Open-access O SENTIDO DAS PALAVRAS E COMO ELES SE RELACIONAM COM O TEXTO EM CURSO: ESTUDO SOBRE COMENTÁRIOS SEMÂNTICOS FEITOS POR UMA DÍADE DE ALUNAS DE 7 ANOS DE IDADE

RESUMO

Este estudo tem por objetivo analisar os comentários semânticos feitos por uma díade de alunas recém-alfabetizadas (6 a 8 anos), durante processos de escritura em tempo real. Filiado ao campo de estudos proposto pela Genética Textual, a partir de uma abordagem enunciativa, tratamos como unidade de análise o Texto Dialogal (TD) estabelecido na interação face-a-face, respeitando sua dimensão multimodal (gestos, expressões, movimentos corporais) e a fala espontânea e co-enunciativa dos alunos em dupla. O TD se constitui pelo reconhecimento por um dos locutores de objetos textuais (OT) e os comentários relacionados a esses objetos. A relação entre os OT reconhecidos e os comentários semânticos é definida como um tipo de Rasura Oral Comentada (ROC). Nossa análise tomou por base um corpus constituído pelo registro fílmico de 16 processos de escritura de histórias inventadas por uma mesma díade de alunas. Discutimos a ocorrência deste tipo de ROC em 3 processos de escritura. Nossos resultados indicam que os comentários semânticos dirigidos aos OT visavam ao estabelecimento da unidade textual, indicando o modo como as alunas estavam pensando sobre este problema durante o manuscrito em curso. A relação entre os OT e os comentários semânticos proferidos mapeou a gênese e o processo de criação textual. Além disso, as ROC semânticas evidenciam conhecimentos linguísticos e textuais dos alunos que não são possíveis de se identificar no manuscrito acabado.

Sala de aula; Produção textual; Diálogo; Escrita; Autoria; Manuscrito; Rasura

ABSTRACT

This study aims to analyze the semantic comments made by a dyad of newly literate students (6 to 8 years), during writing processes in real time. Affiliated to the field of studies proposed by the Textual Genetics, from an enunciative approach, we treat as a unit of analysis the Dialogical Text (DT) established in face-to-face interaction, respecting their multimodal dimension (gestures, expressions, body movements) and spontaneous speech and co-enunciation of the students in pairs. The DT constitutes the recognition by one of the speakers of Textual Objects (TO) and comments related to these objects. The relationship between the TO and recognized semantic comments is defined as a type of Commented Oral Erasure (COE). Our analysis was based on a data set composed by the filmic record of 16 writing process stories invented by the same dyad of students. We discussed the occurrence of this type of COE in 3 writing processes. Our results indicate that the semantic comments directed to OT aimed at the establishment of textual unit, indicating how the students were thinking about this problem for the manuscript in progress. The relationship between the TO and uttered semantic comments mapped the genesis and the textual creation process. Moreover, the semantic COE show the students’ linguistic and textual knowledge that are not possible to identify in the finished manuscript.

Classroom; Textual production; Dialogue; Writing; Authorship; Manuscript; Erasure

Introdução

Desde os anos 80, os estudos em Genética Textual1 (GT), inaugurados uma década antes por pesquisadores interessados em investigar processos de criação literária, dedicam-se a compreender o percurso genético do texto redigido em contexto escolar, por escreventes novatos. Os trabalhos de Claudine Fabre (FABRE, 1990, 2002), ao resgatar da “lata de lixo” o brouillon2 produzido em sala de aula, influenciaram um grande número de estudos sobre as atividades reflexivas e operações metalingüísticas ocorridas durante a escritura de um texto3 (PENLOUP, 1994; BORÉ, 2000; ALCORTA, 2001; PLANE, 2006; DOQUET, 2011; CALIL, 2009).

Através de diferentes produtos escritos por escolares (rascunho, manuscrito, cópia, recopia, versão), tem sido possível identificar diversos elementos textuais, indicando a relação recursiva do escrevente com seu próprio texto. Estes estudos mostram que as rasuras feitas em um mesmo produto (rascunho ou manuscrito escolar) ou as modificações entre uma versão e outra indicam os retornos do escrevente sobre o que foi escrito. Seja qual for o manuscrito escolar, a imensa maioria das investigações em GT dedica-se a identificar e descrever o que foi alterado, corrigido, suprimido, a partir do produto escrito. Muitos desses estudos identificam e descrevem 4 operações metalinguísticas relacionadas à rasura (apagamento, acréscimo, substituição e deslocamento), quantificando as modificações gráficas e linguísticas feitas durante seu processo de escritura. Fabre (1990) mostra, e estudos posteriores confirmam, que mesmo em manuscritos de alunos recém alfabetizados (entre 6 e 9 anos de idade) há uma grande quantidade de rasuras, indicando operações metalinguísticas em diferentes níveis linguísticos (gráficos, ortográficos, lexicais, semânticos, sintáticos, de pontuação).

Dentre essas operações, aquelas envolvendo as escolhas lexicais do escrevente tem uma significativa importância para entendermos a gênese textual e a reflexão metalinguística ou metatextual feita pelo escrevente durante sua efetivação. Entretanto, apesar das identificações e descrições de rasuras de substituições lexicais ajudarem a reconstruir o processo escritural, o acesso ao modo de pensar do aluno enquanto estava escrevendo fica restrito às marcas deixadas sobre a folha de papel entregue ao professor. As rasuras efetivadas pelo escrevente indicam o caráter processual e recursivo das operações metalinguísticas no texto em construção, mas a análise destas marcas permite somente interpretações do processo a posteriori ou off line.

Um dos poucos trabalhos que busca analisar as operações metalinguísticas efetivadas durante o processo de escritura em tempo real foi desenvolvido por Doquet (2011). A pesquisadora francesa usou o programa Genèse du Texte4 para capturar simultaneamente o movimento do cursor, teclado e mouse. Seu estudo, com alunos de 10 anos de idade que escreviam sem a interferência do professor, reconstituiu a dimensão temporal on-line, das rasuras efetivadas ao longo da construção do texto. O registro cronológico fiel e preciso, capaz de capturar o tempo da movimentação do cursor na tela do computador e as teclas acionadas, indicou as pausas feitas pelo escrevente entre um movimento e outro.

Diferentemente das análises do processo off line através do produto textual (manuscrito escolar), as informações fornecidas pelo programa Genèse du Texte mostraram que, entre uma palavra e outra, houve uma pausa mais longa ou mais curta, que o cursor foi movimentado para a linha de baixo e em seguida retornou ao ponto em que estava. Isso permitiu levantar uma grande quantidade de hipóteses referentes às pausas e modificações identificadas ou mesmo atribuir intenções ao escrevente referentes ao que ele pode ter pensando quando escolhia uma palavra ao invés de outra, ou enquanto fazia uma pausa mais longa do que outra.

A correlação entre as rasuras e as pausas trouxe um elemento novo para as análises da gênese textual. Dentre as várias rasuras analisadas por Doquet, ela identificou o tempo e as pausas que acompanhara as substituições ou apagamentos lexicais. Ela mostrou, por exemplo, que antes de ter sido inscrito o verbo pronominal “se cachaient” o aluno havia escrito e apagado, alguns segundos antes, “se débrouillaient” e “se défendaient” (DOQUET, 2008, 2011). Contudo, apesar da exatidão cronológica em que se operou a rasura, ainda não foi possível ter evidências do porquê o aluno fez as substituições. Ao analisar essas substituições, a pesquisadora interpreta o que se passou, ao dizer, “sem dúvida, a pausa que seguiu [se cachaient] marca uma dúvida, uma hesitação5” (DOQUET, 2011, p.155, grifo nosso). Contudo, como saber o que se passou durante a pausa? Qual foi a dúvida do escrevente? A hesitação correspondeu ao quê, exatamente? A diferença de sentido entre estes termos? Mas qual teria sido o sentido pensado pelo aluno? Ou teria sido alguma dificuldade ortográfica, que teria levado o escrevente a escolha de outra palavra? Não há como saber. Não há como responder. Sem dúvida, não é possível mesmo afirmar se houve, de fato, uma dúvida ou se o escrevente apenas parou de escrever porque olhou para alguém que passou por perto.

Em nossos estudos (CALIL, 2003, 2008, 2012a, 2012b, 2013) propomos uma metodologia usando recursos multimodais para o registro do manuscrito em curso, respeitando as condições ecológicas, didáticas e interacionais da sala de aula. Considerando práticas de produção textual adotadas por escolas que assumem uma base curricular “sócio-construtivista”, elegemos a produção textual colaborativa (escrever a dois um único texto), como procedimento didático-metodológico para se ter acesso ao que os alunos pensam enquanto escrevem. Com o apoio de recursos audiovisuais, registramos em vídeo a interação entre os alunos de uma díade. A partir do diálogo estabelecido entre eles – caracterizado por falas espontâneas, gestos e expressões faciais – e sua relação com o manuscrito em curso, pudemos identificar objetos textuais reconhecidos pelos alunos ao longo do processo de escritura e os comentários referentes a estes objetos, visando sua manutenção, modificação ou apagamento. Estes comentários feitos durante o processo produzem efeitos na configuração do produto final, indicando os elementos linguísticos, gráficos, discursivos que não foram inscritos ou foram inscritos e depois rasurados.

Nossa intenção neste artigo é mostrar que determinadas palavras podem ser reconhecidas enquanto objeto textual, seguido por comentários que expressam a reflexão feita pelos alunos sobre seu sentido e sua relação com o manuscrito em curso.

A escritura e o diálogo

Estudos que analisam o diálogo durante processos de escritura colaborativa a dois6 tendem a dar maior ênfase à situação interacional (DAIUTE; DALTON, 1993; VASS, 2007), conversacional (GAULMYN, 1994; BOUCHARD; GAULMYN, 1997) ou de aprendizagem (SWAIN; LAPKIN, 2002; STORCH, 1999) do que propriamente à dimensão escritural e genética do texto em construção. Diferentemente dos estudos em Genética Textual, os pesquisadores que analisam a “redação conversacional” (GAULMYN, 1994; BOUCHARD; GAULMYN, 1997) assumem a construção textual colaborativa como um trabalho intenso de “reformulação” (GAULMYN, 2001), tendo como objeto de estudo o “texto-oral”, constituído por “metadiscursos” (BOUCHARD, 1997) dirigidos ao “texto-alvo” (APOTHELOZ, 2005). Os trabalhos dos livros organizados por Gaulmyn, Bouchard e Rabatel, (2001) e por Bouchard e Mondada (2005) discutem a redação conversacional de dois estudantes universitários não francófonos, quando escrevem um texto argumentativo sobre os “deveres escolares”.

Apesar da metodologia usada na coleta destes dados não registrar de modo preciso a relação entre o diálogo da díade e o momento em que algo está sendo inscrito na folha de papel, Apotheloz (2001, 2004, 2005) discute o que chamou de “episódio autonímico”. Estes episódios estão associados aos momentos em que os dois estudantes universitários, a partir de seus recursos linguísticos e de padrões interacionais, formulam e, eventualmente, avaliam os sintagmas que farão o texto avançar em direção ao seu estado definitivo. Segundo o autor, algumas formas de avaliação podem ser reconhecidas em diálogos como:

4097 H: a polêmica do dever... de casa.

410 F: ‘polêmica’, o que isso quer dizer?

411 H: a ‘polêmica’ é a grande discussão. ‘Polêmica’ é a discussão.

412 F: Ah, sim.

O turno 411 de H traz um “enunciado de dupla categorização”. Neste enunciado incide, simultaneamente, “o sentido de uma palavra da língua (definição da palavra)” e o “objeto designado genericamente (definição do objeto)” (APOTHELOZ, 2001, p.53). A ênfase dada ao caráter “conversacional”, à descrição dos “padrões de reformulação” (APOTHELOZ, 2005, p.182) e à “sintaxe de expansão” (APOTHELOZ, 2001, p.56) não valoriza esta forma de reflexão metalinguística. Contudo, elas têm um papel importante na construção do “texto-alvo” e sua configuração final. De um lado, em situações de escrita colaborativas, enunciados desse tipo são precedidos pelo retorno de um dos locutores sobre um termo dito para ser escrito (‘polêmica’, o que isso quer dizer?), por outro, há uma operação metalinguística indicando, neste exemplo, uma reflexão autonímica (‘polêmica’ é: a grande discussão. ‘Polêmica’ é a discussão.) que visa a justificar o que vai ser escrito no texto em curso.

De nossa perspectiva genética, cujo objeto de estudo é a escritura a dois entre alunos recém alfabetizados, a relação entre estes dois aspectos (a recursividade e a reflexão metalinguística) tem uma importância capital. A retomada de um termo enunciado anteriormente indica o reconhecimento de sua importância para o manuscrito em curso e o que diz o escrevente explicita o que ele sabe e pensa sobre esse termo e, principalmente, sugere a relação que o escrevente faz sobre sua pertinência (ou não) para o que está sendo escrito. A inter-relação entre estes aspectos caracteriza-se como “pontos de tensão”, conforme definimos em Calil (1998, p.97) no processo de escritura a dois. Analisar suas ocorrências pode explicitar o que o escrevente pensou ao fazer uma rasura, aspecto que nem o produto acabado (manuscrito), nem o registro do tempo (pausas) do processo permitem saber.

A rasura e a rasura oral

Os pontos de tensão indicam os movimentos recursivos dos alunos diante do manuscrito em curso. O registro do diálogo estabelecido entre eles sobre o que iriam escrever ou sobre o que já haviam escrito deu acesso ao que estavam pensando sobre determinados objetos textuais8, ao modo como o texto estava sendo construído e à gênese do processo criativo. Esses pontos de tensão identificados no fluxo dialogal geraram operações metalinguísticas, cujo estatuto é semelhante àquelas interpretadas a partir das rasuras grafadas, visíveis no produto. Nomeamos esses pontos de tensão ocorridos no fluxo dialogal como “rasuras orais” (CALIL, 1998, p.108).

De acordo com Calil (2012a, 2012b, 2013), Calil e Felipeto (2012) e Felipeto (2008), na escritura colaborativa a dois, a rasura oral identificada a partir da associação e sincronização entre o manuscrito em curso e o manuscrito final é um poderoso fenômeno coenunciativo para se mapear e entender os caminhos dos processos de criação e de escritura, ainda que nem sempre os elementos enunciados sejam inscritos no produto acabado. Se a rasura escrita indica, em sua essência, uma alteração ou mudança no que já foi escrito, caracterizada pelo retorno mais ou menos complexo do escrevente sobre um determinado ponto do manuscrito em curso, defendemos que os retornos ocorridos oralmente, durante o fluxo dialogal, ao incidir sobre o que será ou não inscrito9 e linearizado10, também sejam tratados como uma forma de manifestação da rasura. Uma rasura cuja gênese está em sua natureza oral, dialogal e co-enunciativa, mas cujo efeito interfere na configuração final do manuscrito.

A rasura oral, caracterizada co-enunciativamente durante a escritura colaborativa, preserva o dizer espontâneo e compartilhado. Estabelecida durante o processo de escritura, ela indica de modo espontâneo e imprevisível como cada aluno altera ou modifica elementos a serem escritos no manuscrito em curso. Desta forma, o registro de rasuras orais mapeia a gênese do processo de escritura a dois.

Identificamos no texto dialogal (TD) estabelecido entre os alunos, o reconhecimento de “objetos textuais” por um dos locutores. Esta identificação considerou o modo como o locutor tratava um objeto textual (OT), alterando-o em relação ao que já havia sido inscrito ou reformulando11-o para que possa ser inscrito no manuscrito em curso. Na rasura oral comentada, essa identificação caracteriza-se por uma interrupção feita pelo locutor do fluxo narrativo e escritural, um “retorno” sobre o OT identificado, sucedido por comentários referentes a ele.

Os OT extraídos do TD e relacionados ao manuscrito em curso são destacados pela voz de cada falante/escrevente, no aqui e agora de sua enunciação, em situação real, espontânea e imediata. A estes aspectos, soma-se o contexto imediato e as condições de produção – dadas sócio-historicamente e didaticamente –, os elementos expressivos idiossincráticos de cada um dos interlocutores (movimento corporal, gestos, olhares, expressões faciais, tomada e posição da caneta), a interação face-a-face e o engajamento na escritura compartilhada e colaborativa. Por fim, a natureza, não-planejada, nem premeditada ou previsível das rasuras orais é outro aspecto equivalente à ocorrência de rasuras escritas. Como os estudos em Crítica Genética (BIASI, 1996; GRESILON, 1994) mostram, não é possível prever, antecipar ou planejar quando ocorrerá ou se produzirá uma rasura. A rasura somente é reconhecida após se identificar em que ponto do processo houve um retorno, que pode ou não deixar marcas gráficas evidentes sobre o produto.

O reconhecimento de objetos textuais no TD estabelecido durante a escritura colaborativa pode ser sucedido por comentários12 sobre estes objetos. A correlação entre os objetos textuais e comentários caracterizaria formas de manifestação da rasura oral. Dentre as diversas formas de comentário identificadas (CALIL, [2017]), iremos discutir aquelas relacionadas às reflexões sobre o sentido das palavras e sua relação com o manuscrito em curso. Do ponto de vista linguístico-enunciativo, estes comentários apresentam estruturas sintáticas desdobradas, como por exemplo:

  • X porque Y

  • X senão Y

  • X, mas precisa ter Y

  • X, parece que Y

  • X, isto é, Y

  • X, mas assim fica Y

  • X, quer dizer, Y

  • X, isso significa Y

  • X, vão pensar que Y

  • etc.

A caracterização dessas formas de manifestação das rasuras orais dá-se, portanto, a partir da identificação do OT eleito pelo aluno e sua relação com o(s) comentário(s) proferido(s). Mesmo que a rasura oral não produza uma alteração visível ou identificável no produto final, ela explicita a gênese textual e o modo como alunos estão pensando seu manuscrito em curso. Por considerarmos os comentários desdobrados como fenômeno dialogal e coenunciativo inerente ao processo de escritura a dois, apresentaremos a seguir a descrição e análise de algumas ocorrências de rasuras orais sobre determinadas palavras e seus efeitos no manuscrito em curso.

Contexto e propostas de produção textual a dois

Para identificar e descrever as rasuras orais comentadas, apoiamo-nos em um material coletado durante 2 anos, quando duas alunas recém alfabetizadas (Isabel e Nara, entre 6 e 8 anos de idade) participaram de 16 filmagens de processos de escritura colaborativa de histórias inventadas13. As professoras adotaram as mesmas estratégias didáticas durante a apresentação das propostas de produção de texto:

1º momento (apresentação): apresentação da consigna, agrupamento das díades, definição de qual aluno iria escrever e qual iria ditar.

2º momento (combinação/planejamento): as díades (sem ainda terem recebido papel e caneta) inventam e combinam a história que irão escrever.

3º momento (inscrição e linearização): inicia-se quando os alunos dizem para a professora que já combinaram a história e, então, recebem papel e caneta para a escrever. Este momento caracteriza-se pelo registro do manuscrito em curso, quando se efetiva graficamente cada traço, letra, palavra, frase, título... Aqui, a inscrição diz respeito à marca da tinta sobre a folha e a linearização refere-se ao encadeamento sintático escrito e à sucessão de cada elemento linguístico sobre a linha do papel.

4º momento (leitura e revisão): ao terminarem de escrever a história, chamam a professora que pode pedir para a díade ler para ela e, se preciso, alterar algo que julguem ser necessário.

Os exemplos mostram a ocorrência de rasuras orais durante o 3º momento (inscrição e linearização), quando os alunos estão com a caneta na mão e a folha de papel sobre a mesa.

Palavras reconhecidas e seus comentários semânticos

As rasuras orais que iremos discutir referem-se ao reconhecimento de palavras ou expressões enunciadas por um dos locutores e sucedido por diferentes comentários relacionados ao sentido. Apresentaremos a análise de 3 textos dialogais, retirados de 3 processos de escrituras diferentes. Destacaremos o modo como se deu a articulação entre o reconhecimento da palavra e a reflexão metalinguística relacionada a ela e ao manuscrito em construção.

Abcdefghijklmnopqrstuvz x ordem alfabética

Em nosso material, foi frequente a eleição de objetos textuais relativos às palavras a serem escritas. Quando surgem determinados pontos de tensão relativos à entrada ou inscrição de um termo ou outro, os locutores podem recorrer a diferentes tipos de comentários para defender suas ideias ou intenções. Estes comentários podem apresentar argumentos de diferentes valores, relacionados às condições situacionais, interacionais ou comunicativas, ao sentido das palavras e expressões e à unidade do próprio manuscrito em construção.

No TD abaixo, podemos observar a ocorrência de dois tipos de argumento compondo os comentários em torno de dois OT que disputam a mesma posição no manuscrito em curso.

Figura 1
– Estado do manuscrito escolar “A rainha comilona14”, linhas 1 a 5, após ter sido inscrita a palavra “alfabética”, aos 08:29 (3o processo, 27/06/1991).

Fonte: Banco de dados do Laboratório do Manuscrito Escolar.


TD 3º processo (manuscrito “A rainha comilona”), 07:01 – 08:2915

55.NARA: (Isabel está escrevendo “e fazia um regime” (linha 4). Nara virando-se para ela) E um dia ara...

56.ISABEL*: (Terminando de escrever “regime”). Espera um pouco, Narinha. (Ao terminar de escrever “regime”, afastando a caneta do papel e virando-se para Nara). Não. Mas vamos fazer assim... em ordem alfabética... porque ‘alfabética’ é ‘abcdef’.

57.NARA: Tá. Eu sei. (Isabel voltando a escrever) E comia em ordem...

58.ISABEL*: (Lendo a última palavra escrita) ...regime... diferente... (Começando a escrever [DIFEREMTE], na linha 5).

59.NARA: ...em ordem alfabética (Isabel terminando de escrever [DIFEREMTE]) Daí um dia com ‘b’... (Olhando para o alfabeto afixado acima da lousa) ‘a’, ‘b’, ‘c’...

60.ISABEL*: (Parando de escrever). Espera um pouco. Não. (Olhando para Nara, gesticulando e falando rápido) Eu não vou escrever ‘abcde...’ uuuuu.... em or... em ordem alfabética.(Voltando-se para o texto e lendo) ...regime diferente...

61.NARA: (Em tom de reclamação) Eu que dito, né, Bel, ôô...

62.ISABEL*: Espera um pouco, Narinha. (Breve pausa)Por causa que... fica estranho, né? (Cantando rapidamente todo o alfabeto) abcdefghijklmnopqrstuvz...

63.NARA: Comia em ordem alfabética... e daí ia falar... (Gesticulando como se fosse cantar o alfabeto)

64.ISABEL*: Em ordem alfabética. (Voltando a escrever ‘em ordem’ [IN ÓRDEM]. ...ordem. A gente não combinou assim... ...fabética.(Escrevendo [ALFABÉ]. Parando de escrever e virando-se para Nara) A gente não combinou assim, viu Narinha. A gente não combinou. A gente não combinou assim...

65.NARA: É...você também não combinou que a gente ia fazer em ‘ordem alfabética’ e eu falei que tá.

66.ISABEL*: ...alfabética. (Voltando-se para o final da linha 4, escrevendo ‘ti’ [TI] e mudando de linha (linha 5), escrevendo ‘ca’ [CA]). ...em ordem alfabética. (Parando de escrever e virando-se para Nara e pedindo para continuar ditando) Fala.

Os dois OT destacados em vermelho (turno 55 e 59 de Nara) indicam como a história deveria continuar, depois que fosse escrito “e fazia um regime” (linha 3). O primeiro OT surge quando Nara está ditando “e um dia a ra...”. Isabel, que estava terminando de escrever “regime”, ainda precisava linearizar como era feito o regime pela rainha comilona. Elas haviam combinado (no momento da “combinação”) que a rainha fazia um regime em que “comia uma vez uma coisa com ‘a’, depois comia tudo que começa com ‘b’....” (turno 14, Isabel). Para barrar a continuação da história conforme Nara ditou, Isabel (turno 56) diz, pela primeira vez durante este processo de escritura, “em ordem alfabética”. Logo em seguida a essa reformulação, ela explica e, ao mesmo tempo, justifica “porque ‘alfabética’ é abcdef”. Este comentário autonímico reconhece a expressão “abcdef” e faz menção ao uso da palavra ‘alfabética’, indicando o conhecimento metalinguístico advindo do aprendizado neste momento escolar (conceito de “ordem alfabética”). O comentário expressa ainda a capacidade metatextual da aluna em articular essa informação com o manuscrito em curso.

Nara aceita a inscrição de “ordem alfabética” (turno 57), mas novamente retoma a continuação da história a partir disso: “Daí um dia com ‘b’...‘a’, ‘b’, ‘c’...” (turno 59), olhando para as letras do alfabeto fixadas acima do quadro negro. Sua enunciação gera o reconhecimento de um outro OT ([regime] com ‘a’, ‘b’, ‘c’) que também será negado por Isabel, desta vez com comentários apresentados em 3 turnos sucessivos (turnos 60, 62 e 64).

Os turnos 60 e 64 apresentam comentários com argumentos pragmáticos. No turno 60, Isabel usa a autoridade decorrente do fato de ter a caneta e diz: “eu não vou escrever abcde...”. Depois, no turno 64, ela se serve de outro argumento pragmático: “a gente não combinou assim”. Neste comentário, o argumento coloca em destaque tanto a orientação dada pela consigna da professora (combinar juntas a história e depois escrever o que foi combinado), quanto o que foi acordado entre elas, durante a combinação da história. Esse comentário tem novamente um valor pragmático, porque está relacionado aos aspectos contextuais (interacional e comunicativo) da atividade. Como é característico deste tipo de comentário, identificado em vários outros momentos do conjunto de dados de que dispomos, o argumento pragmático visando ao impedimento da inscrição de um objeto textual não retoma aspectos linguísticos ou textuais relacionados à história narrada. Nara, ao tentar defender o OT proposto (turno 65), serve-se igualmente de um argumento pragmático, replicando o que disse Isabel e acrescentando “... e eu falei que tá”.

Entre um e outro comentário pragmático, Isabel enuncia “...fica estranho, né? ... abcdefghijklmnopqrstuvz...” (turno 62). É esta enunciação que nos interessa observar. Este novo comentário dá maior força argumentativa ao comentário “porque ‘ordem alfabética’ é abcdef” feito no turno 56. Neste momento de enunciação do turno 62, seu comentário possui um valor argumentativo semântico-textual. A reflexão metalinguística e metatextual feita por Isabel expressa uma consciência sobre a unidade do texto e indica sua posição como leitora do que está escrevendo. A busca por essa unidade não parece, neste momento, ser uma preocupação de Nara.

Os dois comentários formulados com argumentos semânticos (“Não. Mas vamos fazer assim... em ordem alfabética... porque ‘alfabética’ é abcdef”. (turno 56) e “Por causa que... fica estranho, né? ...abcdefghijklmnopqrstuvz...” (turno 62)) são complementares e inter-relacionados. Eles indicam, de um lado, que Isabel estabeleceu uma relação sinonímica e conceitual entre “ordem alfabética” e “abcdefghijklmnopqrstuvz” e, de outro, que ela se colocou na posição de leitor, avaliando negativamente (“fica estranho, né”) a possível entrada de “abcdefghijklmnopqrstuvz...” no manuscrito em curso. Na folha de papel não houve a rasura escrita que indicasse o apagamento de “abcdefghijklmnopqrstuvz” e sua substituição por “ordem alfabética”, que poderia, certamente, ter acontecido, mas o funcionamento da rasura oral, neste ponto do manuscrito, traz a evidência do porquê as alunas escreveram “ordem alfabética”, ao invés do e outro termo. A rasura oral tem um maior valor explicativo do que a mera identificação de uma possível rasura escrita no produto final, ou mesmo do acesso à longa pausa entre o registro da palavra “regime” e do sintagma “em ordem alfabética”. Se tivéssemos em mãos somente o manuscrito com uma rasura de substituição entre “abcdefghijklmnopqrstuvz” e “ordem alfabética” algumas suposições poderiam ser feitas sobre o porquê do escrevente ter substituído um por outro, mas nenhuma delas seria baseada sobre o que realmente aconteceu durante a produção da rasura ou sobre o que pensou o escrevente quando a fez.

A dimensão explicativa da análise do diálogo entre as alunas e sua relação com o produto final está no fato dela revelar não só a gênese textual, mas também o modo como as escreventes estão pensando diversos OT naquele momento do processo. O diálogo, acompanhado dos movimentos faciais, gestuais, corporais e do traço da caneta na folha de papel, capturados em vídeo faz parte do que também chamamos de “manuscrito oral”, nele temos a preservação online da memória de cada processo e o registro de todas as suas direções e movimentos recursivos. Através das enunciações proferidas, temos ainda o acesso às diferenças subjetivas entre os escreventes, aos conhecimentos linguísticos e textuais próprios de cada um, às relações que estabeleceram com os objetos textuais reconhecidos como problemáticos no curso da escritura.

Triste x Solitária

Há em nosso corpus ocorrências de rasuras orais em que o OT recebe comentários com outros argumentos de valor semântico, expressando o sentido que uma palavra tem para o locutor ou o sentido de um determinado termo em relação aos termos que o entorna. Nos 16 processos há várias ocorrências de comentários com este tipo de argumento, como o que incidiu no momento em que as alunas iam escrever a palavra “triste”, na linha 12 do manuscrito “Os três Todinhos e a Dona Sabor”.

Figura 2
– Estado do manuscrito escolar “Os três todinhos e a dona Sabor”16, linhas 10 a 12, aos 25:51, (6o processo,28/11/1991).

Fonte: Banco de dados do Laboratório do Manuscrito Escolar.


TD_6º processo (manuscrito “Os três Todinhos e a dona Sabor”), 25:00 – 25:51

198.ISABEL*: (Lendo ‘então só falavam`) ...Então só falavam. (Escrevendo o sinal de ponto após ‘falavam’ [FALAVAO].) Ponto. (Flexionando a voz e lendo ‘você nem’.) Você nem... (Escrevendo ‘imagina quanto’) imagina... i [E]... ma [MA]... gi [GI]... na[NA]... (Escrevendo ‘quanto’ [CUATO]. Acabando de escrever ‘quanto’, e virando-se para Nara bruscamente) De repente... Não. A mãe tava... tava muito triste né? Mas foi uma choradeira dessa... (Gesticulando como se fosse o personagem.) ...apareceu uma fada de repente... daí eles ficam com medo, né? ...apareceu uma fada, né ?

199.NARA: Eles nunca tinha visto a fada.

200.ISABEL*: (Escrevendo ‘a mãe’.) ...a mãe... a mãe [A MÃE]... (Escrevendo e flexionando a voz.) ...tava tão solitária. (Escrevendo ‘estava tão’ [TAVATÃO].)

201.NARA: (Perguntando com ênfase.) Solitária?

202.ISABEL*: Não. tava... Não. tava... ‘Solitária’ quer dizer ‘sozinha’, então não tem nada a ver. (Escrevendo ‘triste’.) Tava... tava... tão triste [TRISTE]... que os filhos dela só falavam...

Como no manuscrito apresentado anteriormente, neste também não há nenhuma marca de rasura gráfica indicando a substituição da palavra “solitária” pela palavra “triste”, inscrita na linha 12, no final da frase “a mãe tava tão triste”. “Triste” foi escrito como se não tivesse havido concorrência com outros termos. Contudo, no momento em que as alunas estavam escrevendo esta parte da história, “triste” foi colocada em relação de sinonímia com “solitária”, acompanhada por comentários semântico e textual.

Isabel inicialmente diz que a mãe estava muito triste (turno 198). Durante o momento em que está inscrevendo e linearizando a frase “a mãe tava tão triste” (turno 200), ela mesma enuncia “solitária” no lugar de “triste”: “...a mãe... a mãe [A MÃE]... (Escrevendo e flexionando a voz.) ...tava tão solitária.”. Neste exato momento, a palavra “solitária” é reconhecida como OT por Nara, destacando-a do fluxo da fala de Isabel e da sequência narrativa.

A entrada imprevisível da palavra “solitária” no lugar de “triste” teria passado despercebida e poderia ter sido grafada, não fosse o seu reconhecimento, o estranhamento e a interrupção de Nara. O modo interrogativo com que ela retorna enunciativamente sobre a palavra “solitária”, no turno 201, leva a própria Isabel a refletir sobre seu significado e avaliar sua pertinência para a história inventada em construção.

Isto acontece da seguinte maneira. Isabel, ao responder, no turno 202, ao questionamento de Nara, repete esta palavra para, em seguida, comentá-la. No comentário, há dois argumentos concatenados. Primeiro, ela faz uma análise metalinguística autonímica, explicando o significado de “solitária”: ‘solitária’ quer dizer ‘sozinha’. Reflexão bastante próxima daquela que mostramos anteriormente: “não vou escrever ‘abcdef’. Vou escrever ‘ordem alfabética’, porque [ordem] ‘alfabética’ é abcdef”.

O segundo argumento que acompanha este mesmo comentário tem um valor textual, semelhante ao enunciado “fica estranho, né? ...abcdefghijklmnopqrstuvz...”. Isabel, ainda no turno 202, rasura oralmente a entrada da palavra “solitária” no manuscrito em curso, dizendo que “então, não tem nada a ver” com a história.

Este duplo argumento semântico e textual, apresentado nestas duas enunciações concatenadas, impede que seja inscrito “solitária”, no manuscrito em curso. Este OT, apesar de manter uma relação de contiguidade sinonímica e associativa com “triste”, produz uma quebra de sentido com o conteúdo narrativo estabelecido até aquele momento: a história narrava que os filhos só falavam, conversavam muito e a mãe estava triste (e não ‘solitária’) por causa disso.

Entrada x porta x buraco

Este último exemplo de comentário semântico foi feito por Nara. Apesar de haver ocorrências deste tipo de comentário em suas enunciações, elas ocorrem em menor número do que os comentários semânticos de Isabel. Porém, o fato de Nara passar a fazer estes tipos de comentários, ausentes em seus turnos até este 8º processo de escritura, indica que, de alguma forma, os comentários semânticos feitos por Isabel tiveram influência sobre o modo como Nara passou a pensar sobre o manuscrito em construção.

Figura 3
– Estado final do manuscrito escolar “O guarda-roupa mágico17” (8o processo, 02/04/1992).

Fonte: Banco de dados do Laboratório do Manuscrito Escolar.


Optamos por apresentar o manuscrito escolar “O guarda-roupa mágico” em sua configuração terminada, conforme foi entregue pelas alunas à professora. As 19 estrelas indicam os pontos de tensão do manuscrito em curso, cujos OT foram reconhecidos por Isabel (responsável por escrever). Os 6 quadrados indicam os pontos em que Nara (responsável por ditar a história) reconheceu algum OT. E as setas apontam para as 7 rasuras gráficas do manuscrito escolar. Isso permitirá ao leitor observar que nem todas as rasuras orais, decorrentes da identificação dos objetos textuais indicadas pelas ‘estrelas’ e ‘quadrados’, geraram rasuras e vice-versa. A indicação destes pontos por ‘estrelas’ e ‘quadrados’ favorece também a visualização do quanto foi produtiva, ou não, a situação interacional, isto é, se não houver pontos de tensão a indicar, significa não ocorrência de reflexões metalinguísticas ao longo do processo de escritura. A nossa hipótese de trabalho é a de que a quantidade de ocorrências de rasuras orais comentadas pode sugerir a produtividade da situação interacional, na medida em que indicariam os pontos de tensão, acompanhados por operações metalinguísticas.

Dentre estes 25 pontos de tensão, analisaremos aquele relacionado à rasura escrita feita no início da linha 4. Neste ponto há uma rasura de substituição. A palavra “duas” foi riscada e substituída pelo termo “dois”, inscrito logo abaixo dela, concordando em gênero com o substantivo “buracos”:

3. [...] Os dois meninos enxergaram

4.duasburaco(s)

dois

A partir do manuscrito, pela posição da rasura na folha de papel, podemos inferir que ela foi grafada em algum momento da inscrição e linearização da história inventada, caracterizando-se como uma “variante de leitura” (LEBRAVE, 1983). Porém, não é possível saber em que momento do processo isso ocorreu. Afirmar que foi logo após o registro de “buraco” é uma especulação, sem evidência consistente. Podemos supor ainda que a concorrência entre “dois” e “duas” está relacionada à concordância de gênero numeral exigida pelo substantivo masculino (em português) “buracos”. E que a rasura escrita é um índice de que o aluno refletiu sobre este aspecto, quando a fez. Mas isso ainda é uma suposição, uma atribuição de intenção ao escrevente que não pode ser verificada a partir do manuscrito. O manuscrito acabado, apesar das rasuras escritas identificadas, não permite sabermos o que de fato foi pensado pelo escrevente no momento em que rasurou. Também não se pode saber quando a rasura ocorreu ou o que se passou antes de sua ocorrência. O que se diz sobre o processo de escritura, a partir de rasuras escritas identificadas em um manuscrito acabado, passa pelo viés interpretativo e subjetivo do pesquisador. Muitas vezes se atribui intencionalidades ao escrevente, impossíveis de serem verificadas ou comprovadas.

No caso desta rasura escrita, a identificação da substituição de “duas” por “dois” não vai além dela mesma. Isto é, ela sugere apenas um problema de concordância do numeral com o gênero da palavra “buraco” no plural. É necessário analisar o momento em que essa rasura ocorreu para termos evidências do que realmente a motivou.

TD_8º processo (manuscrito “O guarda-roupa mágico”), 10:40 – 12:12

135.NARA: É. Mas deixa eu te falar agora. (Recontando a história.) Tinha... Um menino encontrou uma caverna. O primeiro menino entrou. O segundo menino também...

136.ISABEL*: (Enquanto Nara fala) Não. Calma aí.

137.NARA: Sabe por quê? Porque tinha duas entradas a caverna. (Fazendo gestos circulares com as mãos, como se fossem as entradas da caverna.)

138.ISABEL*: Tá. Então vamos fazer assim. Os dois meninos... ééé... hãã... enxergaram uma caverna. E um...

139.NARA: ...com duas...com dois buracos.

140.ISABEL*: É. Com duas portas.

141.NARA: (Rindo porque Isabel disse ‘porta’.) Tem porta?

142.ISABEL*: (Também rindo.) Com dois buracos. E um entrou num e outro entrou noutro.

143.NARA: É.

144.ISABEL*: Tá?! Então, ó!

145.NARA: É. Mas que dava no mesmo lugar, hein?

146.ISABEL*: Vamos ver. Ééé.... (Olhando para a folha.) os dois meninos... (Falando e escrevendo ‘os dois meninos’.) os... dois [OS DOIS] ...meninos... [MENINOS] meninos... meninos. É o que mesmo? Os dois meninos... enxergaram.

147.NARA: (Com ênfase.) Entraram!

148.ISABEL*: Não. Enxergaram uma porta... du...duas portas... (Nara rindo) um entrou num e outro entrou noutra.

149.NARA: (Rindo.) Não. Duas portas, nãão! Caverna tem porta?

150.ISABEL*: (Simultaneamente à fala de Nara) É o quê? (Após fala de Nara) Ah é. Dois buracos. Os meninos enxergaram... (Escrevendo ‘enxergaram’ no final da linha 3.) en...xer...ga...ram... [EMCHERGARÃO] ...enxergaram... (Olhando para Nara, sorrindo e falando em tom de brincadeira.) Duas portas.

151.NARA: Portas não! Buraco.

152.ISABEL: Não. Portas. Duas. Du... as (Falando e escrevendo [DU] no início da linha 4.) portas (Escrevendo [AS])... buracos. Duas por...bo (Falando e escrevendo [BO])...

153.NARA: ...ra.

154.ISABEL: (Falando em tom de brincadeira.) Por...tas. (Mostrando no manuscrito que escreveu [BO] para o início da palavra “buraco”, mas continuando brincando com Nara, fazendo de conta que está escrevendo “portas”) Ó, por.... (Escrevendo [RA]).

155.NARA: (Enquanto Isabel está falando) ...bo...ra... Bora... (Isabel escrevendo “CO”) ...co. (Após escrita de “buraco”, Nara está lendo como ficou escrito) Duas buraco?! (Rindo).

156.ISABEL: “Duas”? Tá escrito “duas”.

157.NARA: Hã?

158.ISABEL: Tá escrito “duas”.

159.NARA: (Lendo.) Duas bo...ra...cos... ...duas buraco.

160.ISABEL: Não. Não, calma aí. Vamos escrever certo, vai Nara. Dois (Rasurando [DUAS]) dois (Falando e escrevendo [DOIS]).

O TD envolvendo a ocorrência deste ponto de tensão no manuscrito em curso durou 01:32. Sua transcrição, apesar de longa, mostra como surgiu o ponto de tensão que levou a rasura escrita de “duas” por “dois”, efetivada por Isabel, no turno 160 deste processo de escritura. Esta rasura escrita foi resultado de rasuras orais e comentários relativos à inscrição dos sintagmas “duas entradas”, “dois buracos” e “duas portas”.

Logo no turno 135, Nara retoma o termo “caverna”, enunciado pela primeira vez no início da “combinação” da história (turno 38). Para justificar porque cada um dos personagens entrou na mesma caverna, ela fala, no turno 137, “Sabe por quê? Porque tinha duas entradas a caverna.”. O que destacamos aqui é justamente o surgimento do ponto de tensão entre as alunas e o que deve ser escrito. No turno 139, a própria Nara substitui “duas entradas” por “dois buracos” e Isabel, no turno 140, substituiu “entradas” e “buracos” por “portas”. No manuscrito temos apenas o registro de “duas dois buracos”. Todos os outros elementos (“caverna”, “entradas”, “portas”), responsáveis pela rasura escrita, estão ausentes do manuscrito.

A rasura escrita traz a indicação de que naquele ponto houve uma tensão. Mas ela não revela qual foi. Também não é possível sabermos quais reflexões metalinguísticas foram feitas por um ou por outro aluno quando substituíram uma palavra por outra.

No TD podemos observar que entre os turnos 141 e 160, Nara e Isabel se confrontam para escolher “dois buracos” ou “duas portas”. É a necessidade imposta pelas relações semânticas entre os elementos da história que está sendo narrada e a linearidade textual de se grafar um ou outro termo para o referente “caverna”que faz Nara eleger “duas portas” como OT, impedindo seu registro escrito na história. O que nos interessa é a reflexão metalinguística feita pela aluna para impedir o registro de “porta”. Usando como argumento a correlação semântica entre “caverna” e “buraco”, Nara questiona e, ao mesmo tempo, nega a inscrição da palavra “porta” enunciando por duas vezes: “caverna tem porta?” (turno 141 e 149). Seu questionamento pode ser considerado um comentário, cujo argumento expressa a necessidade de coerência semântico-textual entre “caverna” e “buraco”. Ou seja, não se pode escrever “porta” porque uma “caverna” não tem “porta”.

Esse argumento estabelece uma relação de não-sentido entre os termos “caverna” e “porta”, para negar o segundo. Nara, ao fazer o comentário com este argumento, preserva a palavra “buraco”, assegurando que essa seja a palavra a ser escrita, como foi, de fato.

A rasura escrita, analisada apenas através do manuscrito, engana o pesquisador. Ela o induz a supor que o problema enfrentado pelo escrevente está na escolha entre “duas” ou “dois” para concordar com “buracos”. O manuscrito não traz evidências do que realmente se passou, não deixa nenhuma marca relativa ao fato de que “duas” foi inscrita por conta da presença de “porta”, e que concorriam com este termo, na mesma posição, os termos “entrada”, “buraco”. Além disso, o termo “caverna”, responsável pela reflexão semântico-textual de Nara (turnos 141 e 149), também não está presente no manuscrito.

Conclusão

Do ponto de vista da genética textual, a rasura oral comentada é um fenômeno coenunciativo relacionado ao processo de escritura colaborativa de um único texto. Em nosso caso, esse fenômeno caracteriza-se através de sua tripla natureza semiótica, imposta pela tarefa didática de se escrever juntos. A primeira natureza é oral. A condição dialogal e ecológica da interação face-a-face, na qual emerge a fala espontânea acompanhada dos movimentos corporais, gestos, olhares, expressões, tomadas da caneta e posicionamento na folha de papel, entre outros aspectos multimodais, favorece o acesso ao modo de pensar dos alunos sobre os objetos textuais relacionados ao manuscrito em curso.

Como muitos trabalhos que defendem uma prática didática sócio-construtivista, baseada nas ideias de Vygotsky, a necessidade de dialogar para se escrever oferece a oportunidade aos alunos de justificar, explicar, afirmar, negar, exemplificar o porquê de suas ideias ou sugestões para o que se deve ou não se escrever. Contudo, nossa interpretação baseada em uma abordagem enunciativa da gênese textual e do processo de escritura em tempo e espaço real, colocou em destaque a relação do escrevente com o manuscrito em construção.

A segunda dimensão da natureza semiótica desta condição de produção textual é dada pela própria metodologia adotada, ao se filmar o processo escritural e registrar o manuscrito em curso, isto é, a sincronização entre o que se fala para escrever e o que efetivamente é inscrito e linearizado. E, por fim, a terceira dimensão é o próprio manuscrito, resultado deste processo escritural. A interface que vincula estas três dimensões (oral, visual e escritural) caracteriza nosso objeto de estudo e é material essencial para identificarmos justamente o que apenas a configuração final do manuscrito ou a marcação das pausas decorridas ao longo do processo não permitem observar.

A associação que propomos entre estas dimensões semióticas, mostrando articuladamente o diálogo face-a-face, o manuscrito que está sendo construído a dois e sua configuração final, é o que nos permite defender a rasura oral comentada como noção reveladora da gênese e da criação textual destes alunos. Ao identificarmos os pontos de tensão a partir do reconhecimento pelos locutores-escreventes de palavras como objetos textuais e seus comentários, pudemos observar como os alunos estão pensando no momento em que estão escrevendo. Os comentários, ao apresentarem determinadas estruturas linguístico-enunciativas, com diferentes valores argumentativos, têm por efeito o apagamento, a inserção ou a alteração destes próprios objetos textuais a serem escritos ou já inscritos e linearizados.

Podemos supor, por exemplo, no processo que gerou o manuscrito “A rainha comilona”, que se Nara estivesse escrevendo sozinha a história, talvez tivesse escrito o que disse: “Daí a rainha falava...” ou talvez teria feito “Daí um dia com ‘b’...”. De modo semelhante, também poderia ter sido inscrito e linearizado por Isabel exatamente o que Nara ditou, se a própria Isabel não tivesse neste ponto reconhecido uma diferença de sentido entre “abcde” e “ordem alfabética”. Em nenhuma destas duas situações teria havido reflexão metalinguística sobre o OT eleito18.

Nossa hipótese de trabalho é a de que a escritura de um único texto por dois alunos potencializa e favorece a emergência espontânea de reflexões metalinguísticas e metatextuais. O caráter intersubjetivo da escritura a dois ganha relevo quando um locutor observa diferenças no modo de pensar e de escrever de seu interlocutor. Para “convencer” o outro sobre a necessidade se escrever x ou y, é necessário apresentar argumentos. Estes argumentos podem conter importantes reflexões metalinguísticas e, ao mesmo tempo, explicitar o modo como pensam quando propõem alterações para o que será escrito ou para o que já foi escrito.

Através das rasuras orais relativas a escolhas de palavras podemos identificar:

1.Em que momento estes termos surgiram e provocaram pontos de tensão entre os interlocutores durante o manuscrito em curso.

2.De que modo a diferença intersubjetiva entre eles pode gerar comentários sobre estas palavras.

3.Como os comentários semânticos e textuais explicitam o modo de pensar sobre o manuscrito em curso.

Nos exemplos de ocorrências de comentários enunciados por Isabel e Nara pudemos observar uma forte preocupação com os sentidos das palavras a serem escritas. Seus comentários mostraram reflexões metalinguísticas e metatextuais sobre os objetos textuais e suas inter-relações entre os conteúdos narrativos. No processo de escritura que gerou o manuscrito “Os três Todinhos e a dona Sabor”, o comentário com valor semântico relacionado à palavra “solitária” funcionou como uma rasura de substituição, impedindo a entrada deste termo na história em favor da inscrição e linearização da palavra “triste”. No segundo exemplo, ao escreverem como era o regime da rainha comilona, Isabel explicita o conceito de “ordem alfabética”, evitando a inscrição de “abcde”. Nara, no processo do manuscrito “O guarda-roupa mágico”, coloca em relação três termos, “entrada”, “porta”, “buraco”, usando como argumento a quebra de contiguidade semântica entre “caverna” e “porta”.

Além da relevância que a rasura oral comentada tem para o mapeamento da gênese e da criação textual, entendemos que, do ponto de vista didático, sua emergência pode ainda ser tratada como uma medida para se observar a aprendizagem dos alunos. A identificação dos objetos textuais reconhecidos e os comentários decorrentes destes reconhecimentos parecem refletir os conteúdos de ensino oferecidos pelo professor, o modo como os alunos se apropriam deles e os relacionam ao manuscrito em curso.

As rasuras orais comentadas indicariam ainda a produtividade da interação entre os alunos da díade. A alta quantidade de rasuras orais e seus diferentes tipos de comentários poderia ser tratada como um medidor confiável para se responder sobre a qualidade da interação entre os alunos e a diferença de conhecimentos linguísticos e das propriedades textuais que detêm. Ela poderia ser pensada como uma medida relevante para o diagnóstico da aprendizagem dos alunos, sugerindo quais conteúdos de ensino poderiam ser mais ou menos enfatizados pelo professor, no momento de formação inicial destes alunos, produtores de textos.

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  • 1
    O amplo escopo deste objeto de investigação pode ser observado no site <http://www.item.ens.fr>.
  • 2
    Este termo, recorrente em muitos estudos franceses, trata o texto escrito pelo aluno como “rascunho”. Conforme propomos em Calil (2008, p, p. 24), consideramos mais apropriado chamar essa produção de “manuscrito escolar”.
  • 3
    O leitor também pode conferir a ênfase dada ao “brouillon” do aluno francês em alguns números das revistas Pratiques, Le Français Aujourd’hui, Linx, E.L.A.
  • 4
    Disponível em: <http://www.lecture.org/ressources/index_ecriture.html>. Acesso em: 03 nov. 2016.
  • 5
    No original: “sans doute la pause qui suit [se cachaient] marque-t-elle un doute, une hésitation”. (DOQUET, 2011, p.155).
  • 6
    A escritura colaborativa envolvendo mais de 2 participantes, escrevendo em contexto escolar, é uma situação também bastante estudada (DALE, 1994; CAMPS et al., 1997, ROJAS-DROMOND; ALBARRAN; LITTLETON, 2008; CRINON, 2012, dentre muitos outros trabalhos). Aqui, iremos destacar somente algumas investigações que se restringem aos processos de escritura em díades.
  • 7
    Original: 409 H: la polémique du devoir... à la Maison. 410 F: ‘polémique’ qu’est que ça veut dire? 411 H: la polémique’ c’est: la grande discussion. Polémique c’est la discussion. 412 F: Ah, oui.
  • 8
    Entendemos que o termo “objeto textual” é mais adequado para nosso propósito do que “objeto de discurso” (MONDADA, 1994). O objeto textual refere-se a todo aquele elemento gráfico, linguístico ou discursivo diretamente relacionado ao texto em curso e reconhecido pelo escrevente como um elemento passível de ser acrescentado ou alterado.
  • 9
    Preferimos o uso do termo “inscrever” ao invés de “escrever” em razão de sua conotação mais gráfica e menos linguística. Isso nos permite tratar alguns OT relacionados às marcas gráficas que não são propriamente de ordem linguística. Por exemplo, o aluno pode reconhecer como OT a forma gráfica de um grafema mal traçado ou a quantidade de linhas que falta para terminar a folha e, consequentemente, acabar a história, mesmo que ela não tenha sido ‘terminada’. Ele pode ainda comentar sobre o pequeno espaço gráfico para inscrever um título longo, reformulando-o em função do limite gráfico-espacial de que dispõe.
  • 10
    A literatura especializada nomeia a passagem do “plano das ideias” para o “plano do texto escrito” como “translating (tradução)” (HAYES; FLOWER, 1980) ou “text-generation” (geração do texto) e “transcription (transcrição)” (BERNINGER et al., 1994). Para nós, interessados em compreender a gênese do manuscrito em curso em sua dinâmica multimodal e ecológica, é importante tratar este momento do processo de escritura em alunos recém-alfabetizados como sendo constituído, simultaneamente, por dois movimentos. A “inscrição” do traço na folha, valorizando as marcas gráficas para-linguísticas (traços, rasuras, dimensão física do suporte), conforme definimos anteriormente. E a “linearização”, isto é, o alinhamento do texto na folha de papel, constituído pela relação sintagmática, dada sequencialmente e linearmente, entre letras, palavras, frases e parágrafos. Apesar da linearização somente ser possível através da “inscrição” gráfica de elementos linguísticos, a “inscrição”, por si só, não está necessariamente atrelada à linearização do texto em curso.
  • 11
    A reformulação ocorrida durante processos de escritura colaborativa é um fenômeno estudado por Milian (2005). Ela assume que “it allows the writer(s) to operate on the text online, following a reflective process with different degrees of awareness, and guided by her/their own knowledge and goals” (MILIAN, 2005, p, p. 338). Em nosso estudo, iremos observar a “reformulação” do ponto de vista da gênese textual. Isso significa que iremos valorizar tanto a reflexão metalinguística proferida pelo escrevente, quanto à relação entre o que ele comentou oralmente sobre o OT e o modo como o OT foi, efetivamente, inscrito ou linearizado no manuscrito em curso. Essa perspectiva está ausente dos estudos sobre “reformulação” feita por alunos durante processos de escritura colaborativa. A imensa maioria desses estudos não associa o que está sendo falado ao que está sendo escrito, exatamente no momento em que se lineariza o manuscrito.
  • 12
    Vale destacar que estudos como os de David (2001) e Morin (2005) analisam “comentários” metalinguísticos (metagráficos e metaortográficos) feitos por escolares. David analisa os comentários entre os escreventes novatos feitos durante a revisão de um texto produzido anteriormente; Morin discute os comentários feitos por alunos a partir da produção de palavras. Estas situações distinguem-se, como veremos, da dinâmica interacional (coenunciativa) dos comentários em tempo real (on-line), proferidos durante o momento em que um manuscrito está sendo produzido pela primeira vez.
  • 13
    O nosso atual acervo, sediado no Laboratório do Manuscrito Escolar (LAME), possui hoje dossiês diversos, formados por coletas efetivadas em escolar brasileiras, francesas e portuguesas. O corpus analisado neste trabalho faz parte do “Dossiê Vila”, constituído entre 1991 e 1992.
  • 14
    Este manuscrito recebeu a seguinte transcrição normativa: 1.A rainha comilona. 2.Era uma vez uma rainha. Ela era comilona. 3.e gorda e fazia um regime. 4.☆ diferente em ordem alfabéti. 5.ca
  • 15
    Esta forma de nomeação do Texto-Dialogal indica o número do processo registrado ao longo dos dois anos de coleta (3º processo), e o tempo marcando o início e o fim deste fragmento do diálogo entre os alunos. Convencionamos, para este corpus, que o tempo é cronometrado a partir do momento em que a filmadora foi ligada, no início da proposta a ser feita pela professora. A marcação do tempo tem dois objetivos. Primeiro, indicar precisamente em que momento do fluxo dialogal se deu o TD, facilitando sua localização no filme-sincronizado. O segundo objetivo visa a indicar ao leitor a duração do TD, em correspondência ao ponto do manuscrito escolar, marcado pela indicação da “estrela”. Na transcrição do TD, indicamos com asterisco (*) quem estava escrevendo, colocamos entre colchetes o que estava sendo inscrito e linearizado durante o turno de fala. Por fim, destacamos em vermelho o OT e em azul os comentários relacionados a ele.
  • 16
    Transcrição normativa: 10.Então só falavam. Você. 11.nem imagina quanto. 12.A mãe tava tão ☆ triste
  • 17
    Transcrição normativa: 1.O guarda-roupa mágico Nara e Isabel 2/4/1992. 2.Um menino entrou no guarda-roupa mágico e saiu no vale. 3.e outro menino também entrou. Os dois meninos enxergaram. 4.☆ duas dois buracos. Um entrou num e o outro entrou no outro. 5.E os dois buracos davam no mesmo buraco lugar. 6.E eles bateram a cabeça e se reconheceram um ao outro. 7.E voltaram para o armário. FIM
  • 18
    A ausência de reflexão metalinguística ou metatextual seria uma característica do Bereiter e Scardamalia (1987) nomearam como Telling Knowledge Strategy.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    Mar 2016
  • Aceito
    Set 2016
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