Resumo
Este artigo investiga continuidades e rupturas entre os processos constituintes de 1823 e 1824. Para certa historiografia, a dissolução da Assembleia Constituinte significou a expressão de um arbítrio imperial rebelado contra uma Assembleia de natureza liberal. O Brasil teria perdido a oportunidade de se fundar tendo um compromisso liberal como base da relação entre governo e sociedade. Verifica-se, porém, do ponto de vista do discurso que se tornou hegemônico na Constituinte, a predisposição a instituir o Poder Moderador e a flexibilizar garantias constitucionais. Seria o preço a pagar para manter a ordem e fugir dos perigos da anarquia. A inspiração político-filosófica da Constituinte também não era diferente da existente na futura Constituição outorgada por D. Pedro I: um liberalismo romântico com traços restauradores. Conclui-se que as linhas de continuidade entre o projeto de Constituição da Assembleia destituída e a Constituição do Império sobressaem mais que as rupturas.
Palavras-chave: História do direito; Constituição de 1824; Assembleia Constituinte de 1823; Brasil Império; Poder Moderador; Poder Constituinte
Abstract
This article investigates continuities and ruptures between the constituent processes of 1823 and 1824. Certain historiographical branches regard the dissolution of the Constituent Assembly as the manifestation of imperial authority against a liberal Assembly. In this perspective, Brazil would have lost the opportunity to birth itself with a liberal pact as the basis for the relationship between government and society. However, the hegemonic discourse in the Assembly suggests a predisposition to institute the Moderating Power and make constitutional guarantees more flexible. This was the price to be paid to maintain order and escape the dangers of anarchy. The Constituent’s political-philosophical inspiration was no different from that of the future Constitution imposed by D. Pedro I: a romantic liberalism with restorative traits. In conclusion, the similarities between the constitution project of the dissolved Assembly and the Constitution of the Empire outweigh the divergences.
Keywords: Legal History; Constitution of 1824; Constituent Assembly of 1823; Empire of Brazil; Moderating Power; Constituent Power
1. Introdução: rupturas e continuidades nos processos constitucionais de 1823 e 1824
A dissolução da Assembleia Constituinte de 1823 significou, para alguma historiografia, a vitória do arbítrio monárquico sobre os interesses da sociedade. A Assembleia não foi eleita com o voto popular, longe disso: era delegada pelos proprietários de terras e pelas elites urbanas3. Mas a sua extinção forçada e a posterior outorga da Constituição de 1824 conferiram certa simbologia de ruptura em um processo constitucional legítimo. Eventos dramáticos, a exemplo das perseguições a jornais4, da influência de ideários autoritários do “partido português” sobre o Imperador5, da noite da agonia e do exílio das lideranças constituintes oposicionistas, situados tão logo nas primeiras crônicas do constitucionalismo brasileiro, ajudaram a dar a impressão de que o Estado foi mal fundado. O Brasil perderia a oportunidade de ter um compromisso liberal como base da relação entre governo e sociedade. Sequer se garantiriam direitos civis e políticos às classes socialmente dominantes. Calharia, em seu lugar, a contradição de um pacto bonapartista que constantemente se desdizia, com garantias asseguradas, mas suspensíveis6, que era imposto pelo Poder Moderador instituído na Constituição outorgada. O autoritarismo imperial teria vencido uma Constituinte de natureza liberal, projetando heranças do antigo regime na nova ordem constitucional que se inaugurava.
“O país ensaia a nova ordem de coisas com os hábitos inveterados do antigo regime”7, dizia Barão Homem de Mello em texto que inaugurou a visão historiográfica8 que revestiu a Constituinte de 1823 com ares liberais. Contrapondo os dois processos constituintes, Homem de Mello denunciava o que compreendia como autoritarismo da Constituição de 1824 e elogiava o projeto apresentado por Andrada Machado, Presidente da comissão que elaborou o texto de 1823, dizendo que “todos os princípios das liberdades constitucionais, todas as novas conquistas do sistema representativo, eram aí proclamados e consagrados”. Na lista das liberdades individuais encontradas estavam: “a liberdade pessoal, a igualdade perante a lei, a publicidade do processo, a abolição do confisco e da infâmia das penas, a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa e de indústria, a garantia da propriedade, o julgamento pelo júri”9. Mas o que provavelmente mais lhe satisfazia era notar, em uma percepção questionável, que, supostamente diferente do que ocorreria na Constituição de 1824, o projeto de 1823 não instituiria o Poder Moderador entre as prerrogativas monárquicas, o que tornaria as garantias civis e políticas impassíveis de violações10.
Mas creio que a violência com que a Constituinte foi destituída ocasionou uma superestimação do seu potencial liberal. A ruptura entre os processos de 1823 e 1824, em termos de projetos constitucionais e orientações ideológicas, não foi tão grande, ao contrário do que afirma a historiografia iniciada por Barão Homem de Mello. É isso que objetivo demonstrar neste artigo. O que mais chama a atenção, na verdade, são as continuidades existentes entre os dois processos constituintes. Observa-se já na argumentação que se tornou hegemônica na Constituinte, orientada por deputados defensores de ideias liberais moderadas, uma série de alegações em prol da relativização das liberdades individuais. O argumento da anarquia é um deles. Era nítido o medo que os deputados sentiam perante uma possível encenação brasileira de eventos revolucionários similares aos franceses, ou pior, aos haitianos. Rogavam, assim, pela salvação imperial. Exigiam um poder central forte o suficiente para frear o ímpeto por poder político das oligárquicas locais, que poderia levar ao que chamavam de anarquia ou terror. Além disso, somente o poder imperial conseguiria manter a unidade política do Brasil e, sobretudo, sufocar as revoltas populares que atentassem contra a grande propriedade e contra o trabalho escravo. A favor de um projeto constitucional capaz de realizar tais tarefas, a elite política11 que se tornou hegemônica na direção da Assembleia estava disposta a ceder fração do futuro poder político e a pactuar garantias individuais suspensíveis em caso de emergências.
D. Pedro, como percebeu Silvana Mota Barbosa12, foi um dos principais idealizadores da inserção do quarto poder na Constituição Política do Império. Com o Imperador, estava a intelectualidade dos irmãos Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, José Bonifácio de Andrada e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada. Eles seriam, na condição de deputados constituintes, os responsáveis por colocar o plano imperial em prática. Andrada Machado dizia, logo nas primeiras sessões da Assembleia, que o “monarca [é] a chave que fecha a abóbada social, é de certo modo superior a todos os outros poderes”13. Um Imperador acima do Judiciário e do Parlamento seria a fórmula para dar cabo às emergências14. Potência pronta para virar ato se a ocasião exigisse. Aqui já estava expressa em 1823 a vontade de se instituir o Poder Moderador. Com esse objetivo declarado, Andrada Machado arregimentou a maioria dos constituintes, conseguindo se eleger com muita sobra para Presidente da comissão elaboradora do projeto de Constituição. Teve 40 dos 52 votos. Perspectivas liberais mais radicais foram silenciadas pelo próprio processo Constituinte de 1823, e não pela sua posterior destituição.
Os planos de instituir o Poder Moderador no texto de 1823 também encontrava sustentação na orientação político-filosófica do redator Andrada Machado. Outro fator de continuidade dos processos constitucionais de 1823 e 1824: em ambos, a direção ideológica era dada pelos chamados liberalismo e constitucionalismo românticos, com traços restauradores, de influência, sobretudo, de Benjamin Constant em detrimento aos ideólogos franceses revolucionários, como Thomas Paine, Jean-Jacques Rousseau e Emmanuel Joseph Sieyès15. Foi com base no Poder Real idealizado por Constant que a cultura jurídica brasileira desenvolveu o Poder Moderador16 ainda em 1823.
Os constituintes da ala majoritária estavam satisfeitos com as garantias suspensíveis. Era o preço a pagar pela manutenção da ordem social. Poderia haver no Brasil um liberalismo heroico, por algumas vezes, aliado ao republicanismo e não depurado de demandas democráticas e populares. Mas como Sérgio Adorno17 chamou a atenção, ele não se encontrava presente na Constituinte de 1823 ao nível exigido para se ter algum protagonismo. Ele estava na Conjuração Baiana e na Revolução Pernambucana; posteriormente, na Confederação do Equador e em algumas revoltas regenciais. Na Assembleia, predominou aquele liberalismo moderado enamorado da restauração, cujos efeitos práticos seriam muito próximos ao que veio a ser a Constituição de 1824. Até alguns deputados conhecidos anteriormente por posturas liberais mais exaltadas ou por simpatizarem com alguns anseios populares mudaram de posição na Constituinte. O próprio Andrada Machado, que participou da Revolução de 1817, virou a casaca. Largou mão do republicanismo para abraçar o Poder Real.
Um evento que ajudou a sustentar a historiografia de Homem de Mello diz respeito aos desentendimentos entre D. Pedro e os irmãos Andradas, que culminou na demissão de José Bonifácio do ministério do qual estava à frente. O “partido português”, que cercava o Imperador, pretendia estabelecer um regime ainda mais autocrático e centralizador, o que punha sob desconfiança até os fiéis irmãos Andradas. Mas é enganoso acreditar que a ruptura entre o Imperador e os irmãos tenha feito Andrada Machado abolir o Poder Moderador de seu projeto de Constituição. Como se verá, apesar de o texto de 1823 não conter um capítulo expresso “Do Poder Moderador”, as prerrogativas moderadoras estavam dispersas em vários capítulos. Embora seja certo que a futura Constituição de 1824, redigida por João Severiano Maciel da Costa, incrementaria as atribuições do Imperador, pode-se notar, já no projeto de 1823, um Poder Moderador bastante robusto, que, como pretendido por Andrada Machado no início dos trabalhos da Assembleia, tornava o Imperador a abóbada que pairava sobre os outros poderes.
2. Liberalismos e limites da soberania da Assembleia Constituinte de 1823
Às 9h da manhã de 03 de maio de 1823, reuniram-se os deputados para iniciar os trabalhos de elaboração da Constituição Política do Império do Brasil18. À espera do Imperador D. Pedro, responsável por abrir a sessão inaugural, haveriam de aguardar até meio dia e meia, quando, enfim, descoberto de sua coroa real e acompanhado de seus secretários, Sua Majestade adentrou o paço da Assembleia, sentou-se no trono e recitou seu discurso19. Ao término da declamação, salvas e vivas ao Imperador e à Constituinte interromperam a disputa entre os deputados liberais mais exaltados e os liberais moderados, que havia sido iniciada nas sessões preparatórias e que retornaria no dia 05 de maio.
Com qual ornamento D. Pedro poderia entrar no recinto da Constituinte? Seu assento seria distinto de onde os deputados se sentavam, seria alocado em patamar acima? Poderia o Imperador se fazer presente com seus ministros, figuras estranhas aos deputados eleitos? Essas interrogações foram debatidas nas sessões preparatórias, que cuidaram da aprovação do Regimento Geral da Constituinte. Elas traziam consigo mais do que meras formalidades: simbolizavam ideais constitucionais. O Imperador vestido com as insígnias reais - o cetro, a coroa e o manto - significaria uma distinção monárquica de superioridade perante os deputados eleitos, algo que os ventos constitucionalistas franceses não poderiam aceitar. Sentar-se em nível acima do Presidente da Assembleia indicaria que a Constituinte não era soberana, mas que estava ali submissa ao Poder Monárquico, responsável, em última instância, por julgar se a Constituição mereceria ou não ser dada pelo Imperador ao Brasil20. Foi em razão da defesa enfática dos princípios liberais do direito público que José Custódio Dias21 se posicionava no sentido de que o Imperador deveria estar “no mesmo plano onde estiver o Sr. Presidente [da Assembleia], cabeça inseparável, naquele ato, do corpo moral que representa a nação, soberana e independente; e deixaria de o ser quando [o Imperador] estivesse superior”22.
A rigor, o mote dessas questões postas nas sessões preparatórias indagava o que a Assembleia teria poderes para constituir. As possibilidades e os limites de seus atos era a problemática mais patente. O mesmo José Custódio Dias, deputado constituinte daquele tipo que Otávio Tarquínio de Sousa23 chamou de liberal quase republicano, irritou-se com o teor do juramento a que se obrigariam os constituintes. Sob a liderança de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, então ministro do Império e também constituinte, a comissão regimental elaborou o projeto de regimento propondo que o juramento garantiria “mantida a religião católica apostólica romana e a Independência do Império, sem admitir com alguma nação qualquer outro laço de união ou federação que se oponha à dita Independência, mantido outrossim o Império constitucional e a dinastia do Sr. D. Pedro, nosso primeiro imperador e sua descendência”24.
José Custódio Dias não admitia qualquer compromisso prévio desse tipo, que implicaria contrassenso à ideia de uma Constituinte. Dizia que só a Deus e à Razão devia subordinação. Por isso, solicitou, em vão, emenda ao texto do juramento. O poder constituinte25, em sua percepção, deveria ser absoluto, soberano e independente. Ao Imperador só se deveria a gratidão por ter convocado a Constituinte, não guardando mais nenhum compromisso com ele: “Quem duvida que esta assembleia é soberana, constituinte e legislativa como representante da nação, prerrogativas inauferíveis […]?”, Dias perguntava concluindo que, de outro modo, ela seria servil ao imperador: “[a Assembleia] reconhece o imperador constitucional a quem prestou, e fará legalmente prestar o devido respeito, enquanto é análogo à causa a que a mesma Assembleia se propõe: o mais é servilismo”26.
Levando esse posicionamento a ferro e fogo, é possível encontrar José Custódio Dias nas mais variadas discussões, sempre defendendo a vontade soberana da Constituinte. Entrou em brigas até por nomenclaturas: rejeitava que as sessões fossem ditas “imperiais”: seriam “nacionais”27. Talvez quisesse indicar que não estava, de antemão, definida a forma de governo, ou apenas lembrasse que a Constituinte não era do Imperador, mas de quem a elegeu. A Assembleia, em seu entendimento, possuiria poderes de constituir o aparato estatal da maneira que bem entendesse: “Eu estou persuadido que achando-se esta assembleia em estado organizante, está revestida de todos os poderes”28.
Mas a posição de José Custódio Dias e de outros deputados mais radicais em seus liberalismos, como Venâncio Henriques de Rezende e Luiz Ignacio de Andrade Lima, era voto vencido. Os demais não eram absolutistas, em definitivo. Nenhum dos deputados poderia declaradamente o ser, posto que, derrotada a revolução de 1817, ela saiu vitoriosa. Deu fim ao ambiente cultural propício ao absolutismo no Brasil. Mas isso não significava adesão de todos os constituintes a programas liberais radicais. Prevalecia o constitucionalismo dos liberais mais moderados, do liberalismo que fincava bases concretas na realidade social, e delas percebia os limites ao poder de constituir. O secretário fez questão de constar em ata: “Alguns Srs. deputados mostraram com fortes argumentos que seria absurdo supor que os representantes da nação tinham poderes ilimitados”29. Um dos principais limites, na percepção de alguns constituintes moderados, como João Antônio Rodrigues de Carvalho, deputado pela província do Ceará, advinha da figura carismática do próprio Imperador D. Pedro, o “defensor perpétuo do Brasil”, que ganhara muita legitimidade a partir de sua atuação no processo de Independência. Rodrigues de Carvalho fez a seguinte pergunta, como que querendo mostrar um compromisso insuperável entre a Constituinte e a manutenção da monarquia da dinastia de Bragança: “E quem nos ajuntou aqui senão ele [o Imperador]? Foi ele que consultando os desejos da nação, nos abriu o passo para este recinto, que ele mesmo mandou edificar”30.
O constitucionalismo menos abstrato dos liberais moderados entendia que não seria possível uma autoridade ilimitada da vontade política. Algumas instituições estabelecidas seriam intocáveis: “a nação escolheu o Sr. D. Pedro I para seu Imperador, e a nação o ama. […] consulte cada um o que viu e ouviu no dia da abertura desta Assembleia: os viva dentro deste recinto, fora e pelas ruas, eram incessantes; no teatro o regozijo e as aclamações foram iguais; e eis-aqui o termômetro do sentimento público”31. Para Rodrigues de Carvalho, elucubrações abstratas do poder constituinte, elogios à razão onipotente, à moda francesa32, não fariam muito sentido. Na imbricada teia concreta de poderes, o príncipe possuiria grande prestígio, o qual a Assembleia não poderia afrontar33. Andrada Machado aprovava essa ideia ao dizer que não se questionava o regime monárquico: “A nação, Sr. Presidente, elegeu um Imperador constitucional, deu-lhe o Poder Executivo, e o declarou chefe hereditário; nisto não podemos nós bulir; o que nos pertence é estabelecer as relações entre os poderes, de forma, porém que se não ataque a realeza”34. Se era assim, que se “dissesse que o Brasil já está constituído pelo facto da aclamação, e que nós só viemos aqui fazer não sei o que. Daqui segue-se que esta Assembleia não é Constituinte”, apontou irritado o deputado Henrique de Rezende35.
José Antônio da Silva Maia fazia um meio termo. Dizia-se “constitucional”, mas precisava reconhecer os apesares da situação, reconhecer as limitações com que a situação sócio-política brasileira talhava o poder constituinte: “[sou] patriota e constitucional, mas não posso deixar de considerar que esta nação, antes de ser representada nesta augusta e soberana assembleia, já tinha aceitado Sua Majestade por seu Imperador constitucional, já o tinha aclamado”36. Assembleia soberana, mas que não podia bulir com o Imperador: eis a contradição que seria inaceitável para os ideólogos do constitucionalismo francês revolucionário, mas não para a Constituinte brasileira de 182337. Às vezes, Maia perdia um pouco do pé na realidade, como quando convidou o Imperador a expor de forma “sucinta e brevemente as condições com que quer entrar no pacto social, pois se não forem justos e razoáveis, não se lhe aceitam, e não será reconhecido imperador, se não quiser concorrer com esta Assembleia para o bem do Brasil”38. O que faria a Constituinte se o Imperador expusesse seus planos centralizadores? Estaria disposta a uma revolução liberal? Teria apelo social para tanto?
A Assembleia Constituinte e Legislativa do Brasil de 1823 foi a primeira experiência genuinamente brasileira de exercício do poder constituinte moderno, muito embora alguns de seus deputados tivessem participado das Cortes de Lisboa de 182139, na qual se aprovaram, em 10 de março, as bases40 da futura Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 30 de setembro de 182241. Mas D. Pedro pretendia direcionar politicamente a Assembleia, a começar pelo fato de ter sido ele quem a convocou em 3 de junho de 182242. O Imperador se antecipava a possíveis rebeliões liberais ao atender ao desejo das elites brasileiras de o Brasil não ser rebaixado novamente à categoria de colônia43. Ganhava, assim, legitimidade perante parcela da sociedade civil brasileira. Mas, embora aceitasse a Constituição, alertava que não pretendia ser alijado do poder. Poderia não ter poderes equiparáveis aos do antigo regime44, mas não se tornaria mera figura decorativa. Então, no discurso de abertura da Constituinte, o Imperador reafirmou a enfática frase que proferira em sua cerimônia de coroação em 1° de dezembro de 1822: “com a minha espada defenderia a pátria, a nação e a Constituição, se fosse digna do Brasil e de mim”45. Mais tarde se descobriu o autor dessa frase: José Bonifácio46. Defender uma Constituição digna dele? Expressão intimidadora que, logo no início das atividades da Constituinte, levava à tona o problema da soberania e dos limites daquela Assembleia.
A realidade estava posta: tratava-se de uma Constituinte que não foi organizada após uma revolução, como a francesa. Foi chamada pelo próprio monarca, que ganhou grande prestígio ao promover a emancipação política, e agora se via sem força social para se impor em caso de contragosto real. Para os mais liberais, como José Antônio da Silva Maia, pairava no ar do ambiente a sensação de que a Constituição era delegada pelo monarca, que teria o poder de veto se, ao término, o texto lhe desagradasse: caso não lhe fosse digna47. E José Custódio Dias, aquele idílico liberal, percebia a contradição inerente à Assembleia de 1823: “O povo brasileiro tem posto em nós a sua confiança, e espera que façamos uma Constituição digna dele; mas eu me considero e a todos nós em críticas circunstâncias, logo que se suscita a questão se Sua Majestade Imperial merece mais amor ao público, e tem mais influência na opinião geral do que a Assembleia, pois em tal caso poderá ele dar uma Constituição, ou pelo meio da força descoberta, ou por qualquer maneira injusta”48.
Naturalmente, a noção de “povo brasileiro”, tantas vezes repetida pelos constituintes, requer contextualização. Ela compreendia as elites urbanas e rurais que almejavam a Independência, mas que se apavoravam com a hipótese de se repetirem acontecimentos similares aos ocorridos na França revolucionária e nas América Latina e Central49. Por isso, renunciavam a parcela de participação política no futuro Estado, aceitavam a monarquia e temiam a República, com a finalidade de terem a tranquilidade para seus negócios que a ordem traria. Espantavam qualquer fantasma da anarquia50, termo usado pelos deputados para falar de processos revolucionários ou reformistas mais audaciosos.
José Bonifácio, por exemplo, criticava a noção de liberdade que permeou as revoluções liberais na França, na Espanha e em Portugal, e os processos de Independência na América Latina. A liberdade, para ser boa, dizia ele, precisava ser duradoura, capaz de trazer a felicidade. Caso contrário, seria falsa liberdade, liberdade anárquica, que terminaria em terríveis desordens: “o povo do Brasil, Sr. Presidente, quer uma Constituição, mas não quer demagogia e anarquia [...]; a guerra terrível que eu poderia fazer, seria contra esses … ... mentecaptos revolucionários que andam, como em mercados públicos, apregoando a liberdade, esse balsamo da vida de que eles só se servem para indispor os incautos”51.O irmão Andrada Machado consentia: a “causa do Brasil é a mesma que a da monarquia constitucional, que só ela é quem nos pode segurar nas bordas do abismo das revoluções a que tendem a despenhar-nos loucos inovadores”52.
Se D. Pedro possuía pretensões centralizadoras, os deputados da Constituinte, excetuando aqueles liberais mais exaltados, também se beneficiavam dos serviços prestados pelo Imperador. Enxergavam-no como instrumento de seus interesses: seria o preço pelo medo da liberdade anárquica. Das poucas vezes que a palavra República foi pronunciada em sessão, houve burburinho e chamados à ordem. E veja só que muitos dos deputados constituintes se forjaram sujeitos políticos na revolução de 1817 ou na inconfidência de 178953. Mas, em 1823, a monarquia constitucionalista parecia bastar para a maioria ali reunida. República significaria revolução, disputa armada e prejuízos aos negócios54. Quem sabe se, para o pavor das elites, aboliriam a escravidão55? O ânimo antirrepublicano era tal que, quando Joaquim Manoel Carneiro da Cunha discursou afirmando que as Repúblicas seriam bem-sucedidas se as especificidades de um povo a permitissem, como foi o caso dos Estados Unidos da América, houve alvoroço. Diante dos protestos, precisou se emendar e afiançar que não desejava uma entre os brasileiros56, ou seja, disse que nossas características não seriam acolhedoras a uma República.
Com o desenrolar da Assembleia Constituinte de 1823, ficava claro como os interesses do Imperador e da elite política que se tornou hegemônica apontavam para um mesmo lugar.
3. Quem não tem Leviatã, caça com Argos!
Aquele discurso inaugural com que o Imperador iniciou os trabalhos da Constituinte chamava a atenção para a necessidade de uma Constituição executável e que conferisse “toda a força necessária ao poder executivo”57. Quando Constituições europeias, inspiradas em teorias jurídico-políticas “metafísicas”, alijaram os poderes constituídos na suposição de que, apenas com penadas e com o auxílio da razão, poderiam substituí-los por outros, o que se sucedeu teria sido a desordem, a guerra civil, a anarquia. O vácuo de poder não seria facilmente preenchível como supunham. O tempo e a tradição é que teriam força para sedimentar as instituições. As sonhadas Repúblicas europeias acabariam sendo despotismos democráticos. Advertências da história estariam dadas para que o Brasil não repetisse os mesmos erros do Velho Continente. Seria preciso uma Constituição adaptada à realidade brasileira, exequível, com Executivo forte e capaz de sufocar rebeliões populares que eclodiam no vasto território, apropriado para resolver, pela diplomacia ou pela espada, as disputas políticas entre as facções dominantes. A monarquia, mesmo que constitucional, seria a chave da resposta58. Esse é o sentido do fragmento do discurso de D. Pedro que segue:
Afinal uma Constituição, que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo, quer real, quer aristocrático, quer democrático, afugente a anarquia, e planta a árvore daquela liberdade, a cuja sombra deva crescer a união, tranquilidade, e Independência deste Império, que será o assombro do mundo novo e velho. Todas as Constituições, que à maneira das de 1791 e 92, têm estabelecido suas bases, e se têm querido organizar, a experiência nos tem mostrado, que são totalmente teoréticas e metafísicas e, por isso, inexequíveis; assim o prova a França, Hespanha, e, ultimamente, Portugal. Elas não têm feito, como deviam, a felicidade geral; mas sim, depois de uma licenciosa liberdade, vemos que em uns países já apareceu, e em outros ainda não tarda a aparecer, o despotismo em um, depois de ter sido exercitado por muitos, sendo consequência necessária ficarem os povos reduzidos à triste situação de presenciarem e sofrerem todos os horrores da anarquia.59
Essa parte do discurso, bem provavelmente, foi fruto do gênio de José Bonifácio60. Os três irmãos Andradas ganharam prestígio e certa liderança intelectual na Assembleia. Quando da eleição dos sete deputados que comporiam a comissão responsável por elaborar o projeto de Constituição, Andrada Machado alcançou 40 dos 52 votos; José Bonifácio, 16 dos 52, sendo ambos eleitos61. Andrada Machado, aliás, viria a ser presidente da comissão. O projeto apresentado em 1° de setembro de 1823, conhecido como Projeto Andrada Machado, tinha muito da influência desses dois irmãos. Por que não dizer, dadas as ligações dos Andradas com o Imperador, muito da influência do Imperador.
Mas como seria o modelo constitucional planejado pelos irmãos? José Custódio Dias, o paladino do liberalismo, facilitou a tarefa do historiador. Em certa ocasião, Dias acusara Andrada Machado de não ser liberal. A resposta dada é exemplar para revelar seus ideais políticos para a Constituinte. Ao citar Edmund Burke, tão conhecido por sua crítica ao processo revolucionário e constitucional francês62, Andrada Machado deixava clara sua adesão ao modelo constitucionalista inglês63. Acreditava, com Burke64, que a Assembleia não poderia tudo constituir, tampouco poderia destruir instituições arraigadas nas tradições políticas de um povo sem que isso implicasse uma forma de despotismo. Ademais, haveria lugar de destaque para o monarca no futuro Estado: “aí se sabe que sendo o monarca a chave que fecha a abobada social, é de certo modo superior a todos os outros poderes”65. Os poderes encabeçados pelo Imperador não se localizariam, para Andrada Machado, em relação horizontal face ao Legislativo e ao Judiciário. Na verdade, estariam um pouco acima e, ao mesmo tempo, seriam espécie de “graxa das três engrenagens”. A horizontalidade dos poderes no constitucionalismo republicano francês seria, para Andrada Machado, a razão de sua suposta desordem.
O pensamento político que inspirou Andrada Machado, nessa concepção de um monarca pairando sobre os demais poderes, tinha também muito da influência de Benjamin Constant, francês que tinha grande apreço pelo modelo constitucional inglês e que foi responsável por criar o conceito do Poder Real, um poder constitucional dito como neutro, distinto do Poder Executivo e personificado na figura do Rei, cuja função seria harmonizar os demais poderes. Para Constant, os conflitos políticos da Europa revolucionária residiriam em um “vício de quase todas as Constituições [que] foi não ter criado um poder neutro”66. Nota-se a influência direta da filosofia política de Constant sobre Andrada Machado, para quem a figura do monarca, além do Poder Executivo, teria também as prerrogativas do Poder Moderador: “[compete] ao monarca, não na qualidade de Poder Executivo, mas sim na de Poder Moderador, [...] evitar males [entre poderes]”, dizia Andrada Machado67.
Foi com base no Poder Real de Constant que a cultura jurídica brasileira cunhou o Poder Moderador, que, além de ser defendido na Assembleia de 1823 por Andrada Machado, também esteve presente em discursos de outros constituintes, cada qual, naturalmente, concebendo-o com modulações diversas. Veja-se como Benjamin Constant planejava a organização dos poderes para haver o desejado equilíbrio:
Identifico cinco, de natureza diversa, numa monarquia constitucional: 1º o poder real; 2° o poder executivo; 3° o poder representativo da duração; 4° o poder representativo da opinião pública; 5° o poder judiciário. O poder representativo da duração reside numa assembleia hereditária; o poder representativo da opinião pública, numa assembleia eletiva; o poder executivo é confiado aos ministros; o poder judiciário aos tribunais. Os dois primeiros fazem as leis, o terceiro encarrega-se da execução geral destas, o quarto aplica-os aos casos particulares. O poder real fica no meio, mas acima dos outros quatro, autoridade ao mesmo tempo superior e intermediária, sem interesse e sem comprometer o equilíbrio, tendo ao contrário todo interesse em mantê-lo. Sem dúvida, como os homens nem sempre obedecem a seu interesse, é preciso tomar a precaução de que o chefe de Estado não possa agir no lugar de outros poderes. É nisso que consiste a diferença entre a monarquia absoluta e a monarquia constitucional. Como é sempre útil sair das abstrações pela via dos fatos, citaremos a Constituição inglesa. Nenhuma lei pode ser elaborada sem o concurso da câmara hereditária e da câmara eletiva, nenhum ato pode ser executado sem a assinatura de um ministro, nenhum juízo pronunciado, salvo por tribunais independentes. Mas, quando essa preocupação é tomada, vejam como a Constituição inglesa emprega o poder real para pôr fim a qualquer luta perigosa e para restabelecer a harmonia entre os poderes. Se a ação do poder executivo é perigosa, o rei destitui os ministros. Se a ação da câmara hereditária se torna funesta, o rei lhe dá uma nova tendência, criando novos pares. Se a ação da câmara eletiva se anuncia ameaçadora, o rei faz uso do seu veto ou dissolve a câmara eletiva. Se, enfim, a própria ação do poder judiciário é desastrada, na medida em que aplica a ações individuais penas gerais demasiado severas, o rei tempera essa ação com seu direito de agraciar.68
Com a eleição dos Andradas para a comissão redatora do projeto, o liberalismo moderado havia se tornado hegemônico, alijando os discursos exaltados de José Custódio Dias e outros poucos deputados mais radicais. A divisão dos poderes inspirada no modelo de Constant estava engatilhada. Mas algo ocorreu para redirecionar um pouco o enredo histórico traçado até então: embora o redator tivesse se manifestado constantemente a favor da existência do Poder Moderador na futura Constituição, não o inseriu explicitamente como um capítulo de seu projeto69. A essa altura - 1° de setembro de 1823 -, os Andradas já não compunham a ala governista da Constituinte. Por motivos variados, que envolveram desde divergências políticas na condução de assuntos exteriores e intrigas forjadas entre os irmãos brasileiros e os membros portugueses da Corte até a personalidade vaidosa de José Bonifácio e os escândalos pessoais de D. Pedro com a Marquesa de Santos, Bonifácio foi demitido do Ministério do Reino e dos Negócios Estrangeiros em 15 de julho de 182370. Martim Francisco Ribeiro de Andrada pediu exoneração do governo no dia seguinte.
Mas o divórcio entre os Andradas e o Imperador teria repercutido sensivelmente no projeto de Constituição apresentado? A resposta de Barão Homem de Mello seria de que sim: Andrada Machado, uma vez rompido com o Imperador, teria abraçado a causa liberal, voltando atrás nos planos traçados no Paço Imperial, para deixar completamente de lado a intenção de inserir o Poder Moderador na Constituição. Porém, a falta de um liberalismo mais radical por parte dos irmãos era tanta que ainda se encontram, de forma diluída no projeto, quase todas as prerrogativas do Poder Moderador. A não existência de um capítulo específico para o Poder Moderador no projeto Andrada Machado não significa que este poder não estava presente. É possível perceber as atribuições moderadoras, por exemplo, incluídas nas funções do chefe do Executivo. Na configuração da divisão de poderes no projeto Andrada Machado, o rei continuava estando acima dos demais poderes71.
Como chefe do Executivo, o Imperador, de prerrogativa vitalícia e hereditária, seria imune à jurisdição (art. 139) e teria um conselho privado de sua livre nomeação e demissão (art.180ss.). Ele interferiria no Legislativo na medida em que lhe caberia nomear os senadores vitalícios a partir de lista tríplice confeccionada pela câmara (art. 100), poderia prorrogar e adiar a Assembleia Geral e promulgar as leis em seu nome (art. 142), e seria autorizado a sancionar ou vetar projetos de lei (art.112). Sua intervenção no Judiciário ocorreria por meio do instituto da graça72, extinguindo ou amenizando penas (art. 142). Ou seja, não importa a ausência de um capítulo específico para o Poder Moderador no projeto apresentado. Na divisão de Constant, essas prerrogativas são moderadoras, e não executivas. As continuidades entre os processos constitucionais de 1823 e 1824 ficam, assim, evidentes.
Mas a posição de destaque do Imperador, no modo proposto pelo projeto Andrada Machado, não foi suficiente para satisfazer aspirações centralizadoras de D. Pedro, nem do partido português. Quarenta anos mais tarde, a partir de relatos coletados com constituintes, José de Alencar dizia que “logo que foi conhecido o projeto, deviam de surgir nos espíritos moderados dúvidas sérias a respeito da futura Constituição”73. De fato, o Poder Moderador difuso no projeto possuía menos atribuições que as planejadas por Constant. Algumas das ausências seriam reprováveis para o filósofo francês, pois se tratariam de elementos centrais na tarefa de harmonização dos poderes. Não seria permitido ao Imperador brasileiro, por exemplo, dissolver a câmara eletiva. D. Pedro, leitor de Constant, certamente, estranhou a ausência. O projeto também previa que a presente Constituição e as suas posteriores alterações não precisariam de sanção imperial para entrarem em vigor (art. 121) e que, na presença do Imperador ou da Regência no recinto do Parlamento, não se poderia deliberar (art. 65).
Mas, dentro da Constituinte, havia quem estava disposto a aumentar a pujança do Poder Moderador: João Severiano Maciel da Costa, que, ausente das primeiras sessões, teve seu diploma aprovado em 2 de agosto de 182374. Maciel da Costa percebeu a ausência de direção governista na Assembleia após ruptura do Imperador com os irmãos Andradas e se alçou à posição. Em 23 de setembro, época em que exercia também função de presidente da Constituinte, Maciel da Costa proferiu as seguintes palavras em prol de um robusto Poder Moderador. Sua oratória, ávida por satisfazer os ouvidos do monarca, chegava a comparar as prerrogativas do Imperador ao Argos, figura mitológica de cem olhos75. Monstro mitológico judaico-cristão por monstro mitológico grego76: quem não tem Leviatã, se vira com Argos:
Sabemos todos que num governo constitucional, o supremo chefe, além do poder executivo para a simples execução das leis, tem o supremo poder moderador, em virtude do qual ele vigia como da atalaia sobre todo o Império; é a sentinela permanente, que não dorme, não descansa; é o Argos político, que com cem olhos tudo vigia, tudo observa, e não só vigia e observa, mas tudo toca, tudo move, tudo dirige, tudo concerta, tudo compõe, fazendo aquilo que a nação faria se pudesse.77
Era um Poder Moderador desse tipo, onisciente e onipotente, capaz de manter a ordem78, que o Imperador desejava79! Maciel da Costa, após esse mitológico discurso, se habilitou à posição de principal figura responsável pela confecção da futura Constituição de 1824. Convencido de que o poder constituinte residia em si mesmo, como era notório aos deputados menos metafísicos, D. Pedro, que convocou a Constituinte, se via no direito também de dissolvê-la, quando e como bem entendesse. E assim o fez em 12 de novembro: “Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar [...] e havendo esta Assembleia perjurado ao tão solene juramento, que prestou à Nação, de defender a integridade do Império, sua Independência, e a minha dinastia [...] [dissolvo] a mesma Assembleia, e convoco já uma outra”80. Muitos constituintes foram presos. A pena dos três irmãos Andradas foi de exílio.
Dissolvida a Constituinte, o Imperador convocou Conselho de Estado, que cuidaria também da confecção da Constituição81. Nesse processo, Maciel da Costa se destacou, vindo a assinar a Constituição. Ao projeto apresentado em 11 de dezembro de 1823, além dos clássicos três poderes, dessa vez, se incorporou expressamente o Poder Moderador, que, em reprodução literal de passagem de Benjamin Constant82, era denominado como a “chave de toda a organização política” (art. 98). Dizem que foi o próprio D. Pedro quem ditou a redação do artigo 9883. Em comparação ao projeto Andrada Machado, o Imperador ganhava na Constituição de 1824, sobretudo, o poder de dissolver a câmara dos deputados, de suspender os magistrados (art. 101), e de sancionar ou vetar as emendas à Constituição (art. 176)84 85.
4. Considerações Finais: o Brasil Império gozará uma Constituição digna dele!
D. Pedro não subjugou um liberalismo heroico da Assembleia Constituinte de 1823 ao dissolvê-la, como fez crer a historiografia fundada por Barão Homem de Mello. Essa tarefa já havia sido realizada no âmbito da própria Assembleia quando a atuação da bancada hegemônica, articulada em volta dos irmãos Andradas, podou pretensões de deputados mais radicais. Os limites reais ao poder de constituir tiveram manifestação decisiva. A Assembleia deveria manter instituições tradicionais, entre as quais a dinastia de Bragança: contradição de um poder constituinte sem poder para constituir. Dali em diante estaria selado o compromisso dos deputados com as pretensões centralizadoras de D. Pedro. E não se pode crer que não havia reciprocidade imperial. O objetivo da elite política era claro. Queria ter um poder central forte, que fosse capaz de frear as disputas oligárquicas e as revoltas populares. Assim, se resolviam os perigos da anarquia, que lhe tiravam o sono, mantendo a unidade nacional, a propriedade privada sobre o solo e o escravo, além estabelecer a paz necessária aos negócios.
O instrumento pensado na Constituinte de 1823 para alcançar esse objetivo foi o Poder Moderador. Fala-se, corretamente, que a Constituição do Império de 1824 buscou inspiração teórica no Poder Real arquitetado por Benjamin Constant. Mas o projeto Andrada Machado, de 1823, tinha a mesma influência e antecipou quase todas as prerrogativas moderadoras que viriam a estar presentes no texto outorgado de 1824, embora, em marca de descontinuidade, seja percebido um incremento do poder moderador na Constituição do Império. Mas as continuidades entre os processos constitucionais de 1823 e 1824 sobressaem mais que as rupturas, o que não admite creditar à Constituinte uma heroica aura liberal que, por ocasião do despotismo imperial, teria sido destituída. Já em 1823, se admitia um pacto constitucional que se desdizia, de garantias constitucionais flexibilizáveis pela ação do Poder Moderador. A Constituinte, antes, era preposta do Imperador e aceitava ceder direitos civis e políticos para fazer do poder imperial um instrumento para manutenção da ordem.
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-
3
A instrução n.° 57 do Reino, assinada pelo ministro José Bonifácio de Andrada e Silva em 19 de junho de 1822 para regulamentar a convocatória da Constituinte, excluiu o direito de voto para assalariados. Por razões óbvias, silenciou com relação ao voto da população escravizada (IMPERIO DO BRAZIL. Collecção das decisões do governo do Imperio do Brazil de 1822. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p. 43).
-
4
LIMA SOBRINHO, Barbosa. A ação da imprensa em torno da Constituinte. In: NOGUEIRA, Octaciano. A Constituinte de 1823. Brasília: Senado Federal, 1973, p. 7-77.
-
5
NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. A vida política. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; COSTA E SILVA, Alberto da (Org.). História do Brasil nação: crise colonial e Independência, 1808-1830. Editora Objetiva, 2011, p. 103.
-
6
Faço alusão à expressão de Sérgio Adorno (ADORNO, Sérgio. Aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 63).
-
7
MELLO, Francisco Inácio Marcondes Homem de. A Constituinte perante a história. In: NOGUEIRA, Octaciano. A Constituinte de 1823. Brasília: Senado Federal, 1973, p. 93.
-
8
Na historiografia recente, essa visão se mantém viva. Ver Paulo Bonavides e Paes de Andrade(BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 71).
-
9
MELLO, Francisco Inácio Marcondes Homem de Op. Cit., p. 90.
-
10
Ibidem, p. 100
-
11
Arno Wehling pesquisou a composição social da Constituinte (WEHLING, Arno. A Assembleia Constituinte de 1823 e o desenho de um novo modelo institucional para o país. In: BRASIL. Câmara dos Deputados et al. O Império em Brasília: 190 anos da Assembleia Constituinte de 1823. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, 2013, p. 24). Para observar a representação de cada província na Assembleia, ver Andréa Slemian (SLEMIAN, Andréa. Sob o Império das leis: constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822 - 1834). São Paulo: Hucitec, 2009, p. 79).
-
12
BARBOSA, Silvana Mota. A sphinge monárquica: o Poder Moderador e a política imperial. 2001. 414 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001.
-
13
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte. Annaes do Parlamento Brasileiro: Anno de 1823. Rio de Janeiro: Hyppolito José Pinto & Cia., 1876, t. I, p. 35.
-
14
Para uma teorização das emergências no direito contemporâneo, ver Massimo Meccarelli (MECCARELLI, Massimo. Regimes jurídicos de exceção e sistema penal: mudanças de paradigma entre idade moderna e contemporânea. In: DAL RI JÚNIOR, Arno (Org.); SONTAG, Ricardo (Org.). História do direito penal entre medievo e modernidade. Belo Horizonte: Del Rey, p. 87-110, 2011).
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15
Usei neste artigo categorias como “liberalismo radical ou heroico” e “liberalismo romântico ou moderado”. A primeira faz referência a processos revolucionários e a ideias políticas que pretendiam abolir qualquer tradição do antigo regime e refundar as instituições políticas a partir de atos de vontade revolucionários. A segunda se refere ao arrefecimento dessa postura mais radical, em que se passou a admitir composições com instituições tradicionais: “As fontes doutrinárias [da Constituinte] eram as do liberalismo e do constitucionalismo vigente. Um liberalismo que, repita-se, já entrava - embora mantendo seus supostos sociais e culturais - em outra fase, a das reconsiderações românticas. Os autores europeus mais lidos eram talvez ainda Rousseau e Montesquieu, mas agora outros, inclusive Filangieri e Benjamin Constant, traziam um caldo novo” (SALDANHA, Nelson. História das idéias políticas no Brasil. Recife: UFPE, 1968, p. 94). “A rigor, a Constituição brasileira [de 1824] é comparável e inspirada nas Constituições restauradoras, que tentaram afastar de si o perigo da soberania popular” (LOPES, José Reinaldo de. Iluminismo e jusnaturalismo no ideário dos juristas da primeira metade do século XIX. In: JANCSÓ, István (Org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 202).
-
16
LYNCH, Christian Edward Cyril. O discurso político monarquiano e a recepção do conceito de Poder Moderador no Brasil (1822-1824). DADOS - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 611-654, 2005; e SALDANHA, Nelson. A teoria do “Poder Moderador” e as origens do direito político brasileiro. Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, v. 18, p. 253-265, 1989.
-
17
ADORNO, Op. Cit., p. 46-63.
-
18
Inicialmente, estavam presentes cinquenta e dois deputados, mas outros mandatários tomaram assento com os trabalhos em andamento (IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, op. cit., t. I, p. 23). Para conferir mês a mês o comparecimento nas sessões da Constituinte, consultar José Honório Rodrigues (RODRIGUES, José Honório. A Assembléia Constituinte de 1823. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 29).
-
19
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 37.
-
20
Essa simbologia foi percebida também por Isabel Lustosa (LUSTOSA, Isabel. Criação, ação e dissolução da primeira Assembléia Constituinte brasileira: 1823. In: LUSTOSA, Isabel. As trapaças da sorte: ensaios de história política e de história cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2004, p. 65).
-
21
Para uma biografia de José Custódio Dias, consultar Caroline Barbosa (BARBOSA, Caroline Costa Pimentel. Um construtor do Estado imperial: a trajetória de José Custódio Dias na câmara dos deputados, 1823-1835. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seropédica, 2018).
-
22
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 28.
-
23
SOUSA, Otávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil: a vida de D. Pedro I. Brasília: Senado Federal, 2015, t. II, p. 485.
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24
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 26.
-
25
A expressão poder constituinte não foi usual na Constituinte de 1823, embora já fosse cunhada por Sieyès desde final do XVIII. Resolvi manter o termo para estabelecer a tradução da linguagem objeto pela metalinguagem da escrita historiográfica (COSTA, Pietro. Em busca dos textos jurídicos: quais textos para qual historiador? In: COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia. Curitiba: Juruá, p. 43-62, 2010; CHARTIER, Roger. A história entre narrativa e conhecimento. In: CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002, p. 81-100; PROST, Antonie. A história se escreve. In: PROST, Antonie. Doze lições sobre história. Belo Horizonte: Autêntica, 2020, p. 249 ss.).
-
26
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 36.
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27
Ibidem, t. I, p. 37.
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28
Ibidem, t. I, p. 65.
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29
Ibidem, t. I, p. 26.
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30
Ibidem, t. I, p. 52.
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31
Ibidem, t. I, p. 53.
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32
Tenho em mente liberais radicais, como Abade Sieyès: “Uma Constituição supõe, acima de tudo, um poder constituinte. Os poderes compreendidos na instituição pública estão todos submissos à lei, às regras, às formas, e não são senhores para mudar. Como eles não puderam constituir a si próprios, não podem alterar a Constituição; do mesmo modo, nada podem sobre a Constituição uns dos outros. O poder constituinte pode tudo nesse gênero. Ele não é Constituição uns dos outros. Ele não é antecipadamente submetido a uma Constituição dada. A nação, então, que exerce o maior, o mais importante dos seus poderes, deve ser, nessa função, livre de todos embaraço e de qualquer outra forma que não aquela que lhe convenha adotar” (SIEYÈS, Emmanuel Joseph. Exposição refletida dos direitos do homem e do cidadão. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008, p. 68). Também penso no contratualista francês Rousseau (ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 1999), e em Condorcet, em seu júbilo à destruição das instituições tradicionais do antigo regime: “Jamais um povo mais desprendido de todos os preconceitos, mais liberto do jugo de suas antigas instituições, ofereceu mais facilidade para seguir, na composição de suas leis, apenas os princípios gerais consagrados pela razão” (CONCORCET, Jean-Antoine. Escritos político-constitucionais. Campinas: Ed. Unicamp, 2013, p. 63).
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33
A adesão das províncias à Independência aconteceu aos poucos, ocorrendo, em algumas localidades, guerras civis. Iara Lis Carvalho Souza retratou pormenorizadamente esse processo de adesão à Independência (SOUZA, Iara Lis Carvalho. A adesão das câmaras. In: SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo, 1780 - 1831. São Paulo: UNESP, 1999). Mas já no início de 1823, como percebeu Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, surgia um espírito patriótico que se manifestava em composições de versos e hinos em homenagens à Independência e ao Imperador. Tinha-se, assim, um ambiente que contagiava a opinião pública a favor de D. Pedro (NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan/FAPERJ, p. 393).
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34
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 52.
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35
Ibidem, t. I, p. 136.
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36
Ibidem, t. I, p. 51.
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37
David Francisco Lopes Gomes também notou essa contradição (GOMES, David Francisco Lopes. A Constituição de 1824 e o problema da modernidade: o conceito moderno de Constituição, a história constitucional brasileira e a teoria da Constituição no Brasil. Tese [Doutorado em Direito] - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2016, p. 99).
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38
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 51.
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39
Nos anais da Constituinte, são frequentes as alusões às cortes de Lisboa de 1821, de onde os deputados que lá estiveram presentes retiravam respostas para problemas organizacionais da Constituinte. É importante lembrar que o Brasil também não possuía experiência parlamentar prévia.
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40
PORTUGAL. Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes reunidas em Lisboa no anno de 1821. Bases da Constituição da Monarquia portuguesa.
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41
PORTUGAL. Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes reunidas em Lisboa no anno de 1821. Constituição Politica da MonarchiaPortugueza. Lisboa: Imprensa Nacional, 1822.
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42
IMPERIO DO BRAZIL. Collecção das leis do Imperio do Brazil: Anno de 1822. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, t. II, p. 19.
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43
Para cronologia dos acontecimentos políticos que vão desde as Cortes de Lisboa até a Independência, conferir as seguintes obras (LYRA, Maria de Lourdes Viana. A utopia do poderoso Império. Portugal e Brasil: bastidores da política, 1798-1822. Rio de Janeiro: Sette Letras, p. 191-226, 1994; SLEMIAN, Andréa; PIMENTA, João Paulo G. O “nascimento político” do Brasil: origens do Estado e da nação (1808-1825). Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 73; COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República. São Paulo: Unesp, 2010, p. 49; PIMENTA, João Paulo. A Independência do Brasil e a experiência hispano-americana, 1808 - 1822. São Paulo: Hucitec, 2015, p. 388-460).
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44
Para uma exposição da configuração jurídica do antigo regime português, ver António Manuel Hespanha (HESPANHA, António Manuel. Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal - Séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994).
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45
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte. Annaes do Parlamento Brasileiro: Anno de 1823. Rio de Janeiro: Hyppolito José Pinto & Cia., 1876, t. I, p. 41.
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46
LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 159.
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47
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 51.
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48
Ibidem, t. I, p. 52.
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49
Os deputados da Constituinte manifestavam constantemente a preocupação de o Brasil seguir os rumos da América Espanhola (IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. cit, t. I, p. 53). Sobre os receios de um “haitianismo” no Brasil, ver trabalho de Marcos Vinícius Lustosa Queiroz (QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o atlântico negro: a experiência constitucional de 1823 diante da Revolução Haitiana. 2017. 200 f. Dissertação [Mestrado em Direito] - Universidade de Brasília. Brasília, 2017, p. 130).
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50
Cecília Helena Lorenzini de Salles Oliveira observou que, em 1825, José da Silva Lisboa foi indicado por D. Pedro para fazer um registro dos acontecimentos da Independência. Silva Lisboa, em seu escrito, chamava a atenção para o fato de que o Brasil se emancipou sem reproduzir eventos semelhantes ao terror francês. Possíveis interesses por detrás da narrativa de Silva Lisboa podem ser aventados devido ao fato de seu registro ter sido encomendado pelo Imperador, mas ela ainda assim não deixa de traduzir certa mentalidade de receio existente desde a Constituinte (OLIVEIRA, Cecília Helena Lorenzini de Salles. Repercussões da revolução: delineamento do império do Brasil, 1808/1831. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Org.). O Brasil imperial (1808 - 1831). Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 26 ss.). O argumento da anarquia, durante o segundo reinado, continuaria a movimentar as mentalidades, como se percebe nas palavras dos juristas Joaquim Rodrigues de Sousa, Paulino José Soares de Souza, Braz Florentino Henriques de Sousa, José Antônio Pimenta Bueno (SOUSA, Joaquim Rodrigues de. Analyse e commentario da Constituição Politica do Imperio do Brazil: São Luiz do Maranhão: B. de Mattos, 1867; SOUZA, Paulino José Soares de. Ensaios sobre o direito administrativo. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1862, v. 2, p. 38; SOUSA, Braz Florentino Henriques de. Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional contendo a analyse do Tit. V, Cap. 1 da Constituição Política do Brazil. Recife: Typographia Universal: 1864, p. 9-10; BUENO, José Antônio Pimenta. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do Imperio. Rio de janeiro: J. Villeneuve e C., 1857, p. 28). Avançando na Primeira República, o argumento é encontrado em escritos de Francisco José Oliveira Viana (VIANA, Francisco José de Oliveira. O idealismo da Constituição. Rio de Janeiro: Terra de Sol, 1927).
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51
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 52.
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52
Ibidem, t. I, p. 90.
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53
SOUSA, Otávio Tarquínio de, Op. Cit., t. II, p. 481.
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54
A “ideia de República ligava-se, por sua vez, ao conceito de igualdade de todos perante a lei, e essa era uma discussão que apavorava a mentalidade reformista por ser extremamente perigosa numa sociedade com quase metade da população constituída de escravos e com uma economia essencialmente baseada no trabalho compulsório. E, ainda, vivia-se um momento em que República lembrava muito a anarquia, a desordem, o terror revolucionário que conturbara a França a partir de 1789, principalmente entre 1792/1795, e, desde então, amedrontava os espíritos dos ‘amigos da ordem e do sossego público’, seja daqueles que habitavam na Europa, seja daqueles que viviam no Novo Mundo lusitano” (LYRA, Maria de Lourdes Viana, Op. Cit., p. 206).
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55
Trata-se, aqui, evidentemente, de uso retórico da generalização. O próprio José Bonifácio possuía planos de abolição gradual da escravidão (ANDRADA E SILVA, José Bonifácio. A abolição: reimpressão de um opúsculo raro, de José Bonifácio sobre a emancipação dos escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Lombaerts & Comp, 1884). Mas, como bem lembrou José Murilo de Carvalho, José Bonifácio escanteava os planos de abolição caso estivesse em risco a unidade do Império (CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, p. 42). Ver texto de Paulo Henrique Martinez para um estudo sobre os esforços do ministério dos Andradas em manter a unidade política após a Independência (MARTINEZ, Paulo Henrique. O ministério dos Andradas, 1822-1823. In: JANCSÓ, István (Org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 469-496). A questão da escravidão se tornou evidente quando os deputados constituintes tiveram de definir quem seriam os cidadãos brasileiros. Para um estudo dos posicionamentos que surgiram a respeito, ver trabalho de Andréia Firmino Alves (ALVES, Andréia Firmino. O Parlamento Brasileiro: 1823-1850. Debates sobre o tráfico de escravos e a escravidão. 2008. 173 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Brasília, Brasília, 2008).
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56
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 54.
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57
Ibidem, t. I, p. 41.
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58
Nesse sentido: “No campo político, contavam as elites locais com dois problemas fundamentais: manter a unidade política, de um lado, garantir a ordem social, de outro. É nesse sentido que o poder simbólico de um ‘rei’, acima das divergências particulares, acaba se impondo como saída” (SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998).
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59
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 42.
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60
Sigo a intuição de Otávio Tarquínio, para quem as partes mais burocráticas e administrativas do texto seriam de D. Pedro, enquanto as teóricas pertenceriam a Bonifácio (SOUSA, Otávio Tarquínio de, Op. Cit., t. II, p. 463).
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61
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 49.
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62
Edmund Burke, pensador do tipo que denomino liberal moderado, criticava os excessos da ilustração francesa, que arruinara os costumes jurídicos e as instituições tradicionais. Na defesa da monarquia constitucional inglesa, enfatizava seus fatores de equilíbrio, inexistentes, segundo ele, no constitucionalismo francês (BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução em França. Brasília: UnB, 1982) “Burke critica así la Revolución francesa precisamente em nombre de la constitución y de la garantía de los derechos. A sus ojos, la Asamblea constituyente francesa no era más que ‘una asociación voluntaria de hombres’, que en unas concretas circunstancias históricas se había adueñado de todo el espacio del poder público de normación, sin ningún fundamento constitucional, sin estar limitada por ‘ninguna ley constitucional’. De tal manera, esa asamblea, según Burke, había inaugurado una nueva forma de ‘despotismo’, que consistía precisamente en entender el proprio poder de normación como algo indefinido, potencialmente extendible sobre todo el espacio de las relaciones civiles. […] de tal manera que sus actos son sentidos no raramente como ‘arbitrarios’ en cuanto que contrastan con un ‘cierto modo de vida garantizado por las leyes existentes’, que esos mismos ciudadanos han establecido duraderamente en su experiencia práctica a través de una progresiva y razonable composición de la pluralidad de intereses agentes en el espacio de la sociedad” (FIORAVANTI, Maurizio. Constitución. De la antigüedad a nuestros días. Madrid: Trotta, 2001, p. 121). “O panfleto escrito em 1790 por Edmund Burke contra Price, Reflexões sobre a revolução na França, desencadeou, por sua vez, um frenesi de discussão em várias linguagens sobre os direitos do homem. Burke argumentava que o ‘novo império conquistador de luz e razão’ não podia propiciar um fundamento adequado para um governo bem-sucedido, que tinha de estar arraigado nas tradições duradouras de uma nação” (HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 134). Thomas Paine responderia Burke em Rights of man (PAINE, Thomas. Rights of man. London: J. M. Dent, 1954).
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63
Para historiografias jurídicas sobre os processos constitucionais modernos, ver Paolo Grossi, Maurizio Fioravanti, Pietro Costa, e Nelson Saldanha (GROSSI, Paolo. A history of European law. Chichester: Wiley-Blackwell, p. 64-96, 2010; FIORAVANTI, Maurizio. Los derechos fundamentales: apuntes de historia de las Constituciones. Madrid: Trotta, p. 55-96, 2009; COSTA, Pietro. O Estado de Direito: uma introdução histórica. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (Orgs.). O Estado de Direito. História, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006; SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, p. 49-92, 2000).
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64
Nelson Saldanha e Agenor de Roure também defendem a tese da predominância da influência inglesa no pensamento dos Andradas (SALDANHA, Nelson. História das idéias políticas no Brasil. Recife: UFPE, 1968, p. 93; ROURE, Agenor de. Formação constitucional do Brasil. Brasília: Senado Federal,2016, p. 103 ss.).
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65
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 35.
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66
CONSTANT, Benjamin. Escritos de política. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 205.
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67
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte, Op. Cit., t. I, p. 118.
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68
CONSTANT, Benjamin, Op. Cit., p. 19-20.
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69
A mudança de postura também chamou a atenção de Arno Wehling, Evaristo de Moraes Filho e Afonso Arinos de Melo Franco (FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Introdução. In: FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O constitucionalismo de D. Pedro I no Brasil e em Portugal. Brasília: Senado Federal, 2003, p. 25). “Por outro lado, causa alguma estranheza no projeto de Antonio Carlos a não inclusão do Poder Moderador. Não há dúvida de que conhecia os textos de Benjamin Constant, particularmente os Princípios de política aplicáveis a todos os governos, publicado em 1815, nos quais era sugerida essa fórmula” (WEHLING, Arno, Op. Cit., p. 31). “O Poder Moderador não se encontra ainda no projeto da Constituição […]. Mas - e é curioso frisá-lo - já o encontramos perfeitamente delineado nos pronunciamentos de Antônio Carlos (desde as primeiras sessões da Assembleia) e de Carneiro de Campos” (MORAES FILHO, Evaristo de. O constitucionalismo liberal no Brasil de 1823. R. Ci. pol. Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, 1972, p. 87).
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70
Para detalhamento de alguns acontecimentos que alimentaram os desentendimentos entre portugueses e brasileiros, ver Maria de Lourdes Viana Lyra e Otávio Tarquínio de Sousa (LYRA, Maria de Lourdes Viana. O Império em construção: Primeiro Reinado e Regências. São Paulo: Atual, 2020, p. 31 ss.; SOUSA, Otávio Tarquínio de, Op. Cit., t. II, p. 489).
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71
O projeto de Andrada Machado encontra-se reproduzido integralmente nos anais da Assembleia Constituinte (IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte. Annaes do Parlamento Brasileiro: Anno de 1823. Rio de Janeiro: Hyppolito José Pinto & Cia., 1880, t.V, p. 37 ss.).
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72
Para um estudo sobre a graça no Brasil Império, ver Artur Barrêtto de Almeida Costa (COSTA, Arthur Barrêtto de Almeida. Poder e punição através da clemência: o direito de graça entre direito penal e constitucional na cultura jurídica brasileira - 1824-1924. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 481, p. 355-304, 2019).
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73
ALENCAR, José de. A Constituinte Perante a História II. In: NOGUEIRA, Octaciano. A Constituinte de 1823. Brasília: Senado Federal: 1973, p. 118.
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74
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte. Annaes do Parlamento Brasileiro: Anno de 1823. Rio de Janeiro: Hyppolito José Pinto & Cia., 1879, t. IV, p. 11.
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75
BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula): histórias de deuses e heróis. Rio de janeiro: Ediouro, 2002, p. 39.
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76
O Leviatã de Hobbes é inspirado no monstro bíblico presente no livro de Jó (BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada - Ave Maria. São Paulo: Ave Maria, 2002, p. 655).
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77
IMPERIO DO BRAZIL. Assembléa Constituinte. Annaes do Parlamento Brasileiro: Anno de 1823. Rio de Janeiro: Hyppolito José Pinto & Cia., 1880, t. V, p. 208.
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78
“O liberalismo desenvolvido no Império não queria uma revolução, queria uma Constituição para a ordem burguesa, não para o povo; não queria excessos” (ALVES, Adamo Dias. Elementos bonapartistas no processo de constitucionalização brasileiro: Uma análise crítico-reflexiva da história constitucional brasileira de 1823 a 1945. Belo Horizonte: Conhecimento, 2018, p. 122).
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79
Célia N. Galvão Quirino chamou a atenção para o fato de que o constitucionalismo de 1824 inovou na formatação do Poder Moderador. Seria inconcebível para Constant a acumulação do Poder Real e do Poder Executivo pela mesma pessoa, como aqui ocorreu: o Executivo seria reservado aos ministros de Estado (QUIRINO, Célia N. Galvão. Introdução. In: CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. IX).
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80
IMPERIO DO BRAZIL. Collecção das leis do Imperio do Brazil: Anno de 1823. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, t. II, p. 85.
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81
RODRIGUES, José Honório. Prefácio. In: BRASIL. Segundo Conselho de Estado, 1823 - 1834. Atas do Conselho de Estado.
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82
CONSTANT, Benjamin, Op. Cit., p. 203.
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83
SOUSA, Otávio Tarquínio de, Op. Cit., t. II, p. 537.
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84
Para um estudo detalhado das funções do Poder Moderador na Constituição de 1824, ver Maria Fernanda Salcedo Repolês. (REPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo. Quem deve ser o guardião da Constituição? Do Poder Moderador ao Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008, p. 33-66). O Poder Moderador seria exportado para Portugal em 1826 (CANOTILHO, Joaquim Gomes. As Constituições. In: MATTOSO, José. História de Portugal: O liberalismo, 1807 - 1980. Lisboa: Estampa, 1993, v. 5, p. 155).
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85
Art. 142 ainda estabeleceu um leque maior que o previsto no projeto de 1823 de títulos de nobreza que o Imperador poderia conceder: um instrumento que rompia com concepções modernas de igualdade entre os cidadãos com o objetivo de conferir sustentação política ao Imperador entre as classes dominantes (FONSECA, Álvaro Monteiro Mariz. O “direito de nobreza” na cultura jurídico-política do Brasil imperial. Almanack, v. 27, p. 1-50, 2021).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
19 Set 2020 -
Aceito
03 Out 2021