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Luiz Gama e a sátira racial como poesia da transgressão: poéticas diaspóricas como contranarrativa à ideia de raça1 1 Esse artigo é parte de um estudo mais amplo desenvolvido na tese de doutoramento em História Social defendida na PUCSP em 2014: Luiz Gama, um intelectual diaspórico: intelectualidade, relações étnico-raciais e produção cultural na modernidade paulistana (1830-1882).

Resumo

Este artigo interpreta e analisa a produção cultural do poeta, jornalista, maçom, abolicionista, advogado (rábula) e líder político Luiz Gama. A cidade de São Paulo foi o espaço de suas realizações, lugar por excelência para o surgimento de sua identidade política diaspórica. Priorizamos, nas análises de suas narrativas poéticas, o modo como Luiz Gama usava a raça, a identidade, a modernidade e a memória da escravidão para mediar a realidade social e as relações étnico-raciais.

Palavras-chave
Identidade; Raça; Modernidade; Sátira racial

Abstract

This article interprets and analyzes the cultural production of the poet, journalist, mason, abolitionist, lawyer and political leader Luiz Gama. The city of São Paulo was the area of ​​his accomplishments, best location for the emergence of a diasporic identity politics. Prioritized, the analysis of his poetic narratives, how Luiz Gama wore race, identity, modernity and memory of slavery to mediate social reality and ethno-racial relations.

Keywords
Identity; Race; Modernity; Racial satire

Primeiras Trovas Burlescas de Getulino constituiu-se no único livro de Luiz Gama (Bahia, 1830-São Paulo, 1882). A primeira edição2 2 GAMA, Luiz. Primeiras Trovas Burlescas de Getulino. 3rd edition. São Paulo: Bentley Junior, 1904. I make use of this edition, fully digitalized version by the Institute of Brazilian Studies (Instituto de Estudos Brasileiros). Available at: <www.ieb.usp.br/online/index.asp>. Accessed on: June 24, 2013. The original version can be found at the Mario de Andrade Municipal Library of São Paulo. foi lançada em dezembro de 1859, em São Paulo, pela Tipografia Dois de Dezembro; a segunda, "correta e aumentada"3 3 As shown in the cover of the second edition of Primeiras Trovas Burlescas de Getulino. Rio de Janeiro: Tipografia de Pinheiro & Cia., 1861. The third edition dated from 1904, with 234 illustrated pages, edited by Bentley Júnior in the city of São Paulo, with the preface by Coelho Neto. The fourth, in 1944, by Publisher Cultura, organized by Fernando de Góis. The fifth edition was organized by J. Romão da Silva in 1954, by the publisher Livraria Casa do Estudante. It is considered as the last edition the one prepared by Lígia Fonseca Ferreira, Primeiras Trovas Burlescas & outros poemas - Luiz Gama, published in 2000. , como adverte o autor, no Rio de Janeiro, pela Tipografia de Pinheiro & Cia., em 1861. Neste volume, estão incluídas 13 poesias de José Bonifácio de Andrada (o Moço), datadas de 1850 e oferecidas a Luiz Gama. Com Primeiras Trovas Burlescas, Gama adentra o restrito círculo das letras da cidade imperial paulistana. Aos 29 anos de idade, apresenta à sociedade uma obra antológica que expressa, entre outras questões, a experiência de quem viveu as clivagens raciais. Trovas Burlescas ampliou um espaço socialmente restrito aos negros, daí a centralidade desse estudo.

Essa obra foi o primeiro trabalho intelectual de Luiz Gama. A sátira social e política era intrínseca à sua personalidade. O decênio que antecede o lançamento do livro foi marcado por intensas agitações em sua juventude. Ele foi demitido "a bem do serviço público4 4 Letter from Luiz Gama to Lúcio de Mendonça reporting his own bibliographic data, dated from July 25, 1880. Fundação Biblioteca Nacional, Coleção Manuscritos Avulsos. ". Acusado de causar "turbulência" e "sedição5 5 Ibidem. ", foi obrigado a dar baixa compulsoriamente em 1854 por insubordinação, uma vez que ameaçou um oficial que o insultou. Quando escravo, já carregava o estigma de insurreto, foi repelido por muitos compradores "pelo simples fato de ser eu 'baiano", o que "valeu-me a pecha!6 6 Ibidem. ", exclama, em seu estilo jocoso.

Analisando as condições que o levaram à demissão do cargo de amanuense em seu artigo publicado mais de dez anos após o acontecido, nota-se sua postura crítica frente às relações verticais de poder:

Em nenhuma destas disposições acha-se estabelecida a obrigação de tratarem os empregados subalternos com subserviente vassalagem os seus superiores; e menos ainda a qualquer outro funcionário ou magistrado de diversa hierarquia7 7 São Paulo, Correio Paulistano, November 21, 1869. Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional. Available at:<www.hemerotecadigital.bn.br>. Accessed on: October 10, 2012. .

O ato de sua demissão teve forte repercussão, de forma que sua mordacidade e veia satírica ganham fama:

Consta-me que algumas pessoas julgaram apócrifa a portaria de minha demissão, e forjada por gaiatice, para injuriar-se o bom senso e a ilustração do Sr. Dr. Chefe de Polícia8 8 Idem.

Essa reconstrução não pretende afirmar que sua obra foi fruto dessa fase turbulenta, mas realça que a escolha da poesia satírica como estilo e recurso literário para ridicularizar a hipocrisia de uma sociedade letrada, autoritária e escravocrata, apresentou-se como mais condizente com a personalidade do Gama.

Em 1865, Trovas Burlescas era vendida no escritório do Correio Paulistano por 2$000 réis, preço que se manteve até 1879. Durante todo esse período, sua obra foi anunciada no jornal Correio Paulistano.

Após a saída do serviço público, Luiz Gama procura equilibrar seu orçamento como tipógrafo em 1865 nos jornais Ypiranga e Cabrião (1866-1867), na área jurídica e, por vezes, em atividades jornalísticas. Nelson Werneck Sodré informa que, apesar do Diabo Coxo (do qual Gama foi um dos fundadores) ter sido bem recebido, chegando a ser comparado à Semana Ilustrada, existente desde 1860, "foi impossível mantê-lo, pelas dificuldades financeiras"9 9 SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A., 1966. p. 235. . O Cabrião custava 500 réis, o preço de um almoço10 10 That is what Délio Freire dos Santos informs in the introduction of the fac-similar edition of Cabrião. In: CAGNIN, Antonio Luiz. Diabo Coxo. São Paulo, 1864-1865. Ed. Fac-similar. São Paulo: Edusp, 2005, p. 13. . Gama começa a atuar sistematicamente como rábula/advogado a partir de 1868. Luiz Gama dedicou-se sozinho ao preparo da primeira edição de Trovas Burlescas11 11 Lígia F. Ferreira, in the Introduction of Primeiras Trovas Burlescas e outros poemas, presented the difficulties of personal (a black, former slave), textual and poetic matter with the release of the work. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. XIII-XCIII. . A renda da carreira de advogado é complementada com a venda da segunda edição de Trovas Burlescas. A respeito da venda de sua obra, encontramos o seguinteanúncio publicado no Correio Paulistano de 17 de fevereiro de 1870:

Figura 1
Correio Paulistano, 17 de fevereiro de 1870. No anúncio lê-se: Poesias joviaes e satyricas por Luiz Gama. Os últimos exemplares da segunda edição, enriquecidas com bellissimos canticos do exm. conselheiro José Bonifacio. Vende-se nesta typographia a 2$000.Este anúncio foi reproduzido nos anexos "Documentação e Iconografia" da obra Primeiras Trovas Burlescas e outros poemas, organizado por Ligia Fonseca Ferreira (Martins Fontes, 2000).

Não é intenção desse estudo analisar o pioneirismo ou não de Luiz Gama12 12 The researcher Eduardo de Assis Duarte analyses the criteria that constitute and/or distinguish a Brazilian production by African descendants from the set of national letters. The reffered author still affirms that Luiz Gama shares with Maria Firmina dos Reis, this later is an African descendant from Maranhão, the status of "pioneer" writers of the Afro-Brazilian literature. DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: um conceito em construção. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, nº 31, Brasília, p. 11, January-June, 2008. Lígia Fonseca Ferreira considers him as the first Afro-Brazilian poet, In: Luiz Gama: poemas, artigos, cartas, máximas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011. These statements are contrary to that from Edson Carneiro, in whose work Antologia do negro brasileiro, written in 1950, sustains that Henrique Dias, who lived in the 17th century in Pernambuco, was the first literate black. Finally, the fact is that in the second half of the 19th century it was possible to find a reasonable amount of non-white literate people, and the current state of the art of the African descendant literary studies in its discoveries has been dedicating itself to bring out these silenced ones. RISÉRIO, Antonio. Textos e Tribos - poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1993. p. 75. , mas compreender sua produção no interior de um processo histórico específico. Podemos notar, tanto no seu processo de alfabetização quanto em seu empenho em tornar-se um homem negro letrado, um forte esforço em adentrar o universo da vida cultural de uma nação em construção, de "uma nação à procura de identidade13 13 BOSI, Alfredo. Culture. In: CARVALHO, José Murilo (org.). A construção nacional 1830-1889. Rio de Janeiro: Publisher Objetiva, 2012. p. 232. ". É justamente a condição de negro que transforma Gama num intelectual diaspórico, pois ele vive uma dualidade, encontra-se dividido entre as afirmações da particularidade racial e apelo aos universais modernos que transcendem a raça14 14 Expression used by W. E. B. Du Bois. .

Desde então, "passava os dias lendo"15 15 Theory of the Double consciousness, by William Edward Burghardt Du Bois (1868-1963). DU BOIS, W. E. B. The Souls of Black Folk. New York: Barnes & Noble, 2003, p.9. , foi copista, escrevia para o escritório do escrivão major Benedito Antonio Coelho Neto, de quem se tornou amigo. Como amanuense, aproximou-se do conselheiro Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça, catedrático da Faculdade de Direito, de quem afirma ter conquistado estima e proteção, além de "boas lições de letras e de civismo"16 16 Letter from Luiz Gama to Lúcio de Mendonça... Op. Cit. . Foi nomeado amanuense, entre 1856 e 1868, da Secretaria de Polícia. "Fiz-me rábula e atirei-me à tribuna criminal. Tal é hoje a minha profissão"17 17 Idem 25. . Por meio de amizades e proximidades com o universo jurídico extra-acadêmico, Luiz Gama adentrou no "bacharelismo" e na vida política profissional.

Numa sociedade marcada pelas hostilidades raciais, ter acesso à cidade letrada pressupunha provar ter uma razoável instrução humanista e científica. A escrita poética em Gama também era uma arma, um exercício que procurava responder às injunções da sociedade escravista marcada pela hierarquização racial.

Zilá Bernd indaga "o que é literatura negra?". A autora reconhece que a sensibilidade artística não é inerente a nenhum grupo étnico-racial18 18 Ibidem. , para evitar um essencialismo etnocêntrico. Mas, observa que a poesia negra cria seu território representativo "no próprio processo discursivo da sua indagação"19 19 BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Publisher Brasiliense S.A., 1988. p. 21. . É onde aparece o "eu enunciador", quando esses sujeitos "reterritorializam" o sistema poético de representações:

Nesse sentido, é preciso sublinhar que o conceito de literatura negra não se atrela nem à cor da pele do autor nem apenas à temática por ele utilizada, mas emerge da própria evidência textual cuja consistência é dada pelo surgimento de um eu enunciador que se quer negro. Assumir a condição negra e enunciar o discurso em primeira pessoa parece ser o aporte maior trazido por essa literatura, constituindo-se em um de seus marcadores estilísticos mais expressivos20 20 Idem, p.12.

Esse "eu enunciador" é uma subjetividade criativa, é o próprio desejo de Gama de elaborar uma leitura e interpretação das relações étnico-raciais através da prática poética. Consciência que enuncia uma identidade ignorada: "Quero que o mundo me encarando veja, Um retumbante Orfeu de Carapinha". Uma África, cujas relações de descendência são negadas "entre os netos da Ginga, meus parentes". Identifica uma origem nobre contra a ideia de um povo sem história: "Minha mãe, que é de proa alcantilada, vem de raça dos reis mais afamados". Anuncia abertamente suas origens: "Se eu que pretecio, D'Angola oriundo".

O surgimento desse sujeito de enunciação aparece num campo de disputas políticas de afirmação de uma identidade. Gama dá aos poemas satírico-raciais uma significação política, resultado de uma experiência de subalternização racial, lançando ataques a um modelo de "branquitude" fechado na sua brancura21 21 Ibidem, p. 22. . A complexidade da dominação racial é refletida por meio do seu eu enunciador, mas revela e expressa também a "consciência de toda a comunidade à qual pertence22 22 FANON, Fanon. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 27. ". Ao exprimir os dramas e os conflitos dos negros e negras, mas sem desprender das exigências literárias, o eu-lírico-enunciador de Gama também aparece em alguns momentos como um nós (comunidade negra), quando expressa dilemas, desejos e modos de vida da coletividade negra. Os temas abordados - escravidão, liberdade, África, a cidade, os heróis - são os que mais evidenciam o nós na enunciação.

Hoje triste já não trinas,
Como outrora nos palmares;
Hoje, escravo, nos solares
Não te embala a dúlia brisa;
Nem se casa aos teus gorjeios
- Pelas negras rochas calvas -
Da cascata que desliza.

Seu fazer poético amplificou seu drama existencial, conferindo-lhe um alcance político, "pois ele passa a representar a condenação não apenas daquele ato isolado, mas da sociedade que o autoriza23 23 BERND, Zilá. Op. Cit. p.29. ". Esse drama existencial refletia-se em sua verve literária. Em seus escritos, Luiz Gama tinha o corriqueiro gesto de "anunciar a singeleza" de seus versos e solicitar complacência de seus leitores. Essa postura está presente no primeiro poema do livro, denominado Protase, que anuncia o perfil satírico do autor e o processo de construção de suas trovas burlescas.

Figura 2
Imagem do jornal Diabo-Coxo, nº1, 1864. Jornal domingueiro com 8 páginas, 4 de ilustrações (caricaturas, retratos, cenas do dia a dia e ventos) e 4 de textos (artigos, poesias, notícias, críticas, anedotas, advinhas, etc.), dos quais se ocupava Luiz Gama e Sizenando Barreto Nabuco de Araújo, irmão de Joaquim Nabuco.Diabo Coxo. São Paulo: Edusp, edição fac-similar, 2005.

Embora Gama demonstrasse plena convicção ideológica de sua particularidade racial através do seu ativismo e de sua produção jornalística, pode-se notar uma sensibilidade em relação aos juízos sociais e filosóficos24 24 Idem, p.42. que colocavam em dúvida a capacidade cognitiva dos negros. Isto fica evidente na abertura da Primeiras Trovas Burlescas por meio da epígrafe de autoria do dramaturgo português Faustino Xavier de Novais: "Contudo se os vir alguém/Que deles zombe, de mim/Defende-me, e dize assim!/Cada qual dá o quem tem". Que, juntamente com o verso "Grosseiras produções d'inculta mente,/Em horas de pachorra construídas;/Mas filhas de um bestunto que não rende,/Torpe lisonja às almas fementidas25 25 Hegel understood the Africans as not only prehistoric, but also pre-political. In: GILROY, Paul. Entre Campos: nações, culturas e o fascínio da raça. Translation by Célia Maria Marinho de Azevedo et ali. São Paulo: AnnaBlume, 2007. p. 79. ", não expressam apenas um "fingimento poemático" que "dissimula uma pretensão, de ausência de domínio técnico", como quer sugerir Jorge de Souza Araújo26 26 Luiz Gama, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino... Op. Cit. . Na análise de suas produções, notamos que a preocupação diante da cultura letrada de seu tempo não estava apenas no campo literário. Sua inquietação ou procura insistente de justificação, de ajustar-se aos cânones, também aparece em seus escritos jornalísticos.

Fique-se, pois, sabendo, uma vez por todas, que o meu grande interesse, interesse inabalável que manterei sempre, a despeito das mais fortes contrariedades, é a sustentação plena, gratuitamente feita, dos direitos dos desvalidos que correrem ao meu tênue valimento intelectual27 27 ARAUJO, Jorge de Souza. Retrós de espelhos: o romantismo brasileiro com lentes de aumento. Ilhéus (BA): Editus, 2011, p. 477.

Souza Araújo e Elciene Azevedo perceberam essa "dissimulação" intelectual apenas na obra Trovas Burlescas de Getulino. Já Lígia F. Ferreira, na reedição de Primeiras Trovas Burlescas & outros poemas, ainda que apresente um panorama mais amplo no que tange às dificuldades de edição e redação do primeiro livro de Gama, ressalta que o mesmo "finge endossar a representação dos brancos naquela época convencidos da incapacidade congênita dos negros para as atividades do espírito (...)28 28 Luiz Gama. Radical Paulistano, July 29, 1869. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Available at: <www.hemerotecadigital.bn.br>. Accessed on: October 10, 2012. ". Essa "dissimulação" também perpassa outros tipos de produção e, dez anos depois do seu primeiro livro, ela persistia na ideia de que possuía "um tênue valimento intelectual":

Homem obscuro por nascimento e condição social, e de apoucada inteligência jamais cogitei, no meu exílio natural, que a cega fatalidade pudesse um dia arrastar-me à imprensa, nestes afortunados tempos de venturas constitucionais, para diante de uma população ilustrada como é seguramente a desta moderna Atenas brasileira, sustentar os direitos conculcados de pobres infelizes, vítimas arrastadas ao bárbaro sacrifício do cativeiro, pelos ingênuos caprichos e pela paternal caridade dos civilizados cristãos de hoje, em face de homens notáveis, jurisconsultos reconhecidos e acreditados legalmente a quem o supremo e quase divino governo do país, em hora abençoada, confiou o sagrado sacerdócio da honrosa judicatura29 29 FERREIRA, Lígia F. Op. Cit. p. XXII.

"Foi o colono que fez e continua a fazer o colonizado"30 30 "A matter of freedom"("Questão de liberdade"). Luiz Gama. Correio Paulistano, Saturday, March 13th, 1869. Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.Available at: <www.hemerotecadigital.bn.br>. Accessed on: October 10, 2012. . Como sujeito colonizado, Gama vê-se em meio a um conflito de valores entre o projeto civilizador moderno e o "embrutecimento" do cativeiro. Entendemos essa "dissimulação" intelectual como produto das antinomias da modernidade escravista, uma vez que obrigava os negros a se aprimorarem por meio dos valores "universais" da escrita, subalternizando seus saberes. Desde tenra idade, já estava claro para ele que esse mundo escolhido, "semeador de interdições"31 31 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: UFJF, 2005. p. 52. , tinha que ser sistematicamente questionado de forma crítica. O tom de sua escrita, além de combatente, tinha um estilo estratégico no qual assumia os seus limites, propondo-se a inverter os sentidos - o que, a meu ver, não "chega ser irritante"32 32 Idem. . A escravidão não produziu apenas violências físicas; a diáspora produziu violências simbólicas incomensuráveis:

A violência com a qual se afirmou a supremacia dos valores brancos, a agressividade que impregnou o confronto vitorioso desses valores com os modos de vida ou de pensamento dos colonizados fazem com que, por uma justa contrapartida, o colonizado tenha um riso irônico quando se evocam diante dele esses valores33 33 "It is symptomatic, therefore, that Luiz Gama insists all the time in evidencing - with a tone so full of humility that is annoying - that he knew that his place was not among literate men, because, after all, he was a former slave black man. His criticism was made within a manorial logic, putting himself exactly in the position in which a lord would like to see him, without damaging or directly transgressing the domains of dependency". AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha -A trajetória de Luiz Gama na Imperial cidade de São Paulo. Campinas: UNICAMP, Research Center in Social History of the Culture, 1999, p. 56.

Através dos versos, Gama explora, em tom irônico e crítico, o racismo acadêmico e epistemológico. Em tom satírico, apresenta-nos o lugar de um sujeito diaspórico, "desterritorializado", impossibilitado de produzir e consumir ciência, dada a sua capacidade intelectual e sua condição humana:

Ciências e letras
Não são para ti;
Pretinho da Costa
Não é gente aqui.

.......................

Desculpa, meu caro amigo,
Eu nada te posso dar;
Na terra que rege o branco,
Nos privam té de pensar!...34 34 In the chapter "About Violence" (Sobre a Violência), the context of Fanon's reflections is the African decolonization movement, but are highly relevant to our analysis, Op. Cit., p. 60.

Para Gonzáles Stephan35 35 GAMA, Luiz. Primeiras Trovas Burlescas de Getulino... Op. Cit. , "escrever era um exercício que, no século XIX, respondia a necessidade de ordenar e instaurar a lógica da 'civilização' e que antecipava o sonho modernizador das elites criollas". A intelectualidade diaspórica de Gama reside na quebra da simetria e da "cumplicidade entre língua, literatura, cultura e nação com a ordem geopolítica e as fronteiras geográficas"36 36 STEPHAN, González. Economías fundacionales. Diseño del cuerpo ciudadano, by CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Ciências Sociais, Violência Epistêmica e o problema da "invenção do outro". In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber - eurocentrismo e ciências sociais. Translated by Julio Cezar Casarin Barroso Silva. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociais, 2005, p.173. . Uma vez que "língua e literatura faziam parte de uma ideologia de Estado"37 37 I base myself in the positions of the anthropologist Walter Mignolo in Histórias Locais, projetos globais - colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar, text in which he defends that in a transnational world one shall not link language, literature, culture and territory to the national ideologies. Thus, he supports that "literary studies must be redefined and matters resulting from the eastern expansion and from global interconnections since the end of the 15th century must be discussed", which point to transimperial, transcolonial, transnational and cultural studies. MIGNOLO, Walter D. Histórias Locais, Projetos Globais - colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: UFMG, 2003.p. 299. , cujo objetivo era manter a sociedade brasileira indivisa e harmônica, ainda que apresentasse posturas políticas nacionalistas, Gama representa uma literatura negra, mais precisamente uma antologia de cunho satírico-racial, que perturba a construção da comunidade imaginária homogênea que é, segundo Benedict Anderson, a nação.

Imbuído de uma dupla consciência, Luiz Gama, não mediu esforços para adentrar esse grupo social especializado, dos que manejavam a pena com funções de poder38 38 Idem. . Esse grupo social é denominado por Sérgio Adorno de publicistas acadêmicos, por sua natureza bacharelesca, gravitando em torno da Academia de Direito de São Paulo. Os mesmos dispunham de meios para suas publicações, num momento em que as produções literárias, científicas e jornalísticas conviviam num mesmo espaço39 39 To Angel Rama, these subjects were bearers of a capital importance in the moment of the social and structural formation of the colonial America, from the relation between letters and society. RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.43. .

Sua pena mordaz surge nesta condição paradoxal, neste ambiente de antinomias da era moderna, que procura responder às arbitrariedades de uma modernidade mediada pela raça40 40 The spaces were: Ensaios Literários (1846), O Arrebol (1849), Revista Mensal do Ensino Filosófico Paulistano (1851), O Acaiaba (1852), Ensaios Literários do Ateneu Paulistano (1852), O Guaianá (1856), Revista Paulista (1857), O Acadêmico do Sul (1857), Memórias da Associação Culto à Ciência (1859), revista da Academia de São Paulo (1859), Ensaios Literários do Club Científico (1859), O Kaleidoscópio (1860), O Timbira (1860), Revista Mensal do Instituto Científico (1862), Imprensa Acadêmica (1864), Tribuna Liberal (1867), Radical Paulistano (1869) e a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838). These, among others, were spaces that materialized the ideas of the literate city. ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder - o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p.175-176. . Para tanto, fez uso da sátira que, segundo a edição de 1813 do Dicionário de Língua Portuguesa de Antônio de Moraes Silva, constituiu-se como um "poema censório dos costumes e defeitos públicos ou de algum particular"41 41 GILROY, Paul. Op. Cit. p. 79. . Esse estilo estava muito em voga entre os "moços" formados na academia de Direito. É importante destacar que o poema satírico só veio a ser explorado de modo significativo com a segunda geração romântica42 42 SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário de Língua Portuguesa. Edition fac-similar of the second edition from 1813, Rio de Janeiro: Oficinas S. A Lith-Typografia Fluminense, 1922, p. 370. , a partir das Primeiras Trovas Burlescas de Getulino. Apesar de bastante utilizada, a sátira não era valorizada como gênero literário. "Luís Gama, se não de toda literatura brasileira, é pelo menos o mais importante poeta satírico do Romantismo", defende, Heitor Martins43 43 CAMILO, Vagner. Risos entre pares: poesia e comicidade no romantismo brasileiro (2nd generation). 1993. Master's dissertation (Master's degree in Language) - Language Studies Program, University of Campinas, 1993, p. 19. .

Ao estabelecermos um paralelo entre produção literária e raça no Brasil oitocentista, procuramos ressaltar o peso que esta última apresenta no contexto da produção cultural e vida política da segunda metade do século XIX. Os postulados a respeito da raça, de inspiração portuguesa, já estavam plenamente estabelecidos nos séculos da colonização. O momento histórico de Luiz Gama apresenta uma configuração e um modelo cultural próprio, com formas particulares no trato das desventuras da raça. Gilroy, citando os estudos de Nancy Stepan sobre raça e ciência, observa que "antes da consolidação do racismo científico no século XIX, o termo 'raça' {foi} empregado quase no mesmo sentido em que a palavra 'cultura' é empregada hoje"44 44 MARTINS, Heitor. Luiz Gama e a consciência negra na literatura brasileira. Salvador: Afro-Ásia Journal - Center of Afro-Oriental Studies of the Federal University of Bahia, nº 17, 1996. . Não é desta forma que a raça aparece na produção intelectual de Gama: temos evidências da mesma muito mais como categoria política de representação e identificação.

O ano de 1870 assinala, no Brasil, a introdução de teorias tais como positivismo, darwinismo, evolucionismo, que tiveram um papel central no desenvolvimento dos estudos históricos, sociológicos, literários e, principalmente, etnográficos45 45 GILROY, Paul. O Atlântico Negro - modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed.34; Rio de Janeiro: University Candido Mendes, Center of Afro-Oriental Studies, 2001, p. 43. . Antes mesmo do "sucesso" nos meios acadêmicos e sociais dos postulados que afirmavam que "as raças humanas, enquanto 'espécies diversas', deveriam ver na hibridação um fenômeno a ser evitado"46 46 The date is defined by SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças - cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p.57. , Luiz Gama negava veementemente esse constructo da modernidade através da sua imaginação poética. Ao contrário do pensamento "raciológico" e suas previsibilidades, Gama, em suas reflexões, apresenta, uma contranarrativa, uma sensibilidade estética para com os contatos e as relações etnicorraciais vistas de baixo, como possibilidade histórica de crioulização47 47 Idem, p.57. numa nação em processo de afirmação identitária.

Gama demonstrou um particular apreço pelo poema Saudades do Escravo, de José Bonifácio de Andrada (o Moço), e pelo fato de o mesmo ter ofertado e compartilhado uma de suas produções para compor a antologia Trovas Burlescas em sua primeira edição.

Esta bela produção {Saudades do escravo} foi-nos dada pelo seu ilustre autor o Exmo. Sr. Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva; publicamo-la na frente de nosso obscuro volume para nos servir de Abracadabra, nos mares tempestuosos das censuras e nas hórridas ambages do sórdido egoísmo dos monopolistas.

Escravo - não, não morri
Nos ferros da escravidão;
Lá nos palmares vivi,
Tenho livre o coração!
Nas minhas carnes rasgadas,
Nas faces ensanguentadas
Sinto as torturas de cá;
Deste corpo desgraçado
Meu espírito soltado
Não partiu - ficou-me lá!...

A experiência social de Gama como negro e ex-escravo, aliada à sua intelectualidade, lhe possibilitava perceber a realidade sócio-histórica imperial por meio de uma dupla consciência: social e racial. A dupla cons­ciência, conceito desenvolvido por W. E. B. Dubois48 48 Édouard Glissant defends the thesis that "the cultures of the world put in contact with each other transform themselves in a fulminant and absolutely conscience way, alternating among them, through irredeemable shocks, of ruthless watts, but also through conscience improvements and hope that allows us to say - without being utopian, even being - that today's humanities are hardly abandoning something in which one would be obstinate to a long time ago - the belief that the identity of one being s only validity and recognizable if it is exclusive, different from every other possible being." GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora (MG): Publisher UFJF, 2005, p. 18. , refere-se a uma consciência forjada na experiência e na memória da diáspora e na escravidão.

À frente parvalhões, heróis Quixotes/
Borrachudos Barões da traficância/
Quero ao templo levar de grão Sumano/
Estas arcas pejadas de ignorância49

Os versos constituem uma antologia sustentada nas contradições de classe e raça da sociedade escravista paulistana e brasileira. Interpretam as relações sociais de dominação vigente, entre outros temas não necessariamente políticos, a exemplo das poesias líricas carregadas de sensibilidade apaixonada. Por meio de uma linguagem satírica, critica-se a estrutura social hierárquica e autoritária, assim como o seu funcionamento. Jorge de Souza Araújo confere às Primeiras Trovas Burlescas lugar de destaque

{..} no elenco de nossos epigramistas mais notáveis, cuja estirpe, na literatura brasileira, tem em Gregório de Matos uma indisputada primazia e excelências na linguagem da burla e da sátira {...}50 50 GAMA, Luiz, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino... Op. Cit.

O autor ainda reconhece no poema Farmacopeia "o gênio satírico de Luiz Gama para além do ressentimento epidérmico"51 51 See ARAUJO, Jorge de Souza. Retrós de Espelhos... Op.Cit., p 476. . Creio que não se trata de mero "ressentimento", mas de viver uma modernidade que o dividia entre as afirmações da particularidade racial e apelo aos universais modernos que transcendem a raça.

O romantismo tinha em seu seio um grupo particular de letrados que reunia estudantes de Direito da cidade de São Paulo. A Revista da Sociedade Filomática52 52 Idem, p. 477. conclamava seus apreciadores a produzir poemas locais inspirados na natureza. Assim expressa-se Justiniano José da Rocha, em 1833:

Quando porém atento a que nossas paisagens, os costumes de nossos camponeses, em uma palavra, a natureza virgem d'América, inda oferecem quadros tão virgens como ela ao poeta que os quiser pintar; quando me lembro que o azulado Céu dos Trópicos ainda não foi cantado, que nem um só vate fez descansar seus amantes à sombra amena de nossas mangueiras, atrevo-me a esperar que nossa poesia, majestosa, rica, variada, e brilhante, como a natureza que a inspira, nada terá que invejar às sediças descrições Européias de Corydons e tircis deitados sempre debaixo de cansadas faias53 53 Created by the academics from the School of Law of São Paulo, Carlos Carneiro de Campos, Francisco Bernardino Ribeiro e José Inácio Silveira da Mota. ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder... Op. Cit., p. 174.

Contudo, nem todos os poetas românticos levaram a cabo esse discurso estético. A terceira geração dos românticos caracterizou-se pela militância política e social. A linguagem conservadora do pensamento romântico que procurava naturalizar o diferente, sentenciou o índio ao passado, a "uma imagem do passado e, portanto, não apresentava qualquer ameaça a ordem vigente, sobretudo à escravatura"54 54 See ARAUJO, Jorge de Souza.Retrós de Espelhos... Op. Cit., p.21. . Luiz Gama apresenta o diferente de forma politizada, ameaçadora ao status quo, à hegemonia da branquitude. Os caminhos norteadores para inspiração poética romântica, como postulava a Revista da Sociedade Filomática, apresentava uma noção imperialista da cultura local, principalmente quando se refere aos camponeses como extensão da natureza. A natureza, em seu exotismo, despertava mais interesse que a alteridade55 55 Dante Moreira Leite in O caráter nacional brasileiro, cited by ARAUJO, Jorge de Souza. Retrós de Espelhos... Op.Cit., p.26. . As imagens dos sujeitos (índios e negros) no pensamento romântico, ao realizar uma "franca apologia do colonizador"56 56 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. p.21. , falavam pelo outro e procuravam refundar o mito fundador imprescindível para a formação da identidade nacional. Para a Marilena Chauí

(...) mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e ideias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo57 57 BOSI, Alfredo. In: ARAUJO, Jorge de Souza. Retrós de Espelhos... Op.Cit., p. 25.

Luiz Gama fez emergir ou tornou necessária, na historiografia romântica, uma nova linguagem poética da nação, uma linguagem extraoficial, que possibilitasse falar para o outro da sua existência58 58 CHAUÍ, Marilena. Brasil - mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Publisher Perseu Abramo Foundation, 2007. p.9. . A partir de Trovas Burlescas de Getulino, as relações raciais passam a constituir um tema literário de forma crítica. Para os sujeitos de cor que vivenciaram os efeitos da experiência colonial, "falar" era "existir absolutamente para o outro"59 59 FANON. Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas... Op. Cit., p. 33. . Gama viveu uma experiência singular e histórica ao autorrepresentar-se. Isso não significa endossarmos o dogma de autorrepresentação, em que somente os negros poderiam falar de si como parte integrante de grupo social subordinado racialmente.

O espaço em que Gama adentrou o autorizou a expressar a visão de mundo de si e de todo um segmento sócio-racial alijado da produção literária. A ideia do negro coisificado60 60 Idem. contribuía para o não reconhecimento de suas capacidades poéticas. Primeiras Trovas Burlescas abre o espaço do outro em meio às relações de dominação, ganha o seu poder de significar, "de estabelecer seu próprio discurso institucional e oposicional61 61 For Joaquim Nabuco, it was the slavery that transformed a "thinking mas into a purely animal state", arising, thus, the objectified slave. Actually, the slave objectification appears in historiography, in 1860, in Perdigão Malheiro's work. For Sidney Chalhoub: "The problem of the objectification of the slaves gains a wider dimension. The legal definition of the slave as 'thing' also becomes a social condition, with the pretension of understanding or describing the historical experience of the blacks". This position is in CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade - uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p.42. ". A força persuasiva do texto criativo62 62 BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1988. p.59. de Gama provém da sua experiência social diaspórica, de sua posição como sujeito desterritorializado, do entre lugar. Esses são os locais, os terrenos da literatura negra63 63 RISÉRIO, Antonio. Textos e tribos... Op. Cit., p.20. que fornecem os materiais para a representação poética dos negros em seus desejos reprimidos historicamente.

No momento histórico em que a propriedade escrava era o centro do debate político público e privado, surge um negro com uma produção que procura satirizar esta realidade objetiva. Luiz Gama usava a linguagem do riso como uma contranarrativa que procurava desmascarar a "corrupção administrativa e judiciária"64 64 See DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira... Op. Cit., pp. 11-23. através da "verdade revelada por meio do riso"65 65 Luiz Gama, Correio Paulistano, November 10, 1871. National Library Foundation, Available at: <www.hemerotecadigital.bn.br>, consulted on August 20, 2013. . A força criadora do riso, assevera Mikhail Bakhtin,

(...) jamais poderia ser um instrumento de opressão e embrutecimento do povo. Ninguém conseguiu jamais torná-lo inteiramente oficial. Ele permaneceu sempre uma arma de liberação nas mãos do povo66 66 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento - o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 81.

O riso tem um valor particular numa sociedade escravista, pois desorienta, contesta a autoridade senhorial. O riso em Luiz Gama aparece como sarcasmo contra a falta de seriedade das leis abolicionistas.

A crítica literária67 67 Idem, p.81. compreendeu de forma limitada a estética das Trovas Burlescas de Getulino. Os críticos, em sua maioria, a consideraram uma obra de pouco valor estético. Esta consideração preponderava sobre seu valor político.

Gama subverteu as expressões poéticas da cultura ocidental:

Poesia clássica Poesia negra
Musas gregas e romanas musa da Guiné
Cor clara cor de azeviche
Mármore branco granito denegrido
Lira/flauta/trompa cabaço/ d'uruncungo/marimba
Ciência européia ciência da candimba
Forma épica/ objeto épico forma épica/objeto satírico68 68 Analyzing the place of the poetry of Luiz Gama, who at times is seen as a standard, and at other times is mistreated, it is possible to see him in the pantheon of the literates in História da Literatura Brasileira by Sílvio Romero and, at the same time, see him as "a mere formal mimicry of the stanzas, about customs and flaws of the epoch," in Antologia dos Poetas Brasileiros, by Manuel Bandeira.

O valor estético não determina a sacralização de uma obra, adverte Zilá Bernd. São as instâncias legitimadoras que decidem o futuro de uma obra: elas possuem uma influência decisiva na admissão ou na sua exclusão na história literária69 69 OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia: ficções sobre o poeta Luiz Gama. 2001. Thesis (Doctorate in Theory and History of Literature) - State University of Campinas, Institute of Language Studies, Campinas, 2004. p.214. . A sua hipótese é de que "quanto maior o potencial revolucionário e desagregador da ordem vigente que uma obra contiver, tanto maior será o risco de que uma das instâncias (...)" "venha obstacularizar seu percurso e sua conservação70 70 BERND, Zilá. Introdução à literatura negra... Op. Cit., p.40. ". Apoiado nas reflexões da Bernd, creio que o espaço consagrado a Luiz Gama não está vinculado somente ao valor estético, mas à capacidade que suas produções tiveram de defrontarem-se com a realidade racial, "de revelar as caras escondidas atrás das máscaras"71 71 Ibidem, p.41. .

No prefácio à 3ª edição de Primeiras Trovas Burlescas de Getulino (1904), Coelho Neto72 72 Ibidem, p. 45. escreveu que o verso de Luiz Gama

se não prima pela beleza de forma, se não cintila em lavores de arte, se a rima, por vezes, é paupérrima, é livre como a flecha, silva, vai direto ao alvo, crava-se e fica vibrando.

Gama tinha pretensões para além da literatura. Fez uso político da escrita como atividade estética mediadora, tendo em vista os conflitos das relações interétnicas. Não devemos esquecer que o público leitor de sua obra era preponderantemente branco, e Gama tinha consciência disso. O próprio título da obra Trovas Burlescas remete à sua intenção de comicidade e seus poemas indicam suas pretensões de não se tornar um cânone.

Nesse sentido, procuramos ressaltar, nas análises dos poemas selecionados, a sátira racial, a força com que procurava expressar os dilemas da raça, a poesia como processo discursivo, em suas implicações políticas e, principalmente, desvelando os códigos raciais subjacentes ao projeto de nação e da modernidade que estava sendo construído. Luiz Gama não tinha dúvidas do peso atribuído a todos aqueles de epiderme escura nas estruturas econômicas:

esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta cor convencional da escravidão, como supõem os especuladores, à semelhança da terra, ao través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade73 73 Coelho Neto was born in Rio de Janeiro, in 1864, he was a novelist, a critic, a playwright and member of the Brazilian Academy of Letters (Academia Brasileira de Letras). When he prefaced Trovas Burlescas, he already possessed literary and political notoriety. He participated in the abolitionist campaign beside his friend José do Patrocínio and, in 1899, he wrote the novel A Conquista. He was a federal deputy in Maranhão in 1907 and in 1928 he was elected Prince of the Brazilian Prose Writers. Coelho Neto was one of those legitimizing instances, whose critic comment can be divided between esthetic (absence of beauty in the form) and politics (that goes straight for the target). .

Para Sérgio Adorno74 74 Luiz Gama, Emancipação. Gazeta do povo, December 1, 1880. In: FERREIRA, Lígia Fonseca. Com a Palavra Luiz Gama... Op. Cit., p. 151. , a literatura ocupou espaço de destaque na estetização do pensamento político. A produção literária foi um instrumento para promover o processo "civilizatório" em direção a uma ruptura com os resquícios do período colonial. Até a publicação das Primeiras Trovas Burlescas, o indianismo era "moda, social e intelectualmente entre as elites75 75 ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder... Op. Cit., p. 157-234. " e, na mesma década em que Gonçalves Dias vulgarizou a poesia indianista, Luiz Gama satirizou a ideia de raça e deu proeminência valorativa, estética e politica à cultura africana. Sua poesia pretendia promover uma revolução simbólica, ao voltar-se para as bases das estruturas mentais da sociedade e ao apresentar poemas com proposições reflexivas nos modos de ver e pensar o outro racialmente, num momento em que há um "privilégio da ideologia indianista como formadora da identidade brasileira, em detrimento da aceitação de uma contribuição negra"76 76 SKIDMORE, Thomas. Preto no Branco - raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1976. p.22. .

Gama apresenta-se como um intelectual com a voz da imaginação77 77 MARTINS, Heitor. Luiz Gama e consciência negra na literatura brasileira. Afro-Ásia, Salvador, no. 17, p. 88, 1996.p.88. . Fez apelo ao devir, à memória, à tradição, à saudade, ao sentir-se desterritorializado. Conviveu com a experiência do "exílio" e da "perda", fazendo-o sentir "estrangeiro" e "familiar"78 78 TODOROV, Tzvetan. O homem desenraizado. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 142. no espaço que habitou. Mais do que poemas introspectivos, Gama apresenta, em suas produções, os efeitos físicos e psicológicos sobre aqueles que vivenciaram o horror da escravidão, cuja identidade foi forjada no mundo moderno ocidental. Na recorrência a Luiz Vaz de Camões, em Os Lusíadas, notamos que aí está sua principal fonte de inspiração para o estilo épico e uso de imagens heroicas. Sebastianismo e diáspora, apesar de se constituírem como eventos históricos díspares, apresentam aspectos em comum: a ideia de um passado que pode ser recuperado, a dor e o sofrimento a partir de um sentimento de perda:

Ó musa de Guiné, cor de azeviche
Estátua de granito denegrido,
Ante quem o Leão se põe rendido,
Despido do furor de atroz braveza;
Empresta-me o cabaço d´urucungo,
Ensina-me a brandir tua marimba,
Inspira-me a ciência da candimba,
Às vias me conduz d´alta grandeza.

Ressalta a beleza negra, da mulher negra, ao tempo que sua imagem era carregada de representações estereotipadas. Tal atitude foi no mínimo desafiadora para a tradição literária.

Quando a brisa veloz, por entre anáguas
Espaneja as cambraias escondidas,
Deixando ver aos olhos cobiçosos
As lisas pernas de ébano luzidas.

No poema Quem sou Eu?, Luiz Gama apresenta uma contundente crítica política à identificação e diferenciação social e, em tom satírico, debocha de todas as formas e sistemas de hierarquizações, concluindo que tudo está misturado. Contra a imagem de superioridade étnica, dos brancos, construída pelo discurso colonial para preservar privilégios étnicos, Gama responde que as identidades são híbridas: "em todos há meus parentes". Podemos notar, também no poema Quem sou Eu?, suas primeiras inquietações quanto ao sistema judiciário, que anos mais tarde marcará sua carreira jornalística, política e de rábula, assim como suas atuações nos tribunais, defendendo os escravizados envolvidos em querelas de alforria. Do ponto de vista literário, Bernd afirma que o poema

vai no contrafluxo das escolas literárias do século XIX por revogar, no campo poético, o sistema de hierarquia social que exigia respeito e reverência à nobreza e a outros representantes da classe dominante79 79 HALL, STUART. Da Diáspora - identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2003. p. 393.

A autora apoia-se nas reflexões de Bakthin em Problemas da poética de Dostoiévski quando diz que "Elimina-se toda distância entre os homens e entra em vigor uma categoria carnavalesca específica: o livre contato familiar entre os homens"80 80 BERND, Zilá. Introdução à literatura negra..., Op. Cit., p. 53. .

Não tolero magistrado,
Que do brio descuidado,
Vende a lei, trai a justiça
- Faz a todos injustiça -
Com rigor deprime o pobre,
Presta abrigo ao rico, ao nobre
E só acha horrendo crime
No mendigo, que deprime.

Em Quem sou eu?, há uma epígrafe de Augusto Emílio Zaluar, que partilha da mesma pergunta interrogativa:

Quem sou eu?
Que importa quem?
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra - Ninguém!

Para Luiz Gama, a miscigenação era algo tão complexo que os termos negro, branco ou mestiço parecem não resolver ou dar conta dessa complexidade. Daí a insurgente indagação: Quem sou eu?, ao mesmo tempo em que responde às ofensas ridicularizadoras dos escravocratas, chamando-os de bodes81 81 Idem. .

O episódio que teria causado a ofensa nunca foi relatado por Luiz Gama; ao menos não encontramos evidências disso. O que há são relatos transmitidos a partir da publicação de Sud Menucci, resultado de memórias de "pessoas que se recordam do grande negro, ou que conviveram com outras que o conheceram". O fato é que Gama responde por meio de versos a essa prática preconceituosa. Segundo Menucci, tudo aconteceu quando, numa audiência em que Gama, como advogado, teve necessidade de ouvir o Brigadeiro Carneiro Leão, "homem que gostava de se referir com visível prazer a sua aristocrática ascendência, e que fazia sempre que calhava, e mesmo quando não calhava alusões ao seu brasão, o negro interrompeu o depoente para esclarecer um ponto, da seguinte forma"82 82 MENUCCI, Sud. O precursor do abolicionismo no Brasil (Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, p.93-94. :

- Então, o primo afirma que viu...
- Quem é o primo? - indagou o brigadeiro, estupefato com aquela falta de respeito.
- O senhor, naturalmente, - insistiu Gama.
- Mas, primo de quem?
- Ora, meu, decerto.
- Seu primo? - explodiu o fidalgo num assomo de cólera. Mas baseado em que parentesco?
- Homessa! - concluiu risonho o advogado. - Eu sempre ouvi dizer que bode e carneiro são parentes. E parentes chegados83 83 Idem.

Gama posiciona-se criticamente frente a esta representação estereotipada dos negros. Quem sou eu? ou a Bodarrada conferiu-lhe o "direito de ingressar a galeria dos vates satíricos do Brasil"84 84 Ibidem. , observa um importante crítico literário brasileiro, Silvio Romero, um dos primeiros a traçar uma crítica a respeito de Gama85 85 Cited by SILVA, J. Romão da. Luis Gama e suas poesias satíricas. Rio de Janeiro: Publisher-Library Casa do Estudante do Brasil, 1954, p.96. .

As abordagens satíricas às misturas raciais nas letras tiveram seu maior expoente no período colonial com Gregório de Matos, nos Milagres do Brasil, o Boca do Inferno, expressa sua particular "ojeriza a negros e mulatos, aos quais por via de regra chama de cães"86 86 Silvio Roberto's position. OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia... Op. Cit., p. 181. .

...ser mulato,
ter sangue de carrapato,
seu estoraque do Congo
cheirar-lhe o corpo a mondongo,
é cifra de perfeição
milagres do Brasil são87 87 VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998. p.103.

O racismo de Gregório corresponde aos estatutos de limpeza ou pureza de sangue88 88 Idem, p.104. que vigoravam em Portugal e nas colônias desde o século XVI.

Pois eu por limpo e por branco
Fui na Bahia mofino

.................................

Não sei para que é nascer
Neste Brasil empestado
Um homem branco e honrado
Sem outra raça89 89 See the entry "Racism" ("Racismo"). In: VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. São Paulo: Publisher Objetiva, 2000, pp.500-501.

Gregório foi uma inspiração para Luiz Gama. No poema Retrato de um sabichão, Gama faz uso de um poema de Gregório em sua epígrafe.

Vá de retrato
Por consoantes,
Que eu sou Timantes
De um nariz de Tucano cor de Pato.

O racismo vivenciado por Gama é um resíduo da política das "raças infectas", agora concentrado nos critérios biologizantes da raciologia moderna. Enquanto para Gregório a "pureza" negava a miscigenação, para Gama era a miscigenação que negava a ideia de superioridade racial.

Nos dias atuais a questão ainda permanece emblemática, como observa o músico Caetano Veloso: "penso que a confusão racial brasileira revela uma miscigenação profunda"90 90 Ibidem, p.103. . É justamente dessa confusão que surge a necessidade de pensar o hibridismo91 91 VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 500. . Para Homi Bhabha, as sociedades que passaram pela experiência histórica da colonização viveram plenamente sob o signo da ironia. A colonização, ao promover num mesmo espaço uma justaposição de um "conjunto de valores contraditórios e conflitantes"92 92 SOUZA, Lynn Mario T. Menezes. Hibridismo e tradução cultural em Bhabha. In: ABDALA, Benjamim Jr. (org.). Margens da Cultura - mestiçagem, hibridismo e outras misturas. São Paulo: Publisher Boitempo, 2004. p.114. , onde "cada conjunto questionava e relativizava o outro"93 93 dem. , instaurava no "nativo", uma consciência aguda da ironia.

Se negro sou, ou sou bode
Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda casta
Pois que a espécie é muito vasta...
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pambas, malhadas,
Bodes negros, bodes brancos
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus e outros nobres,
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios importantes
E também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra,
Marram todos, tudo berra;
Nobres, condes e duquesas,
Ricas damas e marquesas
Deputados, senadores,
Gentis-homens, vereadores,
Belas damas emproadas
De nobreza empantufadas;
Repinpados principotes
Orgulhosos fidalgotes
Frades, bispos, cardeiais,
Fanfarrões imperiais,
Gentes pobres, nobres gentes
Em todos há meus parentes.

Por mais estratificada que fosse a sociedade paulistana, ninguém escapava da bodarrada. Esse poema quer demonstrar que os papéis e as relações sociais entre os indivíduos não poderiam ser sustentados pela superioridade/inferioridade racial, uma vez que a cor se apresenta como um significante vazio. Há, aqui, um chamamento social para se repensar o lugar do preconceito de cor com base em purezas raciais numa sociedade miscigenada.

No século XIX, os viajantes viam o Brasil como um grande "laboratório racial". Louis Agassiz, suíço que esteve no Brasil em 1865, por exemplo, era bastante taxativo quanto à experiência histórica da mistura de raças. Assim escreve em seus relatos de viagem:

(...)que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal-entendida filantropia a botar abaixo todas as barreiras que a separam, venha ao Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças, mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia e mental94 94 Ibidem.

O medo da miscigenação está evidenciado na própria expressão de uso cotidiano no século XIX: bode. O termo remete a uma imagem emblemática do imaginário social: a figura do diabo95 95 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil... Op. Cit., p. 25. . A mescla das raças teria gerado uma raça "diabólica". Aqui, a comicidade debocha indiretamente dos argumentos científicos monogenistas96 96 For some researchers, the figure of the Devil would be present since the foundation of Brazil. Ronaldo Vainfas, specialist in colonial history, explains that the first to interpret the appearance of the word was Frei Vicente. "The explanation that Terra da Vera Cruz and Santa Cruz received the name Brazil because of the flaming red wood and that is because the Devil, who had lost the control over the old European Christendom, would find refuge in America". VAINFAS, Ronaldo; SOUZA, Juliana Beatriz. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Publisher Jorge Zahar, 2002. p.09. dominantes no século XIX, que acreditavam que a humanidade era una e que o entrelaçamento entre diferentes grupos humanos poderia degenerá-los, argumento que contribuía para os temores da intelectualidade branca. Luiz Gama lança um olhar político sobre a miscigenação, mais diretamente no modo como a sociedade representava a alteridade, posicionando-se com autonomia crítica, como protagonista e sujeito histórico:

Nos domínios de Plutão,
Guarda um bode o Alcorão;
Nos lundus e nas modinhas
São cantadas as bodinhas:
Pois se todos têm rabicho,
Para que tanto capricho?
Haja paz, haja alegria,
Folgue e brinque a bodaria;
Cesse, pois, a matinada,
Porque tudo é bodarrada!

Nota-se um elogio irônico ao "inferno" da miscigenação. Diabo, bode e cabrião eram expressões correntes nas produções de Luiz Gama. Seu primeiro jornal ilustrado tinha o nome de Diabo-Coxo97 97 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças... Op. Cit., p.48. . O Cabrião98 98 For Antonio Luiz Cagnin, the inspiration for this name came from the novel Le DiableBoiteux which had a great success in the 18th century. The book tells the story of Asmodeu, a poor, lame devil imprisoned in a bottle. When he was freed by a student, he granted the young one the power to see, through people's ceiling and walls, what happened with the people inside their houses. Preface of the book version of the newspaper Diabo-coxo. In: Diabo Coxo, São Paulo, 1864-1865. Written by Luiz Gama; illustrated by Angelo Agostini. Ed. Fac-similar. São Paulo: Publisher of the University of São Paulo's, 200, p. 14. também foi um jornal com o qual contribuiu imensamente na criação e produção. A figura do diabo aparece em seus textos como "agente moralizador, crítico da sociedade e dos seus erros99 99 For Délio Freire dos Santos, this name owes its origin to the "influence of the French newspaper-novels, from Sue, Frederico Soulié and Dumas-Marquet, creating characters universally known as D'Artagnan. But the main character of the newspaper-novel was the infamous 'Cabrion'". In: AGOSTINI, Angelo et ali. CABRIÃO - semanário humorístico (1866-1867). Ed. Fac-similar. Introduction by Décio Freire dos Santos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Arquivo do Estado, 1882. p. 24-25. ". O diabo como personagem, nas produções de Gama, tem a função de "desmascarar e castigar a esses entes criminosos ou ridículos, estúpidos ou orgulhosos". É nesse tom que o personagem Diabo-Coxo cumprimenta os seus leitores na primeira página do jornal.

Figura 3
Imagem ilustrativa do jornal Diabo-Coxo, edição nº 3, 1864.

Para o Antonio Cândido, em Literatura negra como forma de resistência, Luiz Gama foi um poucos intelectuais do século XIX que lançou ataques diretos à "definição de brancura"101 101 Text presented on May 21, 1995, in São Paulo. In: FERREIRA, Lígia F. Primeiras trovas burlescas & outros poemas... Op. Cit., p. LXVIII. . Em seu texto mais famoso, a autobiografia dirigida ao seu amigo jornalista Lúcio de Mendonça, em 1880, Gama põe em dúvida as certezas da pureza racial. Dizia: "Meu pai, não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmativas, neste país, constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das cores humanas"101 101 Text presented on May 21, 1995, in São Paulo. In: FERREIRA, Lígia F. Primeiras trovas burlescas & outros poemas... Op. Cit., p. LXVIII. . Procurava romper com as proposições sobre raça consideradas "verdadeiras", apresentando posições críticas que desconstruíam o seu arcabouço discursivo.

Não é objetivo desse artigo tecer proposituras que conduzam Luiz Gama ao lugar de "fundador" do movimento pela negritude, nos moldes na contemporaneidade, ainda que em 1880, alguns dos seus companheiros abolicionistas o reconheciam como "o ilustre advogado mulato de São Paulo"102 102 Letter from Luiz Gama to Lúcio de Mendonça... Op. Cit. . Para Silvio Roberto, Gama não elaborou um projeto que forjasse a negritude103 103 Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, November 22, 1880. Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.Available at: <www.hemerotecadigital.bn.br>.Accessed on: October 26, 2013. , interpretação que é corroborada por Lígia Fonseca Ferreira em seu artigo "Negritude', 'Negridade', 'Negrícia': enquete sémantique et historiquesurtroisconcepts-voyageur". Por mais que a positivação da ideia de raça conduza à subalternização do outro no Brasil, não há uma continuidade histórica das práticas discriminatórias. A conjuntura vivida por Luiz Gama apresentava uma configuração e modelo cultural próprio de discriminação.

Ainda que Luiz Gama não forjasse um projeto de negritude, percebemos sua luta constante em "defesa dos valores africanos e da diáspora negra"104 104 OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia... Op. Cit., p. 215. , que, de certa forma, retrucava as definições científicas do pensamento moderno. "Foi, antes de tudo, um apóstolo a serviço de uma causa"105 105 GLISSANT, Edouard.. Introdução a uma poética da diversidade... Op. Cit., p. 148. , afirma Júlio Romão da Silva, responsável pela quinta edição de Trovas Burlescas de Getulino. Movimentos posteriores de luta pela negritude construíram uma narrativa a partir da representação seletiva da memória de Gama.

No poema Lá vai o verso, percebemos o quanto a diáspora africana alimentou o seu imaginário, a formação de si e de sua consciência social. A poética, enfatiza Édouard Glissant, "não é uma arte do sonho ou da ilusão, mas sim uma maneira de conceber-se a si mesmo, de conceber a relação consigo mesmo e com o outro e expressá-la. Toda poética constitui uma rede"106 106 SILVA, J. Romão da. Luis Gama e suas poesias satíricas. Op. Cit., p.70. .

Alta noute, sentindo o meu bestunto
Pejado, qual vulcão de flama ardente,
Leve pluma empunhei, incontinenti
O fio das ideias fui traçando.
As ninfas invoquei para que vissem
Do meu estro voraz o ardimento;
E depois, revoando ao firmamento,
Fossem do Vate o nome apregoado
Ó musa de Guiné, cor de azeviche
Estátua de granito denegrido,
Ante quem o Leão se põe rendido,
Despido do furor de atroz braveza;
Empresta-me o cabaço d´urucungo,
Ensina-me a brandir tua marimba,
Inspira-me a ciência da candimba,
Às vias me conduz d´alta grandeza
Quero a glória abater de antigos vates.
Do tempo dos heróis armipotentes;
Os homens, Camões - aurifulgentes,
Decantando os Barões da minha Pátria!
Quero gravar em lúcidas colunas
Obscuro poder da parvoíce,
E a fama levar da vil sandice
Às longíquas regiões da velha Báctria!
Quero que o mundo me encarando veja,
Um retumbante Orfeu de carapinha
Que a Lira desprezando, por mesquinha,
Ao som decanta de Marimba augusta;
E, qual outro Arion entre os Delfins,
Os ávidos piratas embaindo -
As ferrenhas palhetas vai brandindo,
Com estilo que preza a Líbia adusta.
Com sabença profunda irei cantando
Altos feitos da gente luminosa,
Que a trapaça movendo portentosa
À mente assombra, e pasma à natureza!
Espertos eleitores de encomenda,
Deputados, Ministros, Senadores,
Galfarros, & Diplomatas - chuchadores,
De quem reza a cartilha de esperteza.

No poema Minha Mãe, as condições subjetivas da diáspora e as condições objetivas da escravidão se entrelaçam para dar sentido à relação íntima com sua progenitora. A partir de suas relações fragmentadas e apartadas pela escravidão, reconstrói, por meio da memória, a condição de sua mãe numa África imaginada e imaginária. "De rainha na Líbia a escrava no Brasil". Expressa, também, as impossibilidades de viver conforme o modo de vida africano de outrora à escravidão devido à sua cor. "Da liberdade eram mito / Negra a Cor da escravidão". Observava que sua mãe dedicava-se a rezar, "uma prece infinita", dado as "nossas crenças perdidas" nesta "terra do cativeiro".

Neste poema e em sua carta-memória, Gama adjetiva sua mãe como geniosa, suave, insofrida, vingativa e dotada de atividade. Esta última qualidade teria sido em função de sua participação numa insurreição escrava na Bahia. Percebe-se claramente que o intelectual diaspórico deixou-se influenciar por essas construções de forma que a sua personalidade apresenta características similares. Essa relação emocional criada em suas narrativas alimentava a formação de sua identidade política.

Minha Mãe
Era mui bela e formosa,
Era a mais linda pretinha,
Da adusta Líbia rainha,
E no Brasil pobre escrava!
Oh, que saudades que eu tenho
Dos seus mimosos carinhos,
Quando c'os tenros filhinhos
Ela sorrindo brincava.
Éramos dois - seus cuidados
Sonhos de sua alma bela;
Ela a palmeira singela,
Na fulva areia nascida.
Nos roliços braços de ébano,
De amor o fruto apertava,
E a nossa boca juntava
Um beijo seu, que era vida.
Quando o prazer entreabria
Seus lábios de roixo lírio,
Ela fingia o martírio
Nas trevas da solidão.
Os alvos dentes nevados
Da liberdade eram mito,
No rosto a dor do aflito,
Negra a cor da escravidão.
Os olhos negros, altivos,
Dois astros eram luzentes;
Eram estrelas cadentes
Por corpo humano sustidas.
Foram espelhos brilhantes
Da nossa vida primeira,
Foram a luz derradeira
Das nossas crenças perdidas.
Tão terna como a saudade
No frio chão das campinas,
Tão meiga como as boninas
Aos raios do sol de Abril.
No gesto grave e sombria,
Como a vaga que flutua,
Plácida a mente - era a Lua
Refletindo em Céus de anil.
Se junto à Cruz penitente,
A Deus orava contrita,
Tinha uma prece infinita
Como o dobrar do sineiro;
As lágrimas que brotavam
Eram pérolas sentidas,
Dos lindos olhos vertidas
Na terra do cativeiro.

Luiz Gama recupera aspectos da cultura afro-brasileira por meio de memórias, rastros, resíduos, presentes na linguagem, no cotidiano. Primeiras Trovas Burlescas de Getulino apresenta um léxico híbrido, no qual estão presentes palavras do cotidiano popular e fortes referências à África: marimba, urucungo, candimba, azeviche, musa da Guiné. Faz um jogo entre as línguas, demonstrando a hibridez na formação linguística brasileira. Gama pensou e escreveu entre as línguas. Este ato é conceituado por Walter Mignolo como linguajamento, uma língua que não se resume a regras sintáticas, semânticas e fonéticas, mas que "são estratégias para orientar e manipular os domínios sociais de interação107 107 GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade... Op. Cit., p.159. ". Em resumo, o linguajamento é uma prática cultural e uma luta pelo poder108 108 MIGNOLO, Walter D. Histórias locais, projetos globais... Op. Cit., p. 309. no que tange à hierarquização das línguas.

Pode-se perceber, por meio dos versos, o que esse intelectual diaspórico entendia como identidade, seu processo e principalmente sua condição relacional e como os sujeitos se identificavam (autoimagem):

Se os nobres d'terra, empanturrados,
Em Guiné tem parentes enterrados,
E, cedendo a prosápia, ou duros vícios,
Esquecem os negrinhos seus patrícios;
Se mulatos de cor esbranquiçada,
Já se julgam de origem refinada,
E, curvos à mania que os domina,
Desprezam a vovó que é preta-mina:
Não te espantes, ó leitor da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade109 109 Idem, p. 310.

Gama apresentava uma imagem poética de uma história social híbrida que ameaçava a autoridade cultural ao questionar a ideia de uma identidade pura ou a subalternização da participação negra. O questionamento sobre as identidades racializadas sob a supremacia racial branca perturbava a imagem construída da nação, na qual a participação negra era exaltada apenas em seus aspectos funcionais e econômicos. Joaquim Nabuco era partidário dessa interpretação, quando afirmava que o negro foi o "principal instrumento da ocupação e manutenção do nosso território110 110 MENUCCI, Sud. O precursor do abolicionismo no Brasil... .Op. Cit., p.97. ".

Os poemas com viés racial apresentam as problemáticas da percepção subjetiva de pertencimento e da cultura. A diáspora como categoria de análise permite-nos desconstruir a imagem da nação uniforme e de pertencimento enraizado. A diáspora apresenta o complexo entrelaçamento de povos e culturas, "as metamorfoses da identidade individual que desafiam a pureza nas 'zonas de contato"111 111 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000. (Coleção grandes nomes do pensamento brasileiro). .

A sátira racial foi uma prática poética transgressora, tendo em vista o lugar de aparecimento desta produção: uma sociedade letrada cujo discurso racial, político e literário era controlado, dado os seus "poderes e perigos", visando "dominar seus acontecimentos aleatórios, esquivar sua pesada e temível materialidade112 112 GILROY, Paul. Entre Campos... Op. Cit. p.145. ", haja vista o temor da miscigenação em seus aspectos civilizatórios e revolucionários.

Através da escrita satírica mediada por um pensamento diaspórico, por uma consciência história e crítica, Luiz Gama contribuiu para reconfigurar a cartografia do pertencimento racial no momento histórico em que o pensamento literário buscava enraizamentos ao idealizar imagens-símbolos de nacionalidade.

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  • VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997
  • VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
  • 1
    Esse artigo é parte de um estudo mais amplo desenvolvido na tese de doutoramento em História Social defendida na PUCSP em 2014: Luiz Gama, um intelectual diaspórico: intelectualidade, relações étnico-raciais e produção cultural na modernidade paulistana (1830-1882).
  • 2
    GAMA, Luiz. Primeiras Trovas Burlescas de Getulino. 3º edição. São Paulo: Bentley Junior, 1904. Faço uso desta edição, versão digitalizada na íntegra pelo Instituto de Estudos Brasileiros. Disponível em: <http://www.ieb.usp.br/online/index.asp>. Acesso em: 24 de junho de 2013. A edição original encontra-se na Biblioteca Municipal Mario de Andrade, na cidade de São Paulo.
  • 3
    Como consta na capa da segunda edição de Primeiras Trovas Burlescas de Getulino. Rio de Janeiro: Tipografia de Pinheiro & Cia., 1861. A terceira edição data de 1904, com 234 páginas ilustradas, editada pela Bentley Júnior na cidade de São Paulo, com prefácio de Coelho Neto. A quarta, em 1944, pela Editora Cultura, organizada por Fernando de Góis. A quinta edição foi organizada por J. Romão da Silva em 1954, pela editora Livraria Casa do Estudante. Considera-se como última edição a preparada por Lígia Fonseca Ferreira, Primeiras Trovas Burlescas & outros poemas - Luiz Gama, publicada no ano2000.
  • 4
    São Paulo, 25 de julho de 1880, Carta a Lúcio de Mendonça.Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.Disponível em: <www.hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: 10 de outubro de 2012.
  • 5
    Ibidem.
  • 6
    Ibidem.
  • 7
    São Paulo, Correio Paulistano, 21 de novembro de 1869.Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em:<www.hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: 10 de outubro de 2012.
  • 8
    Idem.
  • 9
    SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1966. p. 235.
  • 10
    É o que informa Délio Freire dos Santos na introdução à edição fac-similar do Cabrião. Antonio Luiz Cagnin, em prefácio da versão livro do jornal Diabo Coxo. In: Diabo Coxo, São Paulo, 1864-1865. Redigido por Luiz Gama; ilustrado por Angelo Agostini. Ed. Fac-similar. São Paulo: Edusp, 2005, p. 13.
  • 11
    Lígia F. Ferreira, na Introdução de Primeiras Trovas Burlescas e outros poemas, apresenta as dificuldades de ordem pessoal (um negro, ex-escravo), textual e poética com o lançamento da obra. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. XIII-XCIII.
  • 12
    O pesquisador Eduardo de Assis Duarte analisa os critérios que configuram e/ou diferenciam uma produção brasileira de descendentes de africanos do conjunto das letras nacionais. O referido autor afirma ainda que Luiz Gama divide com Maria Firmina dos Reis, esta última afrodescendente maranhense, o status de escritores "pioneiros" da literatura afro-brasileira. DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: um conceito em construção. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, nº 31, Brasília, p. 11, janeiro-junho, 2008. Lígia Fonseca Ferreira o considera como o primeiro poeta afro-brasileiro, Luiz Gama: poemas, artigos, cartas, máximas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011. Essas afirmações são contrarias a de Edson Carneiro, que em sua obra Antologia do negro brasileiro, escrito em 1950, sustenta que Henrique Dias, que viveu no século XVII em Pernambuco, foi o primeiro negro letrado. Enfim, o fato é que na segunda metade do século XIX já se apresentava um razoável contingente de não-brancos letrados, e o atual estado da arte dos estudos literários afrodescententes em suas descobertas tem se debruçado para fazer emergir esses sujeitos silenciados. Ver RISÉRIO, Antonio. Textos e Tribos - poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1993. p. 75.
  • 13
    BOSI, Alfredo. Cultura. In: CARVALHO, José Murilo (org.). A construção nacional 1830-1889. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2012. p. 232.
  • 14
    Teoria da Dupla Consciência, de William Edward Burghardt Du Bois (1868-1963).DU BOIS, W. E. B. The Souls of Black Folk. Nova York: Barnes & Noble, 2003. p.09.
  • 15
    Carta de Luiz Gama a Lúcio de Mendonça. In: MENUCCI, Sud. O precursor do abolicionismo no Brasil (Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, p. 23.
  • 16
    Idem, p.25.
  • 17
    Ibidem.
  • 18
    BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1988. p. 21.
  • 19
    Idem, p.12.
  • 20
    Ibidem, p. 22.
  • 21
    Ver FANON, Fanon.Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 27.
  • 22
    BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1988, p.29.
  • 23
    Idem, p.42.
  • 24
    Hegel considerava os africanos não apenas pré-históricos como também pré-políticos. GILROY, Paul. Entre Campos: nações, culturas e o fascínio da raça.Tradução de Célia Maria Marinho de Azevedo et ali. São Paulo: AnnaBlume, 2007. p. 79.
  • 25
    Luiz Gama, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino (texto da 1ª edição digitalizado na íntegra). http://www.ieb.usp.br/online/index.asp, São Paulo: Bentley Junior, 3º edição, 1904.
  • 26
    ARAUJO, Jorge de Souza. Retrós de espelhos: o romantismo brasileiro com lentes de aumento. Ilhéus (BA): Editus, 2011, p. 477.
  • 27
    Luiz Gama. Radical Paulistano, 29 de julho de 1869. Arquivo Público do Estado de São Paulo.Disponível em: <http://www.hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: 10 de outubro de 2012.
  • 28
    FERREIRA, Lígia F. Primeiras Trovas Burlescas e outros poemas - Luiz Gama. São Paulo (SP): Editora Martins Fontes, 2000, p. XXII.
  • 29
    "Questão de liberdade". Luiz Gama. Correio Paulistano, sábado 13 de março de 1869. Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.Disponível em: <http://www.hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: 10 de outubro de 2012.
  • 30
    FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005. p. 52.
  • 31
    Idem.
  • 32
    "É sintomático, portanto, que Luiz Gama o tempo todo faça questão de evidenciar - em um tom tão cheio de humildade que chega a ser irritante - que sabia que seu lugar não era entre os homens de letras porque, afinal de contas, era um negro que havia sido escravo. Sua crítica se fazia, assim, por dentro da lógica de domínio senhorial, colocando-se exatamente na posição em que um senhor gostaria de vê-lo, sem ferir diretamente ou transgredir os domínios da dependência". AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha - A trajetória de Luiz Gama na Imperial cidade de São Paulo. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999. p. 56.
  • 33
    No capítulo Sobre a Violência, o contexto das reflexões de Fanon é o movimento africano de descolonização, mas são altamente pertinentes para a nossa análise. FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2005, p. 60.
  • 34
    Luiz Gama, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino (texto da 1ª edição digitalizado na íntegra). http://www.ieb.usp.br/online/index.asp, São Paulo: Bentley Junior, 3º edição, 1904, p.46 e 47.
  • 35
    STEPHAN, González. Economías fundacionales. Diseño del cuerpo ciudadano, citado por CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Ciências Sociais, Violência Epistêmica e o problema da "invenção do outro". In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber - eurocentrismo e ciências sociais. Tradução Julio Cezar Casarin Barroso Silva. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociais, 2005, p.173.
  • 36
    Apoio-me nas posições do antropólogo Walter Mignolo em Histórias Locais, projetos globais - colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar, texto no qual defende que num mundo transnacional não se deve vincular a língua, a literatura, cultura e território às ideologias nacionais. Sendo assim, sustenta que se deve "redefinir os estudos literários e discutir as questões resultantes da expansão ocidental e das interconexões globais desde o fim do século XV", que apontem para estudos transimperiais, transcoloniais, transnacionais e culturais. MIGNOLO, Walter D. Histórias Locais, Projetos Globais - colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.p. 299.
  • 37
    Idem.
  • 38
    Para Angel Rama, esses sujeitos eram portadores de uma importância capital no momento da formação e estruturação social da América colonial, a partir da relação entre as letras e a sociedade. RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.43.
  • 38
    Os espaços eram: Ensaios Literários (1846), O Arrebol (1849), Revista Mensal do Ensino Filosófico Paulistano (1851), O Acaiaba (1852), Ensaios Literários do Ateneu Paulistano (1852), O Guaianá (1856), Revista Paulista (1857), O Acadêmico do Sul (1857), Memórias da Associação Culto à Ciência (1859), revista da Academia de São Paulo (1859), Ensaios Literários do Club Científico (1859), O Kaleidoscópio (1860), O Timbira (1860), Revista Mensal do Instituto Científico (1862), Imprensa Acadêmica (1864), Tribuna Liberal (1867), Radical Paulistano (1869) e a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838). Esses, entre outros, foram espaços que materializavam as ideias da cidade letrada.ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder - o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p.175-176.
  • 40
    GILROY, Paul. Entre Campos: nações, culturas e o fascínio da raça.Tradução de Célia Maria Marinho de Azevedo et ali. São Paulo: AnnaBlume, 2007. p. 79.
  • 41
    SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário de Língua Portuguesa. Edição fac-similar da segunda edição de 1813, Rio de Janeiro: Oficinas S. A Lith-Typografia Fluminense, 1922. p. 370.
  • 42
    CAMILO, Vagner. Risos entre pares: poesia e comicidade no romantismo brasileiro (2ª geração). 1993. Dissertação (Mestrado em Linguagem) - Programa de Estudos da Linguagem, Universidade de Campinas, 1993, p. 19.
  • 43
    MARTINS, Heitor. Luiz Gama e a consciência negra na literatura brasileira. Salvador: Revista Afro-Ásia - Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia, nº 17, 1996.
  • 44
    GILROY, Paul. O Atlântico Negro - modernidade e dupla consciência.São Paulo: Ed.34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001, p. 43.
  • 45
    A data é defendida por SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças - cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p.57.
  • 46
    Idem, p.57.
  • 47
    Édouard Glissant defende a tese de que "as culturas do mundo colocadas em contato umas com as outras de maneira fulminante e absolutamente consciente transformam-se, permutando entre si, através de choques irremissíveis, de guerras impiedosas, mas também através de avanços de consciência e de esperança que nos permitem dizer - sem ser utópicos e mesmo sendo-o - que as humanidades de hoje estão abandonando dificilmente algo em que se obstinavam há muito tempo - a crença de que a identidade de um ser só é validade e reconhecível se for exclusiva, diferente da identidade de todos os outros seres possíveis." GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora (MG): Editora UFJF, 2005, p. 18.
  • 48
    Ver o capítulo "Anime o viajante cansado": W.E.B. Du Bois, a Alemanha e a política da (des) territorialização. GILROY, Paul. O Atlântico Negro - modernidade e dupla consciência.São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001. p.223-280.
  • 49
    Luiz Gama, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino (texto da 1ª edição digitalizado na íntegra). http://www.ieb.usp.br/online/index.asp, São Paulo: Bentley Junior, 3º edição, 1904, p. 11.
  • 50
    Ver ARAUJO, Jorge de Souza. Retrós de Espelhos... Op.Cit., p 476.
  • 51
    Idem, p. 477.
  • 52
    Criada pelos acadêmicos da Faculdade de Direito de São Paulo, Carlos Carneiro de Campos, Francisco Bernardino Ribeiro e José Inácio Silveira da Mota. ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder... Op. Cit., p. 174.
  • 53
    Ver ARAUJO, Jorge de Souza.Retrós de Espelhos... Op. Cit., p.21.
  • 54
    Dante Moreira Leite em O caráter nacional brasileiro, citado por ARAUJO, Jorge de Souza.Retrós de Espelhos... Op.Cit., p.26.
  • 55
    SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. p.21.
  • 56
    BOSI, Alfredo. In: ARAUJO, Jorge de Souza.Retrós de Espelhos... Op.Cit., p. 25.
  • 57
    CHAUÍ, Marilena. Brasil - mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. p.9.
  • 58
    FANON. Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008, p. 33.
  • 59
    Idem.
  • 60
    Para Joaquim Nabuco, foi a escravidão que tornou uma "massa pensante em estado puramente animal", surgindo, assim, o escravo coisificado. Na verdade, a coisificação escrava aparece na historiografia, em 1860, na obra de Perdigão Malheiro. Para Sidney Chalhoub: "O problema da coisificação dos escravos ganha então uma dimensão mais abrangente. A definição legal do escravo como 'coisa' se transforma também uma condição social, havendo aqui a pretensão de apreender ou de descrever a experiência histórica dos negros". Esta posição está em CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade - uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p.42.
  • 61
    BHABHA, Homi.O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1988. p.59.
  • 62
    RISÉRIO, Antonio. Textos e tribos - poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1993. p.20.
  • 63
    Ver DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira - um conceito em construção. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, nº 31, Brasília, janeiro-junho, 2008, pp. 11-23.
  • 64
    Luiz Gama, Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871. Fundação Biblioteca Nacional, Disponível em: <http://www.hemerotecadigital.bn.br>, consulta em 20 de agosto de 2013.
  • 65
    BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento - o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 81.
  • 66
    Idem, p.81.
  • 67
    Analisando o lugar da poesia de Luiz Gama, que ora ocupa a posição de cânone, ora é destratado, é possível vê-lo no panteão dos literatos na História da Literatura Brasileira de Sílvio Romero e, ao mesmo tempo, vê-lo como "mero arremedo formal das estrofes, sobre costumes e defeitos da época," em Antologia dos Poetas Brasileiros, de Manuel Bandeira.
  • 68
    OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia: ficções sobre o poeta Luiz Gama. 2001. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 2004. p.214.
  • 69
    BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense, 1988, p.40.
  • 70
    Ibidem, p.41.
  • 71
    Ibidem, p. 45.
  • 72
    Coelho Neto nasceu no Rio de Janeiro, em 1864, foi romancista, crítico, teatrólogo e membro da Academia Brasileira de Letras. Quando prefaciou Trovas Burlescas, já possuía uma notoriedade literária e política. Participou da campanha abolicionista ao lado do seu amigo José do Patrocínio e, em 1899, escreveu o romance A Conquista. Foi deputado federal pelo Maranhão em 1907 e em 1928 foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros. Coelho Neto foi uma dessas instâncias legitimadoras, cujo comentário crítico pode ser dividido entre a estética (ausência de beleza na forma) e o político (vai direto ao alvo).
  • 73
    Luiz Gama, Emancipação. Gazeta do povo, 1 de dezembro de 1880. In: FERREIRA, Lígia Fonseca. Com a Palavra Luiz Gama: poemas, artigos, cartas, máximas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, p. 151.
  • 74
    ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder - o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 157-234.
  • 75
    SKIDMORE, Thomas. Preto no Branco - raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1976. p.22.
  • 76
    MARTINS, Heitor. Luiz Gama e consciência negra na literatura brasileira. Afro-Ásia, Salvador, nº 17, p. 88, 1996.p.88.
  • 77
    TODOROV, Tzvetan. O homem desenraizado. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 142.
  • 78
    HALL, STUART. Da Diáspora - identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2003. p. 393.
  • 79
    BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. p. 53.
  • 80
    Idem.
  • 81
    MENUCCI, Sud. O precursor do abolicionismo no Brasil (Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, p.93-94.
  • 82
    Idem.
  • 83
    Ibidem.
  • 84
    Citado por SILVA, J. Romão da. Luis Gama e suas poesias satíricas. Rio de Janeiro: Livraria-Editora Casa do Estudante do Brasil, 1954, p.96.
  • 75
    Posição de Silvio Roberto. OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia: ficções sobre o poeta Luiz Gama. 2001. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 2004. p. 181.
  • 86
    VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998. p.103.
  • 87
    Idem, p.104.
  • 88
    Ver verbete "Racismo", por Ronaldo Vainfas, In: Dicionário do Brasil Colonial. São Paulo: Editora Objetiva, 2000, pp.500-501.
  • 89
    Ibidem, p.103.
  • 90
    VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 500.
  • 91
    SOUZA, Lynn Mario T. Menezes. Hibridismo e tradução cultural em Bhabha. In: ABDALA, Benjamim Jr. (org.). Margens da Cultura - mestiçagem, hibridismo e outras misturas. São Paulo: Editora Boitempo, 2004. p.114.
  • 92
    Idem.
  • 93
    Ibidem.
  • 94
    SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. p. 25.
  • 95
    Para alguns pesquisadores, a figura do Diabo estaria presente desde a fundação do Brasil. Ronaldo Vainfas, especialista em história colonial, explica que foi o Frei Vicente do Salvador o primeiro a interpretar o surgimento da palavra. "A explicação de que a Terra da Vera Cruz e Santa Cruz ganhou o nome de Brasil por causa do pau de cor abrasada e vermelha e isto por que o Diabo, que perdera o controle sobre a velha cristandade européia, acharia refúgio na América". VAINFAS, Ronaldo; SOUZA, Juliana Beatriz. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2002. p.09.
  • 96
    SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças - cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.48.
  • 97
    Para Antonio Luiz Cagnin, a inspiração para esse nome veio do romance Le DiableBoiteux que obteve um grande sucesso no século XVIII.O livro conta a história de Asmodeu, o coxo, pobre diabo preso numa garrafa. Ao ser libertado por um estudante, concedeu ao jovem o poder de ver, através dos tetos e das paredes das casas, o que se passava com as pessoas no seu interior. Prefácio da versão livro do jornal Diabo-coxo. In: Diabo Coxo, São Paulo, 1864-1865. Redigido por Luiz Gama; ilustrado por Angelo Agostini. Ed. Fac-similar. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p. 14.
  • 98
    Para Délio Freire dos Santos, esse nome deve sua origem à "influência dos romances-folhetins franceses, tanto os de Sue, como os de Frederico Soulié e os de Dumas-Maquet, criando personagens universalmente conhecidos como D'Artagnan, foi mundo grande entre o nosso povo. Mas, o principal personagem do romance-folhetim era o famigerado 'Cabrion'". CABRIÃO - semanário humorístico editado por Angelo Agostini, Américo de Campos e Antonio Manuel dos Reis: 1866-1867. Ed. Fac-similar. Introdução de Décio Freire dos Santos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Arquivo do Estado, 1882. p. 24-25.
  • 99
    GAMA, Luiz. Diabo Coxo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p.14.
  • 100
    Texto apresentado em 21 de maio de 1995, em São Paulo. In: FERREIRA, Lígia F. Primeiras trovas burlescas & outros poemas - Luiz Gama. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p. LXVIII.
  • 101
    Luiz Gama. Carta a Lúcio de Mendonça. In: MENUCCI, Sud. O precursor do abolicionismo no Brasil (Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, pp. 19-26.
  • 102
    Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1880. Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.Disponível em: <www.hemerotecadigital.bn.br>.Acesso em: 26 de outubro de 2013.
  • 103
    OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia: ficções sobre o poeta Luiz Gama. 2001. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 2004. p. 215.
  • 104
    GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora, MG: Ed. UFJF, 2005. p. 148.
  • 105
    SILVA, J. Romão da. Luis Gama e suas poesias satíricas. Rio de Janeiro: Livraria-Editora Casa do Estudante do Brasil, 1954, p.70.
  • 106
    GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora, MG: Ed. UFJF, 2005. p.159.
  • 107
    MIGNOLO, Walter D. Histórias locais, projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. p. 309.
  • 108
    Idem, p. 310.
  • 109
    MENUCCI, Sud. O precursor do abolicionismo no Brasil (Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. p.97.
  • 110
    NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000. (Coleção grandes nomes do pensamento brasileiro).
  • 111
    GILROY, Paul. Entre Campos - nações, culturas e o fascínio da raça.Tradução de Célia Maria Marinho de Azevedo et ali. - São Paulo: AnnaBlume, 2007. p.145.
  • 112
    FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso - aula inaugural do Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Editora Loyola, 2010, p.08.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015
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