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Práticas translíngues e contrapedagogias do literário

Translingual Practices and Literary Counter-pedagogies

Resumo

Neste artigo, objetivo problematizar formações ideológicas em que se ancora a relação entre literatura e monolinguismo, com vistas a questionar tradições, epistemologias e fronteiras linguísticas e curriculares estabelecidas na educação literária. Partindo do pressuposto de que a literatura funciona como importante agente das políticas de línguas, proponho a elaboração conceitual de uma perspectiva glotopolítica do literário, a fim de debater, por um lado, formas de silenciamento das práticas translíngues no ensino e na formação de leitores, e, por outro lado, dar visibilidade crítica às zonas de contato/fricção entre múltiplas línguas-culturas no bojo da textualidade literária. Em diálogo com conceituações a respeito das contrapedagogias da crueldade (Segato, 2018), que mobilizam processos de descolonização epistêmico-cultural e restabelecimento de projetos de vínculo transnacional no contexto latino-americano, pretendo discutir a contribuição de diferentes estratégias contrapedagógicas das poéticas translíngues do contemporâneo para a ressignificação/reinvenção dos currículos e pedagogias da literatura na atualidade.

Palavras-chave:
literatura contemporânea; translinguismo; glotopolítica; contrapedagogias

Abstract

In this article, I aim to problematize ideological formations in which the relationship between literature and monolingualism is anchored, with a view to questioning traditions, epistemologies, and linguistic and curricular boundaries established in literary education. Based on the assumption that literature functions as an important driver of language policies, I propose the conceptual elaboration of a glottopolitical perspective of the literary, with the aim of discussing forms of silencing translingual practices in teaching and training readers, and to give critical visibility to the zones of contact/friction between multiple languages-cultures within literary textuality. In dialogue with conceptualizations regarding counter-pedagogies of cruelty (Segato, 2018), which mobilize processes of epistemic-cultural decolonization and reestablishment of transnational bond projects in the Latin American context, I intend to debate the contribution of different counter-pedagogical strategies of contemporary translingual poetics to the resignification/reinvention of current literature curricula and pedagogies.

Keywords:
Contemporary literature; translingualism; glottopolitics; counter-pedagogies

Resumen

En este artículo procuro problematizar formaciones ideológicas en las que se asienta la relación entre literatura y monolingüismo, con el fin de poner en cuestión tradiciones, epistemologías y fronteras lingüísticas y curriculares establecidas en la educación literaria. Partiendo del supuesto de que la literatura funciona como un agente importante de las políticas lingüísticas, propongo la elaboración conceptual de una perspectiva glotopolítica de lo literario, a fin de, por un lado, debatir formas de silenciamiento de las prácticas translingües en la enseñanza y la formación de lectores, y por otro, dar visibilidad crítica a las zonas de contacto/fricción entre múltiples lenguas-culturas dentro de la textualidad literaria. En diálogo con la noción de contra-pedagogías de la crueldad (Segato, 2018), que moviliza procesos de descolonización epistémico-cultural y restablecimiento de proyectos de vínculos transnacionales en el contexto latinoamericano, trato de discutir el aporte de diferentes estrategias contra-pedagógicas de las poéticas translingües contemporáneas para la resignificación/reinvención de los curricula y pedagogías literarias actuales.

Palabras clave:
Literatura contemporánea; translingüismo; glotopolítica; contra-pedagogías

Proponho neste artigo uma discussão a respeito das inflexões glotopolíticas implicadas no discurso literário, buscando refletir sobre a potência educacional crítica dos deslocamentos estéticos mobilizados por práticas translíngues presentes em dicções poéticas latino-americanas contemporâneas. A configuração desse objeto de estudo leva-me a indagar como os agenciamentos translíngues e transnacionais engendrados pela produção atual - que aproxima repertórios linguístico-poéticos hispano-americanos, brasileiro e ameríndios - vêm constituindo contrapedagogias que desestabilizam parâmetros crítico-analíticos consolidados nos currículos da educação linguística e literária.

Tendo em vista as correlações suscitadas pela temática da pesquisa, o dispositivo teórico elaborado para este estudo ancora-se na articulação transdisciplinar entre discussões conceituais a respeito das noções de translinguismo e poéticas translíngues (Canagarajah, 2018CANAGARAJAH, Suresh. Translingual practices as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, Oxford University Press, v. 39, n. 1, p. 31-54, 2018.; Pratt, 2014PRATT, Mary Louise. Lenguas viajeras: hacia una imaginación geolingüística. Cuadernos de Literatura, v. XVIII, n. 36, p. 238-253, 2014.) e estudos de transárea, focalizando as dimensões translíngues/transareais do literário de modo a pensar a literatura como “saber em movimento”, prática estética “sem residência fixa” (Ette, 2018ETTE, Ottmar. EscreverEntreMundos: literaturas sem morada fixa. Tradução de Rosani Umbach; Dionei Mathias e Teruco Arimoto Spengler. Curitiba: Editora da UFPR, 2018.), capaz de desafiar a aparente concretude das divisões geo/glotopolíticas. Isso aponta a importância de se discutir o modo como as poéticas translíngues tensionam o paradigma do monolinguismo, que, sem dúvida, permanece ativo no imaginário coletivo.

Considero, nesse sentido, que a errância das textualidades linguisticamente hibridizadas constitui formas de enfrentamento e desterritorialização dos mecanismos de controle inscritos na linguagem. Tal reflexão alinha-se à de Derrida (1997DERRIDA, Jacques. El monolingüismo del otro. Tradução de Horacio Pons. Buenos Aires: Manantial, 1997.), que, ao discutir a questão do “monolinguismo do outro”, valoriza a potência da escritura no processo de reinvenção da língua por meio da exploração do impróprio e da desconstrução da ideia apaziguada de pertencimento a uma comunidade linguística. Tal engendramento de uma “língua menor” no entremeio das línguas oficiais/nacionais é capaz, segundo Deleuze e Guattari (1995DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Postulados da linguística. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 2. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Editora 34, 1995. p. 11-60.), de mobilizar um efeito de “variação contínua” da língua(gem), questionando simultaneamente os processos de normalização do poder e normatização dos corpos.

Evidentemente, tal reposicionamento na linguagem não é isento de conflitos, visto que a própria institucionalidade da literatura se ergue como instância de edificação das pedagogias do monolinguismo. Por isso, também dialogo aqui com o conceito de “contrapedagogia” (Segato, 2018SEGATO, Rita. Contra-pedagogías de la crueldad. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018.), pensado como estratégia de desnaturalização da lógica da violência e da crueldade no contexto social latino-americano, marcado por processos de genocídio e epistemicídio, por assimetrias linguístico-culturais e por desigualdades de gênero, raça e classe. Nesse sentido, é possível considerar a agência contrapedagógica das poéticas translíngues como um gesto de desconstrução crítica dos efeitos simbólicos do monolinguismo, indiciando estratégias de reconstrução, e inerente ressignificação das formas de vincularidade e reciprocidade entre diferentes epistemologias do sul (Santos, 2018SANTOS, Boaventura de Sousa. Construindo as epistemologias do Sul: para um pensamento alternativo de alternativas [Vol. 1]. Buenos Aires: CLACSO, 2018.), interditadas pela colonialidade do poder (Quijano, 2000QUIJANO, Aníbal. Coloniality of power, Eurocentrism, and Latin America. Nepantla: Views from South, v. 1, n. 3, p. 533-580, 2000.).

Entendendo o discurso literário como inevitavelmente atravessado pelas disputas em torno do ideológico, busco, com base nos estudos de glotopolítica (Lagares, 2018LAGARES, Xoán Carlos. Qual política linguística? Desafios glotopolíticos contemporâneos. São Paulo: Parábola, 2018.), pensar as dimensões glotopolíticas do literário, tratando de cartografar um espectro de articulações, afinidades e tensões envolvidas na dinâmica de (des)continuidades da relação entre língua(s), literatura(s) e ensino. Isso em termos metodológicos significa discutir de que modo mudanças nas relações de força sociais implicam reposicionamentos linguísticos, estéticos e educacionais nos mecanismos não só de produção e circulação, mas também de mediação do literário.

Literatura e práticas translíngues

Projetos dominantes de unificação dos estados-nações, sobretudo a partir do século XVIII, investiram fortemente no processo de planificação das línguas nacionais, processo este que, de acordo com Bourdieu (2008BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. Tradução de Sergio Miceli et. al. São Paulo: Editora da USP, 2008.), corresponde ao empenho das nações na produção e reprodução da chamada “língua legítima” por meio da construção de um imaginário pautado na atribuição de maior status cultural e social ao domínio simbólico de uma determinada língua - melhor dizendo, a um construto homogeneizante de língua, oficializada pelo Estado - em detrimento de outros idiomas e/ou variedades linguísticas que coabitam o mesmo espaço enunciativo nacional. Na tarefa de construção deste espaço hierarquizado a partir da centralidade da língua nacional/oficial, participam não só agentes do poder estatal, lexicógrafos, gramáticos, linguistas e literatos, mas também catedráticos e professores de línguas e literaturas, fundamentais no estabelecimento e disseminação de políticas do currículo (Guimarães, 2007GUIMARÃES, Eduardo. Política de línguas na linguística brasileira. Da abertura dos cursos de Letras ao estruturalismo. In: ORLANDI, Eni. (org.). Política linguística no Brasil. Campinas: Pontes, 2007. p. 63-82. ).

Embora a ideologia do monolinguismo conviva dialeticamente com uma dinâmica profundamente multilíngue, a plurivocidade de línguas em contato vem conduzindo, apenas recentemente, um número expressivo de pesquisadores do campo de estudos de linguagem (Wei, 2011WEI, Li. Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, n. 43, p. 1222-1235, 2011.; García, 2012GARCÍA, Ofelia. El papel del translenguar en la enseñanza del español en los Estados Unidos. In: DUMITRESCU, Domnita (ed.). El español en Estados Unidos: E Pluribus Unum? Enfoques multidisciplinarios. Nueva York: Academia Norteamericana de la Lengua Española, 2012. p. 353-373. ; Canagarajah, 2018CANAGARAJAH, Suresh. Translingual practices as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, Oxford University Press, v. 39, n. 1, p. 31-54, 2018.) e de literatura (Liu, 1995LIU, Lydia. Translingual practice. Literature, national culture, and translated modernity - China, 1900-1937. Stanford: Stanford University Press, 1995. ; Kellman, 2000KELLMAN, Steven. The translingual imagination. Lincoln: University Nebraska Press, 2000.; Bruera, 2017BRUERA, Franca. Translinguisme littéraire: Frontières, représentations et définitions. Cosmos. Comparative Studies in Modernism, n. 11, p. 9-18, 2017. ) a deslocarem o foco de suas reflexões para o terreno de investigações sobre as práticas translíngues envolvidas na relação do sujeito com a(s) língua(s) e com a heterogeneidade constitutiva do discurso. Observe-se que caminha nesta direção o entendimento de Canagarajah sobre o conceito de translinguismo enquanto signo de renovação dos dispositivos teórico-analíticos da linguagem:

Desafiando entendimentos tradicionais das relações linguísticas no multilinguismo, que postula que as línguas mantêm em separado suas estruturas e identidades mesmo em contato, o translinguismo considera que os recursos verbais interagem sinergicamente para gerar novas gramáticas e significados, para além da ideia de separação de suas estruturas. De acordo com essa definição, o prefixo ‘trans’ aponta uma maneira de observar as práticas comunicativas transcendendo a noção de línguas autônomas.1 1 “Challenging traditional understandings of language relationships in multilingualism, which postulates languages maintaining their separate structures and identities even in contact, translingualism looks at verbal resources as interacting synergistically to generate new grammars and meanings, beyond their separate structures. According to this definition, the prefix ‘trans’ indexes a way of looking at communicative practices as transcending autonomous languages.” (Canagarajah, 2018CANAGARAJAH, Suresh. Translingual practices as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, Oxford University Press, v. 39, n. 1, p. 31-54, 2018., p. 31, tradução minha).

Coincido com a crítica feita por Canagarajah à tendência positivista da linguística estrutural, que entende o conceito de língua (langue) como sistema estrutural abstrato e autonômico. Em contraposição a essa visão, alinho-me a uma reflexão ampliada sobre o fenômeno do contato linguístico enquanto feixe de relações idiomáticas e entrelaçamentos culturais, atravessado por inúmeras zonas de translação e indiscernibilidade (Malmberg, 1966MALMBERG, Bertil. La América hispanohablante. Madrid: ISTMO, 1966.). Concomitantemente a essa compreensão sobre os diversos espaços transicionais que constituem a linguagem, considero fundamental refletir sobre a noção de língua enquanto objeto ideológico, discursivamente cerceado e fronteirizado, em torno do qual diferentes instrumentos linguísticos (Auroux, 1992AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução de Eni Orlandi. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. ) elaboram limites, formas de planificação, gramatização, normatização e de normalização que estipulam valores de usos e paradigmas de ensino/aprendizagem. No âmbito desse processo, é importante discutir o papel do campo literário enquanto instância associada à (re)produção de crenças em torno da legitimidade da relação entre monolinguismo e identidade nacional. Não à toa a constituição histórica dos cânones (historiográficos, acadêmicos e escolares) é inegavelmente marcada pelo silenciamento de diferentes vozes, línguas, variedades e hibridismos idiomáticos que contradizem as imagens de pureza, homogeneidade e distinção erudita valorizadas na ordem simbólica do discurso nacional.

Um interessante paradoxo, no entanto, reside nesse processo, visto que de maneira simultânea ao acirramento dos mecanismos de imposição monolíngue na organização dos estados nacionais modernos ocorrem vários fluxos migratórios que geram o surgimento, em inúmeros países, de comunidades bi/multilíngues cuja expressão verbal configura intensas manifestações de translinguismo contínua e violentamente recalcadas pelas políticas linguísticas e culturais, sejam elas fomentadas pelo poder público ou por agentes da sociedade civil. A forte onda de migração de refugiados haitianos, bolivianos e venezuelanos para o Brasil nos últimos anos é um exemplo disso.

No contexto do século XX, escritores imigrantes como Nabokov, Beckett e Herta Müller são exemplos de autores consagrados que escreveram numa língua diferente da sua primeira e publicaram originalmente num país diferente do seu de nascimento. O debate internacional a respeito da noção de translinguismo literário em geral parte do diálogo com a noção de extraterritorial, elaborada por Steiner (1990STEINER, George. Extraterritorial: a literatura e a revolução da linguagem. Tradução de Julio Castañon Guimarães. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. ), que, ao se contrapor à associação romântica da genialidade do escritor ao “domínio” de uma língua materna, propõe uma análise sobre a criatividade literária fora do território linguístico vernáculo, dedicando-se a estudar autores que realizaram suas obras, ou parte significativa delas, em língua estrangeira. Para Steiner, o escritor extraterritorial é um sujeito que escreve deslocado de sua língua materna, deixando que esta forma de “desabrigo” linguístico constitua uma espécie de poética aberta ao risco.

Tal discussão a respeito da escrita a partir da condição extraterritorial liga-se à reflexão de Pratt (2014PRATT, Mary Louise. Lenguas viajeras: hacia una imaginación geolingüística. Cuadernos de Literatura, v. XVIII, n. 36, p. 238-253, 2014.) sobre as poéticas translíngues enquanto discursividades que operam movimentos de interface entre línguas-culturas, pensando, assim, o efeito da exploração estética do translinguismo na esfera do literário como a elaboração de uma espécie de “escrita com sotaque”, na qual se produz “a experiência de estar lendo numa língua e escutando em outra”2 2 “la experiencia de estar leyendo en un lenguaje y escuchando en otro” (Pratt, 2014PRATT, Mary Louise. Lenguas viajeras: hacia una imaginación geolingüística. Cuadernos de Literatura, v. XVIII, n. 36, p. 238-253, 2014., p. 250, tradução minha). Isso porque as poéticas translíngues envolvem um dialogismo de vozes sobressalentes, no sentido de dicções que excedem a imagem de homogeneidade da língua e do sujeito.

Ette (2018ETTE, Ottmar. EscreverEntreMundos: literaturas sem morada fixa. Tradução de Rosani Umbach; Dionei Mathias e Teruco Arimoto Spengler. Curitiba: Editora da UFPR, 2018.) também se dedica à reflexão sobre o papel da literatura na desestabilização das construções identitárias cristalizadas, assinalando a dimensão estética, política e performativa de uma escrita-entre-línguas e, por extensão, de uma escrita-entre-mundos, no contexto do debate sobre a globalização. Tal ponto de vista implica um movimento de desconstrução de categorias literárias nacionais tradicionais que, segundo o autor, “atrapalham até hoje a percepção de que literaturas per se não estão ligadas a uma morada fixa, nem sob o aspecto territorial nem sob o aspecto linguístico” (Ette, 2018ETTE, Ottmar. EscreverEntreMundos: literaturas sem morada fixa. Tradução de Rosani Umbach; Dionei Mathias e Teruco Arimoto Spengler. Curitiba: Editora da UFPR, 2018., p. 180).

Pensar sob essa ótica não significa, de maneira alguma, ignorar o problema da permanência do paradigma monolíngue no imaginário contemporâneo, mas, ao contrário, indagá-lo a partir de uma “condição pós-monolíngue” - conceito que, segundo Yildiz (2012YILDIZ, Yasemin. Beyond the Mother Tongue: The Postmonolingual Condition. New York: Fordham University Press, 2012.), traz à baila a ideia de “pós” não como pretensa superação de algo, mas como movimento de hesitação entre a diretriz impositiva do monolinguismo e a ressonância da translinguagem que insiste em reemergir, de modo a focalizar a tensão que se estabelece entre uma e outra.

Contrapedagogias

Para refletir sobre as pedagogias e políticas curriculares do literário, em voga no âmbito da formação de professores de línguas e literaturas estrangeiras no Brasil - meu campo específico de atuação -, investiguei, em projeto de pesquisa anterior,3 3 Contemplado também com bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq. o impacto das perspectivas comparadas, interculturais e decoloniais nas teses e dissertações da subárea de literaturas estrangeiras modernas, realizadas em programas de pós-graduação do Estado do Rio de Janeiro nos últimos anos.4 4 Análises de trabalhos finais de pós-graduação sinalizam importantes tendências teóricas e curriculares que, sem dúvida, impactam os processos de ensino e formação docentes. Tais trabalhos investigados revelam reflexões analíticas cada vez mais atentas aos contatos e conflitos linguístico-culturais enquanto condições de produção e leitura do texto literário. Apesar disso, percebe-se também uma reprodução simultânea de dispositivos analíticos vinculados às tradições crítico-historiográficas das literaturas estrangeiras analisadas, como se o movimento de inscrição acadêmica em determinado campo literário forâneo implicasse a adesão a certos protocolos de leitura instaurados, os quais, muitas vezes, foram produzidos sob a égide de ideologias monolíngues/monoculturais.

Tal dialética de movimentos de permanência e mudança de perspectivas na esfera acadêmica vem também criando inflexões no âmbito do discurso didático-pedagógico, ainda que seja perceptível nos livros didáticos de línguas estrangeiras utilizados com mais frequência na educação básica no Brasil - inclusive nos aprovados nas últimas edições do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) - uma tendência majoritária à conservação de discursividades ligadas ao cânone que projetam a literatura e a língua literária como instâncias exclusivas de representação da identidade nacional. Desse modo, em geral, as coleções didáticas - também analisadas no projeto de pesquisa a que me referi - não selecionam textos que joguem de maneira mais enfática com a relação entre línguas e culturas. No entanto, já se percebe em algumas delas uma correlação tensiva entre práticas de mediação da leitura literária em língua estrangeira. Ora tais práticas apresentam-se mais voltadas a uma “política de fechamento” dos sentidos (Mendonça, 2012MENDONÇA, Marina Célia. Língua e ensino: políticas de fechamento. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Vol. 2. São Paulo: Cortez, 2012. p. 273-306.), pautada frequentemente na leitura como pretexto para o trabalho com determinados temas transversais, ou à identificação de elementos gramaticais e/ou lexicais que ratifiquem representações normativas homogeneizantes relacionadas às políticas de estandardização linguística do espanhol e do inglês - idiomas contemplados por essa política pública educacional. Ora emergem nesses instrumentos didáticos gestos de mediação mais abertos à “polissemia” propiciada pela atividade leitora, mobilizando nos aprendizes brasileiros a intersecção de formações discursivas em alguns momentos próximas, em outros, afastadas dos contextos de produção em que eles se inserem, abrindo assim espaço a possíveis processos de ressubjetivação desencadeados pela heterogeneidade linguístico-discursiva da leitura literária estrangeira.

Tais resultados de pesquisa anteriores sustentam minha reflexão atual de que as políticas de ensino estão ainda atravessadas por ressonâncias da ideologia do monolinguismo, o que indicia uma projeção especular da memória discursiva constituída no Brasil em torno da língua nacional nas práticas de leitura/análise dos textos literários em língua estrangeira. Nos gestos de interpretação e mediação do literário produzidos por professores, pós-graduandos e autores didáticos percebe-se, majoritariamente, uma tentativa de legitimação de seus lugares de enunciação (acadêmica e/ou docente) por meio da adesão dialógica a referências de autoridade dos campos crítico-historiográficos vinculados às literaturas hispânicas, anglófonas, entre outras. Por outro lado, observa-se, ainda de maneira tímida e tangencial, certa abertura para a reflexão sobre o papel das relações translíngues/transculturais, que podem ser mobilizadas pelos próprios textos literários ou pelos leitores.

Evidentemente, tal gesto de reposicionamento dos leitores, pesquisadores e docentes não é isento de conflitos internos e mecanismos de coerção externos, visto que a sensação de pertencimento à comunidade nacional (imaginada) se dá enquanto signo de diferenciação em relação ao estrangeiro. Além disso, a historicidade das políticas de educação linguística e literária atrela-se aos processos de construção das identidades, interpelados, tanto no nível do simbólico quanto do imaginário, pelas formações ideológicas que sustentam as instituições educativas. Isso demonstra, em outras palavras, o modo como a literatura funciona como uma das instâncias de edificação do monolinguismo e das políticas de identidade, pautadas em grande medida num processo de homogeneização que seleciona, de maneira excludente, alguns “estrangeirismos”, determinadas contribuições indígenas ou africanas esparsas e determinados elementos culturais locais autorizados a constituir a lexicografia institucionalizada do idioma ou as narrativas oficiais da cultura. Por isso, considero relevante a busca criativa de uma perspectiva pedagógica dissidente, atenta à possibilidade de que práticas e dicções translíngues da literatura constituam gestos de contrapedagogia capazes de configurar formas de enfrentamento crítico do processo de colonização linguística (Mariani, 2004MARIANI, Bethania. Colonização linguística: Línguas, políticas e religião no Brasil (séculos XVI a XVIII) e nos Estados Unidos da América (século XVIII). Campinas: Pontes , 2004.).

Aproprio-me, de forma ressignificada aqui, do conceito de “contra-pedagogías de la crueldad”, proposto por Segato (2018SEGATO, Rita. Contra-pedagogías de la crueldad. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018.) em oposição às pedagogias ligadas ao processo histórico-antropológico de naturalização da violência e da lógica da crueldade no contexto social latino-americano, marcado pelo patriarcado e pelas assimetrias das relações interseccionais de gênero, raça e classe. A naturalização biopolítica dessa lógica de violência determina, por um lado, e a divisão de corpos e vidas “que importam”, ou não, diante do aparato jurídico do Estado, por outro, promove meios de interdição da vincularidade, corroborando a manutenção de formas de segregação e minorização sociocultural e sociolinguística. Nesse sentido, a exploração crítica das poéticas translíngues latino-americanas pode constituir gestos de intervenção substanciais na história das línguas e das literaturas na medida em que elas coparticipem do processo de (re)construção dos “projetos históricos de vínculo” (Segato, 2018SEGATO, Rita. Contra-pedagogías de la crueldad. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018., p. 16) voltados para a reciprocidade nas interações entre culturas e cosmovisões.5 5 Ressalto também, a propósito disso, a reflexão realizada por Santiago (2004) em O cosmopolitismo do pobre, ensaio em que o autor assinala que as iniciativas capazes de promover formas, mesmo que precárias, de vincularidade entre culturas periféricas afins “que se desconheciam mutuamente” (p. 61) configuram importantes espaços políticos de “crítica radical” aos autoritarismos dos Estados nacionais e aos dispositivos de exclusão perpetrados pelas elites dominantes na América Latina. Por essa razão, levando em conta o papel político tanto da literatura quanto de seu ensino, busco desenvolver formas de abordagem do translinguismo literário capazes de dar visibilidade crítica às possíveis contrapedagogias encetadas por práticas poéticas que se contraponham à violência simbólica do monolinguismo.

Tal perspectiva, que valoriza a dimensão contrapedagógica ensejada por determinados projetos estético-literários translíngues, alia-se à redefinição espaçotemporal das formações imaginárias construídas a respeito da “terra americana”, empreendida em La expresión americana, de Lezama Lima (1993LEZAMA LIMA, José. La expresión americana. México: Fondo de Cultura Económica, 1993.), livro em que o poeta e ensaísta cubano elabora, conforme assinala Ette (2012ETTE, Ottmar. Worldwide: living in transarchipelagic worlds. In: ETTE, O.; MÜLLER, G. (ed.). Worldwide. Archipels de la mondialisation. Madrid; Frankfurt: Iberoamericana Vervuert, 2012. p. 21-59., p. 25), “mecanismos de inclusão que, em vez de criar uma identidade americana como resultado da exclusão, adotem e transformem, de forma criativa, campos de força que se desenvolvem dinamicamente, expressando-se e comunicando-se uns com os outros” (tradução minha)6 6 “mechanisms of inclusion that, instead of creating an American identity as a result of exclusion, creatively adopt and transform dynamically developing fields of force, expressing and communicating them to others.” . Esse viés de discussão em torno dos campos de força, ao mesmo tempo em atrito e interação cultural no terreno da literatura, remete-nos ainda à contribuição crucial de Cornejo Polar (2000CORNEJO POLAR, Antonio. O condor voa. Literatura e cultura latino-americanas. Tradução de Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000.) a respeito da questão da heterogeneidade. Para o ensaísta peruano, é fundamental que se criem dispositivos de análise - e acrescento, também de ensino e mediação pedagógica - capazes de aprofundar a compreensão da heterogeneidade que envolve as manifestações do literário na América Latina, fruto da

construção de vários sujeitos social e etnicamente dissímeis e confrontados, de racionalidades e imaginários distintos e inclusive incompatíveis, de linguagens várias e díspares em sua mesma base material, e tudo no interior de uma história densa, em cuja espessura acumulam-se e desordenam-se vários tempos e muitas memórias. (p. 296).

Glotopolítica do literário

Ao voltar minha atenção para a heterogeneidade linguístico-cultural e a potência contrapedagógica das poéticas translíngues, questiono também a coerção que os mercados linguísticos (Bourdieu, 2008BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. Tradução de Sergio Miceli et. al. São Paulo: Editora da USP, 2008.) exercem sobre os campos literários, discutindo, assim, criticamente, os processos de “conciliação formal” (Moretti, 2000MORETTI, Franco. Conjeturas sobre a literatura mundial. Novos Estudos CEBRAP, n. 58, p. 173-181, 2000. ) entre as estruturas literárias do primeiro mundo e as conjunturas periféricas do terceiro mundo, num sistema global engendrado por relações de dependência, fetichização e aderência aos modelos eurocêntricos. Além disso, embora situe minha reflexão no âmbito dos estudos latino-americanos, não busco, obviamente, me filiar a qualquer concepção identitarista da cultura latino-americana; procuro, pelo contrário, fazer com que minha leitura colabore, conforme adverte Siskind (2020SISKIND, Mariano. Rumo a um cosmopolitismo da perda: ensaio sobre o fim do mundo. Tradução de Caio Cesar Esteves de Souza. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2020., p. 5), com “a abertura de um espaço discursivo” empenhado em desestabilizar os essencialismos identitários. Nesse sentido, inscrevo-me numa perspectiva que trata de discutir a formação de comunidades literárias translíngues/transregionais na América Latina, compreendendo a comunidade não como um sentido fechado que interliga metonimicamente o comum a “um povo”, “uma terra”, “uma língua”, mas enquanto communitas (Esposito, 2007ESPOSITO, Roberto. Communitas: origen y destino de la comunidad. Tradução de Carlo Morinari. Buenos Aires: Amorrortu, 2007. ), isto é, como uma vincularidade que interpela a construção de um espaço “em comum”, aberto a múltiplas e cambiáveis formas de relação com a alteridade. Tal posicionamento articula-se ao arguto apontamento de Bentivegna et al. (2021BENTIVEGNA, Diego et. al. (ed.). Dossier “La lengua americana: literatura, subjetividad, instituciones”. Chuy. Revista de Estudios Literarios Latinoamericanos, UNTREF, p. 1-6, 2021., p. 3, tradução minha), segundo o qual, “nos espaços literários americanos, as línguas da literatura não estabelecem uma relação circunstancial e externa com o âmbito do político”7 7 “en los espacios literarios americanos, las lenguas de la literatura no establecen una relación circunstancial y externa con el ámbito de lo político” ; pelo contrário, o que evidencia uma genealogia do pensamento latino-americano sobre a dimensão linguística da literatura é o fato de que “é justamente na língua em que se pauta a construção do comum, seja como configuração de um espaço normativizado […], seja como instância a partir da qual se projeta algo da ordem do comunitário”8 8 “es justamente en la lengua donde se plantea la construcción de lo común, sea como configuración de un espacio normativizado […], sea como instancia desde la que se proyecta algo del orden de lo comunitario” .

Em conformidade com esse ângulo de discussão, procuro um viés de perspectivação do político não reduzido à análise das ações concretizadas por instâncias governamentais, mas voltado à discussão das variadas posturas e formas de agenciamento micropolítico que atravessam formações discursivas basilares aos construtos sociais das línguas e das literaturas. Por esse motivo, opto aqui pelo diálogo com a área transdisciplinar de investigação contemporânea denominada “glotopolítica”, que discute, de maneira ampla, o modo como a atividade verbal mantém estreita relação com as formas de organização do social, de tal modo que as alterações nas relações de força em torno do poder implicam mudanças nos usos linguísticos e no funcionamento dos gêneros do discurso, tal como nos gêneros ligados à esfera literária. Para Marcellesi e Guespin (1986MARCELLESI, J-B.; Guespin, L. Pour la glottopolitique. Langages, n. 83, p. 5-34, 1986. ), a glotopolítica pode ser analisada de maneira “vertical” - tendo em vista os dispositivos normativos e canonizadores, bem como as atitudes que os tensionam - e/ou “horizontal” - envolvendo a reflexão a respeito de como os gestos de intervenção sobre a linguagem provocam modificações nas relações sociais num dado contexto histórico. Seguindo a esteira dessa colocação, Arnoux (2016ARNOUX, Elvira. La perspectiva glotopolítica en el estudio de los instrumentos lingüísticos: aspectos teóricos y metodológicos. Matraga, Rio de janeiro, v. 23, n. 38, p. 18-42, jan/jun. 2016. , p. 18, tradução minha), em sua visão voltada para o debate glotopolítico na América Latina, considera a glotopolítica como “o estudo das intervenções no espaço da linguagem que participam na reprodução ou transformação das sociedades”9 9 “el estudio de las intervenciones en el espacio del lenguaje que participan en la reproducción o transformación de las sociedades” .

Pensando na especificidade da minha pesquisa, proponho o conceito de “glotopolítica do literário”, com vistas a pensar o modo como a literatura participa do processo de inscrição - e ressignificação - do político na(s) língua(s), impactando os movimentos de transformação social e modificação linguística, cultural e estética. Cabe a pesquisas, como esta, que enfoquem as inflexões glotopolíticas da literatura e da educação literária, investigar: o papel dos agentes que incidem historicamente sobre os processos de canonização; a seleção de repertórios e a mediação dos textos literários nas instituições de ensino; as políticas do currículo, de fomento à leitura e de tradução; o diálogo de diferentes campos acadêmicos com a literatura; a pressão midiática e do mercado editorial; os mecanismos de resistência engendrados pelos circuitos alternativos de circulação literária; entre outros aspectos.

Que língua(s) literária(s)?

Ao focalizar a potência contrapedagógica das poéticas translíngues latino-americanas na atualidade - mais enfaticamente, das escritas poéticas em portunhol na América do Sul -, considero fundamental refletir sobre o lugar muitas vezes “incômodo” que essas textualidades pidginizadas, mescladas, polifônicas - e, em certos casos, macarrônicas - ocupam em face não só do horizonte estético e formativo dos leitores e dos educadores mediadores de leitura, mas também dos padrões linguístico-enunciativos que acompanham a qualificação e o reconhecimento de um texto como “literário”. Nesse sentido, cabe destacar que o modo como a língua é mobilizada pela escrita literária constitui um importante gesto glotopolítico. No caso, por exemplo, dos poemas de Fabián Severo - natural do norte do Uruguai, região de fronteira com o Brasil -, esse gesto ganha contornos inclusive de ativismo linguístico em prol da legitimação literária e da valorização sociocultural do portunhol, língua de contato - historicamente coibida pelas políticas linguísticas e educacionais do Estado - vinculada ao processo de formação étnico-cultural dos habitantes dessa região fronteiriça. Leia-se abaixo o poema “trinticuatro”, da autoria de Severo:

Mi madre falava mui bien, yo intendía. Fabi andá faser los deber, yo fasía. Fabi traseme meio litro de leite, yo trasía. Desí pra doña Cora que amañá le pago, yo disía. Deya iso guríi yo deiyava. Mas mi maestra no intendía. Mandava cartas en mi caderno todo con rojo (igualsito su cara) i asinava imbaiyo. Mas mi madre no intendía. Le iso pra mim ijoi yo leía. Mas mi madre no intendía. Qué fiseste meu fío, te dise que te portaras bien i yo me portava. A istoria se repitió por muintos mes. Mi maestra iscrevía mas mi madre no intendía. Mi maestra iscrevía mas mi madre no intendía. Intonses serto día mi madre intendió i dise: Meu fío, tu terás que deiyá la iscuela i yo deiyé. (Severo, 2010SEVERO, Fabián. Noites nu norte: poemas em portuñol. Montevideo: Ediciones del Rincón, 2010., p. 45).

O poema em questão opta por uma representação ortográfica desviante em relação às normas-padrão tanto do espanhol quanto do português, o que se verifica, por exemplo, nas grafias da conjunção “i” (em vez de “e” ou “y”), “serto” (em lugar de “certo” ou “certo”), etc. Percebe-se também uma junção de léxicos e estruturas morfossintáticas de ambas as línguas na mesma sentença, como “andá faser”, “traseme meio litro de leite”, “A istoria se repitió”, etc. Além disso, características fonológicas dessa zona dialetal, como a mudança da vogal /e/ para /i/ na posição pretônica, ganham representação grafofonêmica na escrita, como em “imbaiyo”, “intendía”, etc., o que se coaduna com a presença do vocábulo “gurí”, que caracteriza o léxico da região gaúcha, da fronteira do norte uruguaio com o Estado brasileiro do Rio Grande do Sul.

Em sua dimensão temática, o poema também aborda uma problemática de grande interesse para a discussão sobre as políticas de ensino de línguas e literaturas, que é o modo como o espanhol - língua oficial do Estado uruguaio no período da infância desse sujeito lírico (vinculado especularmente à experiência autobiográfica do poeta)10 10 Cabe destacar que, apenas com a Ley General de Educación (Lei nº 18.437 de 2009), o Estado uruguaio estabelece uma política linguística pública que requer o respeito às variedades linguísticas e a consideração do que denomina “Portugués del Uruguay” como uma das línguas maternas do país. - é imposto, sob a égide do monolinguismo ligado à ideologia nacional, às escolas de educação primária e secundária como única língua a ser utilizada legitimamente no processo de alfabetização e letramento das crianças uruguaias, mesmo as residentes de departamentos como Artigas e Rivera, fortemente marcados pelo portunhol como língua de contato. Nesse sentido, o tom, por vezes irônico e debochado com que a professora (“maestra”) é descrita no poema - “Mandava cartas en mi caderno/ todo con rojo (igualsito su cara) i asinava imbaiyo” - e a comoção final provocada nos leitores pela decisão de se retirar um menino da escola devido ao preconceito linguístico perpetrado pela própria docente (voz de autoridade e representação institucional nesse espaço) constituem formas de encenar no discurso lírico um gesto potente de crítica à violência simbólica do Estado, materializada pela interdição das práticas linguageiras de uma região de línguas em contato e a consequente exclusão social e educacional desses sujeitos linguisticamente diversos, aos quais é vedado o acesso à cidadania, em muitos casos.

Vê-se, assim, que a visibilização literária de línguas fronteiriças e contatos linguístico-culturais subalternizados em poemas como esse representa um forte gesto glotopolítico da literatura, na contramão das violências e exclusões promovidas pelas políticas monolíngues dos Estados nacionais, e frequentemente por meio da sua própria educação pública. Dessa forma, é possível compreender esse poema de Fabián Severo como uma possível resposta à indagação provocativa que lancei no subtítulo desta seção do artigo. Que língua(s) literária(s) essa escrita poética fronteiriça reivindica? Apenas a língua dita “legítima”, oficializada, difundida pedagogicamente e imposta pelas políticas linguísticas estatais? O poema parece nos responder que “não só” - não só o espanhol padrão, ou o espanhol uruguaio, tem o estatuto de língua literária aí. As línguas da poesia podem ser as diferentes línguas utilizadas pela população, inclusive o “portugués del Uruguay”, ou o portunhol fronterizo. Tais línguas, ao ganharem materialidade escrita na literatura, encenam um gesto ao mesmo tempo glotopolítico e contrapedagógico, na contracorrente das políticas de estandardização linguística nacional, avesso às diretrizes redutoras e silenciadores de uma educação autoritária, pautada no paradigma monolíngue.

Que identidade(s)?

Outro aspecto importante de ser ponderado nesta discussão é a existência, em muitas dessas dicções poéticas translíngues, de uma imbricação entre o translinguismo e a construção de possibilidades de diálogo sul-sul, imbricação esta inclusive vinculada a certo tom desobediente de escritas insubmissas que contestam fronteirizações essencializantes e discursos identitários nacionalistas forjados pelas elites coloniais e criollas latino-americanas. Isso se observa, de modo profícuo, na obra de Jorge Kanese, um dos veteranos da escrita translíngue no Paraguai. Em seu texto “Amérika Xur Sur”, por exemplo, oralizado para o site Lirikline (da Literaturwerkstatt de Berlim), Kanese questiona, por um lado, a normatividade gramatical e ortográfica, a separação oral vs. escrito, castelhano vs. guarani, e, por outro lado, as divisões - muitas vezes abstratas - das identidades nacionais, naturalizadas como ilusão de pertencimento e diferenciação, estratagemas de fragmentação regional e enfraquecimento da vincularidade entre povos colonizados e explorados. Tanto a escrita quanto a performance oral de Kanese rasuram as regras do cânone monolíngue e exploram, até o limite, possibilidades de alteração grafofonêmica e mesclas idiomáticas, remetendo sua dicção a uma enunciação em jopara (língua de contato espanhol/guarani utilizada pela população paraguaia).

Amérika Xur Sur me kago en latinoamérica en letrinoamérika en laxinoamérika laputamérica me kago en l’eterna américa con sus xanxos y sus zambas (ndaxêi) sin rayuelas sin ralla-duras sin ©historia sin koyuntura: ndoikòi amérika es un grito bacío me kago en la kagada de xer o no xer funcionario argentino bolincho rapâi paragua chiloka mexika-no nikaragüensis mba’e-añá nambré mierda de kolores mierda xika kambiando naranjas por melones vidrio-ku’i por ansiedad espiritual opivo-katú no todo es calentura (Kanese, 2018KANESE, Jorge. América Xur Sur. Lirikline. Disponível em: https://www.lyrikline.org/en/poems/amerika-xur-sur-14448 . Acesso em: 05 jan 2024.
https://www.lyrikline.org/en/poems/ameri...
, n.p.).11 11 O áudio com a performance de recitação deste poema pelo autor está disponível em: https://www.lyrikline.org/en/poems/amerika-xur-sur-14448. Acesso em: 05/01/2024. Além disso, acrescento aqui, a modo de glossário para auxiliar a leitura, uma orientação de possíveis traduções dos termos em guarani paraguaio presentes no texto: ndaxêi - não quero ir; ndoikòi - nada/ninguém; rapâi - brasileiro; mba’e-añá nambré - expressão de fastídio em relação a algo sem importância; vidrio-ku’i - partículas de vidro (expressão metafórica de raiva); opivo-katú - totalmente nu.

Esse poema configura, por meio de um tom extremamente sarcástico - que lança mão de formulações ora coloquiais, ora chulas (e marcadamente antilíricas), como “me kago en la kagada”, “mierda xika”, etc. -, uma postura antipurista que desconstrói padrões linguísticos e estéticos. Desse modo, busca desestabilizar não só as fronteiras identitárias nacionais, como também a própria noção de latino-americanismo, nomeando dessacralizadamente a América Latina como “letrinoamérika”, “laputamérica”. Essa crítica simultânea às identidades nacionais e continental parece recordar disputas, conflitos e tensões históricas do contexto latino-americano, ativas ainda na memória discursiva.12 12 Isso remete ainda à aproximação entre o que Meschonnic (2017, p. 107) chama de “políticas do estrangeiro” e “políticas da identidade”, visto que as identidades são constitutivamente enformadas pela alteridade, ou melhor, por um modo historicamente determinado de regulação de como a outridade pode, ou não, advir enquanto traço do identitário. Percebe-se, assim, que o translinguismo literário não constitui aí uma mera forma de ostentação poliglota, ou de vinculação maniqueísta entre bilinguismo e identidade paraguaia, mas uma maneira de intervir criticamente no modo como as políticas da identidade - que fragmentam propositalmente o espaço latino-americano - resultaram no apagamento não só de diversas possibilidades de relação com o não-nacional, mas também com as culturas ameríndias, que, embora constituam o “nacional”, têm suas formas de vida e expressão sistematicamente excluídas e interditadas.

Dessa maneira, ao dizer reiteradamente “me kago en latinoamérica” - e em seus construtos identitários derivados da colonização e exploração pós-colonial, sob a égide estatal -, o sujeito poético kanesiano parece, por um lado, negar a “farsa” das identidades, forjadas nos interesses de dominação das elites extrativistas, e, por outro, indagar: que identidade(s)? há alguma identidade possível? Isto é, se “Amérika” continua sendo um grito, mas “un grito bacío”, que identidade então é possível (re)construir a partir desse movimento carnavalizante e iconoclasta de destruição e desconstrução? Em outras palavras, este “vazio” pode funcionar como um lugar criativo para a reinvenção de outras identidades mais plurais, translíngues, transculturais e, consecutivamente, de outras (contra)pedagogias da literatura.

Considerações finais

O trajeto desta reflexão demonstra, a meu ver, a importância de se visibilizar as práticas translíngues e transculturais do discurso literário como um “modo político de usar a língua” (Moriconi, 2016MORICONI, Italo. Que poesia? A poesia e as línguas do Brasil. Notas vertiginosas. Cuadernos del CILHA, Mendoza, v. 17, n. 1, junio/2016., p. 4). Nesse sentido, os poemas analisados aqui indiciam a relevância de se pensar a relação entre português, espanhol e guarani (e outras línguas indígenas), além da escrita em línguas de contato, como o portunhol fronterizo e o jopara, na poética sul-americana atual, cujo gesto contrapedagógico vem operando um espaço discursivo pós-nacional, na medida em que borra os limites geo/glotopolíticos que separam o Brasil das regiões hispanofalantes e fragmentam os territórios ameríndios (transfronteiriços).

Tal movimento contrapedagógico do literário produz não só uma renovação de ordem estético-cultural, como também um impacto crítico em relação às políticas de ensino no nosso contexto. No âmbito dos documentos norteadores da educação básica no Brasil, pode-se destacar, nas OCEM (Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Conhecimentos de Espanhol), por exemplo, a existência de uma seção intitulada “Interferências, interlíngua, mesclas... ¿Qué hacemos con el portuñol?”, na qual se pode ler a seguinte definição sobre a prática translíngue do portunhol:

O portuñol é um fato natural da língua, submetida, naturalmente e sempre, a fenômenos de mescla, embora muitas vezes essas sejam vistas como sinal de impureza [...]. A mescla ocorre em diferentes circunstâncias e de diferentes formas, no interior de uma mesma comunidade (variedades que convivem e se entrecruzam numa comunidade que fala a mesma língua) e quando línguas diferentes entram em contato. Ocorre, por exemplo, recebendo diferentes designações (entreverado, brasileiro, fronterizo), em zonas de fronteira abertas e facilmente transitáveis (Brasil e Argentina, Paraguai e Uruguai). Ainda que possamos entender por que se dá, é preciso saber que uma coisa é reconhecer a sua existência, outra, muito diferente, é levar os alunos a encararem o estudo do Espanhol de forma a superá-lo e a não se contentarem com a mera possibilidade de atender às necessidades rudimentares de comunicação, via portuñol, que em geral longe está de qualquer forma usual de expressão na língua-meta. (Brasil, 2006BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Conhecimentos de Espanhol. Brasília: SEB/MEC, 2006., p. 141).

Note-se, portanto, que o portunhol aí é visto como um fenômeno resultante dos contatos linguístico-culturais a que as línguas estão submetidas. Contudo, o documento assevera que não se pode, pedagogicamente, assumir essa produção linguageira (tida como “rudimentar”) como ponto de chegada para o ensino de língua espanhola, e sim como ponto de partida para o ensino dessa língua “singularmente” estrangeira no Brasil, dada a performatividade que o discurso em torno da proximidade entre português e espanhol tem no imaginário brasileiro (Celada, 2000CELADA, María Teresa. Acerca del errar por el portuñol. Tsé Tsé, Buenos Aires, v. 7, n. 8, p. 262-264, 2000.). Nesse sentido, fica claro que, nessa e em outras políticas linguísticas, o lugar atribuído à translinguagem é ainda o do “erro”, ou da “improficiência”, daquilo que deve ser evitado e superado pela educação monolíngue, inclusive no ensino de línguas estrangeiras ou adicionais.

Por isso, reitero que a literatura translíngue assoma como uma discursividade extremamente incômoda para a pedagogia tradicional. E parodiando a própria indagação das OCEM (“¿Qué hacemos con el portuñol?”), prefiro perguntar: o que fazer com a literatura em portunhol? o que fazer com a literatura translíngue? O grande “incômodo” (desafio) contrapedagógico que as poéticas translíngues trazem para o debate sobre políticas linguísticas e políticas de ensino é o fato de que a resposta a isso - quando não se opta pelo rotundo silêncio a respeito dessas textualidades - não poderia ser simplesmente: “precisamos superá-las”. Elas aí estão. O discurso literário que intervém no estatuto hegemônico das línguas nacionais - e desafia a ilusão de homogeneidade linguística - ergue-se hoje como um gesto contrapedagógico de enfrentamento do monolinguismo e como convocatória para que repensemos também as práticas de ensino redutoras e silenciadoras da heterogeneidade que a relação entre línguas-culturas traz à baila.

Referências

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  • YILDIZ, Yasemin. Beyond the Mother Tongue: The Postmonolingual Condition. New York: Fordham University Press, 2012.
  • 1
    “Challenging traditional understandings of language relationships in multilingualism, which postulates languages maintaining their separate structures and identities even in contact, translingualism looks at verbal resources as interacting synergistically to generate new grammars and meanings, beyond their separate structures. According to this definition, the prefix ‘trans’ indexes a way of looking at communicative practices as transcending autonomous languages.”
  • 2
    “la experiencia de estar leyendo en un lenguaje y escuchando en otro”
  • 3
    Contemplado também com bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq.
  • 4
    Análises de trabalhos finais de pós-graduação sinalizam importantes tendências teóricas e curriculares que, sem dúvida, impactam os processos de ensino e formação docentes.
  • 5
    Ressalto também, a propósito disso, a reflexão realizada por Santiago (2004SANTIAGO, Silviano.O cosmopolitismo do pobre. Belo Horizonte: Editora da UFMG , 2004. ) em O cosmopolitismo do pobre, ensaio em que o autor assinala que as iniciativas capazes de promover formas, mesmo que precárias, de vincularidade entre culturas periféricas afins “que se desconheciam mutuamente” (p. 61) configuram importantes espaços políticos de “crítica radical” aos autoritarismos dos Estados nacionais e aos dispositivos de exclusão perpetrados pelas elites dominantes na América Latina.
  • 6
    “mechanisms of inclusion that, instead of creating an American identity as a result of exclusion, creatively adopt and transform dynamically developing fields of force, expressing and communicating them to others.”
  • 7
    “en los espacios literarios americanos, las lenguas de la literatura no establecen una relación circunstancial y externa con el ámbito de lo político”
  • 8
    “es justamente en la lengua donde se plantea la construcción de lo común, sea como configuración de un espacio normativizado […], sea como instancia desde la que se proyecta algo del orden de lo comunitario”
  • 9
    “el estudio de las intervenciones en el espacio del lenguaje que participan en la reproducción o transformación de las sociedades”
  • 10
    Cabe destacar que, apenas com a Ley General de Educación (Lei nº 18.437 de 2009), o Estado uruguaio estabelece uma política linguística pública que requer o respeito às variedades linguísticas e a consideração do que denomina “Portugués del Uruguay” como uma das línguas maternas do país.
  • 11
    O áudio com a performance de recitação deste poema pelo autor está disponível em: https://www.lyrikline.org/en/poems/amerika-xur-sur-14448. Acesso em: 05/01/2024. Além disso, acrescento aqui, a modo de glossário para auxiliar a leitura, uma orientação de possíveis traduções dos termos em guarani paraguaio presentes no texto: ndaxêi - não quero ir; ndoikòi - nada/ninguém; rapâi - brasileiro; mba’e-añá nambré - expressão de fastídio em relação a algo sem importância; vidrio-ku’i - partículas de vidro (expressão metafórica de raiva); opivo-katú - totalmente nu.
  • 12
    Isso remete ainda à aproximação entre o que Meschonnic (2017MESCHONNIC, Henri. Para salir de lo postmoderno. Tradução de Hugo Savino. Buenos Aires: Tinta Limón, 2017., p. 107) chama de “políticas do estrangeiro” e “políticas da identidade”, visto que as identidades são constitutivamente enformadas pela alteridade, ou melhor, por um modo historicamente determinado de regulação de como a outridade pode, ou não, advir enquanto traço do identitário.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2024
  • Aceito
    20 Fev 2024
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