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PRINCÍPIOS DE ESTRUTURAÇÃO DA TOPONÍMIA URBANA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA TOPONÍMIA DO PRIMEIRO TRINTÊNIO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE

RESUMO

No presente estudo, apresenta-se uma análise comparativa da toponímia do primeiro trintênio da Cidade de Belo Horizonte com base em plantas de dois períodos: o conjunto documental cartográfico relativo a 1895-1897, composto de quatro plantas, e a planta geral da Cidade de Belo Horizonte organizada pela 1ª Seção da Subdiretoria de Obras em 1928-1929. Do ponto de vista teórico, este estudo se baseou fundamentalmente nos trabalhos de toponímia de Dick (1990a, 1990b e 1996) e Seabra (2016). Testou-se a hipótese de que houve mudanças relevantes nos princípios de estruturação da toponímia da Cidade de Belo Horizonte durante seu primeiro trintênio. A hipótese foi confirmada, uma vez que se constataram como mudanças relevantes, em termos de princípios, a relativização do Princípio da Unicidade e a emergência do Princípio da Supletividade, do Vetor Antropotoponímico, da Relação Biotópica e da Resiliência. Atestaram-se também certas constantes, como a atuação do Princípio da Extensão Limitada, da Unidade Temática, da Continuidade e da Legibilidade e a relativização do Princípio da Impessoalidade.

Toponímia; Linguística Histórica; Mudança Linguística; Belo Horizonte

ABSTRACT

In this study, a comparative analysis of the toponymy of the first thirty years of the city of Belo Horizonte is presented based on plans from two periods: the cartographic documental set of 1895-1897, composed of four plans, and the general plan of the city of Belo Horizonte organized by the 1st Section of the Sub-Directorate of Works in 1928-1929. From a theoretical point of view, this study was fundamentally based on the toponymy work of Dick (1990a, 1990b and 1996) and Seabra (2016)SEABRA, M. C. T. C. de. Variação e mudança linguística de topônimos. In: COSTA, D. de S. S.; BENÇAL, D. R. (org.). Nos caminhos do léxico. Campo Grande: Ed. da UFMS, 2016.. It was tested the hypothesis that there were relevant changes in the principles of structuring the toponymy of the city of Belo Horizonte during its first thirty years. The hypothesis was confirmed, since changes were found, in terms of principles, to be the relativization of the Principle of Uniqueness and the emergence of the Principle of Supletivity, Anthropotoponymic Vector, Biotopic Relationship and Resilience. Certain constants were also attested, such as the operation of the Principle of Limited Extension, Thematic Unity, Continuity and Legibility and the relativization of the Principle of Impersonality.

Toponymy; Historical Linguistics; Language Change; Belo Horizonte

Introdução

A Cidade de Belo Horizonte constitui um caso incomum em termos de toponímia, uma vez que se trata de uma capital fundada a partir de um projeto de planejamento em fins do séc. XIX: o antigo Arraial de Belo Horizonte que existia na localidade em questão foi destruído para dar lugar a uma cidade nova. A toponímia do então Arraial, constituída espontaneamente através de um processo secular de ocupação do espaço, foi abruptamente substituída por um sistema novo idealizado pela Comissão de Construção da Nova Capital (CCNC), chefiada pelo engenheiro paraense Aarão Reis (1853-1936). Tem-se, assim, a singularidade de ter havido a necessidade de nomeação de um grande conjunto de logradouros públicos de uma só vez, o que exigiu de Reis a adoção de uma gama de princípios para a estruturação desse novo conjunto toponímico. A nova capital passou por várias transformações no primeiro trintênio de sua existência, com grande expansão em função de novos loteamentos, o que exigiu, novamente, a atribuição simultânea de nome a muitas quantidades de logradouros. Teria esse novo conjunto de topônimos seguido a mesma gama de princípios de estruturação toponímica de Reis ou a grande expansão da cidade teria exigido a adoção de novos princípios? Esta discussão é de grande interesse para os estudos de toponímia não apenas porque permite evidenciar que a toponímia tem um funcionamento sistêmico (é regida por princípios), como também porque permite debater se há princípios universais na estruturação da toponímia, que transcenderiam épocas e espaços.

Para discutir a questão dos princípios de estruturação toponímica, apresenta-se no presente estudo uma análise comparativa da toponímia da Cidade de Belo Horizonte a partir de registros cartográficos referentes aos períodos de 1895-1897 e de 1928-1929.

Breve histórico da toponímia da Cidade de Belo Horizonte

Após a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, surgiu a discussão sobre a mudança da capital da então Província de Minas Gerais para uma nova localidade. A efetivação da mudança exigiu um processo complexo que envolveu a escolha de uma localidade, mudanças na Constituição do Estado, formação de uma comissão para a construção da capital e, por fim, a oficialização da transferência, que se deu em 12 de dezembro de 18971 1 Para uma descrição mais detalhada, cf. Barreto (1996). .

A toponímia da nova capital do Estado já constava do conjunto documental cartográfico encaminhado por Reis junto ao Ofício no 26, de 23 de março de 1895, e aprovado pelo Decreto no 817, de 15 de abril de 1895. No referido ofício, Reis apresenta, em linhas gerais, o sistema dos topônimos propostos para a futura capital:

Vam denominadas as praças, avenidas e ruas, tendo sido escolhidos nomes de cidades, rios, montanhas, datas históricas mais importantes do Estado de Minas e da União, e, bem assim, de alguns cidadãos que, por seus serviços relevantes, merecem ser perpetuados na lembrança do povo (Reis, 1895REIS, A. Officio n.26 de 23 de Março de 1895, apresentando ao Governo as plantas da cidade. Revista Geral dos Trabalhos: Publicação Periodica, Descriptiva e Estatistica, Feita com Autorisação do Governo do Estado, Belo Horizonte, v.2, p.59-60, 1895. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/339997/160. Acesso em: 30 jun. 2023.
http://memoria.bn.br/DOCREADER/339997/16...
, p. 60, grifo próprio).

Essa descrição era, na verdade, parcial2 2 Uma descrição mais abrangente consta da seção de apresentação e discussão dos dados do presente estudo. , porque se referia sobretudo à zona urbana da cidade (que ficava dentro dos limites da então Avenida 17 de Dezembro) e, mesmo em relação a ela, não mencionava todas as motivações dos topônimos (não se encaixavam na descrição mencionada casos como Praça da Liberdade e Avenida do Comércio, já presentes no conjunto documental citado).

No trintênio que se seguiu à inauguração da nova cidade, houve um grande aumento populacional. Segundo dados fornecidos por Penna (1997)PENNA, O. Notas cronológicas de Belo Horizonte: 1711-1930. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1997., a cidade passou por grande expansão demográfica entre 1899 (data dos primeiros dados na referida obra) e 1929 (data dos últimos dados), como se pode ver no gráfico abaixo:

Gráfico 1
– Aumento demográfico na Cidade de Belo Horizonte (1899-1929)

De uma população estimada em 12.000 em 7 de julho de 1899, chegou-se à cifra de 108.849 em 31 de dezembro de 1929: aumento de 807% em trinta anos. Pela linha de porcentagem de aumento, vê-se que houve uma média em torno de 8% ao ano. Esse aumento demográfico repercutiu naturalmente sobre a estrutura da cidade, exigindo novos loteamentos, novos arruamentos e, consequentemente, novos topônimos.

Embora o ofício de Reis tivesse dado a conhecer algumas das motivações para atribuição de topônimos, sua descrição não explicitava de forma precisa todos os princípios que regeram sua escolha. A ausência de formalização desses princípios deve ter sido uma das razões pelas quais a atribuição de topônimos nos primórdios da Cidade de Belo Horizonte foi bastante instável.

O caso mais emblemático nesse percurso foi a revogação de quase todos os topônimos novos atribuídos a logradouros da cidade entre 1895 e 1919 feita através da Lei Municipal nº 182, de 13 de outubro de 1919, cujo art. 1º dispunha que “[...] fica restabelecida a nomenclatura das ruas, avenidas e praças da Capital, de acôrdo com a planta aprovada pelo decreto nº 817, de 15 de Abril de 1895” (Belo Horizonte, 1919).

Mas há outros casos também significativos de comportamento instável, como a alteração da Avenida Brasil para Avenida Floriano Peixoto, em 29 de junho de 1898, que ocorreu de fato (houve, inclusive, cerimônia oficial), mas, ao que parece, não de direito (não se encontrou até o momento nenhum ato normativo que tenha oficializado a alteração3 3 Não consta lei ou decreto no ano de 1898 referindo-se a essa mudança (Minas Gerais, 1899). , o qual havia a previsão de ser um decreto estadual4 4 Tal é o que consta em notícia publicada na época no periódico oficial do governo (Minas Gerais, 1898, p. 6). ), e também a alteração da Praça 14 de Outubro para Praça 7 de Setembro por ocasião da comemoração ao centenário da Independência do Brasil (com a instalação de um obelisco), em 7 de setembro de 1922, alteração que também não se operou com ato normativo próprio na época.

Na atualidade, o sistema de denominação oficial de próprio público é regulamentado sobretudo pela Lei Municipal n° 9.691, de 19 de janeiro de 2009, que recebeu diversas modificações desde sua promulgação. Levando em conta especificamente a outorga de nome a logradouros oficiais (sistema viário público)5 5 No presente estudo, faz-se distinção entre atribuição de nome e outorga de nome: no primeiro caso, o termo se refere a qualquer processo em que se atribui um nome, seja de forma espontânea, seja de forma oficial; no segundo caso, o termo se refere apenas à atribuição de nome de forma oficial, ou seja, por ato normativo. e a espaços livres de uso público (como praças, parques, dentre outros), constatam-se normas específicas nos arts. 17, 21, 22, 28, 29 e 30 (Belo Horizonte, 2009)6 6 Nas citações mais adiante extraídas da referida lei, adota-se a redação mais recente, com a integração das modificações feitas por leis posteriores. A forma ortográfica das citações segue à da época da norma. .

Examinando-se esses dispositivos, é possível reconhecer que cada norma se baseia em um princípio mais geral de estruturação da toponímia da cidade. Em norma anterior à de 2009, a Lei Municipal no 5.890, de 14 de outubro de 1991, no entanto, já se haviam positivado explicitamente três princípios no art. 8º:

§ 1° – Unicidade é a exigência de que um nome não seja dado a mais de uma via no território de Belo Horizonte, sejam essas vias da mesma espécie ou de espécies diferentes, conforme arroladas no art. 4°, excetuando-se apenas a hipótese de serem as tais vias uma praça e uma via de rolamento.

§ 2° – Universalidade é a exigência de que todas as vias públicas da cidade tenham denominação própria.

§ 3° – Estabilidade é a exigência de escolha de nomes com possibilidade efetiva de acolhimento e de utilização pela comunidade, evitando-se mudanças constantes dos mesmos (Belo Horizonte, 1991BELO HORIZONTE. Lei nº 5.980, de 14 de outubro de 1991. Dispõe sobre denominação de próprios públicos e dá outras providências. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/5980/1991. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-leg...
).

Dada a inexistência de uma nomenclatura definida para todos os princípios no campo dos estudos da toponímia, apresenta-se a seguir uma proposta7 7 Os princípios elencados a seguir são apenas uma amostra, uma vez que há outros diplomas legais recentes que também tratam da questão da outorga de nome a próprio público. para descrever aqueles que se constatam na Lei n° 9.691, de 19 de janeiro de 2009, atualmente vigente:

  1. o art. 17 especifica o Princípio da Extensão Limitada8 “Art. 17 – O nome outorgado a próprio público e a passagem poderá apresentar até 3 (três) palavras, excetuadas as partículas gramaticais” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo deve ter extensão curta);

  2. o inc. I do art. 21 expressa o Princípio da Impessoalidade9 9 “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: I – com nome de pessoa viva” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo não deve se referir a pessoa viva);

  3. o inc. II do art. 21 e o inc. II do art. 29 se referem ao Princípio da Moralidade10 10 “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: [...] II – com nome de pessoa que tenha sido condenada judicialmente por crime hediondo, por crime contra o estado democrático, a administração pública ou os direitos individuais” e “Art. 29 – É vedado modificar nome que tenha sido oficialmente outorgado há mais de 10 (dez) anos a próprio público, a passagem e a bairro, salvo em caso: [...] III – de o nome do próprio público fazer menção ou homenagear autores das graves violações de direitos humanos durante o período da ditadura militar ou fazer menção às datas referentes a esta” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo não deve se referir a pessoa que tenha tido conduta reprovável);

  4. o inc. III do art. 21 diz respeito ao Princípio da Significância11 11 “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: [...] III – com letras isoladas ou em conjuntos que não formem conteúdo lógico, ou com números não considerados em expressões relativas a datas, excetuados os casos de nomes provisórios previstos no art. 28 desta Lei” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo não provisório deve apresentar um significado);

  5. o inc. IV do art. 21 especifica o Princípio da Legibilidade12 12 “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: [...] IV – com palavras, expressões ou nomes estrangeiros que dificultem a legibilidade e assimilação pela população, salvo quando adaptados à grafia do idioma latino ou do anglo-saxão” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo deve ser legível pela população);

  6. o art. 22 especifica o Princípio da Unicidade13 13 “Art. 22 – É vedada a duplicidade de denominação de próprio público” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo não deve apresentar duplicidade);

  7. o art. 28 trata do Princípio da Legalidade14 14 “Art. 28 – Até que o nome seja oficialmente outorgado, o logradouro oficial e a passagem serão identificados por uma denominação provisória atribuída pelo Executivo” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo é provisório até que seja oficialmente outorgado);

  8. os arts. 29 e 30 se referem ao Princípio da Estabilidade15 15 “Art. 29 – É vedado modificar nome que tenha sido oficialmente outorgado há mais de 10 (dez) anos a próprio público, a passagem e a bairro, salvo em caso de duplicidade de nome ou do disposto no inciso II do art. 21 desta Lei” (Belo Horizonte, 2009). (um topônimo deve ser permanente, exceto em certas circunstâncias)16 16 Como a outorga de nome a próprio público é feita pela administração pública, nada é mais natural que os princípios de estruturação da toponímia urbana tenham grande afinidade com os princípios da administração pública de forma geral descritos no art. 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Brasil, 1988). .

É importante salientar aqui a distinção entre norma e princípio: no caso do art. 17, a norma é o topônimo apresentar até três palavras, mas essa norma se baseia em um princípio de natureza mais geral e abstrata de que um topônimo deve ter extensão limitada. Esse mesmo princípio pode se realizar concretamente de diferentes maneiras segundo a política urbanística de cada cidade: uma localidade pode optar por fixar o limite de três palavras (como no caso da Cidade de Belo Horizonte), mas outra pode, com base nesse mesmo princípio, optar pelo limite de quatro palavras; em ambos os casos, há sempre a observância do Princípio da Extensão Limitada. Um mesmo princípio admite normas diferentes.

Do ponto de vista diacrônico, que o presente estudo adota, é de interesse compreender como os princípios de estruturação da toponímia urbana se constituíram, buscando identificar a partir de quando cada princípio passou a atuar sobre a formação da toponímia da Cidade de Belo Horizonte e de que forma eles interagem entre si para a produção do resultado.

No que se refere ao primeiro trintênio da Cidade de Belo Horizonte, não foi possível identificar a existência de um único diploma legal que tenha formalizado, de maneira unificada e sistemática, princípios nos moldes dos da Lei n° 9.691 de 2009. É possível constatar, no entanto, manifestações isoladas e pontuais de alguns deles em certos atos normativos nesse período:

  1. A Lei Municipal n° 42, de 13 de novembro de 1909, já positivava o Princípio da Estabilidade17 17 “Art. 2º – Não poderão d’ora avante, ser mudados os nomes de ruas e avenidas, desde que taes nomes se refiram á nossa chorographia ou á nossa historia patria” (Belo Horizonte, 1909). e o Princípio da Impessoalidade18 18 “Art. 3º – A nenhuma rua, avenida ou praça e a nenhum edificio publico poderá ser dado o nome de cidadãos ainda vivos” (Belo Horizonte, 1909). , mas também fazia valer o Princípio da Pertinência (um topônimo deve ter conexão com a geografia ou a história da localidade) no mesmo artigo do primeiro19 19 É interessante registrar que, tempos depois, houve uma relativização dessa norma, admitindo-se mais claramente a homenagem a estrangeiros: “Art. 1º – Fica o Prefeito autorizado a dar a logradouros públicos, ainda não denominados, nomes de brasileiros e estrangeiros ilustres, já falecidos.” (Belo Horizonte, 1937). ;

  2. A Lei Municipal nº 182, de 13 de outubro de 1919, reforçou o Princípio da Estabilidade no caput do seu art. 1º, através de restauração dos topônimos do Decreto Estadual nº 817, de 15 de abril de 1895 e positivou o Princípio da Unicidade no parágrafo único desse mesmo artigo20 20 “Art. 1º – Fica restabelecida a nomenclatura das ruas, avenidas e praças da Capital, de acôrdo com a planta aprovada pelo decreto nº 817, de 15 de Abril de 1895. Parágrafo único – Ficará o nome da avenida João Pinheiro, por estar essa avenida ligada á Praça da Liberdade, nome idêntico ao que tem essa avenida na planta aprovada pelo decreto citado.” (Belo Horizonte, 1919). ;

  3. O Decreto Municipal nº 44, de 7 de setembro de 1929, positivou o Princípio da Continuidade (um mesmo topônimo deve ser aplicado a todo o trajeto de uma via pública se ela não apresentar interrupção)21 21 “Considerando que a avenida Christovam Colombo partindo da avenida do Contorno é interrompida pelo edificio do palacio da Liberdade, decreta: Art. 1º – Passará a denominar-se Bias Fortes o trecho da avenida Christovam Colombo que, partindo da Praça da Liberdade, vae até o cruzamento das ruas Patrocinio e Peçanha.” (Belo Horizonte, 1929). .

A dinâmica histórica da toponímia da Cidade de Belo Horizonte envolveu claramente uma interação entre seus princípios de estruturação. Como exemplo, pode-se mencionar que a já citada revogação dos topônimos atribuídos a logradouros da cidade entre 1895 e 1919, feita através da Lei nº 182, fez valer o Princípio da Estabilidade, porque muitas mudanças realizadas no referido período violaram o Princípio da Pertinência: p. ex., a mudança de Rua de Curityba para Rua General Mitre, feita pela Lei Municipal nº 156, de 31 de outubro de 1918, homenageou uma figura histórica22 22 Bartolomé Mitre Martinez (Buenos Aires, 26 de junho de 1821 – Buenos Aires, 19 de janeiro de 1906) foi militar argentino que participou da Guerra do Paraguai (1864-1870), na qual a Argentina era aliada do Brasil e do Uruguai. sem relação direta com a história da cidade e com relação muito tangencial considerando a história do Brasil.

Em síntese, parece evidente que, para compreender a formação da toponímia da Cidade de Belo Horizonte, é necessário ir além dos textos das normas pertinentes, já que estas foram muito escassas em épocas mais pretéritas, e priorizar a atenção propriamente aos topônimos, de maneira que, a partir de sua análise, seja possível inferir quais foram efetivamente os princípios de estruturação da toponímia da cidade e como eles interagiram entre si. No presente estudo, apresenta-se uma análise comparativa da toponímia da Cidade de Belo Horizonte a partir de registros cartográficos referentes aos períodos de 1895-1897 e de 1928-1929 justamente para contemplar essa questão.

Toponomástica: conceitos fundamentais

Tendo como objeto de estudo os nomes próprios de lugar, a Toponomástica é um ramo da Onomástica, área da Linguística que se ocupa de nomes próprios de forma geral. O estudo específico de nomes de lugar se refere ao nome próprio tanto de uma fonte, um córrego, um pequeno monte, como de uma rua, uma cidade, um país ou um continente. Esses nomes podem proceder tanto do léxico geral da língua vernacular como de palavras oriundas de outros idiomas. Eles podem não ter significado em nossa contemporaneidade, mas, com certeza, tinham-no em épocas pretéritas.

Recebe o nome de Toponímia o conjunto de nomes próprios de lugar. A Toponímia divide-se em: Toponímia Geral; Toponímia Maior ou Macrotoponímia (que tem por objeto de estudo nomes de países, regiões, estados, cidades, núcleos de população mais importantes, rios e montanhas mais relevantes); e Toponímia Menor ou Microtoponímia (que trata dos nomes de fontes, aguadas, áreas de pastagens de propriedades rurais etc.). Essa divisão, de natureza sincrônica, apresenta limites, uma vez que um macrotopônimo no passado pode ter se transformado em um microtopônimo no mundo moderno; ou, inversamente, um microtopônimo em um macrotopônimo.

Tentativas de identificar padrões mais gerais na estruturação da toponímia podem ser constatadas já no estudo de Dauzat (1926)DAUZAT, A. Les noms de lieux. Paris: Delagrave, 1926.. Entretanto, deve-se citar como de especial interesse aqui o estudo de Backheuser (1949-1950BACKHEUSER, E. Toponímia (suas regras - sua evolução). Revista Geográfica, Ciudad de México, v.9/10, n.25/30, p.163-195, 1949/1950. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/40996352. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://www.jstor.org/stable/40996352...
), que, levando em conta estudos precedentes e observando a toponímia brasileira, estabeleceu dez preceitos ou leis gerais para sua estruturação. Assim, por exemplo, a 10ª lei é de que “a estabilidade do topônimo varia no sentido do respeito à tradição histórica de que é possuidor cada povo” (Backheuser, 1949-1950, p. 195). Por um lado, esse estudo teve o mérito de apontar para a relevância de se tratar da toponímia em termos de preceitos gerais; por outro, ainda apresentava resquícios da concepção determinista de fins do séc. XIX, por considerar que os preceitos seriam leis, sugerindo existirem comportamentos categóricos para um processo que apresenta uma complexa interação entre fatores de naturezas diversas (políticas, culturais, sociais, etc.).

A Toponímia Urbana é o conjunto de nomes próprios de lugares de uma cidade. O tratamento que se deve dar a eles é bastante singular quanto à questão da motivação, como destaca Isquerdo (2023ISQUERDO, A. N. (org.). Toponímia urbana no Brasil: estudos. Campo Grande: UFMS, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufms.br/handle/123456789/5662. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://repositorio.ufms.br/handle/12345...
, p. 9):

Em se tratando da toponímia urbana, no geral, as condicionantes denominativas são de natureza muito diversas e pontuais, não raras vezes sendo impostas pelos órgãos públicos, ou ainda resultar de interesses diversos, como preferências do proprietário do terreno loteado (valorização da família ou de algum tema de seu interesse particular...); da homenagem a políticos, a autoridades civis e religiosas que exerceram papel de relevância na história da cidade. Assim, a feição toponímica urbana, no geral, incorpora a referência a fatos históricos e deixa transparecer influências de fatores econômicos e ideológicos relacionados à história da formação do povoado, da vila, da cidade.

Hodonímia23 23 No Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, mantido pela Academia Brasileira de Letras, registram-se as variantes gráficas hodonímia/odonímia e hodônimo/odônimo. é o nome que se dá ao estudo dos espaços urbanos, isto é, aos nomes de ruas, avenidas, praças etc. Ainda pouco tratado por pesquisadores, os hodônimos se referem às vias de circulação como estradas, atalhos, ruas etc. Os hodônimos têm como funções nas cidades organizar o espaço urbano e promover uma orientação espacial (sobretudo para controle administrativo). Como se inserem em um ambiente de convívio de pessoas (com uma pluralidade cultural de todo tipo) em um espaço restrito, merecem especial atenção, como salienta Badariotti (2016BADARIOTTI, D. Lógicas históricas e geográficas nos nomes de ruas na França: a hodonímia e o exemplo de Colmar. Boletim Gaúcho de Geografia, v.43, n.2, p.11-32, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/bgg/article/view/71029. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://seer.ufrgs.br/index.php/bgg/arti...
, p. 3):

Os hodônimos são um belo tema [...], belo, porém difícil. De fato, desde que ultrapassaram o estágio de designação vernacular para entrar na fase das denominações políticas, os nomes de rua tornaram-se um imenso quadro informativo das representações culturais e símbolos que nossa sociedade busca promover. Se descartarmos os nomes de inspiração local e aqueles muito insípidos, valorizando as flores, os pássaros ou as variedades de árvores, temos de reconhecer que não é insignificante batizar uma rua de “Joana D’Arc”, uma praça de “Salvador Allende”, ou de conferir nomes de cidades europeias a um bairro, como na Pequena Holanda de Montbéliard ou na ZUP24 24 A ZUP (sigla em francês para Zona a ser Urbanizada em Prioridade) foi um procedimento administrativo de urbanismo utilizado na França entre 1959 e 1967, a fim de responder à demanda crescente de habitações [nota do tradutor do artigo de Badariotti]. de Colmar. Convém, portanto, questionar o processo de designação das ruas e suas lógicas históricas e geográficas a forjarem a paisagem toponímica das cidades francesas.

Por constituírem parte da paisagem linguística que acompanha os habitantes de uma cidade, não se pode negar a importância da carga simbólica que esses nomes evocam, pois estão sempre visíveis e muitas vezes transcendem o simples papel de referente, apontando uma visão “oficial” da história, fato que justifica a necessidade de um estudo diacrônico sobre esses processos:

Os hodônimos permitem, de fato, questionarmo-nos sobre os temas representativos de diferentes épocas, cada um contribuindo isoladamente para promover o simbolismo que cada sociedade quis exibir e perpetuar. A análise histórica possibilita, então, encontrar os contextos de criação dos hodônimos e compreender melhor as grandes lógicas de denominação utilizadas ao longo do tempo, esclarecendo o sentido dos símbolos então veiculados (Badariotti, 2016BADARIOTTI, D. Lógicas históricas e geográficas nos nomes de ruas na França: a hodonímia e o exemplo de Colmar. Boletim Gaúcho de Geografia, v.43, n.2, p.11-32, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/bgg/article/view/71029. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://seer.ufrgs.br/index.php/bgg/arti...
, p. 3).

Por ser controlada pelo poder administrativo, a toponímia urbana está sujeita a influências sociais e políticas que refletem em mudanças ao longo do tempo. Como símbolos, alguns costumam ter a carga semântica apagada, outros são deturpados, enquanto muitos são carregados de emoção, às vezes, conflituosos. É necessário que se atente para o valor das denominações tradicionais que vão se perdendo e, junto a ela, a memória histórica: a memória de um acontecimento passado não é construída somente a partir de recordações, ela é produto de uma série de construções sociais que envolvem governo, pessoas e ideologias diversas. Dick (1996DICK, M. V. de P. do A. A dinâmica dos nomes na cidade de São Paulo: 1554-1897. São Paulo: Annablume, 1996., p. 133) ressalta que

[...] a rua é o caminho melhorado, do ponto de vista de sua morfologia, e semanticamente, a rua é um verdadeiro microcosmo dentro do organismo maior do aglomerado urbano. A rua tudo testemunha, numa atitude cúmplice de aceitação.

É fato que, em toda cidade, houve e haverá mudanças na nomeação de ruas e praças; contudo, há épocas em que o “rebatismo” é mais frequente, coincidindo com mudanças político-sociais significativas, moldadas pelas sociedades.

Para o estudo da mudança toponímica, Dauzat (1926DAUZAT, A. Les noms de lieux. Paris: Delagrave, 1926., p. 45) afirma que há dois tipos: a espontânea e a sistemática. A mudança espontânea se dá na língua de uma maneira natural, por motivações diversas. Já a mudança sistemática não é despretensiosa, mas sim honorífica, e evoca em geral o nome de pessoas ilustres, autoridades de uma região, datas comemorativas, sendo imposta com o objetivo de homenagear alguém ou lembrar algum acontecimento.

Diversos trabalhos recentes contemplando o estudo da toponímia urbana de cidades do Estado de Minas Gerais25 25 Para estudos recentes contemplando a toponímia urbana em diferentes estados do Brasil, cf. Isquerdo (2023). , no qual se situa a Cidade de Belo Horizonte, objeto do presente estudo, têm demonstrado que há uma prevalência de topônimos de natureza antropocultural, com destaque para a taxe dos antropotopônimos (topônimos referentes a nome de pessoa).

Filgueiras (2011)FILGUEIRAS, Z. F. A presença italiana em nomes de ruas de Belo Horizonte: passado e presente. 2011. 348 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., em estudo sobre os antropônimos de origem italiana que nomeiam ruas da Cidade de Belo Horizonte, concluiu que, como foi uma cidade planejada, a comissão construtora escolheu a nomenclatura dos logradouros que se inseriam no limite inicial da cidade, mas, posteriormente, houve mudanças:

[...] o mesmo não se deu com os nomes do arruamento que foi se desenvolvendo nas zonas suburbanas e nas colônias onde, em muitas ocasiões, a escolha das designações refletiu a atitude espontânea dos munícipes que, por meio de abaixo-assinados, solicitavam ao legislativo a adoção de determinados nomes para designarem os logradouros onde viviam (Filgueiras, 2011FILGUEIRAS, Z. F. A presença italiana em nomes de ruas de Belo Horizonte: passado e presente. 2011. 348 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., p. 334-335).

Ruas, avenidas, becos e praças foram o tema do estudo de Gontijo (2017)GONTIJO, F. L. F. L. História e cultura do centro-oeste mineiro retratadas na antropotoponímia da Cidade de Bom Despacho. 2017. 142 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/LETR-ANBR5U. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, que se ocupou da toponímia da cidade mineira de Bom Despacho. Através dos nomes de logradouros públicos, foi possível traçar um perfil da comunidade estudada, que, de acordo com sua análise, se apresentou como “patriarcal, valorizadora de indivíduos com bom status social e personalidades públicas e religiosas, além de outros elementos” (Gontijo, 2017GONTIJO, F. L. F. L. História e cultura do centro-oeste mineiro retratadas na antropotoponímia da Cidade de Bom Despacho. 2017. 142 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/LETR-ANBR5U. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, p. 8). Constatou, assim, que a motivação toponímica da cidade está ligada a títulos de pessoas influentes como militares, políticos, médicos e religiosos.

Os antropotopônimos também foram destaque no estudo de Faria (2017)FARIA, G. da C. dos S. Tradição e memória: um estudo antroponímico dos nomes de logradouros da cidade de Ponte Nova - Minas Gerais. 2017. 686 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/LETR-AU2G47. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, que contemplou a hodonímia da cidade mineira de Ponte Nova. Dos 549 logradouros urbanos, 410 se destacam por terem motivação de nomes de pessoas.

Em estudo sobre as vias públicas da cidade mineira de São João del-Rei, Macedo (2021)MACEDO, C. R. A antropotoponímia da cidade de São João del-Rei - Minas Gerais. 2021. 1233 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/35755. Acesso em: 30 jun. 2023.
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constatou novamente, como principal motivação para os nomes de ruas, homenagens a pessoas que se destacaram em seus papéis sociais no município, no estado e no país, sejam políticos, militares, religiosos, comendadores, conselheiros, embaixadores, doutores, professores, músicos, engenheiros e operários.

O estudo de Silva (2021)SILVA, J. C. da. Axiotopônimos: um estudo dos logradouros públicos da cidade de Betim (MG). 2021. 439 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/35876. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, que tratou dos hodônimos da cidade mineira de Betim, atestou o fato já apontado pelos estudos anteriores de que os topônimos motivados por nomes de pessoas tendem a caracterizar, prototipicamente, a denominação dos espaços públicos urbanos. Mostrou também a aproximação entre os antropotopônimos e os axiotopônimos que resultam em casos de variação:

De acordo com Preti (2004PRETI, D. Papéis sociais e formas de tratamento em A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queiroz. In: PRETI, D. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p.180-199., p. 180), é natural que cada ser humano assuma uma posição social dentro de um grupo social ou várias posições, quando participa de vários grupos, sendo, ao mesmo tempo o pai, na família; o professor, na escola; o jogador, na equipe esportiva; o pregador, na igreja. Assim sendo, um fato interessante a respeito dos axiotopônimos, ou antropo-axiotopônimos (FARIA, 2017FARIA, G. da C. dos S. Tradição e memória: um estudo antroponímico dos nomes de logradouros da cidade de Ponte Nova - Minas Gerais. 2017. 686 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/LETR-AU2G47. Acesso em: 30 jun. 2023.
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), está relacionado à escolha paradigmática do axiônimo no ato de batismo. Considerando os casos de variação que se explicam pela ausência ou presença do axiônimo diante do antropônimo (Prefeito Sílvio Lobo < Sílvio Lobo), percebemos que o denominador teria a opção de homenagear o indivíduo Sílvio Lobo com ou sem um título ou dignidade. Ao mesmo tempo, considerando as variações na escolha do axiônimo (Prefeito Sílvio Lobo > Doutor Sílvio Lobo)26 26 Esses exemplos de variação foram retirados das placas de logradouros. , percebemos que o denominador teria a opção de homenageá-lo, considerando o seu papel político na cidade de Betim ou considerando o seu papel social profissional de advogado (Silva, 2021, pSILVA, J. C. da. Axiotopônimos: um estudo dos logradouros públicos da cidade de Betim (MG). 2021. 439 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/35876. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, p. 369).

Mendes (2022) pesquisou os hodônimos da cidade mineira de Pedro Leopoldo, que teve seus primeiros aglomerados na segunda metade dos oitocentos. Com base nos antropotopônimos selecionados para seu estudo, observou haver grande diversificação, com homenagem a pessoas do próprio local, pertencentes a camadas sociais diversas. Identificou que houve pouca variação nos nomes e essa, quando ocorria, “se deu no sentido de se trocarem nomes mais genéricos ou de datas (como Rua Várzea Formosa ou Praça 31 de Março) para nomes dos antigos moradores da cidade.” (Mendes, 2022, p. 13). Seus resultados foram compatíveis com os estudos de Faria (2017)FARIA, G. da C. dos S. Tradição e memória: um estudo antroponímico dos nomes de logradouros da cidade de Ponte Nova - Minas Gerais. 2017. 686 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/LETR-AU2G47. Acesso em: 30 jun. 2023.
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e Macedo (2021)MACEDO, C. R. A antropotoponímia da cidade de São João del-Rei - Minas Gerais. 2021. 1233 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/35755. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, com predominância de nomes de lugares referentes a pessoas:

[...] tem-se que os antropotopônimos ocupam o primeiro lugar nas classificações taxionômicas; antropo-axiotopônimos estão em segunda colocação; antropo-historiotopônimos, na terceira; e antropo-axio-historiotopônimos ocupam a quarta colocação em número de ocorrências (Mendes, 2022MENDES, L. R. G. De Abgail Antônio P. da Silva a Zico Barbosa: língua, história e memória nos nomes de logradouros no município de Pedro Leopoldo - MG. 2022. 796 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/46896. Acesso em: 30 jun. 2023.
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, p. 714).

Em se tratando da questão da alteração dos nomes das ruas dessa cidade, os dados de Mendes (2022) mostraram que as mudanças ocorridas se deram, em sua maioria, de nomes comuns para nomes próprios; de nomes próprios para outros nomes próprios e de datas para nomes próprios.

Mendes (2022) chamou atenção para a questão de homenagear pessoas vivas com nomes de ruas, já que, entre seus dados, encontrou nomes de ruas conferidas a essas pessoas – destacam-se nomes de doadores que destinaram parte de terras de sua possessão para abertura de novas ruas e ainda uma “personalidade futebolística” (Dirceu Lopes), que nomeia rua no centro da cidade:

Foi encontrada, no site da Câmara Municipal de Pedro Leopoldo, lei específica sobre a denominação de logradouros públicos, a saber, a Lei 3.350, de 18 de novembro de 2013. Ela alterou a Lei anterior, de número 2.468, de 12 de novembro de 1999. A mais atual dispõe que os projetos de nomeação dos logradouros devem estar acompanhados dos documentos que comprovem a localização da via a ser denominada na planta cadastral do município, e se está localizada em área urbana ou rural. Deve haver ainda certidões negativas de denominação anterior e, no caso de alteração da nomeação anterior, deve haver apresentação de abaixo assinado favorável à mudança. Por fim, quando a nomeação sugerida se referir a nomes de cidadãos, deve haver “a comprovação relativa à contribuição do patrono para o enaltecimento e desenvolvimento econômico, social e/ou cultural do município, demonstrado por meio de curriculum vitae circunstanciado e minucioso”. [...] Destaque-se que não foram encontrados impeditivos legais na lei municipal para as homenagens aos vivos, quando da época da nomeação desses logradouros. Entretanto, há uma lei federal (Lei Federal nº 6.454, de 24 de outubro de 1977) que veta este tipo de ação. Não foram encontradas outras leis municipais ou federais, com exceção das já mencionadas, que versem sobre a temática (Mendes, 2022, p. 723-724).

Um topônimo urbano pode ser considerado um símbolo, um testemunho geográfico, ambiental e, ainda, histórico e social de uma época, de uma sociedade. Não há como desconsiderar os impactos da cultura, e da própria realidade social, no seu processo de formação, fixação e manutenção. Muitas vezes, não se encontram facilmente identificáveis, principalmente quando não são observadas regras para a nomeação.

Como “lugares de memória”, exercendo função utilitária, os hodônimos constituem um importante tema de investigação que engloba a memória coletiva de uma cidade, principalmente, porque, apesar de estarem expostos, estampados em placas, quase nunca são transparentes, uma vez que, sem estudos específicos, não temos acesso ao passado, à motivação que levou o homem ao ato de nomear determinado espaço urbano.

Hipótese de trabalho

Considerando que a forte expansão da Cidade de Belo Horizonte entre 1895-1897 e 1928-1929, com aumento de mais de 800% da sua população, exigiu outorga de grande quantidade de topônimos de forma simultânea e reiterada, é possível hipotetizar que houve mudanças relevantes nos princípios de estruturação da toponímia da Cidade de Belo Horizonte durante seu primeiro trintênio, a fim de que se conseguisse atender às demandas.

Possivelmente, dois outros fatores devem ter contribuído para maior flexibilidade da gama de princípios que regeram o processo de outorga de nome a próprios públicos (vias, espaços, etc.): primeiramente, o fato de o primeiro trintênio ter sido um período em que o próprio modelo de organização da cidade estava em processo de constituição, bem como a determinação das atribuições de cada componente de sua estrutura organizacional; e, em segundo lugar, o fato de que os diplomas legais referentes à toponímia da Cidade de Belo Horizonte nos primórdios de sua história raramente dispunham de forma explícita os princípios que governavam o referido processo de outorga efetivamente realizado.

Metodologia

A análise da toponímia da Cidade de Belo Horizonte no presente estudo foi feita através de uma comparação dos topônimos em plantas da cidade em dois recortes temporais.

O primeiro recorte se refere ao período de 1895-1897 (doravante, CDC1895-97). Na data de 15 de abril de 1895, através do Decreto Estadual no 817, foi aprovada a “planta geral e definitiva da cidade de – Minas – futura Capital do Estado de Minas Geraes” (Minas Gerais, 1895MINAS GERAIS. Decreto n o 817, de 15 de abril de 1895. Aprova a planta geral da Cidade de Minas, futura capital do Estado de Minas Gerais. Disponível em: https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/DEC/817/1895. Acesso em: 30 jun. 2023.
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). Essa aprovação se referia a um conjunto de quatro documentos cartográficos, dos quais apenas três têm sua localização conhecida hoje: (a) SA 203, Arquivo Público Mineiro (APM); (b) AI.01.06.00-391, Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH); e (c) CC Dt 06 009, Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB). O quarto documento, hoje sem localização conhecida, terá sido o modelo para a planta impressa na escala de 1:10000 pela Companhia de Artes Gráficas do Brasil, da qual uma cópia é o documento CC Dt 06 008 do MHAB, datável de 189727 27 Para a zona suburbana, consultaram-se apenas os documentos AI.01.06.00-391 e CC Dt 06 008, pois as cópias dos outros dois não permitiram a adequada leitura do nome dos logradouros dessa zona. (cf. figura 1). Em análise prévia sobre os topônimos apenas da zona urbana da cidade, Cambraia e Seabra (2022aCAMBRAIA, C. N.; SEABRA, M. C. T. C. de. Variação na gênese da toponímia da Cidade de Belo Horizonte. Investigações, Recife, v.35, p.1-36, 2022a. DOI: http://dx.doi.org/10.51359/2175-294x.2022.254329. Acesso em: 30 jun. 2023.
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) constataram a existência de variação, sendo, por isso recomendável trabalhar com todo o conjunto dos documentos acessíveis citados para o devido conhecimento do inventário de topônimos previstos para a cidade. É importante salientar que os topônimos desse conjunto documental eram apenas uma previsão, porque se referiam a um projeto para a cidade e não a uma descrição de como a cidade já havia se configurado fisicamente.

Figura 1
– Planta Geral da Cidade de Minas Organisada sobre a Planta Geodesica, Topographica e Cadastral do Bello Horisonte, datável de 1897 (CC Dt 06 008, MHAB)

O segundo recorte se refere ao período de 1928-1929 (doravante, P1928-29). A opção por esse segundo recorte se deve à existência de uma planta geral da Cidade de Belo Horizonte, organizada pela 1ª Seção da Subdiretoria de Obras em 1928-1929, na escala 1:5000, no APCBH, em excelente estado de conservação e já digitalizada29 29 Diante da constatação de casos como Rua A e Rua B e da ausência de categoria na classificação de Dick (1990a) para esses casos, propôs-se aqui a classificação de alfatopônimos (topônimos baseados em letras do alfabeto) para designar esse tipo. (cf. figura 2). Uma segunda razão para contemplar esse recorte está no fato de se tratar de um momento da história da cidade em que já havia ocorrido a incorporação das antigas colônias à zona suburbana da cidade (processo realizado entre 1911 e 1923) e também já havia sido autorizada a construção de vilas operárias na cidade (processo iniciado em 1919), fatos que mudaram sensivelmente o panorama toponímico da cidade, em função de novos arruamentos. O estado toponímico (organização da toponímia em uma dada sincronia) dessa planta reflete uma faixa de tempo entre (a) 10 de janeiro de 1929, pois já apresenta o loteamento da parte superior do atual Bairro Coração de Jesus (CP 042-010-G), com seus respectivos topônimos, e (b) 9 de fevereiro de 1929, uma vez que ainda não apresenta o loteamento da parte inferior do mesmo bairro (CP 042-005-G) e, portanto, sem os respectivos topônimos.

Figura 2
– Planta Geral da Cidade de Bello Horizonte, datada de 1928-1929 (AP.00.00.00/SMC, APCBH)

Fixadas as plantas para o estudo toponímico, fez-se a coleta das formas de topônimos em cada uma, a classificação em termos de motivações, com base nos modelos de Dick (1990a, 1990b e 1996) e Seabra (2016)SEABRA, M. C. T. C. de. Variação e mudança linguística de topônimos. In: COSTA, D. de S. S.; BENÇAL, D. R. (org.). Nos caminhos do léxico. Campo Grande: Ed. da UFMS, 2016.30 30 Não se computou como logradouro independente a Avenida Paraopeba na zona suburbana no CDC1895-97, porque é prolongamento dela desde a zona urbana, assim como não se registrou como logradouro independente a Rua Itajubá na zona urbana na P1928-29, por ser prolongamento dela desde a zona suburbana. e, por fim, uma análise comparativa para avaliar a procedência da hipótese de trabalho formulada. Para a classificação de corotopônimos (categoria de grande importância na toponímia da Cidade de Belo Horizonte), tomou-se como principal referência a divisão administrativa do Estado fixada pela Lei Estadual no 843, de 7 de setembro de 1923: nela constam 214 municípios e 894 distritos (sendo que cada município possui um distrito com o mesmo nome do município).

Apresentação e discussão dos dados

Após a coleta de dados, foi possível apurar a seguinte distribuição dos topônimos nas plantas da Cidade de Belo Horizonte:

O primeiro aspecto saliente é a notável expansão dos topônimos nas plantas: de 289 para 729, tem-se um aumento de 152,3%. Esses dados sugerem, no entanto, um forte aumento da densidade geográfica: a população havia aumentado oito vezes nos primeiros trinta anos, mas os topônimos e, portanto, os logradouros públicos, aumentaram apenas uma vez e meia nesse período.

O segundo fato evidente é que a zona urbana sofreu mudanças, mas em escala bem menor, o que se explica, em parte, por estar limitada ao interior da então Avenida 17 de Dezembro (hoje, Avenida do Contorno), não podendo, assim expandir-se com novos logradouros e receber tantos novos topônimos.

Para avaliar mais qualitativamente a relação entre os topônimos do CDC1895-97 e da P1928-1929, convém considerar a questão da sua motivação.

No sistema de Reis, a distribuição dos topônimos apresentava o seguinte padrão em termos de motivação32 32 Axiotopônimos (nomes de pessoas com títulos ou dignidades) foram computados dentro da categoria de antropotopônimos, por se considerar que aqueles sejam uma subcategoria destes. :

Há dois aspectos especialmente interessantes nessa distribuição: primeiramente, as três motivações mais frequentes são corotopônimos (37,7%), litotopônimos (28,6%) e historiotopônimos (13,8%); e, em segundo lugar, existem algumas motivações privativas de cada zona, pois, na zona urbana, não há litotopônimos, cardinotopônimos e meteorotopônimos, e, na zona suburbana, não há etnotopônimos, animotopônimos e sociotopônimos. É interessante ver, assim, que a zona urbana abarca mais motivações antropoculturais, enquanto a zona suburbana apresenta mais motivações físicas: essa divisão parece refletir a concepção de Reis de que a zona urbana estava reservada à vida social e a zona suburbana ao abastecimento (pois é nela que se localizariam as chácaras com as plantações de hortaliças para a cidade).

Passando aos dados relativos à P1928-29, é possível então verificar a seguinte distribuição em termos de motivações:

Comparando-se as tabelas 2 e 3, é possível verificar continuidades e inovações.

Tabela 2
– Topônimos da Cidade de Belo Horizonte por motivação: CDC1895-9735

Tabela 3
– Topônimos da Cidade de Belo Horizonte por motivação: P1928-29

Por um lado, a principal matriz no CDC1895-97 – a priorização de corotopônimos (37,7%) – também se verifica na P1928-29, com 47,2%, o que significa uma continuidade no sistema de estruturação da toponímia da cidade. É de assinalar que, enquanto, no CDC1895-97, 85 corotopônimos dos 109 se referem a localidades do Estado de Minas Gerais (78% do total dessa categoria), já, na P1928-29, são 278 (89,4%) dos 311: aumentou, assim, o peso do Estado nesse conjunto34 34 A priorização de corotopônimos que são cidades de Minas Gerais certamente deve ter sido uma forma de legitimar a recente capital, cuja escolha foi fruto de muita disputa. Além disso, reforçava a visão republicana de federação (entidades autônomas associadas a um ente ordenado hierarquicamente) aplicada ao nível estadual (municípios sob a égide do Estado da federação). .

Por outro lado, pode-se ver que, durante o período analisado, houve diversas inovações interessantes:

  1. apareceram, na P1928-29, topônimos para categorias ainda inexistentes no CDC1895-97: fitotopônimos (p. ex., Rua Hortencia), zootopônimos (p. ex., Rua Tuyuyú), hagiotopônimos (p. ex., Rua São Raphael), hodotopônimo (p. ex., Rua do Ramal) e alfatopônimos (p. ex., Rua A);

  2. a hierarquia corotopônimos (37,7%) > litotopônimos (29,8%) > historiotopônimos (12,8%) no CDC1895-97 deu lugar à de corotopônimos (47,2%) > historiotopônimos (25,7%) > litotopônimos (11,4%) na P1928-29, ou seja, os litotopônimos perderam espaço em favor dos historiotopônimos;

  3. a divisão entre padrões próprios da zona urbana por oposição aos da zona suburbana se tornou menos rigorosa, já que os animotopônimos e os sociotopônimos, que, no CDC1895-97, estavam restritos à zona urbana, apareceram também na zona suburbana na P1928-29 (p. ex., respectivamente, Rua Felicidade e Rua das Officinas); e

  4. os litotopônimos, que estavam presentes em praças e ruas na zona suburbana no CDC1895-97, se restringiram apenas a ruas nessa mesma zona na P1928-29.

Tendo sido identificadas as principais características da distribuição dos topônimos na Cidade de Belo Horizonte em termos de motivação, contrastando-se o CDC1895-97 e a P1928-29, é possível então passar à questão central do presente estudo: os princípios que regeram cada um desses dois sistemas.

Um primeiro princípio que se constata em ambos os sistemas é o já mencionado Princípio da Extensão Limitada. Uma análise da extensão de todos os topônimos tanto do CDC1895-97 e da P1928-29, em termos de número de itens lexicais35 35 Não se consideraram, na contabilização de itens em cada topônimo, o nome do tipo de logradouro (praça, avenida e rua) nem a preposição (articulada ou não) que se segue imediatamente ao nome do tipo. Assim, um topônimo como Rua dos Andes recebeu a classificação 1 (Andes). Computaram-se palavras morfológicas, e não palavras gráficas, por isso Rua Felippe dos Santos recebeu a classificação 4 (Felippe + de + os + Santos). , evidencia claramente a atuação desse princípio, como se vê nas tabelas abaixo:

Em ambos os sistemas, a extensão de apenas um item lexical é predominante, diminuindo geralmente a frequência à medida que aumenta o número de itens lexicais36 36 É possível que este mesmo princípio explique a tendência geral de supressão de preposição (articulada ou não) após o tipo do logradouro: cf. Rua do Araxá (CDC1895-97) > Rua Araxá (P1928-29). Os dois únicos topônimos com extensão 5 são os referentes a estados do Brasil: Rua Rio Grande do Norte e Rua Rio Grande do Sul (os mesmos em CDC1895-97 e P1928-29): certamente não foram abreviados da parte final, porque geraria homonímia. . É esse princípio que explica a ausência de topônimos vinculados a nomes de localidade com grande extensão, como Nossa Senhora da Conceição de Carrancas (7 itens lexicais: Nossa + Senhora + de + a + Conceição + de + Carrancas). Além disso, há topônimos que são abreviação de localidade com nome mais extenso: assim, a referência à localidade de São Joaquim da Serra Negra (6 itens: São + Joaquim + de + a + Serra + Negra) é feita simplesmente como Rua Serra Negra (2 itens: Serra + Negra) na P1928-29.

Um segundo princípio pertinente é o Princípio da Unicidade, também já referido. No CDC1895-97, não há nenhum caso de dois ou mais logradouros de um dado tipo com mesmo nome: há apenas casos como Praça da Liberdade × Rua da Liberdade e Avenida Parahybuna × Rua Parahybuna, ou seja, logradouros com mesmo núcleo, mas de tipos diferentes. Nesse sistema, evitava-se, quando possível, nome igual mesmo para logradouros de tipo diferente: as avenidas têm nome de rios (como Avenida Amazonas) e as ruas no eixo sudeste-noroeste têm nome de estados do Brasil (como Rua Maranhão). Então, para evitar Rua Amazonas (com elemento que já fazia parte de nome de avenida), adotou-se Rua Manaos (nome da capital do estado em questão). No caso da P1928-29, constata-se a atuação desse princípio, mas não de forma categórica, porque há três topônimos repetidos (no universo de 729 topônimos), mas em bairros diferentes: Rua Itapemirim (uma no então Parque do Cruzeiro do Sul, hoje Bairro Saudade37 37 Nesse bairro, o nome do logradouro foi modificado para Rua Icó, em data ainda não identificada. , e outra na 8ª Seção Suburbana, hoje Bairro Serra); Rua Porto Alegre (uma na então Villa Palmital, hoje Bairro Santo André38 38 Nesse bairro, o nome do logradouro foi modificado para Rua Recife, em data ainda não identificada, em função de estar alinhado com a rua já com esse nome. , e outra na então Ex-Colônia Carlos Prates, hoje Bairro Carlos Prates); e Avenida Almirante Tamandaré (uma no então Parque Vera Cruz, hoje Bairro Vera Cruz39 39 Nesse bairro, o nome do logradouro foi modificado para Avenida Jequitinhonha, em data ainda não identificada. , e outra na então 3ª Seção Suburbana, hoje Bairro Gutierrez). No caso da Rua Porto Alegre, há coincidência de nome, mas não de motivação: na Villa Palmital, a rua está no conjunto de corotopônimos que contemplam capitais brasileiras (p. ex., Rua Aracajú, Rua Victoria, etc.), mas, na Ex-Colônia Carlos Prates, está no conjunto de corotopônimos que contemplam cidades mineiras (Rua Rio Casca, Rua Prados, dentre outras) e há uma cidade mineira com o nome de Porto Alegre. Apesar dessas três exceções, o princípio explica a grande maioria dos topônimos e mesmo essas três acabaram tendo uma das repetições substituída por outro nome em época posterior, o que reitera a atuação do princípio40 40 Embora a atribuição de topônimos seja regida por esse princípio, a vida social acaba resultando na convivência de formas paralelas, seja por mudanças ainda em implementação (p. ex., moradores antigos usando nome anterior ao de uma dada mudança), seja por conveniência referencial (moradores preferindo se referir ao nome de uma praça pelo nome de algum comércio nela presente, como foi o caso da Praça 13 de Maio, que, apesar de ter tido seu nome mudado para Praça Diogo de Vasconcelos em 1943, passou a ser chamada informalmente de Praça da Savassi em função da Padaria Savassi nela instalada desde 1940). .

Um terceiro princípio relevante é o Princípio da Unidade Temática (topônimos de um novo loteamento devem apresentar unidade temática, ou seja, motivação de mesma natureza). Esse princípio, de certa forma, já estava presente no CDC1895-97, porque topônimos de motivação semelhante geralmente ocorriam próximos (p. ex., nomes de estado brasileiro em sequência no eixo sudeste-noroeste, nomes de inconfidentes em sequência no topo do eixo sudoeste-nordeste e nomes de etnias indígenas em sequência na base desse eixo). Na P1928-29, esse princípio continuou atuando nos novos loteamentos: p. ex., Villa Independência e Villa Esplanada (que partilhavam muitas ruas) com fitotopônimos (Rua Violetas, Rua Boninas, etc.); 3ª Seção Suburbana com antropotopônimos de militares (Rua Marechal Bittencourt, Rua Cel. Gomes Carneiro, Avenida Almirante Alexandrino, etc.); dentre outros. No caso da P1928-29, esse princípio parece ter tido menos força do que outros, porque não é rara a presença de topônimo de outra motivação no interior desses loteamentos. Como ainda não foi possível conhecer a exata data de atribuição de cada topônimo até o momento, é possível imaginar que esses casos discrepantes sejam fruto de atribuição para logradouro que já tinha outro nome na época do loteamento inicial ou ainda de novo arruamento posterior ao loteamento inicial (fato este muito comum no curso da ocupação da cidade).

Um quarto princípio, vinculado ao anterior, é o Princípio da Supletividade (a ausência de topônimo de um tema deve ser suprida com a adoção de topônimo correlato). O exemplo mais evidente desse princípio é o das Villas Edgard Werneck e São João (que partilhavam muitas ruas). A temática desses loteamentos seguia a orientação geral de atribuição de corotopônimos relativos a cidades mineiras, mas com a especificidade de serem cidades com nome de santo: alguns topônimos são formados simplesmente pelo nome completo da cidade (Rua São Luiz, Rua São Roque, Rua São Joaquim e Rua Santo Amaro), mas outros, atendendo ao Princípio da Extensão Limitada, foram formados por abreviação – as várias cidades com São Sebastião no nome (p. ex., São Sebastião da Estrela, São Sebastião do Alto Capim, São Sebastião da Encruzilhada, etc.) foram homenageadas com simplesmente Rua São Sebastião –, como é também o caso de Rua São Jerônimo, Rua São Vicente e Rua São José. Tendo aparentemente sido consideradas esgotadas as opções de nomes de cidade mineira que são nomes de santos, então se lançou mão de nomes de santos que não fazem parte do nome de nenhuma cidade mineira, como foi o caso de Rua São Bento, Rua São Marcos, Rua São Agostinho e Rua São Matheus: trata-se, portanto, de formas supletivas nos bairros em questão (são nomes de santos, mas não nomes de cidades mineiras) para preencher lacuna gerada pela exigência do Princípio da Unidade Temática. O topônimo Rua São Gothardo, na 7ª Seção Suburbana, que fica logo em contato com as duas vilas consideradas, reforça a ideia de os nomes de santos nessas vilas terem tido como motivação serem nomes de cidade mineira: trata-se de um santo muito particular para poder ter sido escolhido tendo em vista simplesmente a categoria de hagiotopônimo, razão pela qual se considera que terá sido eleito justamente por ser um corotopônimo (já que é nome de uma cidade mineira).

Um quinto princípio importante é o Princípio do Vetor Antropotoponímico (topônimos novos devem ser na direção de antropotopônimos). Como já assinalado, os litotopônimos e os historiotopônimos mudaram de ordem do CDC1895-97 (2º e 3º lugar) para a P1928-29 (3º e 2º lugar), ou seja, houve um aumento da presença destes em relação àqueles. Mas, dentro da classe dos historiotopônimos, é justamente na subclasse dos antropotopônimos em que houve o aumento mais expressivo nesse caso: de 9,3% no CDC1895-97 para 23,7% na P1928-29, diferença de 14,4 pontos percentuais, valor muito semelhante à queda dos litotopônimos, que passou de 29,8% para 11,4% (com 18,4 p.p. de diferença). Não se trata, porém, de substituição dos litotopônimos do primeiro período (com 86 itens) por antropotopônimos no segundo (com 83 itens que são litotopônimos), já que o que houve foi essencialmente uma mudança na priorização: novos logradouros não receberam, de forma geral, nomes de minerais, mas sim de pessoas. É interessante notar que esse princípio teve impacto sobre a atuação do Princípio da Extensão Limitada: topônimos com extensão 2 passaram de 14,9% no CDC1895-97 para 29,9% na P1928-29. Isso ocorreu porque antropônimos raramente são compostos de apenas um item lexical, já que um único item lexical (p. ex., o prenome) geralmente não é suficiente para deixar clara a referência a uma pessoa específica, havendo a necessidade de um segundo item (o nome de família), como na forma Rua David Campista presente na P1928-29 (diferentemente de casos raros como Rua Tiradentes, Rua Anhanguera, Rua Caramurú, etc.).

Vinculado ao princípio anterior, há o Princípio da Relação Biotópica (antropotopônimo deve ser atribuído a logradouro com vínculo com a biografia do homenageado). Esse princípio tem também relação com o Princípio da Pertinência, já comentado antes. Sendo assim, não basta que o homenageado tenha algum tipo de relação com a história da cidade ou do país (Princípio da Pertinência), é necessário também que o próprio público que vai receber o nome tenha algum tipo de relação com a biografia do homenageado (Princípio da Relação Biotópica). A já referida mudança da Avenida Brasil para Avenida Floriano Peixoto, em 29 de junho de 1898, que teria sido a primeira de todas na história da Cidade de Belo Horizonte, consiste em caso dessa natureza: o homenageado, Floriano Peixoto41 41 Floriano Vieira Peixoto (Maceió, 30 de abril de 1839 – Barra Mansa, 29 de junho de 1895). , foi um militar que ocupou a Presidência do Brasil entre 23 de novembro de 1891 e 15 de novembro de 1894 e a Avenida Brasil inicia-se no então Quartel do 1º Batalhão, órgão de cunho militar42 42 Com a já referida revogação das mudanças na toponímia entre 1895 e 1919, pela Lei Municipal nº 182, de 13 de outubro de 1919, a avenida voltou ao nome original. Mais tarde, a Praça Belo Horizonte, que ficava em frente a esse mesmo quartel, teve seu nome alterado para Praça Floriano Peixoto, pelo Decreto Municipal nº 55, de 20 de dezembro de 1929: novamente o Princípio da Relação Biotópica atuou. . A mudança seguinte foi a alteração da Avenida da Liberdade para Avenida João Pinheiro (Decreto Estadual n° 2276, de 29 de outubro de 1908), em homenagem a João Pinheiro43 43 João Pinheiro da Silva (Serro, 16 de dezembro de 1860 — Belo Horizonte, 25 de outubro de 1908). . A relação biotópica consiste no fato de o Palácio da Liberdade, sede do governo estadual, ficar no final da então Avenida da Liberdade e João Pinheiro ter sido Presidente do Estado entre 10 de fevereiro e 20 de julho de 1890 e entre 7 de setembro de 1906 e 25 de outubro de 1908 (faleceu durante seu mandato).

Componente também interessante é o Princípio da Continuidade, já comentado. Tal princípio já era observado no CDC1895-97, uma vez que a presença de uma interrupção no percurso de uma rua justificava nomes diferentes para cada seção: assim acontecia com a Rua Antonio d’Albuquerque, que se tornava Rua Nunes Vieira após a interrupção por um jardim zoológico previsto, mas, não tendo sido ele implementado, desapareceu a interrupção e a seção final, correspondente à Rua Nunes Vieira, assumiu o nome de sua parte inicial, que era Rua Antonio d’Albuquerque44 44 Inversamente, a Avenida Cristóvão Colombo, que apresentava a singularidade de manter seu nome mesmo após a interrupção da Praça da Liberdade no CDC1895-97, teve a seção posterior a esta renomeada como Avenida Bias Fortes pelo Decreto Municipal n 44, de 7 de setembro de 1929 (em época posterior à da P1928-29). , como se vê na P1928-29.

No que se refere ao Princípio da Impessoalidade, já se comentou que ele foi positivado no art. 3º da Lei Municipal n° 42, de 13 de novembro de 1909. Desta forma, no CDC1895-97, esse princípio não era rigorosamente observado, já que consta a Avenida Afonso Penna, homenageando, em caso único, político então vivo45 45 Afonso Augusto Moreira Pena (Santa Bárbara, 30 de novembro de 1847 — Rio de Janeiro, 14 de junho de 1909). , que havia sido Presidente do Estado entre 1892 e 1894. No caso da P1928-29, a análise é mais complexa, porque não se puderam localizar todos os atos normativos que outorgaram antropotopônimos, o que impede de saber a relação precisa entre a data de falecimento do homenageado e a data de outorga do topônimo. Considerando então como data de referência o ano de 1929, é possível constatar que o princípio continuava não sendo rigorosamente observado, pois, dos 163 antropotopônimos47 47 As substituições foram: Praça da Estação > Praça Rui Barbosa; Praça 14 de Fevereiro > Praça Rio Branco; Praça 7 de Setembro > Praça 12 de Outubro; Avenida da Liberdade > Avenida João Pinheiro; Avenida do Parahybuna > Avenida Bernardo Monteiro; Avenida do Parque > Av. Imperio; Avenida do Parahybuna > Avenida Bernardo Monteiro; Rua Itambe > Rua Ayuruoca; Rua da Liberdade > [Rua sem nome]; Rua do Jequitinhonha > Rua dos Aymorés (início); e Rua Nunes Vieira > Rua Antonio d’Albuquerque (final). A antiga Rua da Liberdade havia sido alterada para Rua Levindo Lopes pela Lei Municipal nº 281, de 3 de outubro de 1924, mas, na P1928-29, ela não aparece nomeada. cuja data de falecimento do homenageado foi possível recuperar, em, pelo menos, 11, o(a) homenageado(a) ainda estava vivo(a) em 1929 (p. ex., Rua Nery Ferreira, referente ao engenheiro ferroviário de mesmo nome, falecido em 1931; Rua Aarão Reis, referente ao engenheiro da CCNC, falecido em 1936; R. Adelaide Bias Fortes, referente à esposa de Chrispim Bias Fortes, o qual foi Presidente do Estado entre 1890 e 1891 e entre 1894 e 1898, falecida em 1947; dentre outros).

O Princípio da Legibilidade pode ser reconhecido como atuante tanto no CDC1895-97 quanto na P1928-29. No primeiro caso, não há topônimo em língua estrangeira, com exceção de sobrenomes (p. ex., Praça Benjamin Constant e Rua dos Ottoni), estando os complicados litotopônimos em sua forma portuguesa, bem como os etnotopônimos. Também no segundo caso, a situação se mantém, apesar de haver alguns sobrenomes com grafia mais complexa (p. ex., Rua Francisco Soucasaux e Rua Carlos Niemeyer). Em nenhum caso, há topônimo que seja composto de substantivo comum em língua estrangeira, como no caso de Argollostrasse (“Rua do Argollo”) no sul do Brasil, referido por Dick (1988DICK, M. V. de P. do A. Toponímia e imigração no Brasil. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v.29, p.83-92, 1988. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i29p83-92. Acesso em: 30 jun. 2023.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
, p. 88).

Por fim, há também o Princípio da Resiliência (diferentes tipos de logradouros apresentam graus diferentes de resistência à mudança toponímica). A análise desse princípio no período entre 1895-97 e 1928-29 é complexa, porque, sendo o CDC1895-97 apenas uma previsão, não houve, no primeiro trintênio, um arruamento exatamente como imaginado: não há, portanto, identidade perfeita entre o arruamento previsto e o realizado, sobretudo em relação à zona suburbana. Adaptando-se a tabela de Cambraia e Seabra (2022b), originalmente do período de 1895-2022, para o primeiro trintênio e restringindo à análise à zona urbana (cujo arruamento se manteve em grande parte igual durante o período), tem-se a seguinte distribuição:

Como se pode ver pela tabela 6, existem graus diferentes de resiliência: topônimos de praças (45,5% de manutenção) apresentam menor resiliência que os de avenidas (85%), que, por sua vez, apresentam valor menor que os de ruas (92,4%)48 48 Essa mesma ordenação em termos de manutenção, embora com porcentagens diferentes, é a que se constatou levando em conta a situação da toponímia urbana da cidade em relação a 2022 (Cambraia; Seabra, 2022b). . Pode-se ver, pela tabela, que uma parcela considerável de topônimos de praça (40,9%) não foi aplicada e isso se deve ao fato de, na maioria dos casos, a praça não ter sido implementada como tal, mas sim como quarteirão regular: assim, a vulnerabilidade do topônimo de praça decorre sobretudo da vulnerabilidade da própria praça, que seria considerada menos vital para a cidade. Confrontando os dados de avenida e de rua, vê-se que a substituição de topônimo naquela é mais frequente do que nesta: isso deve decorrer de avenidas terem maior visibilidade, o que as torna mais “vulneráveis” a atos públicos (basta lembrar aqui que a primeira mudança em relação ao CDC1895-97 foi justamente na Avenida Brasil).

Tabela 6
– Topônimos da zona urbana de Belo Horizonte por destino: CDC1895-97 × P1928-29

O processo de estruturação da toponímia da Cidade de Belo Horizonte pode ser explicado, em grande parte, com base na interação entre esses princípios. Não há, por exemplo, no período analisado, mudança de uma praça com nome de pessoa para nome de cidade: essa alteração choca-se com o Princípio do Vetor Antropotoponímico. Não há topônimo com mais de 5 itens lexicais, porque um tal nome entraria em conflito com o Princípio da Extensão Limitada.

O presente estudo tomou como base a hipótese de trabalho de que houve mudanças relevantes nos princípios de estruturação da toponímia da Cidade de Belo Horizonte durante seu primeiro trintênio. Os dados analisados confirmaram essa hipótese, uma vez que houve efetivamente mudanças relevantes.

Uma primeira mudança foi a relativização do Princípio da Unicidade: enquanto no CDC1895-97 não há nenhum caso de dois ou mais logradouros de um dado tipo com mesmo nome, já na P1928-29 apareceram três. É bem possível que deve ter favorecido a relativização desse princípio a ampliação do espaço loteado na cidade: como os nomes duplicados foram atribuídos a regiões distantes entre si, diminuía-se assim a possibilidade de ambiguidade na referência.

Outra mudança interessante foi a emergência do Princípio da Supletividade: enquanto no CDC1895-97 todos os topônimos do mesmo tema estão estritamente vinculados a ele, já na P1928-29 há casos de hagiotopônimos recrutados para preencher lacunas referentes ao tema de corotopônimos que são nomes de santos.

No que se refere ao Princípio do Vetor Antropotoponímico, que é de natureza diacrônica (pois diz respeito à direção da mudança toponímica), sua atuação só poderia ser considerada aqui no CDC1895-97 de forma indireta, levando em conta basicamente a frequência de antropotopônimos, que é bastante tímida (apenas 9,3% do conjunto), mas, na comparação entre o CDC1895-97 e a P1928-29, é bastante visível sua emergência, pois passou-se de 9,3% no primeiro período para 23,7% no segundo (cf. tabelas 2 e 3): trata-se, portanto, de uma mudança relevante.

Outro princípio que emergiu no primeiro trintênio foi o Princípio da Relação Biotópica, pois, no CDC1895-97, nenhum logradouro tem vínculo com a biografia do homenageado, e, na P1928-29, são vários os casos, como o já citado da Avenida João Pinheiro. A ausência desse princípio no CDC1895-97 decorre do fato de, sendo a cidade inteiramente nova, seria muito difícil relacionar homenageado e logradouro. Poder-se-ia, no entanto, ter chamado de Avenida Afonso Pena a que terminaria no Palácio da Liberdade (sede do governo estadual) pelo fato de Afonso Pena ter sido Presidente do Estado (embora em período anterior à fundação da nova capital), mas não se fez, logo, a relação biotópica não foi considerada no CDC1895-97.

Também o Princípio da Resiliência é diacrônico e, nesse caso, não é possível avaliá-lo no CDC1895-97 nem de forma indireta: o máximo que se pode verificar é que neste havia menos praças do que avenidas e menos avenidas do que ruas. Já comparando com a P1928-29, sua emergência é clara, como se viu pelos dados da tabela 6.

No entanto, verificaram-se também certas continuidades. O Princípio da Extensão Limitada é claramente atuante nos dois recortes temporais, como se viu nas tabelas 5 e 6: topônimos de extensão 1 foram os mais frequentes nos dois casos. O Princípio da Unidade Temática é patente em ambos os recortes temporais: basta lembrar o tema de antropotopônimos restrito à zona urbana e o tema de litotopônimos restrito à zona suburbana, ambos no CDC1895-97, bem como o tema de fitotopônimos nas Villas Independência e Esplanada na P1928-29. O Princípio da Continuidade também se verifica nos dois recortes temporais analisados, embora fosse menos atuante no CDC1895-97 do que na P1928-29, pois a Avenida Christovão Colombo era interrompida pela Praça de Liberdade no primeiro e ainda assim apresentava esse nome para sua seção após essa interrupção, situação que já aparece resolvida na segunda, com a renomeação dessa seção final como Avenida Bias Fortes. O Princípio da Legibilidade está presente nos dois recortes temporais em questão, já que se evitaram palavras em língua estrangeira que não fossem sobrenomes de homenageados. Por fim, manteve-se a relativização do Princípio da Impessoalidade, já que em ambos os recortes há topônimos referentes a pessoa então viva, mas é fato que, no CDC1895-97, ele era mais observado (porque havia apenas um caso dentre 289 topônimos, ou seja, 0,4%) do que na P1928-29 (com 11 casos dentre 729 topônimos, ou seja, 1,5%).

Tabela 5
– Topônimos da Cidade de Belo Horizonte por extensão: P1928-29

Considerações finais

No presente estudo, apresentou-se uma análise comparativa da toponímia do primeiro trintênio da Cidade de Belo Horizonte com base em plantas de dois períodos: o conjunto documental cartográfico relativo a 1895-1897, e a planta geral da Cidade de Belo Horizonte de 1928-1929. Testou-se a hipótese de que houve mudanças relevantes nos princípios de estruturação da toponímia da Cidade de Belo Horizonte durante seu primeiro trintênio. A hipótese foi confirmada, uma vez que se constataram como mudanças relevantes, em termos de princípios, a relativização do Princípio da Unicidade e a emergência do Princípio da Supletividade, do Vetor Antropotoponímico, da Relação Biotópica e da Resiliência. Atestaram-se também certas constantes, como a atuação do Princípio da Extensão Limitada, da Unidade Temática, da Continuidade e da Legibilidade e a relativização do Princípio da Impessoalidade.

Longe de ter a intenção de esgotar o tema, o presente estudo objetivou apenas apresentar uma nova forma de interpretar o processo de estruturação da toponímia urbana, baseada na identificação de princípios. Espera-se ter demonstrado que o estudo da toponímia urbana pode ser produtivamente realizado, assumindo-se uma perspectiva mais sistêmica, tratando a estruturação da toponímia como um processo regido por princípios que apresentam uma complexa relação de interação. Tais princípios emergiram, em muitos casos, antes de sua positivação na forma de atos normativos (como aconteceu com a toponímia inicial da Cidade de Belo Horizonte, entre 1895 e 1897). Não é improvável que também em outras localidades se constatem processos de natureza semelhante49 49 Segundo mencionado na seção 3, diversos estudos relativos a cidades mineiras apontaram para um comportamento compatível com o Princípio do Vetor Antropotoponímico. , mas certamente é de grande interesse aprofundar-se futuramente no estudo da toponímia da própria Cidade de Belo Horizonte, considerando novos recortes temporais para identificar a emergência (ou supressão) de princípios e novas relações de peso e contrapeso que aparecem em função dessas mudanças.

O aprofundamento do estudo dos princípios de estruturação da toponímia urbana permitirá compreender não apenas aspectos internos e sistêmicos, mas também as próprias visões de mundo que cada sociedade assume ao longo das épocas. Como exemplo dessa relação, basta lembra que, na já citada Lei Municipal n° 9.691, de 2009, a atualmente vigente, o Princípio da Legibilidade tem como realização normativa ser vedado o uso de “palavras, expressões ou nomes estrangeiros que dificultem a legibilidade e assimilação pela população, salvo quando adaptados à grafia do idioma latino ou do anglo-saxão” (art. 21, inc. IV): tal norma concede especial lugar à cultura anglo-saxã no patrimônio toponímico da cidade, algo que só pode ser compreendido tendo em conta a dominação cultural americana sobre o Ocidente a partir da 2ª Guerra Mundial. Enfim, os princípios de estruturação da toponímia, em última instância, carregam valores que refletem a história de uma sociedade.

Tabela 1
– Topônimos nas plantas da Cidade de Belo Horizonte

Tabela 4
– Topônimos da Cidade de Belo Horizonte por extensão: CDC1895-97

REFERÊNCIAS

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  • BELO HORIZONTE. Resolução n° 65, de 7 de novembro de 1937. Autoriza o Prefeito a dar nomes a logradouros públicos. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/resolucao/65/1937 Acesso em: 30 jun. 2023.
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  • BELO HORIZONTE. Lei nº 5.980, de 14 de outubro de 1991. Dispõe sobre denominação de próprios públicos e dá outras providências. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/5980/1991 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/5980/1991
  • BELO HORIZONTE. Lei n° 9.691, de 19 de janeiro de 2009. Dispõe sobre identificação de próprio público, de passagem, de bairro, de distrito e de imóvel urbano e dá outras providências. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/9691/2009 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/9691/2009
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • CAMBRAIA, C. N.; SEABRA, M. C. T. C. de. Variação na gênese da toponímia da Cidade de Belo Horizonte. Investigações, Recife, v.35, p.1-36, 2022a. DOI: http://dx.doi.org/10.51359/2175-294x.2022.254329 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » http://dx.doi.org/10.51359/2175-294x.2022.254329
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    » https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/7713
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    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i29p83-92
  • DICK, M. V. de P. do A. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo; Arquivo do Estado, 1990a.
  • DICK, M. V. de P. do A. Toponímia e antroponímia no Brasil: coletânea de estudos. 2. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1990b.
  • DICK, M. V. de P. do A. A dinâmica dos nomes na cidade de São Paulo: 1554-1897. São Paulo: Annablume, 1996.
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    » https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/LETR-AU2G47
  • FILGUEIRAS, Z. F. A presença italiana em nomes de ruas de Belo Horizonte: passado e presente. 2011. 348 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
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    » https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/LETR-ANBR5U
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    » https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/35755
  • MENDES, L. R. G. De Abgail Antônio P. da Silva a Zico Barbosa: língua, história e memória nos nomes de logradouros no município de Pedro Leopoldo - MG. 2022. 796 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/46896 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/46896
  • MINAS GERAIS. Decreto n o 817, de 15 de abril de 1895. Aprova a planta geral da Cidade de Minas, futura capital do Estado de Minas Gerais. Disponível em: https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/DEC/817/1895 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/DEC/817/1895
  • MINAS GERAIS. Collecção das leis e decretos do Estado de Minas Gerais: 1898. Cidade de Minas: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1899. Disponível em: https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/4703 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/4703
  • MINAS GERAIS. Minas Geraes, Cidade de Minas, 24 de junho de 1898. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/291536/14425 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » http://memoria.bn.br/DocReader/291536/14425
  • MINAS GERAIS. Decreto n° 2.276, de 29 de outubro de 1908. Dá à Avenida da Liberdade o nome de Avenida João Pinheiro. Disponível em: https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/DEC/2276/1908 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/DEC/2276/1908
  • MINAS GERAIS. Lei n o 843, de 7 de setembro de 1923. Dispõe sobre a divisão administrativa do Estado. Disponível em: https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/LEI/843/1923 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/LEI/843/1923
  • PENNA, O. Notas cronológicas de Belo Horizonte: 1711-1930. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1997.
  • PRETI, D. Papéis sociais e formas de tratamento em A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queiroz. In: PRETI, D. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p.180-199.
  • REIS, A. Officio n.26 de 23 de Março de 1895, apresentando ao Governo as plantas da cidade. Revista Geral dos Trabalhos: Publicação Periodica, Descriptiva e Estatistica, Feita com Autorisação do Governo do Estado, Belo Horizonte, v.2, p.59-60, 1895. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/339997/160 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » http://memoria.bn.br/DOCREADER/339997/160
  • SANTA ROSA, E. et al. Panorama de Belo Horizonte: atlas histórico. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais/Fundação João Pinheiro, 1997. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/verDocumento.php?iCodigo=56553 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/verDocumento.php?iCodigo=56553
  • SEABRA, M. C. T. C. de. Variação e mudança linguística de topônimos. In: COSTA, D. de S. S.; BENÇAL, D. R. (org.). Nos caminhos do léxico. Campo Grande: Ed. da UFMS, 2016.
  • SILVA, J. C. da. Axiotopônimos: um estudo dos logradouros públicos da cidade de Betim (MG). 2021. 439 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/35876 Acesso em: 30 jun. 2023.
    » http://hdl.handle.net/1843/35876
  • 1
    Para uma descrição mais detalhada, cf. Barreto (1996)BARRETO, A. Belo Horizonte: memória histórica e descritiva. 2. ed. rev. Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais/Fundação João Pinheiro, 1996. v.1. História Antiga, v.2. História Média. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=53258. e http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=53259. Acesso em: 30 jun. 2023.
    http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/c...
    .
  • 2
    Uma descrição mais abrangente consta da seção de apresentação e discussão dos dados do presente estudo.
  • 3
    Não consta lei ou decreto no ano de 1898 referindo-se a essa mudança (Minas Gerais, 1899MINAS GERAIS. Collecção das leis e decretos do Estado de Minas Gerais: 1898. Cidade de Minas: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1899. Disponível em: https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/4703. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/...
    ).
  • 4
    Tal é o que consta em notícia publicada na época no periódico oficial do governo (Minas Gerais, 1898, p. 6).
  • 5
    No presente estudo, faz-se distinção entre atribuição de nome e outorga de nome: no primeiro caso, o termo se refere a qualquer processo em que se atribui um nome, seja de forma espontânea, seja de forma oficial; no segundo caso, o termo se refere apenas à atribuição de nome de forma oficial, ou seja, por ato normativo.
  • 6
    Nas citações mais adiante extraídas da referida lei, adota-se a redação mais recente, com a integração das modificações feitas por leis posteriores. A forma ortográfica das citações segue à da época da norma.
  • 7
    Os princípios elencados a seguir são apenas uma amostra, uma vez que há outros diplomas legais recentes que também tratam da questão da outorga de nome a próprio público.
  • “Art. 17 – O nome outorgado a próprio público e a passagem poderá apresentar até 3 (três) palavras, excetuadas as partículas gramaticais” (Belo Horizonte, 2009).
  • 9
    “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: I – com nome de pessoa viva” (Belo Horizonte, 2009).
  • 10
    “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: [...] II – com nome de pessoa que tenha sido condenada judicialmente por crime hediondo, por crime contra o estado democrático, a administração pública ou os direitos individuais” e “Art. 29 – É vedado modificar nome que tenha sido oficialmente outorgado há mais de 10 (dez) anos a próprio público, a passagem e a bairro, salvo em caso: [...] III – de o nome do próprio público fazer menção ou homenagear autores das graves violações de direitos humanos durante o período da ditadura militar ou fazer menção às datas referentes a esta” (Belo Horizonte, 2009).
  • 11
    “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: [...] III – com letras isoladas ou em conjuntos que não formem conteúdo lógico, ou com números não considerados em expressões relativas a datas, excetuados os casos de nomes provisórios previstos no art. 28 desta Lei” (Belo Horizonte, 2009).
  • 12
    “Art. 21 – É vedado denominar próprio público, passagem e bairro: [...] IV – com palavras, expressões ou nomes estrangeiros que dificultem a legibilidade e assimilação pela população, salvo quando adaptados à grafia do idioma latino ou do anglo-saxão” (Belo Horizonte, 2009).
  • 13
    “Art. 22 – É vedada a duplicidade de denominação de próprio público” (Belo Horizonte, 2009).
  • 14
    “Art. 28 – Até que o nome seja oficialmente outorgado, o logradouro oficial e a passagem serão identificados por uma denominação provisória atribuída pelo Executivo” (Belo Horizonte, 2009).
  • 15
    “Art. 29 – É vedado modificar nome que tenha sido oficialmente outorgado há mais de 10 (dez) anos a próprio público, a passagem e a bairro, salvo em caso de duplicidade de nome ou do disposto no inciso II do art. 21 desta Lei” (Belo Horizonte, 2009BELO HORIZONTE. Lei n° 9.691, de 19 de janeiro de 2009. Dispõe sobre identificação de próprio público, de passagem, de bairro, de distrito e de imóvel urbano e dá outras providências. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/9691/2009. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-leg...
    ).
  • 16
    Como a outorga de nome a próprio público é feita pela administração pública, nada é mais natural que os princípios de estruturação da toponímia urbana tenham grande afinidade com os princípios da administração pública de forma geral descritos no art. 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    ).
  • 17
    “Art. 2º – Não poderão d’ora avante, ser mudados os nomes de ruas e avenidas, desde que taes nomes se refiram á nossa chorographia ou á nossa historia patria” (Belo Horizonte, 1909).
  • 18
    “Art. 3º – A nenhuma rua, avenida ou praça e a nenhum edificio publico poderá ser dado o nome de cidadãos ainda vivos” (Belo Horizonte, 1909BELO HORIZONTE. Lei n° 42, de 13 de novembro de 1909. Sobre denominação de ruas, avenidas e praças. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/42/1909. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-leg...
    ).
  • 19
    É interessante registrar que, tempos depois, houve uma relativização dessa norma, admitindo-se mais claramente a homenagem a estrangeiros: “Art. 1º – Fica o Prefeito autorizado a dar a logradouros públicos, ainda não denominados, nomes de brasileiros e estrangeiros ilustres, já falecidos.” (Belo Horizonte, 1937BELO HORIZONTE. Resolução n° 65, de 7 de novembro de 1937. Autoriza o Prefeito a dar nomes a logradouros públicos. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/resolucao/65/1937. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-leg...
    ).
  • 20
    “Art. 1º – Fica restabelecida a nomenclatura das ruas, avenidas e praças da Capital, de acôrdo com a planta aprovada pelo decreto nº 817, de 15 de Abril de 1895. Parágrafo único – Ficará o nome da avenida João Pinheiro, por estar essa avenida ligada á Praça da Liberdade, nome idêntico ao que tem essa avenida na planta aprovada pelo decreto citado.” (Belo Horizonte, 1919BELO HORIZONTE. Lei nº 182, de 13 de outubro de 1919. Muda a denominação de avenidas e ruas. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/182/1919. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-leg...
    ).
  • 21
    “Considerando que a avenida Christovam Colombo partindo da avenida do Contorno é interrompida pelo edificio do palacio da Liberdade, decreta: Art. 1º – Passará a denominar-se Bias Fortes o trecho da avenida Christovam Colombo que, partindo da Praça da Liberdade, vae até o cruzamento das ruas Patrocinio e Peçanha.” (Belo Horizonte, 1929).
  • 22
    Bartolomé Mitre Martinez (Buenos Aires, 26 de junho de 1821 – Buenos Aires, 19 de janeiro de 1906) foi militar argentino que participou da Guerra do Paraguai (1864-1870), na qual a Argentina era aliada do Brasil e do Uruguai.
  • 23
    No Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, mantido pela Academia Brasileira de Letras, registram-se as variantes gráficas hodonímia/odonímia e hodônimo/odônimo.
  • 24
    A ZUP (sigla em francês para Zona a ser Urbanizada em Prioridade) foi um procedimento administrativo de urbanismo utilizado na França entre 1959 e 1967, a fim de responder à demanda crescente de habitações [nota do tradutor do artigo de Badariotti].
  • 25
    Para estudos recentes contemplando a toponímia urbana em diferentes estados do Brasil, cf. Isquerdo (2023)ISQUERDO, A. N. (org.). Toponímia urbana no Brasil: estudos. Campo Grande: UFMS, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufms.br/handle/123456789/5662. Acesso em: 30 jun. 2023.
    https://repositorio.ufms.br/handle/12345...
    .
  • 26
    Esses exemplos de variação foram retirados das placas de logradouros.
  • 27
    Para a zona suburbana, consultaram-se apenas os documentos AI.01.06.00-391 e CC Dt 06 008, pois as cópias dos outros dois não permitiram a adequada leitura do nome dos logradouros dessa zona.
  • 28
    Deve-se assinalar, no entanto, que essa planta não registrava todos os topônimos já existentes na cidade, porque ela não cobria completamente certas regiões já loteadas, como a parte alta do atual Bairro Anchieta, loteada desde 5 de maio de 1928 (segundo o CP [= Croqui de Parcelamento] 041-005-L) e apenas parcialmente visível na referida planta. As plantas que constituem croquis de parcelamento são disponibilizadas on-line em versão digital pelo Sistema SIURBE da Prefeitura de Belo Horizonte.
  • 29
    Diante da constatação de casos como Rua A e Rua B e da ausência de categoria na classificação de Dick (1990aDICK, M. V. de P. do A. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo; Arquivo do Estado, 1990a.) para esses casos, propôs-se aqui a classificação de alfatopônimos (topônimos baseados em letras do alfabeto) para designar esse tipo.
  • 30
    Não se computou como logradouro independente a Avenida Paraopeba na zona suburbana no CDC1895-97, porque é prolongamento dela desde a zona urbana, assim como não se registrou como logradouro independente a Rua Itajubá na zona urbana na P1928-29, por ser prolongamento dela desde a zona suburbana.
  • 31
    Além dessas três categorias (rua, avenida e praça), há uma outra categoria em ocorrência única em cada planta (estrada): Estrada de Ferro da Capital de Minas no CDC1895-97 e Estrada para Sabará na P1928-29. Dada a raridade e a singularidade desses casos, eles não foram incluídos na análise.
  • 32
    Axiotopônimos (nomes de pessoas com títulos ou dignidades) foram computados dentro da categoria de antropotopônimos, por se considerar que aqueles sejam uma subcategoria destes.
  • 33
    Os dados da zona urbana foram aproveitados de Cambraia e Seabra (2022b). Modificou-se aqui a classificação da Rua do Jequitinhonha de hidrotopônimo para corotopônimo, por se considerar que a nova classificação é mais compatível com as motivações do entorno dessa rua.
  • 34
    A priorização de corotopônimos que são cidades de Minas Gerais certamente deve ter sido uma forma de legitimar a recente capital, cuja escolha foi fruto de muita disputa. Além disso, reforçava a visão republicana de federação (entidades autônomas associadas a um ente ordenado hierarquicamente) aplicada ao nível estadual (municípios sob a égide do Estado da federação).
  • 35
    Não se consideraram, na contabilização de itens em cada topônimo, o nome do tipo de logradouro (praça, avenida e rua) nem a preposição (articulada ou não) que se segue imediatamente ao nome do tipo. Assim, um topônimo como Rua dos Andes recebeu a classificação 1 (Andes). Computaram-se palavras morfológicas, e não palavras gráficas, por isso Rua Felippe dos Santos recebeu a classificação 4 (Felippe + de + os + Santos).
  • 36
    É possível que este mesmo princípio explique a tendência geral de supressão de preposição (articulada ou não) após o tipo do logradouro: cf. Rua do Araxá (CDC1895-97) > Rua Araxá (P1928-29). Os dois únicos topônimos com extensão 5 são os referentes a estados do Brasil: Rua Rio Grande do Norte e Rua Rio Grande do Sul (os mesmos em CDC1895-97 e P1928-29): certamente não foram abreviados da parte final, porque geraria homonímia.
  • 37
    Nesse bairro, o nome do logradouro foi modificado para Rua Icó, em data ainda não identificada.
  • 38
    Nesse bairro, o nome do logradouro foi modificado para Rua Recife, em data ainda não identificada, em função de estar alinhado com a rua já com esse nome.
  • 39
    Nesse bairro, o nome do logradouro foi modificado para Avenida Jequitinhonha, em data ainda não identificada.
  • 40
    Embora a atribuição de topônimos seja regida por esse princípio, a vida social acaba resultando na convivência de formas paralelas, seja por mudanças ainda em implementação (p. ex., moradores antigos usando nome anterior ao de uma dada mudança), seja por conveniência referencial (moradores preferindo se referir ao nome de uma praça pelo nome de algum comércio nela presente, como foi o caso da Praça 13 de Maio, que, apesar de ter tido seu nome mudado para Praça Diogo de Vasconcelos em 1943, passou a ser chamada informalmente de Praça da Savassi em função da Padaria Savassi nela instalada desde 1940).
  • 41
    Floriano Vieira Peixoto (Maceió, 30 de abril de 1839 – Barra Mansa, 29 de junho de 1895).
  • 42
    Com a já referida revogação das mudanças na toponímia entre 1895 e 1919, pela Lei Municipal nº 182, de 13 de outubro de 1919, a avenida voltou ao nome original. Mais tarde, a Praça Belo Horizonte, que ficava em frente a esse mesmo quartel, teve seu nome alterado para Praça Floriano Peixoto, pelo Decreto Municipal nº 55, de 20 de dezembro de 1929: novamente o Princípio da Relação Biotópica atuou.
  • 43
    João Pinheiro da Silva (Serro, 16 de dezembro de 1860 — Belo Horizonte, 25 de outubro de 1908).
  • 44
    Inversamente, a Avenida Cristóvão Colombo, que apresentava a singularidade de manter seu nome mesmo após a interrupção da Praça da Liberdade no CDC1895-97, teve a seção posterior a esta renomeada como Avenida Bias Fortes pelo Decreto Municipal n 44, de 7 de setembro de 1929 (em época posterior à da P1928-29).
  • 45
    Afonso Augusto Moreira Pena (Santa Bárbara, 30 de novembro de 1847 — Rio de Janeiro, 14 de junho de 1909).
  • 46
    Há, na P1928-29, 173 antropotopônimos, mas de 10 deles não foi possível recuperar a data de falecimento do homenageado, seja porque sequer se conseguiu identificar a pessoa (em casos como o da Rua Yara), seja porque, apesar de identificada a pessoa, não se encontrou o dado biográfico respectivo (em casos como o da Rua Hollanda Lima, que se refere ao engenheiro Inocêncio Hollanda de Lima).
  • 47
    As substituições foram: Praça da Estação > Praça Rui Barbosa; Praça 14 de Fevereiro > Praça Rio Branco; Praça 7 de Setembro > Praça 12 de Outubro; Avenida da Liberdade > Avenida João Pinheiro; Avenida do Parahybuna > Avenida Bernardo Monteiro; Avenida do Parque > Av. Imperio; Avenida do Parahybuna > Avenida Bernardo Monteiro; Rua Itambe > Rua Ayuruoca; Rua da Liberdade > [Rua sem nome]; Rua do Jequitinhonha > Rua dos Aymorés (início); e Rua Nunes Vieira > Rua Antonio d’Albuquerque (final). A antiga Rua da Liberdade havia sido alterada para Rua Levindo Lopes pela Lei Municipal nº 281, de 3 de outubro de 1924, mas, na P1928-29, ela não aparece nomeada.
  • 48
    Essa mesma ordenação em termos de manutenção, embora com porcentagens diferentes, é a que se constatou levando em conta a situação da toponímia urbana da cidade em relação a 2022 (Cambraia; Seabra, 2022bCAMBRAIA, C. N.; SEABRA, M. C. T. C. de. A batalha dos topônimos: reversão toponímica nos primórdios da Cidade de Belo Horizonte. Humanidades & Inovação, Palmas, v.9, p.84-100, 2022b. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/7713. Acesso: 30 jun. 2023.
    https://revista.unitins.br/index.php/hum...
    ).
  • 49
    Segundo mencionado na seção 3, diversos estudos relativos a cidades mineiras apontaram para um comportamento compatível com o Princípio do Vetor Antropotoponímico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2023
  • Aceito
    14 Nov 2023
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