onde perder-se e afogar-se).

Como, porém, reconhecer, como nomear ou desenhar, como conhecer isso? Hugo observa primeiramente que, morfologicamente, o mar livra toda uma dinâmica de dobras em movimento – "a dobra misteriosa e negra do turbilhão" diz ele no meio de seus fragmentos sobre Deus, ali onde também está presente a questão do mar e da imanência segundo Spinoza*27 *27 (Hugo, V. " Dieu, fragments" (1856), I. Chantiers: 514-9.) –, e que, nesse sentido, ele também aparece como um tecido vivo que seria superfície incessantemente dobrada, desdobrada, redobrada: isto é, um drapeado, uma superfície de aspectos múltiplos que encobre profundidades múltiplas. "O mar é patente e secreto; ele se esquiva, não se preocupa em divulgar suas ações. Faz um naufrágio e o recobre; a engolição é seu pudor"*28 *28 (Hugo V. Les Travailleurs de la mer, II, I, 1: 194.) . A imanência é exatamente como um fluido, mar ou atmosfera: nela tudo ondeia, tudo se move, tudo se interpenetra e se permuta, tudo mana e desmorona, tudo sempre ressurge...

Toda a natureza é uma permuta. [...]

Os fenômenos se entrecruzam. Ver apenas um fenômeno é não ver nada. A riqueza dos flagelos é inesgotável. Eles têm a mesma lei de crescimento que todas as outras riquezas, a circulação. Um entra no outro. A penetração do fenômeno no fenômeno engendra o prodígio.

O prodígio é o fenômeno em estado de obra-prima. A obra-prima é por vezes uma catástrofe. Mas na engrenagem da criação, prodigiosa decomposição imediatamente recomposta, nada é sem objetivo. [...]

É uma quantidade que se decompõe e se recompõe. Essa quantidade é dilatável; o infinito resiste. [...]

Sobre esse devaneio, paira o furacão.

A tempestade desperta da abstração. [...] Há movimentos de força até mesmo no ponto geométrico. Medida alguma, sonho algum pode dar idéia desta propagação de vitalidade por vizinhanças crescentes ou decrescentes, germinação vertiginosa do indefinido no infinito. [...]

É impossível figurar o que é essa aderência, o que é essa imanência. [...] Aqui, [ela] trabalha por antítese, ali por identidade. Nada mais sublime. [...] Aqui exuberância de harmonia, ali excesso de caos. [...] As ondulações da vitalidade são tão ilimitadas e tão indefinidas quanto os reflexos da água. Elas se esmaltam, se enlaçam, se desenlaçam, se reenlaçam. As zonas da realidade universal se torcem, acima e abaixo de nosso horizonte, em espiral sem fim. [...] Tudo resiste. Tudo adere.*29 *29 (Hugo, V. "La mer et le vent" (1865). Critique: 680-90. Cf. igualmente L'Homme qui rit, I, II, 1: 399-401 ("Les lois qui sont hors de l'homme").

Não pode, pois, espantar, a partir daí, que o mar tenha sido, para Hugo, muito mais do que uma oportunidade de multiplicar as metáforas poéticas*30 *30 (Cf. notadamente Hugo, V. "Le feu du ciel" (1828). Les Orientales, I: 418; "Oceano Nox" (1836). Les Rayons et les ombres, XLII: 1.034-35 e "Gros temps la nuit" (1854). Toute la lyre, II, 20: 213-5.) e até mesmo de criar um personagem de romance autônomo, ainda que paradoxal em sua impessoalidade. Se o grande texto de 1860 intitulado Filosofia – Começo de um livro se abre com uma descrição do mar, é justamente porque a imanência – "massa sempre movida", "toda esta profundeza move" – põe um problema fundamental para o conhecimento, que é preciso abordar em termos morfológicos, privilegiando, a título de "obras-primas", as catástrofes em meios fluidos. Em Os trabalhadores do mar, Hugo dedicará um capítulo inteiro às "perfeições do desastre". Decerto que "a lógica do desastre nos escapa", sobretudo quando estamos a ela submetidos. Mas ela é criadora de formas por meio das forças antagônicas que desencadeia: então, "o extremo toca o extremo e o contrário anuncia o contrário"*31 *31 (Hugo, V. Les Travailleurs de la mer, II, I, 2: 196-8 e II, III, 1: 253-4.) .

A forma elementar – o que não quer dizer que seja simples – deste movimento da imanência é a onda. Não é mais um acaso que Hugo a tenha desenhado em 1867, suntuosamente e em toda a sua potência, para fazer dela o emblema de seu próprio destino, este remoinho do tempo físico (Fig. 1 e 2). É uma onda imensa: apenas um meandro ocupa todo o campo da imagem. A pena traçou e retraçou tantas vezes quanto necessário o grande movimento imperioso. O meandro – quase uma boca – é tão aberto que cria, na noite ambiente, um apelo de luminosidade. Ao que, ali onde ele se fecha, a aguada afoga tudo na indistinção do meio. Uma massa de guache branco se agarra à crista e flutua sobre ela: é a espuma arrancada ao próprio movimento. No meio de tudo isso, o navio – o tema submetido ao tempo, segundo a alegoria indicada com todas as letras por Hugo – está literalmente curvado pela força soberana. "Não há visão como as ondas", escreve magistralmente Hugo em [O Homem que ri]:

Nada é tão lógico e nada parece tão absurdo quanto o oceano. Esta dispersão de si mesmo é inerente a sua soberania e é um dos elementos de sua amplidão. A torrente é incessantemente a favor ou contra. Ela só se enlaça para se desenlaçar. Uma de suas vertentes ataca, uma outra entrega. Não há visão como as ondas. Como pintar estes vazios e estes relevos que se alternam, quase irreais, estes vales, estas camas, estes desvanecimentos de peitorais, estes esboços? Como exprimir estes matagais da espuma, mesclados de montanha e de sonho? O indescritível está ali, em toda parte, no rasgo, no franzir, na inquietude, no desmentido pessoal, no claro-escuro, nos pingentes da nuvem, nas pedras angulares sempre desfeitas, na desagregação sem lacuna e sem ruptura, e no estrondo fúnebre que toda essa demência faz.*32 *32 (Hugo, V. L'Homme qui rit, I, II, 6: 416).



O que parece "absurdo" na onda e que, no entanto, depende de alguma "lógica" soberana pode ser apreendido sob o ângulo de uma composição de forças antagônicas: "O eterno tumulto exala destas regularidades estranhas. Uma geometria sai da onda", observa Hugo em Os trabalhadores do mar*33 *33 (Hugo. V. Les Travailleurs de la mer, II, I, 4: 200.) . Ora, essa geometria é uma dialética: não há onda no mar ("abismo de baixo") sem os sopros do ar ("abismo de cima"); não há direção afirmada sem direção enviesada "pelo través", ou mesmo brutalmente contrariada por um movimento inverso; não há rebentação sem obstáculo (daí a extrema atenção aos escolhos); não há remoinho na superfície que não seja afetado pela resultante complexa de outros remoinhos nas profundezas: "A onda é um problema exterior, continuamente complicado pela configuração submarina"*34 *34 (Ibid., I, I, 6: 64 e II, III, 3, p: 257.) .

A onda é incessantemente extraonda, extravagante. Ela é "errante e flexível", maneira de nomear sua fluidez absoluta. É um caos para tremer, mas será uma "ordem" para pensar. Quando ela é "enorme", Hugo a faz rimar com a palavra "informe". A onda – que é preciso compreender em sua duração própria, em seu movimento de amplidão quase escultural e depois de desvanecimento no meio oceano – estaria, pois, entre o informe e a forma. Hugo afirma, como nos lembramos: "O indescritível está ali [...], [é] impossível figurá-lo. [...] Assim como a imanência da criação, o trabalho nesta imanência não é imaginável"*35 *35 (Hugo, V. L'Homme qui rit, I, II, 6: 416 e "La mer et le vent" (1865). Critique: 685.) .

O que faz o artista diante do indescritível? Faz mais do que descrever. O que faz ele diante do inimaginável? Imagina mesmo assim, e até um pouco mais. Encontra todos os vieses para se reencontrar no olho "do" ciclone, isto é, no centro do problema. A onda é inapreensível? Pouco importa, o poeta verdadeiro será onda e fará ondas. Os grandes – isto é, os homens oceano – sempre "extravagam", diz Hugo: "Vagante extra"*36 *36 (Hugo, V. "Critique" (1840-1842). Océan: 152.) . Palavra por palavra, eles caminham, ao risco da errância, e se espraiam no aberto que é sempre um excesso:

Estas ondas, este fluxo e este refluxo, este vaivém terrível, este rumor de todos os sopros, estas negridões e estas transparências, [...] estas fúrias, estes frenesis, estas tormentas, estas rochas, estes naufrágios, estas frotas que se chocam, estas tempestades humanas misturadas às tempestades divinas, [...] este todo em um, este inesperado no imutável, este vasto prodígio da monotonia inesgotavelmente variada, [...] este infinito, este insondável, tudo isso pode estar em, [...] e é a mesma coisa olhar essas almas ou olhar o Oceano.*37 *37 (Hugo, V. William Shakespeare (1864), I, I, 2. Critique: 247-8).

Ser vago, fazer ondas: outro modo de dizer a poética da imanência que caracteriza toda essa obra. Quando Hugo diz "eu trabalho", explica que põe "papel sobre [sua] mesa, uma pena", e que com tinta "sonha" – "Faço o que posso para me tirar da mentira" – a fim de que surja "o abismo obscuro das palavras flutuantes"*38 *38 (Hugo, V. "Je travaille" (1874). Toute la lyre, V, 15: 351.) . Como se trabalhar equivalesse, estritamente, a fazer elevar em si (por meio do pensamento flutuante, da tinta marinha, na pena aérea e até mesmo sobre o próprio papel) o trabalho do mar. E, quando apreende o futuro de sua tarefa, o poeta escreve: "O trabalho que me resta a fazer aparece em minha mente como um mar, [um] acúmulo de obras flutuantes em que meu pensamento se embrenha", acúmulo que termina por tomar Oceano como título genérico*39 *39 (Hugo, V. "Manuscrit 24 787" (1846). Océan vers:: 917.) . Mais ainda, a atividade artística – atividade rítmica por excelência, sismográfica ou "barométrica" – será experimentada por Hugo qual um mar, tomado propriamente como movimento de imanência:

A arte, como arte e tomada por si mesma, não vai nem adiante nem para trás. As transformações da poesia não são senão as ondulações do belo, úteis ao movimento humano. [...]

Esse movimento é o próprio trabalho do infinito atravessando o cérebro humano.

Só há fenômenos vistos do ponto culminante; e, vista do ponto culminante, a poesia é imanente. Não há alta ou baixa na arte [...]; a água só desce numa margem para subir na outra. Tomais oscilações por diminuições. Dizer não haverá mais poetas é dizer: não haverá mais refluxo.

A poesia é elemento. Ela é irredutível, incorruptível e refratária. Como o mar, ela diz a cada vez tudo o que tem a dizer; depois recomeça com uma majestade tranqüila, e com esta variedade inesgotável que pertence apenas à unidade. Essa diversidade no que parece monótono é o prodígio da imensidão.

Torrente sobre torrente, onda após onda, espuma atrás de espuma, movimento depois de movimento.*40 *40 (Hugo, V. William Shakespeare (1864), I, III, 3 e 5. Critique: 295 e 302).

"Movimento depois de movimento", ou bem onda sobre onda: tal é a "monotonia inesgotavelmente variada" do ritmo poético hugoliano em geral. Todos os grandes leitores do poeta o notaram: André du Bouchet, Gaétan Picon, Michel Butor, Henri Meschonnic...*41 *41 (Bouchet, A. du. "L'infini et l'inachevé" (1951). L'Œil égaré dans les plis de l'obéissance au vent. Paris: Seghers, 2001: 71-4 e 88; Picon, G. "Le soleil d'encre" (1963). Victor Hugo, dessins. Paris: Gallimard, 1985: 11; Butor, M. Répertoire II. Paris: Minuit, 1964: 224-9 e Répertoire III. Paris: Minuit, 1968: 218; Meschonnic, H. Pour la poétique, IV. Écrire Hugo. Paris: Gallimard, 1977, I: 181, 187, 206 e II: 14-19, 31, 127-7. Cf. igualmente Aguettant, L. Victor Hugo, poète de la nature (1898-1914). Paris: L'Harmattan, 2000: 217-26 e 301-2; Huguet, E. Le Sens de la forme dans les métaphores de Victor Hugo. Paris: Hachette, 1904: 269-97; É mery, L. Vision et pensée chez Victor Hugo. Lyon: Audin, 1939: 42 ("o poeta dos fluidos"); Gaudon, J. Le Temps de la contemplation. Paris: Flammarion, 1969: 381 ("mimar o real em seu próprio movimento" ) e Glauser, A. La Poétique de Hugo. Paris: Nizet, 1978: 243-79).

Mas e o desenhista? O que ele faz diante da indescritível onda? Faz primeiro como o poeta que é: trabalha. Põe papel sobre sua mesa, uma pena e tinta (e outros ingredientes para toda uma cozinha, se necessário). Ele não descreverá essa onda que não consegue imaginar exatamente. Mas a fará nascer, o que é bem melhor. Ele a fará jorrar, quase às cegas, abandonando-se ao material e no próprio meio que é o seu: uma mesa como crosta terrestre, uma folha como superfície de flutuação, tinta extravagante como "dobra misteriosa e negra do turbilhão", o sopro do próprio artista como vento largo. Isso significa representar uma onda ou uma tempestade? Não exatamente, não simplesmente, uma vez que se tratou de produzi-la, isto é, de provocar seu real surgimento, de apresentá-la em ato... mas em miniatura, naturalmente. Tempestade real – fluida, acidentada, fazendo estragos – sobre uma mesa de trabalho.

Hugo certamente herdou uma "arte da mancha", que, no século XVIII, adquirira a dignidade de um "método para auxiliar a invenção" do desenhista de paisagens, segundo a expressão de Alexander Cozens*42 *42 (Cf. Sloan, K. Alexander and John Robert Cozens. The Poetry of Landscape. New Haven / Londres: Yale University Press, 1986 e Lebensztejn, J.-C. L'Art de la tache. Introduction à la Nouvelle méthode d'Alexander Cozens. Paris: Limon, 1990. ) . Mas a mancha não foi simplesmente um "auxílio" para Hugo, ou o momento inicial de uma composição destinada a acabar-se como pintura de cavalete. Ela foi o início e o fim, o próprio movimento de uma imanência figural, porque constituía, para Hugo, a forma elementar de qualquer coisa fluida posta em movimento: movimento de uma imanência estrutural, ousaríamos quase dizer fractal*43 *43 (Cf. Mandelbrot, B. Les Objets fractals. Forme, ha-sard et dimension (1975). 2 e éd. Paris: Flammarion, 1984: 124-33 ("La géométrie de la turbulence". ) , uma vez que o salpico de tinta na superfície de uma aguada responde mais ou menos às mesmas leis morfológicas que um salpico de espuma na superfície das águas.

Ora, é a isso, exatamente, que Baudelaire visava com sua noção de "analogia universal". Quando escreveu, já em 1859, que "uma magnífica imaginação flui nos desenhos de Victor Hugo como o mistério no céu", ele não buscava justamente nomear esta lei morfogenética tão obscura em sua força motriz quanto evidente aos olhos de um poeta, que se tratasse de Goethe na Alemanha ou de Hugo na França*44 *44 (Baudelaire, C. "Salon de 1859". Em: Œuvres complètes, II. Op. cit.: 668. Passagem a que Hugo respondeu por meio de uma carta, em 29 de abril de 1860 (: 1.409): "[...] estou feliz e muito orgulhoso do que o senhor quer achar das coisas que chamo de meus desenhos a pena".) ? As imagens fluem em Hugo, mas também desabam, pois nesses estados a forma está no "ponto culminante" de sua força, de sua "vida misteriosa": momentos em que ela nasce, infla e se forma, momentos em que ela morre, explode e se dissolve.

A originalidade dos procedimentos gráficos de Victor Hugo – a utilização de barbas de pena, de resíduo de café, das esfregas, toda essa cozinha que, ao que parece, chegava a ponto de mergulhar inteiramente os desenhos em meios líquidos, segundo uma técnica dita das "telas solúveis"*45 *45 Segundo tese inédita de V. Tebar. –, esta heurística das turbulências, tinha por desafio a onda como processo, tanto e mais ainda do que a onda como aspecto. Diante uma aguada "oceano" da época de Guernesey, Pierre Georgel bem observou "a analogia entre o tema e a técnica": "O desenho tornou-se um lugar líquido, indefinido, onde o devaneio pode suscitar e aniquilar contornos de formas", do mesmo modo que, diante do próprio oceano, Hugo notara como "os aspectos se desagregam para se recompor" incessantemente.*46 *46 (Georgel, P. Dessins de Victor Hugo. Villequier / Paris: Musée Victor Hugo-Maison de Victor Hugo, 1971: 140 e Les Dessins de Victor Hugo pour Les Travailleurs de la mer de la Bi-bliothèque nationale. Paris: Herscher, 1985: 33. Cf. Hugo, V. L'Archipel de la Man-che (1865), VI: 8. A propósito da idéia de uma "liquefação" dos aspectos nos desenhos de Hugo, cf. Sicard, M. "L'onde et l'ombre ou l'idéologie dans les dessins de Victor Hugo". Em: Amiot, A.-M. (dir.). Idéologies hugoliennes. Nice: Faculté des Lettres / Serre, 1985: 133-41.)

É um fato que os desenhos "oceano" apresentam com freqüência, numa primeira abordagem, uma grande desordem de composição e uma verdadeira confusão dos aspectos. Mas a confusão se revela sempre, se os olhamos duas vezes, como uma sutil – ainda que violenta – participação dos aspectos no meio que os destrói. Uma espécie de "cólera gráfica" surge aqui (Fig. 3): ora, a raiva é a dos próprios elementos, e a pena utilizada às avessas – com as barbas umedecidas na tinta – cria um eriçamento de toda a figura, uma turbulência aguda na qual o aspecto do navio tende a desaparecer oticamente. E ele só não afunda, como aspecto, porque naufraga figuralmente no meio de tinta agitado pela mão veemente do desenhista. Em um desenho dos anos 1860 intitulado O destroço, as paisagens enérgicas do pincel afogam todo o trabalho a pena em uma tormenta generalizada na qual os movimentos do ar – quando o pincel se ergue um instante do suporte – são tão sugeridos quanto os movimentos da água (Fig. 4).



Esta técnica – ondular o pincel verticalmente, por cima da folha, tanto quanto horizontalmente, através de seu plano de inscrição – é levado ao limite em um desenho da época de Os trabalhadores do mar, intitulado Barco a vela inflada (Fig. 5). A ressaca transversal do pincel produz um movimento fluido que parece contradizer a orientação da vela desenhada a pena. A ondulação vertical, por sua vez, deixa largas reservas que impôem a impressão de um drapeado visto de muito perto. Há, portanto, nesse mesmo desenho, três movimentos sinusoidais diferentemente orientados que vêm chocar-se e misturar-se: a própria definição, morfologicamente falando, de uma superfície oceano cheia de turbulências.


Este é o sentido radical de uma estética da imanência: ela se deseja gesto e não representação, Darstellung e não Vorstellung, processo e não aspecto, contato e não distância. Ela é teatro: ela tenta encenar, reencenar em sua minúscula escala – uma mesa, uma folha de papel, tinta e uma pena – o grande jogo do "mistério da vida".

Tradução: Marcelo Jacques de Moraes

Recebido em 28/02/2003

Aprovado em 07/03/2003

  • *1 (Baudelaire, C. "Victor Hugo" (1861). Em: C. Pichois (ed.). uvres com-plètes, II Paris: Gallimard, 1976: 131.
  • *2 (Gautier, T. "Dessins de Victor Hugo" (1862). Em: F. Court-Pérez (ed.). Victor Hugo. Paris: Honoré Champion, 2000: 209, grifo meu.
  • *3 (Nietzsche, F. apud Maurel, J. Victor Hugo philosophe. Paris, PUF, 1985: 11.
  • *6 (Baudelaire, C. "Notes nouvelles sur Edgar Poe" (1857). Em: uvres com-plètes, II. Op. cit.: 329.
  • *7 (Baudelaire, C. "Lettre à Alphonse Toussenel du 21 janvier 1856". Em: Crépet, J. (ed.) uvres complètes. Correspondance générale, I. 1833-1856. Paris: Conard, 1947: 368.
  • *8 (Cf. Albouy, P. "Raison et science chez Victor Hugo" [1952]. Em: Mythographies: 98-120. Sobre a importância da "ciência recreativa" no século XIX, cf. Romantisme, n. 65, 1989 ["Science pour tous"]).
  • *10 (Renouvier, C. Victor Hugo le philosophe (1900). Paris: Maisonneuve & Larose, 2002: 226.
  • *11 (Sobre a poética hugoliana do "Todo solidário", cf. especialmente Robert, G. "Chaos vaincu". Em: Quelques remarques sur l'oeuvre de Victor Hugo. Paris: Les Belles Lettres, 1976,
  • *12 (Cf. Spinoza, B. Éthique [1675]. Tradução B. Pautrat. Paris: Seuil, 1988 (ed. revista 1999).
  • I, 17, "effluere" (p. 48) e I, 18, "definição da causa imanente" (p. 51); Deleuze, Gilles. Spinoza et le problème de l'expression Paris: Minuit, 1968: 153-69
  • *13 (Saint Girons, B. Fiat Lux. Une philosophie du sublime. Paris: Quai Voltaire, 1993: 53-110 e 154-221.
  • Cf. também Burgard, C. & Saint Girons, B. Le Paysage et la question du sublime Valen-ce / Paris: Musée de Valence-RMN, 1997.
  • *15 (Sobre as "tormentas" de Turner e sua estética dos meios fluidos difundida desde 1820 pelas gravuras de W. B. Cook, cf. especialmente Gowing, L. Turner: peindre le rien (1963-1966). Tradução de G. Morel. Paris: Macula, 1994;
  • Hamilton, J. Turner and the scientists Londres: Tate Gallery Publishing, 1998: 58-91
  • e Parris, L. (dir.). Exploring late Turner New York: Salander-O'Reilly Galleries, 1999.
  • *18 (Hugo, V. "Dieu, fragments" (1856-1858), I. Em: Chantiers: 412 e "Pro-montorium somnii"(1863). Em: Critique: 652.
  • *22 (Cf. Marquet, J.-F. "Victor Hugo et l'infiniment petit". Po&sie, n. 31, 1984: 59-77.
  • *41 (Bouchet, A. du. "L'infini et l'inachevé" (1951). L'il égaré dans les plis de l'obéissance au vent. Paris: Seghers, 2001: 71-4 e 88; Picon, G. "Le soleil d'encre" (1963). Victor Hugo, dessins. Paris: Gallimard, 1985: 11; Butor, M. Répertoire II. Paris: Minuit, 1964: 224-9 e Répertoire III. Paris: Minuit, 1968: 218; Meschonnic, H. Pour la poétique, IV. Écrire Hugo. Paris: Gallimard, 1977, I: 181,
  • 187, 206 e II: 14-19, 31, 127-7. Cf. igualmente Aguettant, L. Victor Hugo, poète de la nature (1898-1914) Paris: L'Harmattan, 2000: 217-26 e 301-2;
  • Huguet, E. Le Sens de la forme dans les métaphores de Victor Hugo. Paris: Hachette, 1904: 269-97; É
  • mery, L. Vision et pensée chez Victor Hugo. Lyon: Audin, 1939: 42 ("o poeta dos fluidos");
  • Gaudon, J. Le Temps de la contemplation. Paris: Flammarion, 1969: 381 ("mimar o real em seu próprio movimento"
  • ) e Glauser, A. La Poétique de Hugo. Paris: Nizet, 1978: 243-79).
  • *42 (Cf. Sloan, K. Alexander and John Robert Cozens. The Poetry of Landscape. New Haven / Londres: Yale University Press, 1986
  • e Lebensztejn, J.-C. L'Art de la tache. Introduction à la Nouvelle méthode d'Alexander Cozens. Paris: Limon, 1990.
  • *43 (Cf. Mandelbrot, B. Les Objets fractals. Forme, ha-sard et dimension (1975). 2e éd. Paris: Flammarion, 1984: 124-33 ("La géométrie de la turbulence".
  • *46 (Georgel, P. Dessins de Victor Hugo. Villequier / Paris: Musée Victor Hugo-Maison de Victor Hugo, 1971: 140
  • e Les Dessins de Victor Hugo pour Les Travailleurs de la mer de la Bi-bliothèque nationale Paris: Herscher, 1985: 33.
  • Cf. Hugo, V. L'Archipel de la Man-che (1865), VI: 8. A propósito da idéia de uma "liquefação" dos aspectos nos desenhos de Hugo, cf. Sicard, M. "L'onde et l'ombre ou l'idéologie dans les dessins de Victor Hugo".
  • Em: Amiot, A.-M. (dir.). Idéologies hugoliennes Nice: Faculté des Lettres / Serre, 1985: 133-41.)
  • *1
    (Baudelaire, C. "Victor Hugo" (1861). Em: C. Pichois (ed.).
    Œuvres com-plètes, II. Paris: Gallimard, 1976: 131. )
  • *2
    (Gautier, T. "Dessins de Victor Hugo" (1862). Em: F. Court-Pérez (ed.).
    Victor Hugo. Paris: Honoré Champion, 2000: 209, grifo meu. )
  • *3
    (Nietzsche, F.
    apud Maurel, J.
    Victor Hugo philosophe. Paris, PUF, 1985: 11. )
  • *4
    (Baudelaire, C. "Victor Hugo". Op. cit.: 134-8.)
  • *5
    (Ibid
    .: 133.)
  • *6
    (Baudelaire, C. "Notes nouvelles sur Edgar Poe" (1857). Em:
    Œuvres com-plètes, II. Op. cit.: 329. )
  • *7
    (Baudelaire, C. "Lettre à Alphonse Toussenel du 21 janvier 1856". Em: Crépet, J. (ed.)
    Œuvres complètes. Correspondance générale, I. 1833-1856. Paris: Conard, 1947: 368. )
  • *8
    (Cf. Albouy, P. "Raison et science chez Victor Hugo" [1952]. Em:
    Mythographies: 98-120. Sobre a importância da "ciência recreativa" no século XIX, cf.
    Romantisme, n. 65, 1989 ["Science pour tous"]).
  • *9
    (Cf. Gohin, Y. "Sur l'emploi des mots
    immanent et
    immanence chez Victor Hugo": 3-24. Sobre a re-cepção de Spinoza na França, cf. Vernière, Paul.
    Spinoza et la pensée française avant la Révolution. Paris: PUF, 1954.)
  • *10
    (Renouvier, C.
    Victor Hugo le philosophe (1900). Paris: Maisonneuve & Larose, 2002: 226. )
  • *11
    (Sobre a poética hugoliana do "Todo solidário", cf. especialmente Robert, G. "Chaos vaincu". Em:
    Quelques remarques sur l'oeuvre de Victor Hugo. Paris: Les Belles Lettres, 1976, I: 237-48; Glauser, A.
    La poétique de Hugo: 71-104 ("Tout cherche tout") e Gohin, Y. "Une écriture de l'immanence". Em:
    Hugo le fabuleux: 19-36.)
  • *12
    (Cf. Spinoza, B.
    Éthique [1675]. Tradução B. Pautrat. Paris: Seuil, 1988 (ed. revista 1999). I, 17, "
    effluere" (p. 48) e I, 18, "definição da causa imanente" (p. 51); Deleuze, Gilles.
    Spinoza et le problème de l'expression. Paris: Minuit, 1968: 153-69 e "L'immanence: une vie...".
    Philosophie, n. 47. 1995: 3-7. Esse último texto foi comentado por Agamben. G. "L'immanence absolue". Em: Alliez. Éric (dir.)
    Deleuze: une vie philosophique. Paris: Le Plessis-Robinson, Institut Synthélabo pour le Progrès de la Connaissance, 1998: 165-88. Agradeço a Élie During a lembrança.)
  • *13
    (Saint Girons, B.
    Fiat Lux. Une philosophie du sublime. Paris: Quai Voltaire, 1993: 53-110 e 154-221. Cf. também Burgard, C. & Saint Girons, B.
    Le Paysage et la question du sublime. Valen-ce / Paris: Musée de Valence-RMN, 1997. )
  • *14
    (Cf. Flécheux, C. "
    La Vague est-elle un paysage?". Em:
    Le Paysage et la ques-tion du sublime. Op. cit.: 137-48.)
  • *15
    (Sobre as "tormentas" de Turner e sua estética dos meios fluidos difundida desde 1820 pelas gravuras de W. B. Cook, cf. especialmente Gowing, L.
    Turner: peindre le rien (1963-1966). Tradução de G. Morel. Paris: Macula, 1994; Hamilton, J.
    Turner and the scientists. Londres: Tate Gallery Publishing, 1998: 58-91 e Parris, L. (dir.).
    Exploring late Turner. New York: Salander-O'Reilly Galleries, 1999. )
  • *16
    (Cf. Albouy, P.
    La Création mythologique chez Victor Hugo: 61-116 [especialmente 111-5 sobre as ninfas e Vênus e 180-208 sobre aspecto cósmico e dinâmico]; Py, A.
    Les Mythes grecs dans la poésie de Victor Hugo. Genève: Droz, 1963: 61-81 [metamorfoses] e 161-70 [ninfas] e Mortier, Roland.
    La Poétique des ruines en France. Ses ori-gines, ses variations de la Renaissance à Victor Hugo. Genève: Droz, 1974: 211-22.)
  • *17
    (Hugo, V. "La création – La nature" (1840-1845). Em:
    Océan: 44.)
  • *18
    (Hugo, V. "
    Dieu, fragments" (1856-1858), I. Em:
    Chantiers: 412 e "Pro-montorium somnii"(1863). Em:
    Critique: 652. )
  • *19
    (Hugo, V.
    William Shakespeare (1864), I, III, 4.
    Critique: 301-2.)
  • *20
    (Ibid., I, II, 2: 269-70.)
  • *21
    (Victor Hugo.
    Lucrèce songe, c. 1864-1869. Pena, pincel, tinta marrom e guache branco sobre papel, 19,7 x 12,3 cm. Paris, Biblioteca Nacional da França, Mss, NAF 13355, f. 14. Agradeço Marie-Laure Pré-vost por ter-me chamado a atenção para esse desenho.)
  • *22
    (Cf. Marquet, J.-F. "Victor Hugo et l'infiniment petit".
    Po&sie, n. 31, 1984: 59-77. )
  • *23
    (N. do T.: o uso do verbo francês
    rayonner é sempre intransitivo, diferentemente do português
    irradiar, que admite normalmente os usos transitivo e intransitivo.)
  • *24
    (Hugo, V. "Philosophie prose" (1840, 1854 e 1860).
    Océan: 64, 69 e 109; "Science – Questions relatives à la forme sphérique" (1843).
    Océan: 130-1 e "Critique" (1840 ?).
    Océan: 148.)
  • *25
    (Hugo, V. "Unité" (1844-1846).
    Toute la lyre, II, 46: 236; "La création – La nature " (c. 1850).
    Océan: 44 e "
    Dieu, fragments" (1856), I.
    Chantiers: 506.)
  • *26
    (Hugo, V. "La création – La nature" (1859-1860 e c. 1870).
    Océan: 46 e 51-2; "Philosophie prose" (c. 1870).
    Océan: 71 e "Voyons, d'où vient le verbe ? " (non daté).
    Dernière Gerbe, XXIV: 828-9).
  • *27
    (Hugo, V. "
    Dieu, fragments" (1856), I.
    Chantiers: 514-9.)
  • *28
    (Hugo V.
    Les Travailleurs de la mer, II, I, 1: 194.)
  • *29
    (Hugo, V. "La mer et le vent" (1865).
    Critique: 680-90. Cf. igualmente
    L'Homme qui rit, I, II, 1: 399-401 ("Les lois qui sont hors de l'homme").
  • *30
    (Cf. notadamente Hugo, V. "Le feu du ciel" (1828).
    Les Orientales, I: 418; "Oceano Nox" (1836).
    Les Rayons et les ombres, XLII: 1.034-35 e "Gros temps la nuit" (1854).
    Toute la lyre, II, 20: 213-5.)
  • *31
    (Hugo, V.
    Les Travailleurs de la mer, II, I, 2: 196-8 e II, III, 1: 253-4.)
  • *32
    (Hugo, V.
    L'Homme qui rit, I, II, 6: 416).
  • *33
    (Hugo. V.
    Les Travailleurs de la mer, II, I, 4: 200.)
  • *34
    (Ibid., I, I, 6: 64 e II, III, 3, p: 257.)
  • *35
    (Hugo, V.
    L'Homme qui rit, I, II, 6: 416 e "La mer et le vent" (1865).
    Critique: 685.)
  • *36
    (Hugo, V. "Critique" (1840-1842).
    Océan: 152.)
  • *37
    (Hugo, V.
    William Shakespeare (1864), I, I, 2.
    Critique: 247-8).
  • *38
    (Hugo, V. "Je travaille" (1874).
    Toute la lyre, V, 15: 351.)
  • *39
    (Hugo, V. "Manuscrit 24 787" (1846).
    Océan vers:: 917.)
  • *40
    (Hugo, V.
    William Shakespeare (1864), I, III, 3 e 5.
    Critique: 295 e 302).
  • *41
    (Bouchet, A. du. "L'infini et l'inachevé" (1951).
    L'Œil égaré dans les plis de l'obéissance au vent. Paris: Seghers, 2001: 71-4 e 88; Picon, G. "Le soleil d'encre" (1963).
    Victor Hugo, dessins. Paris: Gallimard, 1985: 11; Butor, M.
    Répertoire II. Paris: Minuit, 1964: 224-9 e
    Répertoire III. Paris: Minuit, 1968: 218; Meschonnic, H.
    Pour la poétique, IV. Écrire Hugo. Paris: Gallimard, 1977, I: 181, 187, 206 e II: 14-19, 31, 127-7. Cf. igualmente Aguettant, L.
    Victor Hugo, poète de la nature (1898-1914). Paris: L'Harmattan, 2000: 217-26 e 301-2; Huguet, E.
    Le Sens de la forme dans les métaphores de Victor Hugo. Paris: Hachette, 1904: 269-97; É mery, L.
    Vision et pensée chez Victor Hugo. Lyon: Audin, 1939: 42 ("o poeta dos fluidos"); Gaudon, J.
    Le Temps de la contemplation. Paris: Flammarion, 1969: 381 ("mimar o real em seu próprio movimento" ) e Glauser, A.
    La Poétique de Hugo. Paris: Nizet, 1978: 243-79).
  • *42
    (Cf. Sloan, K.
    Alexander and John Robert Cozens. The Poetry of Landscape. New Haven / Londres: Yale University Press, 1986 e Lebensztejn, J.-C.
    L'Art de la tache. Introduction à la Nouvelle méthode
    d'Alexander Cozens. Paris: Limon, 1990. )
  • *43
    (Cf. Mandelbrot, B.
    Les Objets fractals. Forme, ha-sard et dimension (1975). 2
    e éd. Paris: Flammarion, 1984: 124-33 ("La géométrie de la turbulence". )
  • *44
    (Baudelaire, C. "Salon de 1859". Em:
    Œuvres complètes, II. Op. cit.: 668. Passagem a que Hugo respondeu por meio de uma carta, em 29 de abril de 1860 (: 1.409): "[...] estou feliz e muito orgulhoso do que o senhor quer achar das coisas que chamo de meus desenhos a pena".)
  • *45
    Segundo tese inédita de V. Tebar.
  • *46
    (Georgel, P.
    Dessins de Victor Hugo. Villequier / Paris: Musée Victor Hugo-Maison de Victor Hugo, 1971: 140 e
    Les Dessins de Victor Hugo pour Les Travailleurs de la mer
    de la Bi-bliothèque nationale. Paris: Herscher, 1985: 33. Cf. Hugo, V.
    L'Archipel de la Man-che (1865), VI: 8. A propósito da idéia de uma "liquefação" dos aspectos nos desenhos de Hugo, cf. Sicard, M. "L'onde et l'ombre ou l'idéologie dans les dessins de Victor Hugo". Em: Amiot, A.-M. (dir.).
    Idéologies hugoliennes. Nice: Faculté des Lettres / Serre, 1985: 133-41.)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jul 2003

    Histórico

    • Recebido
      28 Fev 2003
    • Aceito
      07 Mar 2003
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