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Ensino de literatura: um diálogo soviético-brasileiro

Teaching Literature: A Soviet-Brazilian Dialogue

Resumo

O artigo busca colocar em diálogo as ideias de Liev Vigotski sobre educação estética e psicologia da arte e a obra Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento, de Fabio Akcelrud Durão e André Cechinel. Os autores se aproximam principalmente na rejeição a finalidades outras à literatura (morais, cognitivas, etc.) e na não concessão em relação à especificidade do literário, que não pode se converter em outro discurso (mesmo um dito pedagógico). Outro ponto de aproximação é a proposta de promover, no contexto educacional, um contato ao mesmo tempo direto e mediado com o artefato literário. Por fim, tentaremos destrinchar o paradoxo de abordar pedagogicamente um objeto que pode ser definido como antipedagógico. Nossa argumentação culmina em uma reflexão sobre os desdobramentos políticos de tais abordagens.

Palavras-chave:
literatura; psicologia; ensino de literatura.

Abstract

The paper seeks to establish a dialogue between Lev Vygotsky’s ideas on aesthetic education and the psychology of art and the book Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento [Teaching literature: the classroom as an event], written by Fabio Akcelrud Durão and André Cechinel. These authors coincide mainly in the rejection of other purposes (moral, cognitive etc.) for literature and in not conceding the specificity of the literary, which cannot become another discourse (even a pedagogical one). Another point of intersection is the proposal to promote, in the pedagogical context, an approach to the literary artefact that is at the same time direct and mediated. Finally, we attempt to unravel the paradox of taking a pedagogical approach to an object that can be defined as anti-pedagogical. Our argument culminates in a reflection on the political implications of such approaches.

Keywords:
literature; psychology; teaching of literature

Resumen

El artículo busca poner en diálogo las ideas de Liev Vygotski sobre la educación estética y la psicología del arte y la obra Enseñanza de la literatura: el aula como evento, de Fabio Akcelrud Durão y André Cechinel. Los autores coinciden principalmente en rechazar propósitos distintos a los literarios (morales, cognitivos, etc.) y en no conceder la especificidad de lo literario, que no puede convertirse en otro discurso (ni siquiera pedagógico). Otro punto de abordaje es la propuesta de promover, en el contexto educativo, un contacto directo y mediado con el artefacto literario. Finalmente, intentaremos desentrañar la paradoja de abordar pedagógicamente un objeto definido como antipedagógico. Nuestro argumento culmina en una reflexión sobre las consecuencias políticas de tales enfoques.

Palabras clave:
literatura; psicología; enseñanza de la literatura.

A proposta de pensar abordagens pedagógicas da literatura nos encaminhou à preparação deste artigo que tem como objetivo comparar e contrastar a proposta de Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.) no campo do ensino de literatura e as ideias de Liev. S. Vigotski (2001a VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.; 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363) acerca da psicologia da arte e da educação estética. Em Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento, Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.) travam um amplo diálogo com diversas vertentes de ensino de literatura, de autores nacionais e internacionais a textos legais como a Base Nacional Comum Curricular e os Parâmetros Curriculares Nacionais. A tese fundamental dos autores passa pela ideia de acontecimento e parte do pressuposto de que, ainda que sem estabelecer um objetivo pragmático e extraliterário (moral, informativo, etc.), o trabalho com a literatura deve buscar, antes de tudo, fomentar uma postura interpretativa a partir do contato direto com obras literárias. A sala de aula serve, assim, à atualização do valor da literatura, ao invés de tomá-la como pressuposto.

Vigotski (2001a VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.) publicou, em 1925, sua tese de doutorado propondo uma psicologia da arte que pudesse abarcar a análise psicológica das emoções estéticas pautadas em um método objetivo-analítico, centrado na investigação dos recursos estéticos organizados na obra e não na impressão subjetiva do leitor. Em sequência, Vigotski (2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363), aprofundando-se no campo do desenvolvimento humano, publica, em 1926, pressupostos para uma educação estética. Aqui, as assertivas vigotskianas assumem o fundamento da arte como um processo que articula emoção e pensamento, e tece orientações pedagógicas para compreensão da finalidade e formas de se promover uma educação estética.

Compreendemos que a discussão sobre a função da literatura e suas formas de ensino sustentam a relevância deste artigo em dois pontos centrais. Entendemos que o diálogo entre os estudos de literatura com autores e conceitos da psicologia, ainda que historicamente atravessado por controvérsias, acaba sendo um ponto a que amiúde se retorna. Vigotski (2001a VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.) defende que qualquer pensamento estético não pode prescindir da psicologia. Muito embora tenha havido tentativas de separação radical entre as áreas, em particular quando se busca criar uma ciência literária autônoma, atualmente não há muita resistência nos estudos culturais e literários de recorrer à psicanálise, por exemplo. Afinal, é difícil pensar a literatura (e outras manifestações artísticas) sem articulá-las ao campo das emoções e da técnica. Conceitos importantes, como o de sublimação e inconsciente, bem como o entendimento de que a arte é necessária para darmos conta daquilo que excede o existir cotidiano são elementos recorrentes na constelação teórica de quem escreve sobre literatura. Mesmo o trabalho de Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.), em determinado momento, busca apoio em um conceito psicanalítico, nesse caso, o de “elaboração”.

Ao convocarmos o pensamento vigotskiano para esse diálogo, consideramos a importância de compreender não somente a dimensão subjetiva, mas, subsidiados por uma visão histórica e materialista-dialética, levarmos em conta as determinações culturais e históricas da subjetividade. Ademais, as emoções vivenciadas e os sentidos constituídos no contato com a obra de arte não são restritos ao psiquismo singular, mas são perpassados e mesmo constituídos pela técnica, estética e linguagem. Como veremos, essa postura não é distante do que propõem Durão e Cechinel, de modo que o diálogo aqui travado tem ao menos dois objetivos: a) fornecer uma alternativa à cristalização da psicanálise como principal fundamentação teórica em psicologia para os estudos literários; b) atualizar o pensamento de Vigotski, colocando-o em contato com autores contemporâneos.

Para tanto, o artigo foi organizado em três partes. Inicialmente, discutimos sobre o que a literatura não faz. Nosso intuito foi apresentar estereótipos que sustentam funções ilusórias acerca da literatura e tecer considerações críticas que, em sintonia, apareceram tanto nas obras de Vigotski (2001a VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.; 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363) como na de Durāo e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.). No segundo tópico, tratamos dos modos como podemos nos relacionar com o objeto literário no contexto pedagógico. Por fim, finalizamos nossas análises e concluímos o texto mediante a pergunta sobre a finalidade de se ensinar literatura, tendo em vista sua constituição paradoxal como um objeto antipedagógico. Concluímos o artigo nesta terceira parte e apontamos possíveis caminhos para o ensino da literatura que sejam capazes de resguardar sua potência atualizadora e que reconheçam a dimensão política da arte na vida e para a sociedade.

O que a literatura não faz?

Torna-se necessário tratar do que a literatura faz ou não em um contexto social no qual ela pode ser tanto tomada como uma espécie de artefato pragmático para o ensino de determinado valor ou conteúdo, bem como um recurso subjetivista e de afetação puramente singular. Desenvolveremos neste tópico o que a literatura não faz para que possamos apresentar, sequencialmente, argumentos sobre a dimensão vivencial da arte literária e, por fim, ponderar sobre o papel da literatura e as possibilidades de ensiná-la e vivenciá-la na contemporaneidade.

Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.) defendem que a literatura a nada se propõe no sentido de sustentar em si mesma um objetivo pré-definido, seja no campo cognitivo ou emocional. Guiados por esse pressuposto, defendemos que a literatura não possui um poder cognitivo-dogmático. Sob esse ponto de vista, a literatura localiza-se em um campo de abertura de possibilidades tanto no que se refere à emergência de novos sentidos, bem como à vivência de emoções estéticas. Para Vigotski (2001a VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a., p. 267), as emoções estéticas se distinguem pela “retenção de sua manifestação externa, enquanto conserva ao mesmo tempo uma força excepcional”.

A renúncia a um poder cognitivo-dogmático da arte, não consiste, porém, em negar que há uma organização estética e uma coerência interna que contorna o campo de possibilidades interpretativas de uma obra. Pelo contrário, ao demarcar o caráter de abertura de uma obra de arte, consideramos a abrangência da relação que se estabelece entre o texto e o leitor, sabendo que há limites presentes tanto no leitor quanto na obra. Ao leitor cabe reconhecer e ponderar o repertório de significados, imagens e vivências reais e estéticas anteriores que o amparam na elaboração daquilo que é apresentado em uma obra literária. Já o texto literário, ao ser criado, traduz em si mesmo imagens possíveis, uma organização narrativa e a articulação de estratégias estéticas para mobilização das emoções e a construção de novos significados.

Conforme Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 22),

[...] o ensino de literatura não se baseia na transmissão de um conteúdo específico, mas no desenvolvimento de uma postura interpretativa, um modo específico de se relacionar com os textos que favorece a interpretação, uma espécie de sensibilidade ou sintonia em relação à língua e à forma da obra.

Ao ensino de literatura, portanto, não cabe a regulação ou adestramento das formas de ver e sentir, isto é, a um ensino pragmático de um objeto/tema específico. Uma vez que o texto literário transgride o real e o reinventa ao tematizá-lo, a tarefa inicial e indispensável para o ensino de literatura consiste na expansão dos recursos que o leitor possui, para que a sua relação com a obra possa se desenvolver em uma ação-criadora mais potente.

Portanto, e sintetizando o primeiro ponto de nossa argumentação, apreendemos que são incalculáveis todas as afetações e sentidos que um único texto pode produzir. Todavia, isso não torna a obra ilimitada, mas circunscrita tanto a uma relação entre o texto e o leitor, bem como ao texto em si. Compreendemos que a relação entre a obra ficcional e o leitor pode se tornar mais abrangente a depender da ampliação do repertório do leitor, assim como por meio da ação mediadora que orienta e potencializa a ação criadora do leitor. Quanto à obra, retomamos a argumentação de Wolfgang Iser ao escrever que “são os vazios, a assimetria fundamental entre texto e leitor, que originam a comunicação no processo da leitura” (Iser, 1979ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: LIMA, Luiz Costa (org.). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. São Paulo: Paz e Terra, 1979. p. 83-132., p. 88). Esses vazios refletem a não literalidade do texto ficcional, a qual requer do leitor o uso da imaginação para se relacionar com o texto. Todavia, esses vazios devem ser preenchidos garantindo que “suas perspectivas de representação sejam constantemente inter-relacionadas” (Iser, 1979ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: LIMA, Luiz Costa (org.). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. São Paulo: Paz e Terra, 1979. p. 83-132., p. 108). Desse modo, ao mesmo tempo em que o texto ficcional abandona o real ao deformar o que é possível neste, sua análise não deverá recair em um campo subjetivista, pois existe na própria obra uma organização estética e narrativa que deve ser assumida mediante a tarefa interpretativa.

O segundo ponto que levantamos acerca daquilo que não pode ser concebido como a finalidade da literatura é a ideia de que nela ocorre a vivência de um prazer imediato/superficial. Vigotski (2001VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.a) destaca que as emoções estéticas são resolvidas, sobretudo, em “imagens da fantasia” (p. 267), sendo que a catarse passa a ser compreendida como um curto-circuito emocional que se realiza a partir da contradição que se estabelece entre forma e conteúdo. A vivência da catarse traduz-se, portanto, como um movimento de luta ou uma peregrinação enfrentada pelo leitor, sendo que a consideração da arte como mero artefato cultural criado para a obtenção de prazer pode levá-la tanto a uma perda diante da sua potência criativa e crítica, tornando-se uma mercadoria, bem como sua substituição por recursos que produzem prazeres mais rápidos e de resposta espontânea. A esse respeito, também Durão e Cechinel defendem que reduzir o contato com a arte à mera obtenção de prazer é muito pouco, e que o processo de recepção de uma obra literária implica também em esforço ativo por parte do leitor:

O prazer só pode vir, assim, depois de muito esforço, incerteza e até frustração. Trata-se de um tipo de sentimento muito diferente daquilo que estamos acostumados a chamar de prazer, aquela gratificação imediata e desconcentrada diante das coisas que não exigem muito de nós. Em outras palavras, o prazer verdadeiramente literário não pode ser separado do trabalho do leitor (Durão; Cechinel, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 129).

O terceiro ponto que ponderamos consiste em que a literatura não seja admitida como um instrumento para realização de uma ação/ensino moral. Desde os escritos em Psicologia Pedagógica sobre a educação estética, Vigotski (2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363) aponta para o quanto a tentativa de limitar o sentido de uma obra a um ensino moral reduz a potência do material artístico, gerando, simultânea e contraditoriamente, supostos erros interpretativos. Em verdade, tais erros revelam a demanda criativa que o contato com um texto literário nos propõe, a qual, por vezes, transgride o ensinamento moral que motivou a escolha de determinada obra como objeto pedagógico. Sobre esse apontamento, Vigotski (2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363, p. 226) escreve:

Na fábula [de Krilov] A cigarra e a formiga, a simpatia das crianças foi provocada pela despreocupada e poética cigarra que cantava durante todo o verão, e a responsável e tediosa formiga lhes pareceu odiosa; na opinião delas, toda a fábula tinha a ver com a obtusa e arrogante avareza da formiga. Os resultados esperados não foram alcançados de novo e, em vez de inspirar nas crianças respeito pela diligência e pelo trabalho, a fábula lhes inculcou a alegria e a beleza de uma vida fácil e despreocupada.

Por fim, o quarto e último ponto se refere a que a literatura também não deve ser valorizada por sua suposta capacidade de produzir um modelo humano por meio de um espelhamento da vida e produção de subjetividades. Como afirma Iser (1979ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: LIMA, Luiz Costa (org.). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. São Paulo: Paz e Terra, 1979. p. 83-132., p. 105), “o texto ficcional é igual ao mundo à medida que projeta um mundo concorrente”. Nesse sentido, a arte literária não deve ser considerada como um artefato de reprodução do real, mas como uma via que provoca esse real por meio da representação imaginada de outros (im)possíveis. Assim, a literatura não serve ao leitor mediante um contágio evocado pela identificação com a vida ou consigo próprio. Fundamentalmente, porém, inquieta e desconcerta o leitor à medida que se assemelha à vida, mas escapa da sua concretude e revela um possível não imediato e/ou não concretizável.

Portanto, embora possamos “compreender o valor cognoscitivo, moral e emocional da arte”, sabemos que “[t]odos estes, sem dúvida, podem existir, mas sempre como componentes secundários, como uma espécie de sequela da obra de arte que só surge depois de realizar por completo a ação estética” (Vigotski, 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363, p. 233). Deste modo, até aqui nossas argumentações sintetizam que a literatura, configurada enquanto uma expressão artística, não possui um poder cognitivo-dogmático, não se propõe a vivência de um prazer imediato/superficial, e não se sustenta mediante uma tarefa moralizante, visto que não há uma expectativa de produzir uma posição correta no leitor ou um conjunto de interpretações e sentimentos previamente planejados. Por fim, defendemos também que ela não espelha a realidade e não serve à produção de um ajustamento social ou um enquadramento civilizatório, visto que sua expressão transgride e recria a vida materializada e os seus significados.

O corpo a corpo com a obra literária

Se, na seção anterior, discutimos em linhas gerais o que não se deve esperar do contato com a literatura, isto é, aquilo que ela não faz, buscaremos elaborar aqui de que modo podemos abordar o objeto literário para que ele possa produzir algum efeito. Isso quer dizer que seguiremos falando de literatura sem sabermos ainda ao certo o que esperar dela.

Para retomar nosso foco de estabelecer um diálogo entre as ideias de Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.) e de Vigotski (2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363) acerca do ensino de literatura e da educação estética, respectivamente, será preciso iniciar essa parte da discussão colocando lado a lado o que cada um desses autores consideram ser o objetivo do contato com a literatura no contexto pedagógico. Em primeiro lugar, cabe observar que tanto Vigotski quanto Durão e Cechinel se esquivam de apresentar uma definição absoluta de arte ou de literatura, abstendo-se, assim, de pontificar sobre o que deve ou não ser lido, sobre em que medida se deve diferenciar entre alta e baixa literatura, etc. Trata-se tanto de rejeitar a noção de literatúrnost (literariedade), como proposta pela Escola Formal russa, quanto de recusar um cânone estrito. Não obstante, uma vez que a literatura surge no horizonte do processo educacional, estabelece-se de saída algum tipo de objetivo. Afinal, espontaneísmo e a gratuidade costumam ser características muito pouco afeitas ao campo das práticas pedagógicas. Veremos, contudo, que embora a falta de uma definição clara e apriorística de literatura colida com esse veto à gratuidade, ela não chega a constituir um paradoxo insolúvel. Observemos como os autores em destaque manejam essa contradição e delineiam tarefas possíveis para o ensino de literatura ou para promoção de uma educação estética.

Para Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.), o alvo do ensino de literatura é a produção de um processo interpretativo bem-sucedido, o que os autores nomeiam como acontecimento:

Concebemos uma objetividade veemente da literatura, porém defendemos que tal objetividade não é inerte, mas processual: ela surge como resultado da interpretação entendida como ato. [...] O literário não se configura, portanto, nem como repositório de um conteúdo estanque, nem como vazio a ser preenchido por disposições subjetivas, mas como acontecimento. Consideramos acontecimento, de modo bem prático, aquilo que ocorre quando o processo interpretativo é bem-sucedido (Durão; Cechinel, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 10).

Para compreender essa noção de acontecimento é preciso ter em vista dois aspectos fundamentais. O primeiro deles é o caráter processual da objetividade literária, isto é, tomar a literatura como um dado objetivo e não um atributo da subjetividade do autor e/ou do leitor, não a torna algo acabado em si, ao contrário, a objetividade do texto é resultado do ato de interpretação, é uma construção que se dá justamente no ato da leitura. O segundo aspecto do acontecimento é a imediaticidade, ou seja, o fato de que o contato com a literatura deve ser imediato, “não no sentido de algo rápido ou superficial, que se dá de uma vez só, mas bem o contrário disso, um tipo de leitura que procura remover os entraves e empecilhos para uma abordagem direta das obras” (Durão; Cechinel, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 11). Nessa perspectiva, o professor precisa “construir a imediaticidade” (Durão; Cechinel, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 11). Essas duas facetas do acontecimento estabelecem como norte da atividade pedagógica justamente a construção da objetividade literária em sua imediaticidade, isto é, no trato direto com a obra. Assim, no contexto da sala de aula, a literatura precisa ser ela mesma restabelecida, reconstruída, produzida na leitura da própria obra literária. Isso se dá a partir das características intrínsecas da obra, que jazem nela e que só passam a dizer algo na medida em que o ato interpretativo lhe atribui um sentido sempre renovado: “O ‘literário’ deixa de ser um predicado a priori da obra para se converter em um resultado da experiência de leitura” (Durão; Cechinel, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 16).

Passemos agora a Vigotski. O primeiro ponto que cumpre observar é o fato de que o campo em que Vigotski se movia teoricamente não se restringe exclusivamente ao ensino de literatura, mas se espraiava para as esferas da educação estética e da psicologia da arte. Por outro lado, é evidente a preferência deste autor pela criação verbal/literária,1 1 Parece-nos sintomático, ademais, que a psicologia proposta por Vigotski, ainda que incompleta devido a sua morte precoce, culmine justamente no estudo das relações entre pensamento e linguagem. Isto é, no final de sua vida, depois de explorar uma grande variedade de funções psíquicas e o funcionamento delas em sistemas psicológicos, Vigotski se volta precisamente às funções do pensamento e da linguagem (incluída aqui as formas orais e escritas do uso da língua) em toda variedade de suas relações, curvas de desenvolvimento, interferências mútuas, etc. Igualmente significativo é o fato de que o campo das artes (e da literatura), de que tanto se ocupara o autor em suas obras iniciais, seja de crítica literária ou de psicologia da arte (Marques, 2022), ressurge no final de sua produção intelectual. como se pode observar pelo fato de que todos os exemplos de análise em psicologia da arte oferecidos em seu livro sobre o assunto tomam obras literárias como objeto, ao passo que as outras artes aparecem apenas como extrapolações das conclusões extraídas dessas análises literárias.

Em “Educação estética”, Vigotski aborda três possíveis caminhos de atuação nesse campo: o trabalho com a produção criativa da criança, o ensino profissionalizante de habilidades técnicas em diferentes modalidades artísticas e, o que nos interessa mais de perto aqui, a educação do “juízo estético, ou seja, habilidades para perceber e vivenciar obras de arte” (Vigotski, 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363, p. 346). Para os objetivos deste texto, convém-nos focar nesse último ponto, isto é, o trabalho pedagógico com a percepção e a vivência da arte. Vigotski procura, com isso, desnaturalizar um ato aparentemente simples, ao defender a ideia de que “ver” é muito mais do que um ato espontâneo, não aprendido, imediato, ainda que não deixe de sê-lo. Ocorre que, para Vigotski, tanto quanto para Durão e Cechinel, essa imediaticidade do contato com a arte precisa ser construída,2 2 Neste ponto, destaca-se o conhecido conceito vigotskiano de mediação, elemento crucial para compreender sua psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento. Se Durão e Cechinel falam em imediaticidade construída, Vigotski poderia bem dizer imediaticidade mediada. convertendo-se em objetivo primordial da educação estética: “Observar, ouvir e sentir prazer parecia um trabalho psíquico tão simples que não necessitava de nenhuma aprendizagem especial. E não obstante é aí que está o principal objetivo e o fim da educação geral” (Vigotski, 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363, p. 351).

Ambas as propostas partem de um princípio fundamental, que dá nome a esta seção: o trabalho com a literatura não pode prescindir de um corpo a corpo com a obra literária. Não por acaso, tanto Durão e Cechinel quanto Vigotski, a certa altura, mencionam a leitura atenta como um procedimento adequado às suas propostas. Para Durão e Cechinel, a leitura atenta, ou close reading, pode ser definida como um “procedimento heurístico” que atualiza “o encontro com a materialidade específica do artefato literário” (Durão; Cechinel, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 41-42). O capítulo “Práticas de leitura” de Ensinando literatura exemplifica esse tratamento do material literário a partir de análises de poesia, drama e prosa. Vigotski, por sua vez, reivindica nominalmente a leitura atenta como modelo possível de educação estética (em Vigotski, 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363). Se tomarmos o conjunto de capítulos que compõem a seção “Análise da reação estética” de Psicologia da arte, bem como o ensaio A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, veremos que todos eles constituem exemplos de análise literária via leitura atenta. Vale notar, contudo, que Vigotski formula esses procedimentos de modos diferentes ao longo de sua obra.

Em A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca esse método é chamado crítica do leitor, uma proposta assentada em três pilares: 1) não se baseia numa noção de autoria como princípio explicativo da obra;3 3 “A essência, a força da obra não reside no que o autor subentendeu por ela, mas na maneira como age sobre o leitor ou espectador; consequentemente, reside em seu conteúdo possível” (Vigotski, 1999, p. XXI). 2) o crítico não faz a crítica da crítica, não se ocupa de acatar ou refutar visões já estabelecidas; 3) embora não esteja preso a elementos externos, o crítico está inteiramente preso à obra4 4 Em Vigotski (1999, p. XXII): “[...] Sua interpretação deve ser uma interpretação autêntica de dada obra e não alguma composição a respeito”; também em Durão e Cechinel (2022, p. 24): “Não basta achar aquela ideia fantástica; é necessário mostrar por que você acha que ela funciona no texto a partir da sua própria materialidade”. . Esses mesmos pilares serão mantidos de algum modo na formulação subsequente do autor, o chamado “método objetivo-analítico” proposto em Psicologia da arte (Vigotski, 2001a VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.). A nomenclatura já indica a guinada científica e o reposicionamento da produção de Vigotski no campo propriamente da psicologia, mas mantém inabalável o princípio do corpo a corpo com a obra, já que, na definição desse método, o autor defende que “o psicólogo é levado a recorrer mais amiúde precisamente a provas materiais, às próprias obras de arte, e com base nelas recriar a psicologia que lhes corresponde” (Vigotski 2001aVIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a., p. 26). Em lugar de uma psicologia aplicada à arte, Vigotski propõe a tarefa de reconstituir a psicologia implicada na arte. Isto porque a obra é vista como sistema de estímulos organizados para produzir determinado efeito, que ele denomina reação estética.5 5 O termo reação estética é plenamente condizente com a nomenclatura científica em voga na psicologia soviética do início do século XX, haja vista que uma das correntes dominantes da época era a chamada reactologia, de Konstantin Kornílov. Há que se observar, porém, que em seus textos Vigotski oscilava entre os termos reação e vivência (em russo, perejivânie) estética para descrever o resultado do contato com a arte. Sobre a ideia de vivência estética em Vigotski e o uso intercambiável dos termos reação e vivência, ver Marques e Moschkovich, 2023. Como resume o autor, tal método pretende partir “da forma da obra de arte, passando pela análise funcional de seus elementos e da estrutura, para recriação da resposta estética e o estabelecimento de suas leis gerais” (Vigotski, 2001aVIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a., p. 27). Trata-se de uma abordagem não dedutiva, mas indutiva, tal qual a proposta por Durão e Cechinel: “Ao invés do método dedutivo, que parte do abstrato para buscar comprovação no específico, um procedimento indutivo, que foca no concreto para construir o geral” (Durão; Cechinel, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 21).

Tentaremos resumir a comparação estabelecida nesta seção: o trabalho de Durão e Cechinel pensa o ensino de literatura como um espaço de desenvolvimento de uma postura interpretativa em relação ao artefato literário pela construção da “imediaticidade como método” (Durão; Cechinel, 2022, p. 64); Vigotski, por sua vez, pensa a educação estética como ensino da percepção e da reação estética, aponta para a leitura atenta como procedimento possível (Vigotski, 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363) e, mais tarde, desenvolve a crítica do leitor (Vigotski, 1999VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999.) e o método objetivo-analítico (Vigotski, 2001aVIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.). As características que se sobressaem como pontos de intersecção são: a ênfase na objetividade e materialidade das obras, isto é, um emprego consciencioso da imaginação e criatividade que permite evitar o puro devaneio e a perda do lastro com a obra literária; e o caráter processual e indutivo da postura interpretativa/reação estética.

Gostaríamos de encerrar esta parte retomando o termo que foi destacado já no título desta seção: corpo. Tanto na elaboração de Vigotski quanto em Durão e Cechinel apresenta-se a relação entre arte e corpo, seja de um modo mais fundamental (na medida em que a arte mobiliza o campo do sensório), mas também levando em consideração que o contato com a arte promove um atravessamento com a dimensão corpórea. De acordo com Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 96): “Se a base sobre a qual se instaura uma relação produtiva com uma obra literária é sua apropriação pelo receptor, torna-se indispensável que ela possa ser lida com desenvoltura, de preferência decorada”. Os autores lançam mão inclusive de um duplo sentido para a palavra interpretação, que designaria não apenas um processo heurístico e cognitivo, mas que carregaria também o sentido empregado em relação ao ofício do ator, como performance oral. Essa exposição física/concreta (e não somente cognitiva/abstrata) ao artefato literário estabelece um ponto de partida para a exploração de camadas progressivamente mais profundas e elaboradas de contato com a obra.

Essa fusão sensível e corpórea com o texto aparece também em Vigotski com variações das mais ingênuas às mais elaboradas, a começar por sua tentativa de estabelecer por via experimental uma correlação entre a leitura do conto “Respiração suave”, de Ivan Búnin, e um efeito (aferível objetivamente em laboratório) de suavização da respiração resultante dessa mesma leitura (Vigotski, 1926VIGOTSKI, Liev Semionovitch. O vliiánii retchevogo ritma na dikhánie. In: KORNÍLOV Konstantin (org.). Problémi sovremmiénoi psikhológuii. Leningrado: Gossudárstvennoe izdátelstvo, 1926. p. 169-173.). Esse compreensível excesso fisiologizante do estudo sobre o efeito da arte, alinhado com as tendências da ciência da época, será posteriormente matizado (e até negado). O papel do corpo, porém, não desaparece, dado o fundamento filosófico do pensamento de Vigotski na tradição monista, que não separa corpo e mente. É sintomático, sob esse ponto de vista, que a obra Psicologia da arte seja encerrada justamente com a seguinte citação de Spinoza: “até hoje ninguém definiu aquilo de que o corpo é capaz”,6 6 Citação da terceira parte (“A origem e a natureza dos afetos”) da Ética de Spinoza (2013, p. 101), em Vigotski, 2001, p. 329. trazida à tona no contexto da discussão sobre o papel da arte na construção da vida e na futura sociedade comunista. Assim, se, para Durão e Cechinel, o momento da incorporação é ponto de partida, para Vigotski ele é também ponto de chegada. Voltaremos a essa questão na próxima seção do artigo. Esse tema certamente mereceria um ensaio à parte, pois está ligado à própria origem da estética como conhecimento do sensível (ver Baumgarten, 2013BAUMGARTEN, Alexander Gottlieb. Estética. In: DUARTE Rodrigo (org.). O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 69-87). Terry Eagleton, complementa que:

A estética concerne a essa mais grosseira e palpável dimensão do humano que a filosofia pós-cartesiana, por um curioso lapso de atenção, conseguiu, de alguma forma, ignorar. Ela representa assim os primeiros tremores de um materialismo primitivo - de uma longa e inarticulada rebelião do corpo contra a tirania do teórico (Eagleton, 1993EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Tradução de Mário Sá Rego Costa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993., p. 19).

Daí se segue uma longa discussão, que tampouco poderá ser feita aqui, sobre como essa rebelião na arte não se dá de maneira fortuita, mas também dentro de algum tipo de sistema, relativamente autônomo, que impõe sua própria lógica pelo atravessamento sensível e não pelo jugo exclusivo da racionalidade.

Ler, verbo intransitivo?

Chegamos à terceira parte deste artigo dando voltas em torno de uma questão crucial a respeito do ensino de literatura: afinal, como trabalhar pedagogicamente um objeto essencialmente antipedagógico, isto é, que não pode ser definido por uma essência e que nada oferece em termos práticos? Se aceitamos que a literatura não é fonte de parâmetros morais de conduta, não traz necessariamente conhecimentos objetivos sobre o mundo (não serve de ilustração para a história, as ciências sociais, para a psicologia, etc.), tampouco é mero divertimento (afinal nem toda experiência de leitura pode ser descrita como prazerosa), pergunta-se: para que serve estudar literatura? A resposta dada por Durão em “Sobre a irrelevância da literatura hoje” não tem rodeios: “A literatura, hoje, não tem relevância nenhuma, não tem utilidade nenhuma, não pode esboçar nenhum tipo de resistência” (Durão, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud. Sobre a irrelevância da literatura hoje. In: DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022. p. 121-135, p. 124).

Num processo que tem início com o surgimento da estética como campo do conhecimento filosófico e que, no caso da literatura, ganha fôlego com o advento do Formalismo Russo, o que se observa é a consolidação da noção de autonomia da arte, um movimento que retira toda produção artística da condição de satélite de outras formas de produção de conhecimento, essas, sim, sérias e úteis. As palavras de Durão sobre a irrelevância da arte na contemporaneidade revelam aonde tal autonomização da arte leva, isto é, a um (ao menos aparente) esvaziamento de propósito concreto, de qualquer coisa que possa ser tida como objetivo consciente e pré-estabelecido.7 7 Assim como afirmamos anteriormente acerca da relação entre arte e corpo, essa contradição também remonta à origem da Estética como disciplina: “A estética é, assim, sempre uma espécie de projeto contraditório e autodestrutível, pois, ao promover o valor teórico de seu objeto, arrisca-se a esvaziá-lo exatamente da sua especificidade ou inefabilidade, considerados seus aspectos mais preciosos. A própria linguagem que eleva a arte arrisca-se perpetuamente a diminuí-la” (Eagleton, 1992, p. 7). A literatura apareceria, assim, como o avesso da organização da vida na contemporaneidade, quando tudo deve servir a um propósito previamente calculado: “É justamente pela falta de utilidade que a literatura se tornou algo fundamental para nós nesse começo de século”, afinal, “hoje, tudo tem de servir para alguma coisa” (Durão, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud. Sobre a irrelevância da literatura hoje. In: DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022. p. 121-135, p. 131). Aqui “ler” poderia, enfim, ser vislumbrado como verbo intransitivo.

Por outro lado, um possível, ainda que paradoxal, objetivo do ensino de literatura pode ser precisamente o cultivo de um espaço radicalmente não utilitário, suscetível à imprevisibilidade, que abre uma fresta no fluxo anestesiante8 8 Com a imagem da anestesia aludimos aqui à ideia de anestética de Susan Buck-Morss (2012) em seu seminal ensaio “Estética e anestética: uma reconsideração de A obra de arte de Walter Benjamin”. do cotidiano do sujeito produtor e consumidor de bens de consumo. Na mesma palestra, Durão defende ainda o contato com a literatura como uma experiência radical de alteridade, já que a leitura nos faz esquecer de quem somos, de modo que “penetramos o mundo singular da obra e o habitamos, ficamos lá, fingindo que esse universo é o verdadeiro” (Durão, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud. Sobre a irrelevância da literatura hoje. In: DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022. p. 121-135, p. 134). A intransitividade apriorística, por assim dizer, do ato de ler é o que abriria espaço para alguma transitividade, talvez até de um tipo mais radical do que qualquer outra. Afinal, estamos falando aqui de esquecer de si (do sujeito) e mergulhar inteiramente no objeto.

A conclusão de Durão é de que é apenas partindo da inutilidade da literatura que “todas aquelas funções que a literatura não tem passam a valer” (Durão, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud. Sobre a irrelevância da literatura hoje. In: DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022. p. 121-135, p. 134). A lógica de ser útil pela inutilidade é chamada de lógica de canto de olho ou de soslaio:

Com isso quero tentar nomear os seres fugidios que só existem quando não estamos olhando diretamente para eles, pois assim que eles passam a ocupar o centro da visão, assim que eles são focalizados, desaparecem. Parece-me ser esse o caso da literatura. Quando vamos a ela querendo obter algo, exigindo que ela nos dê algo - inclusive um modelo de resistência ao existente -, ela se recusa e insiste em ser só ela mesma; mas quando a aceitamos tal como é, nos submetemos àquilo que ela propõe e a seus mundos com suas leis e disciplinas próprias; quando não pedimos nada, ela então parece nos fornecer tudo, mas pela porta dos fundos, por assim dizer. A partir daí, ela fica sussurrando que as coisas podiam ser diferentes (Durão, 2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 135).

A lógica de soslaio proposta por Durão faz lembrar o que João Alexandre Barbosa chama de dimensão intervalar da literatura: a experiência com a obra literária se dá no “intervalo entre a linguagem ficcional e os valores que ela necessariamente põe em questão” (Barbosa, 1990BARBOSA, João Alexandre. Leituras: o intervalo da leitura. In: BARBOSA, João Alexandre. A leitura do intervalo. São Paulo: Iluminuras, 1990. , p. 29). A fresta que a literatura abre como escape para o mundo planejado e previsível se dá pela elaboração de materiais desse mesmo mundo, por isso Barbosa entende que é nesse entrelugar localizado entre a experiência do leitor e o universo de conhecimentos estabelecidos previamente e a maneira como esses elementos são reorganizados e transfigurados na obra literária é que nos dá a especificidade dessa produção. O exercício de ler o intervalo (ele também mesmo uma tentativa de constituir a transitividade da leitura) não tem nada de mecânico e não pode ser ensinado como uma espécie de macete didático-pedagógico. Trata-se, antes, de

[...] ler en abime o intervalo criado pelo exercício da linguagem poética na reorganização dos valores que os relacionam [...] é essencial a percepção do movimento desenhado pela tensão criada entre a linguagem poética, sua história, e os valores (psicológicos, sociais, históricos ou histórico-literários) a partir dos quais é possível falar naquelas textualidades (Barbosa, 1990BARBOSA, João Alexandre. Leituras: o intervalo da leitura. In: BARBOSA, João Alexandre. A leitura do intervalo. São Paulo: Iluminuras, 1990. , p. 31).

Em determinado momento de sua palestra, Durão questiona se a atitude ali exposta em relação à literatura não pode ser extrapolada para outras dimensões da vida. Vigotski, mais do que sugerir, propõe que a postura estética se converta em exigência do cotidiano: “o que deve servir de regra não é adornamento da vida, mas a elaboração criadora da realidade, dos objetos e de seus próprios movimentos, que aclara e promove as vivências cotidianas ao nível de vivências criadoras” (Vigotski, 2004VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363, p. 352). Dentro dos parâmetros da comparação proposta neste artigo, vemos que o pensamento de Vigotski avança em relação à função da arte na sociedade, e parece conectar-se com a ideia de politização da arte apresentada no célebre texto de Walter Benjamin “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. Uma vez delimitado o status especial da vivência e da emoção estética, que se alçam acima e além da experiência cotidiana para reelaborá-la em outro nível, a arte passa a ser tida como um pilar fundamental da organização social e do projeto civilizatório. Diferentemente do que faz o modelo fascista de sociedade, em que a política é estetizada, de modo que a destruição e a desumanização são dotadas de um verniz de espetáculo atraente - fiat ars, pereat mundus9 9 “Que se faça a arte, ainda que o mundo pereça” (Benjamin, 1994, p. 196). - o comunismo deve responder com a politização da arte. É dessa dimensão política que Vigotski fala quando recupera em seus textos as ideias trotskistas de super-homem,10 10 É preciso observar que as menções a Trótski em Psicologia da arte foram censuradas na maior parte das edições dessa obra, inclusive na que serviu de base à tradução que temos em português (Vigotski, 2001a). Tais referências se encontram preservadas apenas em uma edição russa, já esgotada (Vigotski, 2001b). associando-as, numa síntese muito particular, com a noção spinozana de corpo referida acima.

O projeto psicológico vigotskiano é inspirado pelo ideal trotskista de desenvolvimento ilimitado das capacidades humanas, o que se manifesta com clareza também em suas visões sobre a psicologia da arte e da educação estética. Graças a isso, Vigotski pode se desvencilhar das noções de genialidade e de talento como atributos congênitos, sustentando a ideia de que as habilidades artísticas podem ser desenvolvidas por qualquer um, a começar pelo “aprender a ver”. No limite, todo potencial humano tem origem nas relações interpessoais e são atravessadas pelo acúmulo social e histórico do meio em que o indivíduo está inserido. O lugar da arte nesse continuum de aperfeiçoamento da espécie não é claro: “não se pode nem imaginar que papel caberá à arte nessa refusão do homem, quais das forças que existem, mas não atuam no nosso organismo ela irá incorporar à formação do novo homem. Só não há dúvida de que, nesse processo, a arte dirá a palavra decisiva e de maior peso. Sem a nova arte não haverá o novo homem” (Vigotski, 2001aVIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a., p. 329).

As indicações finais de Vigotski e de Benjamin sobre a dimensão política da arte na construção da sociedade dentro de uma perspectiva de emancipação humana são tão fortes quanto enigmáticas. Tanto Psicologia da arte quanto “A obra de arte...” se encerram justamente nesse ponto da argumentação, deixando-nos com a tarefa de imaginar e criar o futuro, e o lugar da arte e da literatura nele. A proposta de Durão e Cechinel sobre o ensino de literatura recupera o elemento da autonomia da arte, mas o faz não para retirar dela qualquer implicação no processo social, ainda que essa implicação seja aqui também apenas aludida. Não poderia deixar de ser assim, afinal um objeto escapadiço como o literário só é capaz de mobilizar o que quer que seja pegando-nos desprevenidos. Talvez seja nesse continuum imprevisível do desenvolvimento que o humano se encontra com a arte.

Referências

  • BARBOSA, João Alexandre. Leituras: o intervalo da leitura. In: BARBOSA, João Alexandre. A leitura do intervalo São Paulo: Iluminuras, 1990.
  • BAUMGARTEN, Alexander Gottlieb. Estética. In: DUARTE Rodrigo (org.). O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 69-87
  • BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
  • BUCK-MORSS, Susan. Estética e anestética: uma reconsideração de A obra de arte de Walter Benjamin. In: BENJAMIN, Walter et alBenjamin e a obra de arte Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. p. 155-204
  • DURÃO, Fabio Akcelrud. Sobre a irrelevância da literatura hoje. In: DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022. p. 121-135
  • DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022.
  • EAGLETON, Terry. A ideologia da estética Tradução de Mário Sá Rego Costa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
  • ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: LIMA, Luiz Costa (org.). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. São Paulo: Paz e Terra, 1979. p. 83-132.
  • MARQUES, Priscila Nascimento. O Vigotski incógnito. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Vigotski: Escritos sobre arte. Bauru: Mireveja, 2022. p. 21-43
  • MARQUES, Priscila Nascimento; MOSCHKOVICH, Diego. A questão das emoções e da vivência estética: o diálogo entre Vigotski e Stanislávski em torno da psicologia do ator. Pro-Posições v. 34, p. 1-24, 2023.
  • SPINOZA, Baruch. Ética Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica , 2013.
  • VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A educação estética. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia pedagógica Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 323-363
  • VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
  • VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Análiz estetítcheskoi reaktsii: Traguédiia o Gamlete, printse Datskom U. Shekspira i Psikhológuiia iskússtva. Moscou: Labirint, 2001b.
  • VIGOTSKI, Liev Semionovitch. O vliiánii retchevogo ritma na dikhánie. In: KORNÍLOV Konstantin (org.). Problémi sovremmiénoi psikhológuii Leningrado: Gossudárstvennoe izdátelstvo, 1926. p. 169-173.
  • VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.
  • 1
    Parece-nos sintomático, ademais, que a psicologia proposta por Vigotski, ainda que incompleta devido a sua morte precoce, culmine justamente no estudo das relações entre pensamento e linguagem. Isto é, no final de sua vida, depois de explorar uma grande variedade de funções psíquicas e o funcionamento delas em sistemas psicológicos, Vigotski se volta precisamente às funções do pensamento e da linguagem (incluída aqui as formas orais e escritas do uso da língua) em toda variedade de suas relações, curvas de desenvolvimento, interferências mútuas, etc. Igualmente significativo é o fato de que o campo das artes (e da literatura), de que tanto se ocupara o autor em suas obras iniciais, seja de crítica literária ou de psicologia da arte (Marques, 2022MARQUES, Priscila Nascimento. O Vigotski incógnito. In: VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Vigotski: Escritos sobre arte. Bauru: Mireveja, 2022. p. 21-43), ressurge no final de sua produção intelectual.
  • 2
    Neste ponto, destaca-se o conhecido conceito vigotskiano de mediação, elemento crucial para compreender sua psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento. Se Durão e Cechinel falam em imediaticidade construída, Vigotski poderia bem dizer imediaticidade mediada.
  • 3
    “A essência, a força da obra não reside no que o autor subentendeu por ela, mas na maneira como age sobre o leitor ou espectador; consequentemente, reside em seu conteúdo possível” (Vigotski, 1999VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. XXI).
  • 4
    Em Vigotski (1999VIGOTSKI, Liev Semionovitch. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. XXII): “[...] Sua interpretação deve ser uma interpretação autêntica de dada obra e não alguma composição a respeito”; também em Durão e Cechinel (2022DURÃO, Fabio Akcelrud; CECHINEL, André. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022., p. 24): “Não basta achar aquela ideia fantástica; é necessário mostrar por que você acha que ela funciona no texto a partir da sua própria materialidade”.
  • 5
    O termo reação estética é plenamente condizente com a nomenclatura científica em voga na psicologia soviética do início do século XX, haja vista que uma das correntes dominantes da época era a chamada reactologia, de Konstantin Kornílov. Há que se observar, porém, que em seus textos Vigotski oscilava entre os termos reação e vivência (em russo, perejivânie) estética para descrever o resultado do contato com a arte. Sobre a ideia de vivência estética em Vigotski e o uso intercambiável dos termos reação e vivência, ver Marques e Moschkovich, 2023MARQUES, Priscila Nascimento; MOSCHKOVICH, Diego. A questão das emoções e da vivência estética: o diálogo entre Vigotski e Stanislávski em torno da psicologia do ator. Pro-Posições. v. 34, p. 1-24, 2023..
  • 6
    Citação da terceira parte (“A origem e a natureza dos afetos”) da Ética de Spinoza (2013SPINOZA, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica , 2013., p. 101), em Vigotski, 2001VIGOTSKI, Liev Semionovitch. Análiz estetítcheskoi reaktsii: Traguédiia o Gamlete, printse Datskom U. Shekspira i Psikhológuiia iskússtva. Moscou: Labirint, 2001b., p. 329.
  • 7
    Assim como afirmamos anteriormente acerca da relação entre arte e corpo, essa contradição também remonta à origem da Estética como disciplina: “A estética é, assim, sempre uma espécie de projeto contraditório e autodestrutível, pois, ao promover o valor teórico de seu objeto, arrisca-se a esvaziá-lo exatamente da sua especificidade ou inefabilidade, considerados seus aspectos mais preciosos. A própria linguagem que eleva a arte arrisca-se perpetuamente a diminuí-la” (Eagleton, 1992EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Tradução de Mário Sá Rego Costa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993., p. 7).
  • 8
    Com a imagem da anestesia aludimos aqui à ideia de anestética de Susan Buck-Morss (2012BUCK-MORSS, Susan. Estética e anestética: uma reconsideração de A obra de arte de Walter Benjamin. In: BENJAMIN, Walter et al.Benjamin e a obra de arte. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. p. 155-204) em seu seminal ensaio “Estética e anestética: uma reconsideração de A obra de arte de Walter Benjamin”.
  • 9
    “Que se faça a arte, ainda que o mundo pereça” (Benjamin, 1994BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994., p. 196).
  • 10
    É preciso observar que as menções a Trótski em Psicologia da arte foram censuradas na maior parte das edições dessa obra, inclusive na que serviu de base à tradução que temos em português (Vigotski, 2001aVIGOTSKI, Liev Semionovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.). Tais referências se encontram preservadas apenas em uma edição russa, já esgotada (Vigotski, 2001bVIGOTSKI, Liev Semionovitch. Análiz estetítcheskoi reaktsii: Traguédiia o Gamlete, printse Datskom U. Shekspira i Psikhológuiia iskússtva. Moscou: Labirint, 2001b.).
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2024
  • Aceito
    20 Fev 2024
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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