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ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS CONCEITOS DE “SIGNO/SÍMBOLO” DE ERNST CASSIRER E O CONCEITO DE “SIGNO IDEOLÓGICO” DE V. VOLÓCHINOV

RESUMO

Nos últimos anos, muitos estudos têm sido publicados sobre as influências e convergências entre o pensamento do chamado “Círculo de Bakhtin” e de outros autores contemporâneos dos pensadores russos M. Bakhtin, P. Medviédev e V. Volóchinov. Diversos pesquisadores ( Brandist, 1997BRANDIST, C. Bakhtin, Cassirer, and Symbolic Forms. Radical Philosophy, v.85, p.20-27, 1997. , 2002BRANDIST, C. The Bakhtin Circle: Philosophy, Culture and Politics. London: Pluto Press, 2002. , 2012BRANDIST, C. O dilema de Volóchinov: sobre as raízes filosóficas da teoria dialógica do enunciado. In: BRANDIST, C. Repensando o círculo de Bakhtin: novas perspectivas na história intelectual. Tradutoras Helenice Gouvea e Rosemary H. Schettini. São Paulo: Contexto, 2012. p.35-63. ; Poole, 1998POOLE, B. Bakhtin and Cassirer: The Philosophical Origins of Carnival Messianism. The South Atlantic Quarterly, v.97, n.3/4, p.537-78, 1998. ; Lofts, 2000LOFTS, S. G. Ernst Cassirer - A "Repetition" of Modernity. Albany N. Y.: State University of New York Press, 2000. 2016LOFTS, S. G. Bakhtin e Cassirer: o evento e a máquina. Bakhtiniana. Revista de estudos do discurso, São Paulo, v.11, n.1, p.77-98, jan./abr. 2016. ; Tihanov, 2002TIHANOV, G. The master and the Slave: Lukács, Bakhtin, and the Ideas of Their Time. Oxford: Clarendon Press, 2002. ; Faraco, 2009FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2009. ; Grillo, 2017GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79. ; Marchezan, 2019MARCHEZAN, R. C. M. Bakhtin e a "virada linguística" na filosofia. In: BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C.; FRANCELINO, P. F. (org.). Linguagem e conhecimento (Bakhtin, Volóchinov, Medviédev). São Paulo: Pontes, 2019. p.261-291. ) têm, nesse sentido, mostrado algumas convergências entre o pensamento do filósofo alemão Ernst Cassirer e o pensamento dos autores russos supracitados, bem como influências que aquele exerceu sobre o constructo teórico destes. Neste artigo, propomos, portanto, uma análise comparativa entre conceitos de “símbolo/signo” desenvolvidos por Cassirer e o conceito de “signo” delineado por Volóchinov, apontando similaridades, diferenças e possíveis influências daquele autor sobre este. Nosso caminho de análise pauta-se na busca por “princípios” ou “conceitos-chave” que possam sintetizar os conceitos supracitados. Concluímos que a ideia, defendida por Volóchinov, de que as diferentes esferas sociais (religião, arte, política etc.) vinculam-se por seu substrato sígnico sofre influência direta das teses cassirerianas. Também, a representação dos sistemas sígnicos, entendida como o “apontar para fora de si” do signo concreto, que correlaciona pelo menos duas realidades, recebe influência das premissas de Cassirer.

PALAVRAS-CHAVE
Signo; Marxismo e Filosofia da Linguagem; Filosofia das Formas Simbólicas

ABSTRACT

In recent years, many studies have been published on the influences and convergences between the thought of the so-called “Bakhtin Circle” and other contemporary authors of Russian authors M. Bakhtin, P. Medvedev and V. Voloshinov. In this sense, several researchers (Marchezan, 2019MARCHEZAN, R. C. M. Bakhtin e a "virada linguística" na filosofia. In: BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C.; FRANCELINO, P. F. (org.). Linguagem e conhecimento (Bakhtin, Volóchinov, Medviédev). São Paulo: Pontes, 2019. p.261-291.; Faraco, 2009FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2009.; Grillo, 2017GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79.; Poole, 1998POOLE, B. Bakhtin and Cassirer: The Philosophical Origins of Carnival Messianism. The South Atlantic Quarterly, v.97, n.3/4, p.537-78, 1998.; Brandist, 2002BRANDIST, C. The Bakhtin Circle: Philosophy, Culture and Politics. London: Pluto Press, 2002., 1997BRANDIST, C. Bakhtin, Cassirer, and Symbolic Forms. Radical Philosophy, v.85, p.20-27, 1997.; Lofts, 2016LOFTS, S. G. Bakhtin e Cassirer: o evento e a máquina. Bakhtiniana. Revista de estudos do discurso, São Paulo, v.11, n.1, p.77-98, jan./abr. 2016., 2000LOFTS, S. G. Ernst Cassirer - A "Repetition" of Modernity. Albany N. Y.: State University of New York Press, 2000.; Tihanov, 2002TIHANOV, G. The master and the Slave: Lukács, Bakhtin, and the Ideas of Their Time. Oxford: Clarendon Press, 2002.; Dop, 2001) have shown some convergences between the thinking of German philosopher Ernst Cassirer and the thinking of the aforementioned Russian authors, as well as the influences that Cassirer had on their theoretical construct. In this article, therefore, we propose a comparative analysis between concepts of “symbol/sign” developed by Cassirer and the concept of “sign” outlined by Voloshinov, pointing out similarities, differences, and possible influences of Cassirer on Voloshinov. Our path of analysis is guided by the search for “principles” or “key concepts” that can synthesize these mentioned concepts. We conclude that the idea defended by Voloshinov, which the different spheres (religion, art, politics, etc.) are linked to by their sign substrate, is directly influenced by Cassirerian theses. Also, the representation of semiotic systems, understood as the “pointing outside of one’s self” of the concrete sign, which correlates at least two realities, is influenced by Cassirer’s premises.

KEYWORDS
Sign; Marxism and Philosophy of Language; Philosophy of Symbolic Forms

Introdução

Nos últimos anos, muitos estudos têm sido publicados sobre as contribuições, influências e convergências entre o pensamento do chamado “Círculo de Bakhtin” e de outros autores contemporâneos dos pensadores russos M. Bakhtin, P. Medviédev e V. Volóchinov. Diversos pesquisadores (Marchezan, 2019MARCHEZAN, R. C. M. Bakhtin e a "virada linguística" na filosofia. In: BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C.; FRANCELINO, P. F. (org.). Linguagem e conhecimento (Bakhtin, Volóchinov, Medviédev). São Paulo: Pontes, 2019. p.261-291.; Faraco, 2009FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2009.; Grillo, 2017GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79.; Poole, 1998POOLE, B. Bakhtin and Cassirer: The Philosophical Origins of Carnival Messianism. The South Atlantic Quarterly, v.97, n.3/4, p.537-78, 1998.; Brandist, 1997BRANDIST, C. Bakhtin, Cassirer, and Symbolic Forms. Radical Philosophy, v.85, p.20-27, 1997., 2002BRANDIST, C. The Bakhtin Circle: Philosophy, Culture and Politics. London: Pluto Press, 2002., 2012BRANDIST, C. O dilema de Volóchinov: sobre as raízes filosóficas da teoria dialógica do enunciado. In: BRANDIST, C. Repensando o círculo de Bakhtin: novas perspectivas na história intelectual. Tradutoras Helenice Gouvea e Rosemary H. Schettini. São Paulo: Contexto, 2012. p.35-63.; Lofts, 2000LOFTS, S. G. Ernst Cassirer - A "Repetition" of Modernity. Albany N. Y.: State University of New York Press, 2000., 2016LOFTS, S. G. Bakhtin e Cassirer: o evento e a máquina. Bakhtiniana. Revista de estudos do discurso, São Paulo, v.11, n.1, p.77-98, jan./abr. 2016.; Tihanov, 2002TIHANOV, G. The master and the Slave: Lukács, Bakhtin, and the Ideas of Their Time. Oxford: Clarendon Press, 2002.) têm, nesse sentido, mostrado algumas convergências entre o pensamento do filósofo alemão Ernst Cassirer e o pensamento dos autores russos supracitados, bem como influências que aquele exerceu sobre o constructo teórico destes.

Brandist (1997)BRANDIST, C. Bakhtin, Cassirer, and Symbolic Forms. Radical Philosophy, v.85, p.20-27, 1997. pontua que o conceito de “signo” desenvolvido por Volóchinov em Marxismo e filosofia da linguagem (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.) recebe influência das teses cassirerianas, mas não desenvolve essa ideia, por não ser o foco de seu artigo, cujo objetivo central é mostrar a influência do pensamento de Ernst Cassirer sobre a teoria do romance de Bakhtin.

Com efeito, Volóchinov cita, ao menos quatro vezes, o volume 1 da Filosofia das formas simbólicas (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.) em Marxismo e filosofia da linguagem – e, segundo nos informa Grillo (2017)GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79., VolóchinovVOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., nos anos 1920, trabalhava na tradução da obra cassireriana para o russo, o que reforça a hipótese de que houve influências diretas da leitura da obra de Cassirer sobre as teses desenvolvidas em Marxismo e filosofia da linguagem.

Neste artigo, propomos, portanto, uma análise comparativa entre conceitos de “símbolo/signo” desenvolvidos por Cassirer e o conceito de “signo” delineado por Volóchinov, apontando similaridades, diferenças e possíveis influências daquele autor sobre este.

Nosso caminho de análise pauta-se na busca por “princípios” ou “conceitos-chave” que possam sintetizar os conceitos supracitados. Logo, para entender o símbolo – e por extensão, o signo – Cassireriano, assinalaremos, nas páginas que seguem, os princípios da criação em oposição à mera reprodução do mundo; a elevação do individual ao universalmente válido; a inter-relação sensível-inteligível; a representação. O conceito de signo desenvolvido por Volóchinov, por sua vez, será compreendido a partir da representação, da refração, da interação e da materialidade.

Nossas análises são apresentadas em duas seções. Na seção “O símbolo/signo em Cassirer”, mostraremos como o conceito de símbolo/signo é construído pelo filósofo alemão Ernst Cassirer, destacando a diversidade de terminologias utilizadas pelo autor (signo, símbolo, sinal). Buscamos discutir e diferenciar os termos empregados em várias de suas obras. Em seguida, na seção “O Signo em Volóchinov”, discutiremos as particularidades do conceito de “signo” apresentado por Volóchinov, comparando esse conceito com o símbolo/signo cassireriano. Considerações finais são apresentadas na última seção.

O símbolo/signo em Cassirer

A princípio, julgamos necessário abordar as diferentes terminologias utilizadas por Cassirer em suas obras: signo, símbolo; sinal e símbolo. Comecemos pela distinção sinal/ símbolo, para entendermos alguns princípios gerais do simbolismo.

Em Ensaio sobre o homem, Cassirer (2012)CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. Tradução Tomás Rosa Bueno. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. considera o símbolo uma chave para entender a natureza do homem, e constrói esse termo em oposição ao sinal, típico do mundo dos animais. Há uma diferença qualitativa entre sinais e símbolos, uma vez que aqueles estão necessariamente ligados a um ser físico, sendo, também, desencadeados por um estímulo externo concreto e presente: por exemplo, uma ordem, dada a um animal adestrado, desencadeia uma resposta – essa resposta, quanto mais “descemos” no reino animal, isto é, quanto mais adentramos formas de vida menos complexas, deve ser suscitada por um estímulo cada vez mais concreto. Assim, no volume 3 da sua Filosofia das formas simbólicas: fenomenologia do conhecimento, Cassirer (2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 564), citando os estudos de Bühler, afirma que uma abelha, ao descobrir o local onde “se encontra algo, retorna para a colmeia para ali angariar companheiras para um novo voo” […], a partir desse “procedimento, ela dá a cada uma das abelhas uma amostra do néctar que conseguiu juntar no local indicado”. A linguagem humana, por seu turno, sendo uma língua simbólica – e não uma língua erigida sob a sinalidade –, tem como característica a desmaterialização: podemos “falar” do néctar, sem que, para isso, precisemos de uma prova material dele.

Os sinais, além dessa concretude, dessa presença necessária de um ser físico ou substancial, não têm mobilidade significativa: o seu sentido permanece sempre o mesmo – o néctar será sempre entendido como néctar; uma ordem dada a um animal adestrado será sempre entendida como uma ordem específica. Os símbolos, por sua vez, têm uma versalidade móvel de significação, uma vez que não se vinculam diretamente a um ser físico ou substancial, adquirindo um valor funcional.

Nos ensaios Language and Art I e Language and Art II, constantes da obra Symbol, Myth and Culture (Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165.), editado pelo estudioso da obra cassireriana, Donald Verene, e, também, no volume 3 da Filosofia das formas simbólicas, encontramos a diferença entre o mundo animal da sinalidade e o mundo humano do símbolo no que concerne à objetivação, à constituição de um mundo constante, um mundo de coisas e atributos. Cassirer (1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165.) cita as observações de Uexküll e outros investigadores para mostrar que a experiência simbólica humana está erigida em um estado muito mais sólido, ao passo que a experiência animal estaria pautada em um estado de “liquefação”.

O filósofo alemão cita o exemplo fornecido por um fisiologista a respeito da alimentação da aranha doméstica, que é incapaz de reconhecer uma mosca se essa não estiver presa à sua rede, à sua armadilha – como se, para esse ser, não existisse um mundo independente de “coisas” desvinculadas de um contexto. O simbolismo, por outro lado, cria um mundo constante de coisas, que se “destacam” da corrente de meras sensações e impressões sensuais, imprimindo seu selo de existência (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011.), e não mais são necessariamente vinculadas a um contexto específico para serem reconhecidas como tais (a exemplo da mosca, apenas reconhecida como “mosca” estando presente na armadilha da aranha).

Em resumo, os sinais e os símbolos distinguem-se por: terem um valor substancial, vinculando-se necessariamente a um ser físico (sinais), enquanto os símbolos, em vez de terem um valor substancial, têm um valor funcional; não terem mobilidade de significação (sinais), ao passo que os símbolos têm essa mobilidade; não serem capazes de construir mundos de “coisas” desvinculadas de um contexto específico (sinais), em oposição, portanto, ao mundo de “constância” simbólico, um mundo de coisas e atributos que não precisam estar vinculadas sempre ao mesmo contexto para serem reconhecidas.

Passemos, agora, aos termos signo e símbolo. Na obra Linguagem e mito, o autor (Cassirer, 2013CASSIRER, E. Linguagem e mito. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013.), em alguns momentos, utiliza os termos “signo” e “símbolo” com um sentido aproximado. Observemos:

O sentido do pensamento discursivo desabrocha na confecção e expressão de semelhantes relações. Assim concebido, surge como algo essencialmente ideal, como um “signo” ou símbolo, cujo conteúdo não é discernível verdadeiramente em um estar-aí (Dasein) substancial próprio, mas, antes, nas relações de pensamento que institui (Cassirer, 2013CASSIRER, E. Linguagem e mito. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013., p. 74, grifo próprio).

No trecho destacado, o autor aborda a essência do pensamento teórico, o pensamento “discursivo”, em contraposição ao pensamento mítico e linguístico. Cassirer (2013)CASSIRER, E. Linguagem e mito. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013. defende a tese de que o pensamento discursivo caracteriza-se por uma idealidade de existência, uma vez que estabelece signos ou símbolos que não se caracterizam por uma relação substancial, mas relacional.

No primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas: linguagem (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.), encontramos as seguintes expressões: signo, símbolo, signo simbólico e ainda simbolismo artificial e simbolismo natural. É necessária uma leitura atenta para entendermos as sutilezas dos conceitos.

Segundo Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011., faz-se necessário entender o conceito de “símbolo” e o modo como tal conceito está relacionado com o “signo” para que se possa tornar mais preciso o conceito de “forma simbólica”. O autor (Porta, 2011PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011.) alerta-nos que, ao tentarmos entender esses conceitos, não devemos correlacioná-los com as definições usuais de Saussure, Morris, Peirce etc., uma vez que o contexto preciso de discussão e desenvolvimento das ideias cassirerianas se dá na “temática idealista da relação matéria-forma e da superação do dualismo” (Porta, 2011PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011., p. 61).

Com efeito, no primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.), encontramos o filósofo construindo suas teses acerca do simbolismo e das formas simbólicas a partir de uma crítica ao empirismo, que, em sua leitura, tende a enfatizar a matéria, o dado sensorial de modo simplista, por meio de ideias vagas e genéricas como “associação”; e, ao mesmo tempo, a partir de uma crítica ao racionalismo, que, em oposição ao empirismo, enfatizaria a forma e não a matéria. Em suas palavras, no racionalismo “a causa da conexão dos conteúdos da consciência é procurada em uma atividade que, de alguma maneira, e proveniente do exterior, se agrega aos diversos conteúdos” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 59). A “síntese” idealista cassireriana concebe o símbolo como inter-relação “forma-matéria”, conforme discutiremos adiante.

Por ora, centremo-nos ainda na distinção “símbolo” e “signo”. Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011. afirma que o conceito de “símbolo” é genérico, devendo ser entendido como a atribuição de sentido a um dado sensível. Os signos, por sua vez, são casos particulares de símbolos, sendo concebidos como “substratos sensíveis intersubjetivamente acessíveis” que são convencionais. Os símbolos, por seu turno, “não são somente convencionais” (Porta, 2011PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011., p. 62). Segundo essa definição, todo signo é um símbolo, mas o inverso não é verdadeiro. A fim de tornarmos essa distinção mais clara, analisemos um trecho do primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas, em um momento no qual o autor (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.) menciona a diferença entre o simbolismo natural (o “conceito natural de mundo”) e o simbolismo artificial, que ocorre a partir de signos “arbitrários”, isto é, os signos da linguagem, da arte e do mito, criados pela consciência:

Se quisermos compreender o simbolismo artificial, os signos “arbitrários” que a consciência cria na linguagem, na arte, no mito, será necessário retomar ao simbolismo “natural”, àquela representação da consciência como um todo, que necessariamente já está contida ou, pelo menos, existe virtualmente em cada momento e em cada fragmento da consciência. A força e a capacidade realizadora destes signos mediatos seriam sempre um enigma, se eles não tivessem sua raiz última em um processo espiritual original, alicerçado na própria essência da consciência. Que uma singularidade sensível, como por exemplo o som articulado, possa tornar-se portadora de uma significação puramente espiritual, tal fato somente se torna compreensível, em última instância, na medida em que a própria função fundamental do significar já existe e atua antes do signo particular, de sorte que ele, ao ser estabelecido, já foi criado, restando apenas fixá-lo e aplicá-lo a um caso particular (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 62, grifo próprio).

No trecho acima, o filósofo diferencia o simbolismo natural (“a representação da consciência como um todo”) e o simbolismo artificial, que se manifesta por meio de signos arbitrários. O simbolismo natural remeteria ao que Cassirer denomina, no volume 3 da Filosofia das formas simbólicas (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011.), como “visão natural de mundo”, isto é, uma forma de representação da consciência voltada para a objetividade – trata-se do mundo objetivo do “você” e da “coisa”, um mundo em que “O eu apreende, na forma da experiência expressiva simples ou na forma da experiência perceptiva, a existência de outros sujeitos e a existência de ‘objetos externos a nós’” (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 480). A visão natural de mundo é simbólica, à medida que a objetividade não é simplesmente “dada”, recebida passivamente pelo homem, mas “conquistada”, criada, em um processo constante de ordenamento do mundo, de construção de sentidos para os dados sensíveis, que são sempre, de antemão, “pré-figurados” pelo próprio sentido pregnante.

A visão natural de mundo e, portanto, o simbolismo natural, alicerça o posterior pensamento científico. Na visão natural de mundo, o homem está preso às “coisas”, à objetividade, mas não há ainda uma reflexão em torno de como se constitui essa objetividade – ou, no máximo, o pensamento, quando instigado sobre essa objetividade, apreende regras de formação que estão ligadas ao conteúdo, ao fenômeno estrito. O pensamento teórico emerge a partir do momento em que o homem questiona a visão natural de mundo e torna claras as regras de determinação, que devem então ser confirmadas na esfera intuitiva, desvinculando-se, porém, dessa esfera, à medida que um novo “órgão”, um novo sistema simbólico é criado para explicar o mundo.

O simbolismo artificial consiste em uma representação ordenada no simbolismo do mito, da arte e da linguagem. Essa forma de simbolismo “funde” a função da significação com o conteúdo significativo. Nessa forma de simbolismo, não é possível postular um “ser” primeiro que, para além desse ser, adquire uma significação determinada, pois todo o ser resulta da significação. Vejamos:

[…] neste simbolismo “natural” sempre existiu um certo conteúdo parcial da consciência que, embora destacado do todo, preservava a capacidade de representar precisamente este todo, e, assim, reconstituí-lo de certa maneira. Um conteúdo presente tinha a possibilidade de representar não apenas a si mesmo, mas, simultaneamente, a um outro, não dado de forma imediata, mas veiculado somente pela mediação do primeiro. Mas os signos simbólicos com que deparamos na linguagem, no mito e na arte não “são” primeiramente para, então, para além deste ser, adquirirem uma significação determinada; todo o ser, ao contrário, resulta da significação. O seu conteúdo identifica-se completamente com a função do significar (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 63, grifo próprio).

Observemos que, no trecho acima, o autor utiliza a expressão “signos simbólicos” não exatamente no sentido de que haveria “signos não simbólicos”, mas como sinônimo de “signos arbitrários” ou “simbolismo artificial”. O simbolismo da arte, da linguagem e do mito é estabelecido de modo que a consciência não depende do substrato sensível como algo dado – ao invés disso, a própria consciência pode “criar” esse substrato sensível (por exemplo, o fonema, como imagem acústica, é algo que a própria consciência cria). No simbolismo natural, a consciência, ao apreender o todo no particular, depende do estímulo do particular, que precisa ser dado; já no simbolismo artificial, “ela cria para si mesma determinados concretos e sensíveis, a fim de expressar determinados complexos de significação” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 63, grifo do autor).

Em resumo: toda experiência humana é simbólica, à medida que o homem precisa ordenar o mundo e, portanto, atribuir sentido para esse mundo. Os dados sensoriais que nos chegam do mundo são “pregnantes” de sentido – essa inter-relação matéria/sentido é o que constitui o símbolo. Este – o símbolo – pode ser motivado (por exemplo, uma imagem qualquer, como uma paisagem que se põe à visão, é simbólica, pois a própria forma da visão em si é direcionada por um sentido pregnante, mas, nessa visão direta da paisagem, não há propriamente um sentido “artificialmente” construído) ou arbitrário. Os signos (os signos linguísticos, o desenho artístico, a imagem mítica etc.), por seu turno, são sempre arbitrários, segundo afirmamos anteriormente.

Em nossa leitura, destacamos quatro pontos importantes para compreender o simbolismo cassireriano e, por extensão, os “signos simbólicos”: o símbolo como criação, produção ativa e não como mera reprodução do mundo; o símbolo como meio de elevar o individual ao universalmente válido; o símbolo como inter-relação forma (conteúdo) – matéria sensível; o símbolo como representação. Vejamos cada ponto.

Sobre o símbolo como criação, produção ativa de sentidos, o autor, em páginas iniciais do primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.), afirma que a ciência físico-matemática foi uma das primeiras manifestações do conhecimento que teve “nítida consciência” do “caráter simbólico de seus instrumentos fundamentais” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 14). O filósofo cita os trabalhos de Heinrich Hertz e de Helmholtz, pontuando que, embora esses autores das ciências naturais ainda falem na linguagem da teoria da reprodução do conhecimento, já não exigem uma semelhança entre imagem e coisa, pois compreendem que os conceitos com os quais a física opera representam uma relação lógica pura, “uma condição intelectual geral” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 15) que não pressupõe identidade com a “coisa em si”. Na resenha de Cassirer às ciências naturais, o autor afirma que os conceitos da física são criados pela lógica da ciência natural, e, assim, se “subordinam às exigências gerais desta mesma lógica” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 16). O objeto, nesse sistema conceitual, “não pode ser considerado como algo puro em si, independente das categorias essenciais da ciência natural” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 16).

Por meio dessa argumentação, Cassirer tece a ideia de que o conhecimento tem um caráter simbólico, criativo, que não consiste em meramente reproduzir o mundo, mas em criar ativamente esse mundo. Para dar sustentação à tese da inexistência de um mundo de “objetos puros em si” a que o conhecimento simplesmente acessaria, o autor, ainda no âmbito da ciência, postula que, caso existisse tal realidade ou tal “objeto puro”, teríamos, então, uma ciência uniforme.

O autor estende essa argumentação para outras formas de construção de “imagens” de mundo (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 19). Considera que também a arte, a linguagem e o mito, assim como o conhecimento, são formas autênticas de criação, de produção de mundos, e nenhuma delas opera com a simples reprodução de algo “dado”, mas com criações ativas, que são frutos da energia criativa do espírito.

Um exemplo, fornecido pelo autor, que consideramos particularmente interessante e simples para ilustrar esse caráter criativo do simbólico é o do desenho artístico: um desenho nunca é a mera reprodução dos dados sensíveis da visão. Ao fazer uma pintura ou desenhar uma paisagem, o artista não está meramente reproduzindo o que vê à sua frente, por mais “realista” que seja essa ilustração – há sempre um ângulo que é ressaltado, determinada luz que enquadra a figura, um ponto que recebe destaque em detrimento de outro. Tudo aquilo que não foi considerado na pintura, que foi omitido – o que foi “obscurecido” pelo jogo de luz e sombras, ou que não foi retratado na paisagem – também é significativo: o “valor” do desenho reside precisamente naquilo que foi deliberadamente omitido.

Da mesma forma com a pintura, a linguagem tem um caráter simbólico (e, portanto, ativo e criativo) porque as línguas não são simples cópias de algo dado previamente – se assim o fossem, argumenta Cassirer no terceiro volume da Filosofia das formas simbólicas (cf. Cap. III. “Língua e ciência. Signos de coisas e signos de ordem”, Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011.), teríamos uma língua única ou signos “linguísticos universais”.

Observemos o trecho abaixo:

Na realidade, porém, a análise da linguagem mostra […] que toda expressão linguística, longe de ser apenas uma cópia do mundo dado das sensações ou intuições, possui um determinado caráter independente que consiste em “atribuir sentido”. A mesma relação manifesta-se nos signos das mais diversas espécies e origens. De todos eles pode-se dizer de certo modo que o seu valor não reside tanto naquilo que retêm do conteúdo particular, concreto e sensível, e de sua existência imediata, como naquilo que suprimem e deixam de levar em conta. Também o desenho artístico torna-se aquilo que é e que o distingue de uma reprodução meramente mecânica, tão somente pelo que ele omite da impressão “dada” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 65-66, grifo próprio).

Embora Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011. alerte-nos que, para analisar Cassirer, devemos “deixar de lado” associações com Saussure, Peirce, Morris etc., é inevitável que não façamos comparações – a ideia de “valor” dos signos, apresentada no excerto acima, lembra-nos, de imediato, o termo usado pelo mestre genebrino. Mas, aqui, ressaltamos as diferenças: em Saussure, o “valor” remete à relação significante/significado na totalidade do sistema; em Cassirer, temos uma ideia que nos parece sobremaneira interessante: o valor como “falta” – a falta que significa. Essa “falta”, esse “algo” omitido é significativo e constitutivo dos sistemas simbólicos, pois, não sendo nenhum simbolismo mera reprodução de algo dado sensorialmente, mas um modo particular de ordenar, de “dar sentido” a esse algo, o modo como determinadas impressões foram omitidas ou destacadas é não apenas particular de cada sistema simbólico, como entra na constituição total do sentido.

Na obra Linguagem e mito, o autor (Cassirer, 2013CASSIRER, E. Linguagem e mito. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013.) utiliza a metáfora do foco de luz para diferenciar as peculiaridades de construção de sentido utilizadas pela linguagem, pelo mito e pela ciência. Afirma que a ciência é uma forma simbólica que se apresenta como uma luz constante que se espraia uniformemente, considerando que uma teoria precisa abarcar novos objetos ainda não descritos em seu sistema conceitual, mas previstos no quadro explicativo. A linguagem e o mito, por outro lado, funcionam como uma luz que focaliza um ponto específico, enquanto todos os outros permanecem na “escuridão” – na língua, por exemplo, apenas “existe” aquilo que foi focalizado pela consciência, recebeu atenção especial e, portanto, foi “criado” pelo ato da denominação. O jogo de “luz e sombras” está, pois, na gênese do processo de semiotização linguística.

Também utilizando a metáfora da luz, o autor afirma, no volume 1 da Filosofia das formas simbólicas, que a ciência, a linguagem e a arte não são “espelhos” que refletiriam determinadas imagens formadas no interior ou no exterior. Em suas palavras, “eles não são instrumentos indiferentes, e sim as autênticas fontes de luz, as condições da visão e as origens de toda configuração” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 42).

É interessante acompanhar as metáforas utilizadas pelo autor (com efeito, toda metáfora é sobremaneira importante para analisarmos o quadro conceitual de uma teoria). No volume 3, o autor utiliza a metáfora, advinda da física, da “refração” e do “grau de refração” para definir as formas simbólicas. Vejamos:

Quando designamos a língua, o mito e a arte como “formas simbólicas”, parece estar implícito nessa expressão o pressuposto de que todos esses elementos, enquanto formas definidas de formações intelectuais, remontam a um último estrato primordial do real, que é perceptível nelas somente através de um meio estranho. Parece que não podemos apreender a realidade senão por meio da peculiaridade dessas formas, mas ao mesmo tempo parece que, nessas formas, a realidade tanto se oculta quanto se revela. As mesmas funções básicas que dão ao mundo do espírito sua determinação, sua marca, seu caráter, mostram-se, por outro lado e de modo equivalente, como refrações que o ser individual e único experimenta em si, tão logo é percebido e assimilado pelo “sujeito”. Sob esse ponto de vista, a Filosofia das formas simbólicas nada mais é que a tentativa de indicar para cada uma dessas formas o, por assim dizer, índice determinado de refração, que lhe é específico e peculiar (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 9-10, grifo do autor).

No trecho acima, o autor retoma discussões já iniciadas no volume 1 da Filosofia das formas simbólicas acerca das formas simbólicas como diferentes modos de construção criativa de mundos de sentido. Afirma, em seguida, que sua obra “aspira a conhecer a natureza especial dos diversos meios de refração” (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 10), e que, para tanto, é necessário apreender as leis específicas de constituição dessas formas de simbolização. As discussões travadas adiante centram-se na impossibilidade de se apreender uma “unidade absoluta”, um “ser em si” substancial.

Considerando que o simbólico é algo criado e nunca meramente reproduzido, torna-se problemático pensarmos em algo “dado” previamente que seria, então, refratado por alguma forma de simbolização. Na verdade, embora Cassirer não negue a existência do “real” em si (cf. Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165.), esse real não pode ser concebido como algo substancial, mas funcional, sendo as formas simbólicas os meios pelos quais se constroem representações desse real. Para Cassirer (1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165., p. 195), o homem deve interpretar a realidade, fazê-la coerente, compreensível e inteligível. A arte, a religião, a ciência e a filosofia (ou seja, as diferentes formas de simbolização) são os diferentes caminhos da atividade humana que cumprem essa tarefa. O autor conclui que todas essas formas simbólicas são ativas e criativas, mas o sentido de “criação” recai não sobre a criação de uma coisa substancial e sim de uma representação (ou de diferentes “representações” segundo o ângulo de refração da forma simbólica em questão) do mundo empírico.

Também no ensaio Language and art II, o autor utiliza a mesma metáfora do espelho e do ângulo refrativo: “Cada um desses [ângulos] é um espelho da nossa experiência humana, que possui seu próprio ângulo de refração” (Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165., p. 194, tradução própria)1 1 Original: “Each of them is a mirror of our human experience which, as it were, possesses its own angle of refraction” (Cassirer, 1979, p. 194). . Depreendemos que o “ângulo de refração” a que o autor se refere nesse ensaio e no volume 3 da Filosofia das formas simbólicas são as leis de criação de representações do mundo empírico. Cada forma simbólica possui suas próprias leis de criação dessas representações, não redutíveis umas às outras. Ao criar essas diferentes representações, o homem eleva o individual ao universalmente válido, uma vez que constrói formas intersubjetivas de mundos significativos. Passemos, pois, ao segundo ponto, enumerado acima, sobre o simbólico (o simbólico como elevação do individual ao universal).

No primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas, o filósofo denomina as diferentes formas de simbolização (mito, arte, linguagem etc.) como “formas específicas de objetivação” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 19), considerando que elas podem ser compreendidas “como meios de elevar o individual para o nível do universalmente válido” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 19). Ao utilizar essa expressão – “formas de objetivação” – o autor está reclamando para a arte, para a linguagem e para o mito as mesmas funções que são conferidas à ciência, conforme discutimos acima: isto é, não apenas a ciência ou o conhecimento é um modo de elevação do particular a algo universalmente válido, universalmente acessível – linguagem, arte e mito também cumprem essa tarefa.

Essa ideia de “objetivação” tem nuances de sentido. Primeiro, adotando a leitura mais “antropológica” expressa em Ensaio sobre o homem (Cassirer, 2012CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. Tradução Tomás Rosa Bueno. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.), podemos compreender que, por meio do simbólico, o homem liberta-se da rigidez do aqui-agora, consegue projetar suas experiências futuras e também interpretar significativamente suas experiências passadas.

Em um segundo sentido, “objetividade” correlaciona-se com “validez universal”. Cassirer considera que as formas simbólicas têm a mesma validez, no sentido de que todas essas formas de simbolização não apenas cooperam para a construção do humano, como no sentido de que todas têm a mesma objetividade. Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011. defende haver contradições nessa tese, em decorrência de “confusões” teóricas nos conceitos de “objetividade” e “validez” e na falta de uma metateoria, no constructo filosófico cassireriano, acerca da intersubjetividade. O autor (Porta, 2011PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011., p. 162) considera que a tese da Filosofia das formas simbólicas contém “aporias hermenêuticas”, decorrentes de uma “inversão” da filosofia transcendental de Kant.

Com efeito, há questões não resolvidas na Filosofia das formas simbólicas2 2 Uma dessas questões, segundo Porta (2011), é a relação entre as formas simbólicas e o sistema de signos. As formas simbólicas são, em uma de suas interpretações possíveis, sistemas de signos criadores de mundos de sentido. Não há, porém, segundo assinala Porta (2011), clareza nas teses cassirerianas sobre como se daria essa relação sistemática, considerando, por exemplo, o mundo mítico. , e as críticas de Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011. são muito pertinentes. Destacamos, porém, que, embora o filósofo alemão de fato não elabore uma metateoria da intersubjetividade, que poderia solucionar essa problemática acerca da validez universal das formas simbólicas, na obra The logic of the cultural sciences (Cassirer, 2000CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000.), há uma interessante visão desenvolvida sobre a cultura humana como um mundo intersubjetivo de engajamento em ações comuns. Vejamos um trecho dessa obra:

Assim, nesta imagem da natureza, a cultura humana não pode encontrar lugar nem lar. No entanto, a cultura é também um “mundo intersubjetivo”; um mundo que não existe em “mim”, mas que é necessariamente acessível a todos os sujeitos, e do qual eles necessariamente participam. Mas a forma dessas participações é totalmente diferente daquela no mundo físico. Ao invés de se relacionarem com o mesmo cosmos espaço-temporal das coisas, os sujeitos se encontram e se unem em uma ação comum (Cassirer, 2000CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000., p. 74-75, grifo do autor).3 3 Original: “Thus in this picture of nature human culture can find neither place nor home. Nevertheless, culture is also an ‘intersubjective world’; a world that does not exist in ‘me’ but rather is necessarily accessible to all subjects, and in which they necessarily participate. But the form of this participation is totally different from that in the physical world. Instead of relating to the selfsame spatio-temporal cosmos of things, subjects find themselves and join together in a common action.” (Cassirer, 2000, p. 74-75, grifo do autor).

A cultura, sendo um meio simbólico, envolve-nos não no sentido físico – não se trata de estarmos no mesmo cosmo espaço-temporal de coisas, segundo cita o autor no trecho acima –, mas no sentido de que somos engajados em ações comuns, em trocas ativas através da comunicação linguística. O autor argumenta, na obra citada, que nós todos vivemos em mundos de linguagem, de figurações poéticas, de artes plásticas, de formações religiosas e de crenças – e é por meio desses mundos que nós conhecemos a nós mesmos e ao outro, à medida que somos engajados em ações comuns (por exemplo, a poesia só existe porque o poeta e o leitor são engajados juntos nessa visão “poética” de mundo por meio da qual eles mesmos se constituem como sujeitos).

Nessa obra – que sucede os três densos volumes das formas simbólicas – em uma linguagem muito mais acessível, Cassirer explana-nos outra nuance de sentido do conceito de “objetividade”. Nela aparece pela primeira vez a palavra “diálogo” (cf. “Study 2. The perception of the things and the perception os expression”) como verdadeira “síntese” entre o “eu”, o “outro” e o mundo objetivo. Vejamos:

Na formação da fala e da imagem, os sujeitos individuais não apenas compartilham o que já possuem, mas é somente dessa maneira que eles primeiro o possuem. Em todas as conversas vivas e significativas, esse recurso pode ficar claro. Nunca se trata de mera comunicação, mas de diálogo. […] Na pergunta e na resposta, o “eu” e o “tu” devem ser distinguidos, não só para compreenderem o outro, mas para compreenderem a si próprios. Ambos os aspectos intervêm constantemente um no outro. O pensamento de um parceiro é acessado pelo [pensamento] do outro e, em virtude dessa interação, eles constroem, por meio da linguagem, um “mundo comum” de significado para si mesmos (Cassirer, 2000CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000., p. 53, tradução própria).4 4 Original: “In speaking and image formation not only do the individual subjects share what they already possess, but it is only in this way that they first come to possess it. In every living and meaningful conversation this feature can be made clear. It is never a question of mere communication, but of dialogue. […] In question and answer the ‘I’ and the ‘you’ must be distinguished, not only to understand each other, but to understand themselves. Both aspects constantly intervene in one another. The thought of one partner is kindled by that of the other, and by virtue of this interaction they construct, through the medium of language, a ‘common world’ of meaning for themselves” (Cassirer, 2000, p. 53).

No trecho acima, temos a ideia de construção conjunta de um mundo intersubjetivo (a “common world” of meaning) pelo diálogo. É interessante observar que, na visão apresentada na obra, “diálogo” não é apenas troca, mas construção – eu não simplesmente compartilho o que já possuo com o outro, mas é na troca, na comunicação e no engajamento em ações comuns, que eu passo, de fato, a possuir algo. Nesse processo de diálogo, o “eu” e o “tu” são constituídos à medida que não apenas compreendem o outro, mas à medida que passam a compreender a si próprios. O mundo da cultura pode ser concebido então como um grande “diálogo”.

É inevitável que não vejamos semelhanças entre essa (e outras) ideias apresentadas na obra The logic of the cultural sciences (Cassirer, 2000CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000.) e o pensamento do Círculo de Bakhtin. Particularmente, vemos, em nossa leitura, semelhanças entre ideias apresentadas nessa obra (Cassirer, 2000CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000.) e algumas teses presentes no ensaio O problema do conteúdo, do material e da forma, datado de 1924 (Bakhtin, 2014BAKHTIN, M. M. O problema do conteúdo, do material e da forma: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2014.). Acreditamos que, nessa obra, Cassirer (2000)CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000., ao tratar dos modos específicos de criação das ciências humanas – as “ciências culturais” –, amplia teses apresentadas anteriormente em suas publicações – uma delas é o conceito de que as formas simbólicas são modos funcionais de objetivação e não modos substanciais. Em The logic of the cultural sciences, o conceito de “função” aproxima-se mais de “inter-relação”, de “construção intersubjetiva” de mundos comuns de sentido, que é efetuada pela linguagem, pela arte, pela religião. As formas culturais elevam-nos do individual ao objetivamente válido, construindo sentidos compartilhados e nos envolvendo em ações concretas. O autor afirma que o “ato”, entendido como trocas linguísticas, comunicações artísticas, processos investigativos – isto é, como atividades culturais que engajam os sujeitos em uma ação e em uma “cognição” comum, partilhada –, é a verdadeira “síntese”: o ato é concebido como o meio capaz de elevar o individual ao universalmente válido e, ao mesmo tempo, como forma por meio da qual os sujeitos passam, também, a se constituírem. Nesse sentido, não há um “eu” e um “tu” a priori, um eu e um tu substanciais que apenas “se comunicam” – os sujeitos tornam-se o que são uma vez que participam ativamente do “diálogo” cultural.

Em síntese, a tese de que o simbólico eleva o individual ao universalmente válido, em nossa leitura, passa por nuances de sentido, que vão da ideia de validez universal, expressa no primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas, até chegar a uma ideia que consideramos particularmente interessante, construída em The logic of the cultural sciences – e que, certamente, aproxima-se do pensamento bakhtiniano –, de “comunicação cultural” ou “diálogo cultural” como engajamento dos sujeitos em horizontes de sentido comuns.

Passemos, agora, para o terceiro princípio do simbolismo: a inter-relação forma-matéria, para compreendermos o simbolismo cassireriano.

No primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas, Cassirer (2001)CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., ao definir o conceito de “formas simbólicas” como modos de objetivação, busca um “elemento comum” pelo qual todas essas formas necessariamente deveriam passar para se constituírem. Argumenta, então, que todas as formas simbólicas apenas se configuram enquanto tais na medida em que criam para si “um determinado substrato sensorial” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 31) e que esse substrato, essa materialidade “é tão essencial, que ele por vezes parece encerrar todo o conteúdo significativo, o próprio ‘sentido’ destas formas” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 31). Exemplifica essa ideia da essencialidade do dado sensível como algo que tende a “encerrar” o inteligível a partir da linguagem, do mito e da arte.

O autor defende a tese da materialidade das formas simbólicas, afirmando que o signo, enquanto dado sensorial, é o “elemento mediador abrangente”, o elemento “comum” entre as diferentes formas de simbolização: embora essas formas sejam diferentes em sua constituição e em seus modos de configuração do real, todas elas não existem apenas “na mente” ou “na alma” das pessoas (apropriando-nos, aqui, de uma expressão utilizada por Medviédev, 2016, e, também, por Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.), pois esse conteúdo espiritual precisa expressar-se em “signos sensoriais”.

Flores, Faraco e Gomes (2022) veem nessa tese cassireriana uma influência sobre o pensamento de Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. acerca do signo como fenômeno material, concreto. Os autores (Flores; Faraco; Gomes, 2022) concebem que a própria ideia do signo ideológico, no sentido de ideologia como “criação cultural’ (da arte, do mito, da ciência etc.), teria recebido influência do pensamento cassireriano. Concordamos com os autores acerca dessas observações; acrescentamos também que a natureza sígnica em Cassirer tem peculiaridades importantes que a distinguem da materialidade sígnica abordada por Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. – peculiaridades essas que vão além das óbvias orientações distintas (idealista, em Cassirer, marxista, em Volóchinov) dos pensadores germânico e russo.

Segundo mencionamos anteriormente, Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011. sublinha que, ao analisarmos a filosofia cassireriana, devemos entender o contexto de produção de sua obra – e esse contexto, conforme pontua Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011., é a superação da dualidade forma-matéria. Com efeito, ao percorrermos toda a primeira parte da Filosofia das formas simbólicas, vemos um esforço do filósofo alemão em superar “dualidades”, em conceber os processos de simbolização como “sínteses” entre o eu e o outro, o objetivo e o subjetivo, o sensível e o inteligível.

Sobre essa última dualidade – sensível, inteligível – Cassirer (2001)CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., ao opor-se ao empirismo, que tende a enfatizar a matéria, e ao racionalismo, que enfatiza a forma, concebe o processo simbólico como uma inter-relação entre esses dois polos, considerando que o sentido, o inteligível precisa materializar-se em uma forma sensorial. O “símbolo” (e também o signo, enquanto particularização do símbolo) não é a mera concretização de um sentido, mas representa a “síntese” de um sentido que pré-configura o modo próprio como recebemos os dados sensíveis. O autor exemplifica essa tese a partir da análise das relações de espaço, tempo e coisa e atributo. Não se pode simplesmente afirmar, por exemplo, que a mera sucessão de determinadas impressões, de determinados estímulos sensíveis, configura a ideia de tempo, se em cada estímulo específico já não estivesse contida a ideia da “ordem”. Nesse exemplo, não se trata de um dado sensível que, uma vez recebido, passa, a posteriori, a ter determinado sentido, mas de um sentido “pregnante”, de um sentido intercalado, intrínseco em cada dado sensível, que configura o modo mesmo como percebemos esse dado sensível.

No terceiro volume da Filosofia das formas simbólicas, o autor (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 342) define o conceito de “pregnância simbólica” como sendo “o modo como uma experiência perceptiva, enquanto experiência sensível, contém em si, ao mesmo tempo, um determinado ‘sentido’ não intuitivo e como ela o representa de forma imediatamente concreta”. Esse conceito “sintetiza” a relação forma-matéria dos processos simbólicos, à medida que propõe uma inter-relação precípua entre os dados sensíveis e os dados inteligíveis.

Analisemos, por fim, o último princípio correlato dos processos simbólicos – a relação do símbolo e da consciência na representação.

Devemos pontuar que o signo simbólico, em Cassirer, atrela-se ao funcionamento da consciência, de modo que o autor, ao tratar desse “mundo de signos simbólicos”, debruça-se sobre a forma de constituição de nossa consciência. Essa, conforme destaca o filósofo, precisa dos signos para realizar-se:

Para a consciência, o signo constitui, por assim dizer, a primeira etapa e a primeira prova da objetividade, porque ele interrompe a constante modificação dos conteúdos da consciência, e porque nele se define e enfatiza algo permanente (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 36, grifo próprio).

Todos os elementos particulares da consciência somente “existem” na medida em que eles, potencialmente, encerram o todo, e são compreendidos como em transição contínua, por assim dizer, em direção ao todo. Mas é somente o emprego do signo que libera esta potencialidade, transformando-a em verdadeira atualidade. [...] Nessa posição, a consciência se liberta mais e mais do substrato direto da sensação e da intuição sensível; mas é precisamente neste processo que ela demonstra tanto mais categoricamente a força original de conexão e unificação que nela reside (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 66, grifo próprio).

O signo, conforme é possível depreender do excerto acima, é responsável pelo que Cassirer denomina, em Language and Art II (Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165.), como o “processo de objetificação” (“process of objetification”) – o grande, contínuo e ininterrupto processo por meio do qual se constrói o mundo humano, através da fixação de determinados centros nodais e da dissipação do caos inicial da vida orgânica. A fixação de coisas e atributos, a ordenação do mundo em relações de espaço, tempo e causalidade são resultantes desse processo de objetificação, que ocorre sempre pelo “emprego do signo” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.). O “signo” ou o “signo simbólico”, nessa visão, permite que se construa nossa realidade e nos “presenteia” com um novo estado mental, à medida que passamos a ter também consciência da realidade (Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165.).

Esse mundo sígnico/simbólico, que torna a consciência possível, na visão de Cassirer, não implica, porém, a teorização abstrata ou a postulação de uma metafísica de uma “consciência em geral”. As reflexões do filósofo, como ele mesmo pontua, centram-se nos fenômenos concretos, uma vez que é a partir da observação desses fenômenos que poderemos derivar as leis de funcionamento de cada forma simbólica específica (por exemplo, as leis de funcionamento da linguagem como forma simbólica só podem ser apreendidas com base na observação, na análise da língua – do fenômeno, portanto). Nesse ponto, o autor distancia-se e critica um idealismo mais radical. No ensaio Language and art II (Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165.), encontramos o filósofo alemão preocupado com essa visão que porventura o leitor poderia ter acerca de sua filosofia, isto é, uma provável ideia de que suas teses centrar-se-iam na postulação de um sistema de idealismo subjetivo em que uma mente subjetiva seria tomada como o centro e criador do mundo. Em resposta, o filósofo conclui esse ensaio afirmando que a mente individual não pode criar a realidade, pois o que o homem cria não é uma “coisa” substancial, e sim a representação do mundo, uma descrição objetiva do mundo empírico (Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165., p. 195).

A “representação” é, portanto, uma das chaves para entendermos o simbolismo cassireriano, para entendermos a criação ativa que o signo realiza. No primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas, Cassirer (2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 61) argumenta que “a representação de um conteúdo dentro do outro e através do outro constitui uma premissa essencial para a construção da consciência e a condição de sua própria unidade formal”. Entende, pois, a representação como o meio através do qual determinado elemento é atualizado através de outro e, assim, algo que “não está dado” torna-se presente no “dado”.

A relação temporal é utilizada como exemplo tanto da representação quanto da síntese a que toda representação almeja, uma vez que, quando pensamos no “presente”, no “agora”, imediatamente, ao intuirmos esse agora, lançamos uma ponte com um “não agora”, com o passado e com o futuro. Ora, o passado e o futuro não foram mencionados ao intuirmos o presente; todavia, a simples “existência” do “agora” não se faz sem essa ponte com o que ocorreu antes e com o porvir. Nesse sentido, podemos dizer que o presente “traz em si”, atualiza o passado e o futuro, representa essa ponte temporal. Logo, algo que ainda “não é” (o futuro) e algo não dado, algo que “não está” (o passado e o futuro “não estão”) torna-se “possível”.

Todo simbolismo pauta-se na representação. Um signo linguístico, como uma palavra, por exemplo, é representativo, uma vez que, por meio do que é dado “aqui e agora”, o som fonético, representa-se uma outra coisa, não presente, “algo que não está” (não “está” no sentido físico): o objeto. Nesse sentido, a palavra é corporificada pelo substrato sensível, mas, também, supera o sensível ao apontar para o conceito: “um conteúdo particular sensível, sem deixar de ser o que é, adquire o poder de apresentar à consciência algo universalmente válido” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 69), isto é, a palavra, signo linguístico fonético, sem deixar de ser esse “som” que se apresenta à consciência, passa a ser, ao mesmo tempo, “algo a mais”, uma “outra coisa”, uma vez que aponta para um conceito universalmente válido.

O cerne da representação reside na “necessidade de omitir” (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 326), ou seja, na impossibilidade de se reproduzir cada coisa particular e apreendê-la de forma imediata. A consciência, segundo argumenta Cassirer (2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 326), não consegue “dedicar-se com a mesma intensidade às impressões sensoriais específicas que tomam conta dela”. Por conseguinte, a consciência cria uma forma de esquematizar, de criar imagens globais dentro das quais se encontra “grande número de conteúdos”. E, do mesmo modo que omite, a consciência também “focaliza”, intensifica determinadas impressões, ignorando outras. Logo, a representação é ativa e criativa e nunca passiva e reprodutora.

É interessante observar como Cassirer pontua que esse caráter representativo do signo/símbolo lhe imprime ambiguidade. No capítulo “Coisa e atributo”, constante do terceiro volume da Filosofia das formas simbólicas, ao discutir o fenômeno óptico da cor, o filósofo afirma que, quando tomamos a cor não em seu “em si”, mas como meio de representação, ou seja, como símbolo, “ela se torna tão ‘ambígua’, como qualquer símbolo necessariamente é, por causa de sua natureza” (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 230). Tal ambiguidade concerne ao fato de que o mesmo fenômeno particular pode, dependendo do contexto, assumir diferentes significações. Assim, uma palavra não pode ser interpretada em seu “em si”, mas relacionada a uma frase, a um texto.

Na constante transformação e evolução do simbolismo, há uma “luta” contra essa ambiguidade. A ciência é uma forma simbólica (a última forma a se constituir, posto que o mito e a linguagem são formas primevas de simbolização) que continua o trabalho intelectual iniciado na linguagem – o trabalho de desvinculação do contexto e desmaterialização do signo. Mas, nesse processo, a ciência dá um passo adiante em relação à língua, pois o signo fonético está, de certa forma, ainda preso à intuição e, portanto, ainda eivado de ambiguidade de sentido. O signo científico da fórmula abstrata, por outro lado, “liberta-se” totalmente da intuição e da esfera das coisas, tornando-se, então, um “puro signo de relação e de ordem” (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 566) – um signo que não se volta mais para algo particular a ser representado ou designado, como os signos linguísticos, mas para o estabelecimento de relações puras dentro de um sistema ordenado. O logos, presente na língua, mas ainda limitado pela vinculação desta à intuição, triunfa nos signos científicos: “é precisamente o lógos que desde o início atuava na própria formação linguística o elemento que […] se liberta das restrições iniciais e que passa de sua forma implícita à sua forma explícita” (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 568).

O simbolismo, em decorrência da representação – em decorrência dos esquemas globais que condensam grande quantidade de conteúdos, que trazem o “múltiplo no um” – implica conexão. Observemos as palavras do autor:

[…] a análise da consciência nunca pode reduzir-se aos elementos “absolutos”, pois é justamente a relação, a relação pura, que domina a estrutura da consciência e que desponta nela como o genuíno a priori, como o elemento essencialmente primeiro. É somente nesse ir e vir de “representante” e “representado”, é somente nesse processo recíproco que obtemos um conhecimento do eu e um conhecimento dos objetos ideais e reais. Sentimos aqui o verdadeiro pulsar da consciência, cujo segredo se constitui do fato de que nela uma única batida desencadeia milhares de conexões (Cassirer, 2011CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: Terceira parte. Fenomenologia do conhecimento. Tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 343-344, grifo próprio).

A conexão implica transformação, movimento, pois o signo “não é o reflexo de um estado fixo da consciência, e sim a linha diretriz do movimento” (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 67). Essa diretriz de movimentação, o caminho que deve ser percorrido no processo de simbolização, é definido pela forma simbólica que condiciona o signo: a arte, a ciência, o mito etc.

Em resumo, segundo destacamos, o “símbolo” é um conceito amplo – atribuição de sentido a um dado sensível – e o “signo” é uma particularização do símbolo. Enquanto particularização dos símbolos, os signos obedecem aos princípios elencados acima (criação ativa e não mera reprodução; elevação do individual ao universalmente válido; inter-relação ou “síntese” entre o sensível e o inteligível; representação). Considerando, porém, a ideia de “movimento”, de transformação que envolve o mundo humano dos sentidos, sentimo-nos mais confortáveis a utilizar, em diversos pontos deste texto, a expressão “processos de simbolização”.

No próximo tópico, analisaremos o conceito de “signo” desenvolvido por Volóchinov, apontando as semelhanças e diferenças com o conceito correlato apresentado por Cassirer.

O Signo em Volóchinov

Volóchinov, na obra Marxismo e filosofia da linguagem, defende a tese do papel produtivo e da natureza social do enunciado (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 87). Para tanto, na primeira parte da obra, seu intuito, segundo informa na introdução, é “mostrar o lugar dos problemas da filosofia da linguagem dentro da unidade da visão de mundo marxista” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 86). Esse objetivo é alcançado, pelo autor, ao argumentar que os produtos ideológicos – arte, literatura, religião, moral etc. – possuem uma natureza material, sígnica. Observemos o trecho abaixo:

No interior do próprio campo dos signos, isto é, no interior da esfera ideológica, há profundas diferenças, pois fazem parte dela a imagem artística, o símbolo religioso, a fórmula científica, a norma jurídica e assim por diante. Cada campo da criação ideológica possui seu próprio modo de se orientar na realidade, e a refrata a seu modo. Cada campo possui sua função específica na unidade da vida social. Entretanto, o caráter sígnico é um traço comum a todos os fenômenos ideológicos (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 94, grifo do autor).

Chama-nos a atenção, na citação acima, a afirmação de que o “traço comum” de todos os diferentes e multifacetados produtos da criação ideológica é o caráter sígnico, devido à semelhança dessa afirmação com o trecho em que Cassirer, no primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.), argumenta que os “signos sensoriais” constituem o elemento intermediário das formas simbólicas. Vejamos:

Um meio de escapar deste dilema metodológico somente poderia ser encontrado se fosse possível descobrir e fixar um momento que se reencontra em cada uma das formas espirituais fundamentais, mas que, por outro lado, não se repete completamente da mesma forma em nenhuma delas. Graças a este momento poder-se-ia, então, afirmar a conexão ideal entre os campos individuais – a conexão entre a função fundamental da linguagem e do conhecimento, da esfera estética e da religiosa – sem que nesta conexão se perdesse a especificidade não comparável de cada um destes campos (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 29, grifo próprio).

O dilema a que se refere o autor, no excerto acima, concerne ao modo de se equacionar a especificidade de cada campo de criação cultural – linguagem, ciência, estética, religião etc. – com a totalidade desses mesmos campos. Cassirer (2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 32) afirma que o “elemento intermediário”, ou seja, o “traço comum” (para nos apropriarmos, aqui, da expressão utilizada por Volóchinov) desses diferentes campos são os “signos sensoriais” dos quais eles se servem. Os campos de criação têm, assim, um caráter sígnico, material.

Com efeito, Flores, Faraco e Gomes (2022) veem nessa ideia desenvolvida por Volóchinov uma influência direta do primeiro volume da Filosofia das formas simbólicas, que, inclusive, estava sendo traduzida por Volóchinov para o russo, segundo nos informa Grillo (2017)GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79.. Também TihanovTIHANOV, G. The master and the Slave: Lukács, Bakhtin, and the Ideas of Their Time. Oxford: Clarendon Press, 2002. (2000) argumenta que há influência do volume I da Filosofia das formas simbólicas na tese da natureza sígnica das “esferas”.

Obviamente, Volóchinov desenvolve suas teses em consonância com as premissas marxistas, opondo-se, portanto, ao idealismo de onde se situa Cassirer. É preciso pontuar, porém, os momentos nos quais suas ideias sobre o signo recebem influência do pensamento cassireriano, para que possamos compreender as próprias particularidades do constructo teórico elaborado pelo autor russo. Assim, ao assinalar que os diferentes campos ideológicos têm um caráter material, sígnico, Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.) apoia-se na tese cassireriana de que este é o traço comum que conjuga as formas simbólicas. No entanto, não podemos afirmar propriamente que há uma equivalência entre as “formas simbólicas” de Cassirer e os “campos ideológicos” de Volóchinov. Aquelas (as formas simbólicas) são pensadas como uma totalidade da criação espiritual; estes (os campos ideológicos) são concebidos como as “superestruturas” de criação intelectual, assentadas em uma mesma base de produção econômica (seguindo, portanto, as teses marxistas).

Outro ponto no qual vemos certa influência do pensamento cassireriano na obra de Volóchinov encontra-se no momento em que o autor define o signo a partir da ideia de “significação”, opondo esse conceito – o signo –, produto ideológico, à realidade “não sígnica”, não semiotizada. Vejamos:

Qualquer produto ideológico é não apenas uma parte da realidade natural e social – seja ele um corpo físico, um instrumento de produção ou um produto de consumo – mas também, ao contrário desses fenômenos, reflete e refrata outra realidade que se encontra fora dos seus limites. Tudo o que é ideológico possui uma significação: ele representa e substitui algo encontrado fora dele, ou seja, ele é um signo. Onde não há signo também não há ideologia (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 91, grifo próprio).

No trecho acima, encontramos uma das afirmações mais citadas da obra de Volóchinov, que correlaciona o signo à ideologia (“onde não há signo não há ideologia”). Destacamos, porém, outra ideia presente no fragmento que nos parece essencial para a compreensão dos fenômenos sígnicos – trata-se da representação.

Observemos que o que distingue um signo de uma realidade “não sígnica” é o fato de que essa última “encerra-se em si”, não é capaz de apontar para outra realidade. O signo, por outro lado, aponta para fora de si mesmo, para “algo encontrado fora dele”. Assim, um objeto material, físico, ou um elemento da natureza, enquanto algo não semiotizado, encerra seu sentido em sua própria materialidade. Um signo, porém, “vai além” dessa materialidade, apontando para outro caminho, sem deixar de vincular-se a essa realidade material.

Volóchinov, ao distinguir os instrumentos de produção e produtos de consumo e os produtos sígnicos, mostra como aqueles, a priori sem significação sígnica, podem ser transformados em signos, quando sentidos outros lhes são atribuídos. A “foice e o martelo” é um exemplo emblemático: trata-se, evidentemente, de instrumentos de produção em sua realidade primeira. Todavia, no brasão comunista, outro sentido, um sentido “de segunda ordem” transforma esses instrumentos de produção em um signo.

Esse exemplo mostra-nos que o signo é relacional, à medida que, não se encerrando em si, correlaciona sempre, no mínimo, “duas realidades”. Nas palavras de Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 119), a significação – elemento fundamental que define o signo – “é uma expressão da relação entre o signo, como uma realidade única, com uma outra realidade, que ele substitui, representa”.

O conceito de “representação” enquanto algo “relacional” lembra-nos a ideia de representação dos produtos simbólicos que é desenvolvida por Cassirer (2001)CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.. O filósofo alemão demonstra como um conteúdo dentro do outro e através do outro constitui o cerne da representação, ilustrando essa tese através das relações que construímos do espaço, tempo e coisa e atributo, segundo discutimos anteriormente. Cabe destacar que, nessa demonstração de Cassirer (2001)CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., está preeminente a ideia de que a representação correlaciona sempre “duas realidades”: o representante e o representado. Dessa forma, se nos apropriássemos do exemplo fornecido por Volóchinov, e a ele concedêssemos uma interpretação cassireriana, diríamos que a foice e o martelo, enquanto instrumentos de produção, são representantes que passaram a apontar para “sentidos outros” (o proletariado, a luta de classes etc.), para uma outra realidade posta em relação (o representado). O simbólico é relacional porque o símbolo nunca é um “em si mesmo” (algo em “si mesmo” seria um mero sinal), mas sempre o “em direção” a algo.

A ênfase de Volóchinov na ideologia, porém, afasta-o de Cassirer. A diferença entre os objetos não sígnicos e os produtos simbólicos, em Cassirer, é posta muito mais em termos antropológicos e culturais: tudo o que pertence ao mundo humano pertence a uma realidade simbólica, posto que ao homem, em seu próprio processo de hominização, foi-lhe vedado viver uma realidade não significativa, uma realidade puramente “natural”. O “ter sentido”, na visão Cassireriana, já constitui um processo de simbolização.

Para Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., os objetos sígnicos também precisam “ter sentido”, a significação é, com efeito, um dos aspectos que define o signo, que o diferencia dos objetos não semiotizados. Esse sentido, porém, em sua leitura marxista, é um sentido sempre “ideológico”, condicionado pela luta de classes, segundo enfatiza em Marxismo e filosofia da linguagem.

Da mesma forma como compreendemos o conceito de “símbolo” cassireriano a partir de princípios, julgamos pertinente incorrer no mesmo processo para entender o conceito de “signo” desenvolvido por Volóchinov. Podemos identificar pelo menos quatro ideias-chave a partir das quais o conceito é formulado: representação, refração, interação e materialidade. Tendo sido a representação discutida acima, passemos à refração.

A ideia de que o signo “reflete e refrata uma outra realidade” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 93), além de remeter à representação discutida anteriormente, apresenta-se como meio de “romper” a causalidade mecânica do marxismo. Na introdução de Marxismo e filosofia da linguagem, Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 84) argumenta que, à época de publicação da obra, reinava “a categoria da causalidade mecânica em todas as áreas da ciência sobre a ideologia”. Isto é, quando discutido de que modo as condições de produção material determinam as produções ideológicas, a resposta dada a essa questão pelo marxismo seria, em seu entendimento, “demasiadamente vaga”.

O autor argumenta que essa determinação não pode ser compreendida como algo causal e mecânico, uma vez que os produtos ideológicos apresentam-se como unidades, como “totalidades” que reagem sistematicamente a mudanças nas condições de produção. Assim, o aparecimento do “homem supérfluo” na literatura não pode ser visto como simples reação, mecânica e causal, a abalos na vida social. É preciso antes considerar que o romance como um todo e a própria literatura, como uma esfera com seus meios próprios de refratar a vida social, sofrem mudanças e reagem a essas transformações na vida social.

Essa tese apresentada por Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. parece ter recebido influência direta do conceito de “forma simbólica” de Cassirer. As formas simbólicas, na visão cassireriana, estruturam-se como “unidades”, a partir de leis próprias de simbolização do real. Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., pensando as “esferas” não no idealismo de onde se situa Cassirer, mas a partir do marxismo, concebe que essas esferas reagem às condições de produção socioeconômicas. Todavia, não há uma reação mecânica entre essas mesmas condições, considerando que as esferas, como “totalidades significativas”, refratam o real a partir de suas leis de funcionamento e de sua orientação na vida ideológica.

Destacamos que a própria palavra “lei”, na acepção de modos específicos de ordenar o real (ou, na visão de Volóchinov, de “refletir e refratar” o real), é utilizada extensamente na obra cassireriana e empregada algumas vezes por Volóchinov e várias vezes por Medviédev. Também Medviédev (2012, p. 53) concebe os objetos ideológicos “como significantes, refletores e refratores da existência” e argumenta que os “campos ideológicos” (arte, ciência, moral, religião etc.) estruturam-se como “totalidade concreta” (Medviédev, 2012MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012., p. 57). Medviédev (2012)MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012. apresenta e discute, com mais detalhes, o modo como a estrutura artística na obra literária é afetada pelo horizonte ideológico. O “homem supérfluo” não surge de modo causal e mecânico na obra, sem se considerar que esta – a obra – e toda a literatura reagem e se transformam a partir das mudanças sociais: “Assim, o romance está presente na vida social e é eficiente dentro dela justamente como romance, como totalidade artística” (Medviédev, 2017, p. 67, grifo próprio).

Examinemos mais detidamente essa ideia de “refração” (o signo reflete e refrata). Primeiro, a refração é uma “solução” para a causalidade marxista, conforme pontuamos. Assim, considera-se que as diferentes esferas ideológicas, possuindo suas próprias leis de refração e orientação no real, não podem simplesmente reproduzir mecanicamente as bases socioeconômicas.

Segundo, a refração do signo pode, também, ser concebida como “posição valorativa”. Ao afirmar que o signo é parte de uma realidade “mas também reflete e refrata uma outra realidade” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 93), Volóchinov acrescenta que o signo é capaz de distorcer essa realidade refratada, “ser-lhe fiel, percebê-la de um ponto de vista específico e assim por diante” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 93). Nessa citação, “refração” aproxima-se de “ponto de vista”, de posição valorativa – o signo refrata porque não reproduz (tal e qual) simplesmente aquilo que é percebido, mas “se opõe” ativamente ao real, à medida que o avalia sob determinado ponto de vista.

No volume I da Filosofia das formas simbólicas, encontramos ideia similar (salvaguardas as orientações filosóficas distintas), isto é, o signo linguístico como uma posição valorativa. Vejamos:

A linguagem nunca segue simplesmente a tendência das impressões e representações; ao contrário, opõe-se a ela mediante uma ação independente, ou seja, distingue, elege, julga, e é somente graças a esta tomada de posição que ela cria determinados centros, certos pontos nodais da própria intuição objetiva. Esta interpretação do mundo das impressões sensíveis e dos critérios subjetivos do julgamento e da valoração tem por consequência que as nuanças teóricas do significado e as nuanças afetivas de valor, de início, se mesclem continuamente (Cassirer, 2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 385-386).

Na citação acima, o autor discute como ocorre a formação de gênero gramatical nas línguas. Observa que a formação de conceitos na linguagem não segue simplesmente as impressões e representações, instituindo-se, frequentemente, a partir de uma “tomada de posição” em relação ao que é percebido. Assim, em nota de rodapé, Cassirer (2001CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 385) apresenta um interessante exemplo de um estudo feito por Meinhof e Reinisch sobre a língua Beja, utilizada no NE do Sudão. Nessa língua, os substantivos femininos representam aquilo que tem menos importância para a economia doméstica. No exemplo, a vaca, que é sustentáculo da economia, é palavra masculina, ao passo que a carne é feminina, pois se trata de algo menos importante.

Destacamos, porém, que Cassirer aborda uma espécie de “valoração” que ocorre em níveis ainda mais iniciais do processo de semiotização (isto é, a formação de uma categoria gramatical na língua), para argumentar que a língua, em seu processo de formação, não reproduz uma realidade tal e qual, mas, antes, “julga” essa realidade segundo os modos de vida da sociedade. Esse real “avaliado” entra, então, para a ordem sígnica.

Outro sentido para a “refração sígnica” apresentado por Volóchinov é o de “distorção”. O autor questiona o que condiciona a refração no signo e argumenta que ela – a refração – é resultado da luta de classes. Argumenta também que a classe dominante tende a “enfatizar a verdade de ontem como se fosse a verdade de hoje” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 113) e que “Isto determina a particularidade do signo ideológico de refratar e distorcer a realidade dentro dos limites da ideologia dominante” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 113-114).

Faraco (2009)FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2009. vê uma contradição nessa ideia de refração. Para o autor, ao condicionar a refração sígnica à luta de classes, Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. não responde à questão: considerando que a luta de classes, na doutrina marxista, com a vitória do proletariado, tende a desaparecer, o signo deixaria então de refratar o mundo? Para Faraco (2009)FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2009., a visão bakhtiniana, segundo a qual a refração sígnica é condicionada pela saturação de valores que atravessam os discursos, parece muito mais coerente do que a ideia de refração decorrente de uma luta de classes.

Concordamos com as observações feitas por Faraco (2009)FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2009., ressaltando, porém, que essa ideia de “refração”, apresentada por Volóchinov em Marxismo e filosofia da linguagem (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.) parece ter algumas nuances de sentido (a ideia de “posição valorativa” aparece inicialmente na obra) e seria, de fato, mais coerente se não tivesse sido condicionada à luta de classes.

Acrescentamos, por fim – e, aqui, fazemos uma interpretação bem particular –, que a refração, em certo sentido, corresponde à criatividade (“criatividade” no sentido mesmo de “criação”) dos sistemas sígnicos, pois não sendo esses sistemas meros reprodutores de algo externamente apreendido (como um “espelho” que apenas reflete), mas produtores de sentidos, a refração conduz a “novas visões”, a novos ângulos a partir dos quais o real é presentificado.

Discutida a refração ideológica, passemos à materialidade e exterioridade.

Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 94) argumenta que o signo tem um caráter material, isto é, os fenômenos ideológicos sígnicos são dados “em algum material: no som, na massa física, na cor, no movimento do corpo e assim por diante”. Sendo dado em um material concreto, a realidade do signo seria então, em suas palavras, “bastante objetiva” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 94), submetendo-se ao método monista de estudo. Assim definindo a materialidade, o filósofo russo enquadra os fenômenos sígnicos aos métodos de análise marxista.

Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. acrescenta também que os signos são fenômenos do mundo externo, isto é, eles não ocorrem “na mente”, na “consciência” dos indivíduos; são revestidos de uma materialidade própria objetiva e resultam da interação socialmente organizada. O autor, ao ressaltar que os signos ocorrem na experiência externa, contrapõe-se à filosofia idealista e aos estudos culturais de cunho psicológico, que, em suas palavras, “situam a ideologia na consciência” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 94). É preciso destacar, porém, que, em nota de rodapé, Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 94) afirma que, “no neokantismo moderno, há uma mudança nesse sentido”. O autor cita a Filosofia das formas simbólicas como essa “mudança” na filosofia idealista. Segundo Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 94), Cassirer, sem abandonar o terreno da consciência, considera a representação como seu traço principal. Acrescenta: “De acordo com Cassirer, a ideia é tão sensorial quanto a matéria; essa natureza sensorial, no entanto, pertence ao signo simbólico, possui um caráter representativo” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 94-95).

De fato, segundo pontuamos acima, a representação é um traço essencial do simbolismo cassireriano. Essa ideia é também um dos traços essenciais e definidores do conceito de “signo” apresentado por Volóchinov, entendendo-se por “representação” o apontar para fora de si mesmo dos sistemas sígnicos/simbólicos; a capacidade de transcender, portanto, o “aqui-agora” da mera sinalidade e correlacionar realidades outras.

Lembramos também que, segundo discutimos anteriormente, Cassirer defende que o signo tem necessariamente um substrato material, precisa “materializar-se” para poder realizar toda a potencialidade da consciência. Essas teses (a representação e a realização do signo em uma materialidade sensorial objetiva) parecem ter influência sobre os escritos de Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017..

O modo como os autores discutem essa materialidade é, no entanto, diferente. Volóchinov não se detém tanto nos modos como a materialidade sígnica realiza os sentidos ideológicos, limitando-se a “listar” diferentes materialidades (som, massa física, cor etc.). O autor, em seguida, defende a preeminência dos signos verbais em relação a outros sistemas sígnicos, considerando a linguagem o signo ideológico par excellence, devido à capacidade que a linguagem tem de transitar entre todas as esferas, bem como à capacidade de “traduzir” os demais sistemas sígnicos.

Cassirer não considera propriamente a linguagem um sistema simbólico com preeminência em relação às demais formas simbólicas (mito, ciência, arte etc.), e, diferentemente de Volóchinov, confere destaque aos modos como a materialidade se inter-relaciona com o dado inteligível, fundamentando, assim, a tese da “função simbólica” (expressão, representação e significação)5 5 Por “função simbólica”, Cassirer entende, segundo afirmamos, os modos como o representante e o representado se inter-relacionam. A expressão caracteriza-se pela não diferenciação entre o representante e o representado. O mito tende a essa função, pois, nessa forma simbólica, frequentemente, a imagem deificada ou demonizada, por exemplo, é tomada como sendo o próprio ser que representa. Na representação, há uma distinção entre o representante e o representado e o signo linguístico é um exemplo dessa função. Por fim, na função simbólica da significação, há uma independência do significado em relação ao signo. A ciência (sobretudo as ciências exatas) é uma forma simbólica que tende à significação pura. .

Outro ponto de destaque no constructo teórico de Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. a respeito do signo concerne à interação. Com efeito, essa – a interação – é, segundo argumenta Grillo (2017)GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79., a grande “síntese” de Volóchinov. O autor russo, ao contrapor-se ao idealismo, defende que a própria consciência realiza-se apenas em algum material sígnico e que, dessa forma, “sempre passamos de um elo sígnico, e portanto material, a outro elo também sígnico” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 95). Volóchinov argumenta que o signo surge em um processo de interação entre consciências, em um terreno interindividual, em uma coletividade socialmente organizada.

A interação entre uma coletividade socialmente organizada é o elemento que define a própria gênese sígnica e, portanto, os processos básicos de semiotização. Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. afirma que o signo tem uma forma e um conteúdo. As formas sígnicas são condicionadas tanto pela organização social dos indivíduos, quanto por suas condições mais próximas de interação. O autor é enfático: “A mudança dessas formas acarreta uma mudança do signo” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 109). Também o conteúdo é produto dos modos de vida e de interação de um grupo social, mais especificamente, da ênfase valorativa que cada grupo confere a determinados objetos em uma determinada época.

A gênese sígnica – e, portanto, a gênese do “mundo cultural” –, para Volóchinov, atrela-se a um elemento valorativo. O autor questiona o que determina a valoração de certo conjunto de objetos e, em seguida, afirma que a relação com as premissas socioeconômicas essenciais para a existência de um grupo imprime o selo sígnico a esse conjunto de objetos. Acrescenta, por fim, em destaque, que o arbítrio individual não pode ter importância nessa “gênese sígnica”, pois o signo é fruto das interações sociais entre grupos organizados.

Em resumo, Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., ao apresentar seu conceito de “signo”, busca superar o idealismo neokantista – que situa a significação na consciência – e o marxismo – que defende uma relação mecânica e causal entre as bases socioeconômicas e os produtos ideológicos. O signo é um meio material, concreto, interindividual, fruto da interação entre grupos socialmente organizados, que reflete e refrata determinadas condições de existência.

É preciso destacar que as discussões iniciais de Volóchinov sobre o signo constituem os fundamentos de sua teoria. No entanto, o objeto de análise do autor não é propriamente o “signo” enquanto tal, pois, nós não nos comunicamos a partir de signos isolados, mas a partir de signos concretamente estruturados em enunciados; este – o enunciado – é, de fato, o material de análise do autor russo.

Da mesma forma, Cassirer (2001)CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas: primeira parte. A linguagem. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001. apresenta, no capítulo inicial de sua Filosofia das formas simbólicas, os conceitos de símbolo e signo e discute as premissas do simbolismo na objetivação do real. Seu objeto de estudo, porém, reside não no signo simbólico isolado, mas nas formas simbólicas, que podem ser entendidas como sistemas de signos produtores de determinadas informações de mundo.

Considerações finais

Na introdução deste artigo, propusemos o objetivo de analisar, comparativamente, os conceitos de “símbolo/signo” desenvolvidos por Cassirer e o conceito de “signo” proposto por Volóchinov, apontando similaridades, diferenças e possíveis influências daquele autor sobre este.

Nosso caminho de análise pautou-se na busca por “princípios” ou “conceitos-chave” que pudessem sintetizar os conceitos supracitados. Assim, para entender o símbolo – e por extensão, o signo – Cassireriano, encontramos os princípios da criação em oposição à mera reprodução do mundo; a elevação do individual ao universalmente válido; a inter-relação sensível-inteligível; a representação. O conceito de signo desenvolvido por Volóchinov, por sua vez, pôde ser compreendido a partir da representação, da refração, da interação e da materialidade.

Destacamos que a ideia, defendida por Volóchinov, de que o caráter sígnico é o “traço” comum que une as diferentes esferas (religião, arte, política etc.) sofre influência direta das teses cassirerianas. Também, a representação dos sistemas sígnicos, entendida como o “apontar para fora de si” do signo concreto, que correlaciona pelo menos duas realidades, recebe influência das premissas de Cassirer.

É preciso destacar, finalmente, que as diferenças entre os dois autores, para além de suas evidentes orientações filosóficas distintas, encontram-se nos contextos de produção e nos problemas aos quais os dois autores respondem. O contexto de formulação da Filosofia das formas simbólicas, conforme pontuamos neste artigo, é o contexto da superação do dualismo matéria-forma, dentro da temática idealista (Porta, 2011PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011.). O contexto intelectual de Volóchinov, segundo aponta Grillo (2017GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79., p. 52), é o da superação, através de uma “síntese dialética”, entre o idealismo neokantiano e a Sociologia marxista. Grillo (2017)GRILLO, S. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do século XX. In: VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Sheila V. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. p.7-79. apoia-se em Tihanov (2002)TIHANOV, G. The master and the Slave: Lukács, Bakhtin, and the Ideas of Their Time. Oxford: Clarendon Press, 2002. para mostrar como, na Rússia do início do século XX, havia esforços em aproximar Kantismo e Marxismo. Assim, embora o conceito de “signo” apresentado por Volóchinov receba influências das teses cassirerianas, o autor russo amplia essas ideias a partir do diálogo que trava com os debates de sua época.

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  • 1
    Original: “Each of them is a mirror of our human experience which, as it were, possesses its own angle of refraction” (Cassirer, 1979CASSIRER, E. Language and Art I (1942). In: CASSIRER, E. Symbol, myth, and culture: essays and lectures of Ernst Cassirer 1935-1945. Edited by Donald Phillip Verene. London: Yale University Press, 1979. p.145-165., p. 194).
  • 2
    Uma dessas questões, segundo Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011., é a relação entre as formas simbólicas e o sistema de signos. As formas simbólicas são, em uma de suas interpretações possíveis, sistemas de signos criadores de mundos de sentido. Não há, porém, segundo assinala Porta (2011)PORTA, M. A. G. Estudos Neokantianos. São Paulo: Loyola, 2011., clareza nas teses cassirerianas sobre como se daria essa relação sistemática, considerando, por exemplo, o mundo mítico.
  • 3
    Original: “Thus in this picture of nature human culture can find neither place nor home. Nevertheless, culture is also an ‘intersubjective world’; a world that does not exist in ‘me’ but rather is necessarily accessible to all subjects, and in which they necessarily participate. But the form of this participation is totally different from that in the physical world. Instead of relating to the selfsame spatio-temporal cosmos of things, subjects find themselves and join together in a common action.” (Cassirer, 2000CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000., p. 74-75, grifo do autor).
  • 4
    Original: “In speaking and image formation not only do the individual subjects share what they already possess, but it is only in this way that they first come to possess it. In every living and meaningful conversation this feature can be made clear. It is never a question of mere communication, but of dialogue. […] In question and answer the ‘I’ and the ‘you’ must be distinguished, not only to understand each other, but to understand themselves. Both aspects constantly intervene in one another. The thought of one partner is kindled by that of the other, and by virtue of this interaction they construct, through the medium of language, a ‘common world’ of meaning for themselves” (Cassirer, 2000CASSIRER, E. The logic of the cultural sciences: five studies. New Haven and London: Yale University Press, 2000., p. 53).
  • 5
    Por “função simbólica”, Cassirer entende, segundo afirmamos, os modos como o representante e o representado se inter-relacionam. A expressão caracteriza-se pela não diferenciação entre o representante e o representado. O mito tende a essa função, pois, nessa forma simbólica, frequentemente, a imagem deificada ou demonizada, por exemplo, é tomada como sendo o próprio ser que representa. Na representação, há uma distinção entre o representante e o representado e o signo linguístico é um exemplo dessa função. Por fim, na função simbólica da significação, há uma independência do significado em relação ao signo. A ciência (sobretudo as ciências exatas) é uma forma simbólica que tende à significação pura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2023
  • Aceito
    23 Nov 2023
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