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Tumba, templo e pirâmide: arquitetura e repatriação no Grande Museu Egípcio

Tomb, temple, and pyramid: architecture and repatriation at the Great Egyptian Museum

RESUMO

Este artigo analisa os projetos de arquitetura contemporânea referentes a novos museus e sua relação com a demanda pela repatriação de acervos museológicos. A metodologia baseia-se no estudo do projeto arquitetônico do Grande Museu Egípcio (GME) - ainda em fase de consolidação - em diálogo com as experiências do Museu da Acrópole, em Atenas, e do Museu Real do Benim. Localizado a cerca de dois quilômetros das Pirâmides de Gizé, o GME está sendo construído com padrões de excelência para acondicionar e expor suas coleções egiptológicas. Seu desenvolvimento foi fruto de uma competição internacional de arquitetura promovida pelo governo egípcio, que selecionou três projetos finalistas: Rizzi, Himmelblau e Peng. Entendemos que essas propostas podem ser interpretadas a partir de três figuras importantes que nortearam o desenvolvimento de formas arquitetônicas contemporâneas: a tumba, o templo e a pirâmide. Consideramos que o projeto do GME está vinculado ao processo de consolidação da estruturação museal egípcia, que pode se relacionar aos pedidos de repatriação (ou mesmo empréstimo) de acervos museológicos, empreendidos desde 2002 no país pelo arqueólogo egípcio Zahi Hawass. Acreditamos que o caso do GME, assim como os outros exemplos citados, contribui para desarticular o argumento da falta de condições para armazenamento e pesquisa dos acervos museológicos.

PALAVRAS-CHAVE:
Arquitetura contemporânea; Acervos museológicos; Grande Museu Egípcio; Repatriação

ABSTRACT

This article analyzes contemporary architecture projects for new museums and their relationship with the demand for the repatriation of museum collections. The methodology is based on the study of the architectural design of the Great Egyptian Museum (GEM) - still under development - in dialogue with the experiences of the Acropolis Museum, in Athens, and the Royal Museum of Benin. Located about two kilometers away from the Pyramids of Giza, the GEM is being built according to the international excellence standards to store and display its Egyptological collections. Its development was the result of an international architecture competition promoted by the Egyptian government, which selected three finalist projects: Rizzi, Himmelblau, and Peng. We understand that these proposals can be interpreted from three important figures that guided the development of contemporary architectural forms: the tomb, the temple, and the pyramid. We consider that the GEM project is linked to the consolidation process of the Egyptian museal structure, which may be related to the requests for repatriation (or even loan) of museum collections undertaken since 2002 in the country by the Egyptian archaeologist Zahi Hawass. We believe that the GEM project, like the other examples cited, contributes to dismantle the argument of the lack of conditions for storage and research of museum collections.

KEYWORDS:
Contemporary Architecture; Museum Collections; Great Egyptian Museum; Repatriation

INTRODUÇÃO

As discussões sobre os saques realizados em sítios arqueológicos ao redor do mundo e a destruição de monumentos antigos se tornaram progressivamente mais significativas ao longo do século XX. Na década de 1950, os processos de descolonização3 3 Mignolo (2011). e os movimentos de independência na África contribuíram para realçar o debate sobre o tráfico ilícito de bens culturais, ensejando ações internacionais em prol do fim da apropriação patrimonial. A crítica pós-colonial tem sido desenvolvida desde os anos 1960 mediante as contribuições de Albert Memmi, Franz Fanon e Stuart Hall, dentre outros autores. A demanda de grupos políticos e as transformações culturais do período concorreram para o desenvolvimento da perspectiva decolonial, dando fôlego à reivindicação pelo retorno de bens culturais anteriormente retirados de seus países de origem, o que levou ao questionamento de narrativas históricas institucionalizadas ao longo do tempo, que sustentam relações imperialistas e colonialistas entre diversas nações, mesmo após o fim de processos de emancipação política.

Em 1964 a Unesco criou um comitê de especialistas para elaborar recomendações para a “Convenção sobre Medidas a Serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação, Exportação e Transferência de Bens Culturais Ilícitos” (Paris, 1970), originalmente assinada por Bulgária, Equador e Nigéria. A convenção estabeleceu que “[...] todo Estado tem o dever de proteger o patrimônio constituído pelos bens culturais existentes em seu território contra os perigos de roubo, escavação clandestina e exportação ilícita”.4 4 Unesco (1970, p. 2). Atualmente ela é assinada por 140 países. Compreendendo a carência de legitimidade do patrimônio cultural removido de seus locais originais de maneira forçada, principalmente durante processos de ocupação territorial por forças estrangeiras, a convenção recomenda que equipes especializadas adotem medidas para coibir o tráfico ilícito de bens culturais, incluindo a necessidade de supervisão de escavações em sítios arqueológicos e a promoção da educação patrimonial.5 5 Ibid.

Assim, as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas (1973-1975) endossaram a restituição de obras artísticas a países vítimas de expropriação ilegal. No entanto, as recomendações da Unesco e da ONU conflitam com as sucessivas negativas de determinados países quanto a pedidos de devolução de bens culturais, o que demonstra a continuidade de relações colonialistas no sistema internacional. Em 1978 o Comitê Intergovernamental para a Promoção da Devolução de Bens Culturais para seus Países de Origem ou sua Restituição (ICRCP) foi criado visando encorajar o retorno de objetos culturais apropriados ilicitamente. A 22ª Conferência Geral sobre o Retorno de Artefatos Culturais, sediada em Belgrado e realizada em 1980, pode ser considerada uma importante discussão internacional sobre os parâmetros adequados para guiar processos de repatriação de acervos. Na década seguinte, em 1995, a Convenção do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit) defendeu a devolução dos objetos roubados. A Unesco também publicou o Código Internacional de Ética para Negociantes de Bens Culturais, que se tornou uma referência para a disputa de antiguidades.

Os debates sobre a repatriação de coleções ganharam novo ímpeto na década de 1990, ocasião em que a abordagem decolonial passou por um processo de fortalecimento, buscando consolidar identidades nacionais por meio da ressignificação das ideologias dominantes encapsuladas nesses territórios. Em tais casos, os processos de formação das narrativas nacionais comumente enfrentam o problema da ausência de artefatos que legitimem esse discurso. Assim, a questão cultural se torna uma premissa fundamental para garantir a emancipação de relações imperialistas, visando criar ambientes favoráveis para a identificação individual de culturas nacionais.

Nesse contexto, as solicitações pela restituição ou a repatriação de objetos culturais manifestam-se como um dos efeitos dos processos de decolonização e contribuem para reconfigurar as identidades nacionais.6 6 O debate sobre a repatriação de bens culturais engloba diferentes áreas de estudos e há anos vem recebendo atenção internacional, com pesquisas recentes no Brasil, dentre as quais destacamos os trabalhos de Borges e Botelho (2010), Burke (2010), Ferreira (2009), e Costa (2019, 2020). Vale destacar que os termos “restituição” e “repatriação” são, muitas vezes, utilizados como sinônimos, embora o uso de um ou outro dependa da bibliografia de referência consultada. Para o historiador inglês Peter Burke, é preciso considerar os dois lados da questão sobre a devolução dos bens culturais, embora ele defenda que a segurança e o acesso ao público devam ser as premissas fundamentais. Dentre os casos bem-sucedidos de repatriação, podemos destacar a devolução das tábuas cuneiformes do Museu Semítico da Universidade Harvard/Oriental Institute of Chicago para o Museu Nacional de Bagdá; o retorno da estátua de Vênus de Cyrène à Líbia; o retorno ao Peru de objetos retirados de Machu Picchu no início do século XX, dentre outros exemplos.

O tema da repatriação de acervos envolve controvérsias e interesses conflitantes, sobretudo devido aos processos de globalização econômica e aos incentivos ao turismo cultural. Burke, apesar de admitir que frequentemente a expressão “coleções adquiridas” se refira a objetos angariados ilicitamente, defende que estas podem ser consideradas parte da cultura global e, portanto, devem permanecer nos locais onde estão.7 7 Burke (2010). Entretanto, esse posicionamento contraria as noções de identidade e pertencimento cultural mobilizadas pelos países que solicitam a repatriação de bens culturais. Desse modo, o discurso da universalidade associada ao patrimônio é tomado como justificativa para a manutenção do status quo.

O historiador Ciro Cardoso apontou as dificuldades enfrentadas para reverter processos nos quais países que assumiam um status semicolonial até meados do século XX, tais como a Grécia e o Egito, se mostravam desestruturados a ponto de serem incapazes de impedir saques e escavações ilegais.8 8 Egito... (2011). Como resultado, importantes objetos arqueológicos foram incorporados a coleções privadas estrangeiras, por meios legais ou não. Com a crescente institucionalização dessas coleções e sua abertura ao público, surgem os primeiros museus no final do século XVII. Em acréscimo, instituições que abrigam importantes coleções egípcias frequentemente são consideradas renomados centros de pesquisa arqueológica, ensino e restauração de objetos. Inclusive, alguns desses museus protagonizaram em seu território o desenvolvimento de programas de pesquisa e preservação de monumentos em perigo, como o Egito, assumindo um papel importante na realização de escavações arqueológicas. Conforme Ivan Coelho de Sá, “[...] o argumento europeu da preservação é forte e só pode ser contestado na mesma altura, ou seja, o Egito tem que oferecer as mesmas condições de conservação para os acervos que são reivindicados”.9 9 Ibid.

Diante do exposto, destaca-se o investimento na arquitetura contemporânea de museus, dotada de alta capacidade tecnológica e simbólica. Esta pode ser considerada uma estratégia fundamental para consolidar os processos de formação das identidades nacionais no século XXI, pois busca ampliar a participação nas redes de turismo internacional por meio da recuperação do passado arqueológico de determinadas nações paralelamente à modernização de suas infraestruturas, atestando a capacidade de conservação e exibição de acervos museais segundo padrões internacionais. Não obstante, a concepção de arquiteturas museais inseridas nesse contexto frequentemente é acompanhada de processos de ampla visibilidade midiática, fomentada pela realização de concursos internacionais de arquitetura.

Nesse sentido, este artigo desenvolve a hipótese de que a arquitetura museal pode ser compreendida como um importante argumento para a repatriação de bens culturais, uma vez que permite o reposicionamento de determinados países no contexto internacional contemporâneo - ainda que a efetivação da repatriação em si não seja o objetivo único para a implementação de modernas instalações museológicas por parte desses países, como veremos por meio dos exemplos analisados. Como metodologia, adotou-se a análise de projetos arquitetônicos, complementada pelo levantamento de informações em periódicos e revistas especializadas em arquitetura e em notícias veiculadas pela imprensa. Tais fontes foram selecionadas para análise por revelarem informações documentais sobre o tema proposto,10 10 Cf. Lapuente (2016). evidenciando etapas importantes do desenvolvimento de projetos arquitetônicos que, até o momento, permanecem em fase de construção.

A ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA DE MUSEUS E A REPATRIAÇÃO

O projeto do Grande Museu Egípcio (GME) emerge num contexto de consolidação da crítica arquitetônica à criação de megaestruturas associadas a usos culturais, o que com frequência demanda altos investimentos financeiros que, por vezes, se desenrolam em lentos processos construtivos, pautados por estouros orçamentários altamente suscetíveis aos impactos de crises econômicas globais. O planejamento estratégico do território e a aproximação das cidades aos processos de espetacularização urbana voltados para os temas da “cidade evento”, “cidade negócio ou “cidade ocasional”11 11 Arantes, Vainer e Maricato (2013) e Sperling (2005). frequentemente buscam fomentar o turismo global e associam-se à criação de museus espetaculares que assumem o papel de edifícios-âncora para a execução de projetos de renovação urbanística do território. Esses projetos catalisam a realização de grandes negócios imobiliários, muitas vezes associados a demolições especulativas e ao desalojamento de populações economicamente menos favorecidas. Sendo assim, a abordagem formalista frequentemente associada à arquitetura museal tornou-se um problema real a partir de meados do século XX, com a criação de projetos que desenvolvem uma linguagem autorreferencial. Os processos de espetacularização da arquitetura museal buscam conectar o imaginário da cultura de massas à instituição, estimulando o interesse pela visitação. A indeterminação do programa arquitetônico e a ênfase na noção de “envelope” permitem criar certo grau de indeterminação para os usos do edifício.

A cultura contemporânea internacional opera segundo a lógica de identificação de certos símbolos globais. A difusão de imagens arquitetônicas excepcionais contribuiu para a compreensão tecnológica e midiática vinculada a grande parte das intervenções contemporâneas. A proliferação de programas arquitetônicos voltados para o lazer, recreação e entretenimento estimularam a necessidade de ocupação do tempo livre, consolidada na sociedade pós-industrial. Logo, observa-se a complexificação e dinamização dos programas arquitetônicos de museus, que passaram a incluir cafeterias, restaurantes, estúdios, salas de concerto, lojas, livrarias e outros espaços que assumem características multifuncionais. Por outro lado, é interessante considerar a mobilização de grandes incentivos governamentais e privados para a construção de museus como estratégias voltadas para a afirmação identitária das nações. Nesse sentido, é importante inserir a discussão mobilizada pela construção do GME em um contexto mais amplo, considerando outras experiências recentes de relevância internacional, como o Museu da Acrópole de Atenas e o Museu Real do Benin, ambos exemplares da realização de projetos internacionais de arquitetura contemporânea e implicados na demanda pela repatriação de acervos museológicos.

MUSEU DA ACRÓPOLE DE ATENAS, GRÉCIA

O Museu da Acrópole de Atenas, projetado pelos arquitetos Bernard Tschumi e Michalis Photiadis (1999-2009), é um importante caso de arquitetura contemporânea de museus mobilizada como argumento para repatriar coleções. Tschumi tornou-se um arquiteto internacionalmente conhecido pelo papel importante assumido na conformação das vertentes arquitetônicas pós-estruturalistas, sobretudo após a construção do parque La Villette (Paris, 1987), cuja aproximação desafia os limites da arquitetura enquanto campo disciplinar ao incorporar conceitos artístico-filosóficos. O projeto se associou a pedidos de repatriação dos mármores do Parthenon, edifício paradigmático para a história da arquitetura clássica.

Como sabemos, entre 1801 e 1805 aproximadamente metade dos mármores foram removidos de seus locais originais a partir da iniciativa de Thomas Bruce, conhecido também como Lorde Elgin.12 12 Lord Elgin era o embaixador britânico do Império Otomano. Atualmente, o termo “elginismo” está presente em alguns dicionários em inglês e francês, e se refere tanto ao ato de “vandalismo cultural” quanto à “[...] retirada de partes de monumentos arquitetônicos para transformá-los em coleções” (LAGE, 2016 apud PIRES, 2018, p. 36). A coleção, que incluía uma cariátide e outras peças extraídas da Acrópole, foi adquirida pelo Museu Britânico em 1816 e desde o ano seguinte é exibida em Londres. Contudo, para remover os mármores foi necessária a destruição de partes intactas do edifício, o que contribuiu para acelerar seu processo de degradação.13 13 Cf. Lage (2016). Sucessivos saques também colaboraram para a distribuição de partes do Parthenon em diversos museus ao redor do mundo, incluindo o Museu do Louvre, na França.

As polêmicas sobre a retirada dos mármores do Parthenon se devem sobretudo à existência de um firman (“ordem”)14 14 Cf. Sales (2002). assinado pelo soberano do Império Otomano, em 1801, autorizando Lord Elgin a remover não apenas os mármores do Parthenon, mas também outras esculturas presentes na Acrópole. Segundo alguns autores, essa autorização foi obtida mediante pagamento de propina. Ao que parece, a permissão apenas autorizava a remoção de esculturas encontradas sobre o solo, e não de artefatos retirados diretamente do templo.15 15 Cf. Burke (2010). Além disso, o documento original se extraviou, permanecendo apenas uma tradução duvidosa para o idioma italiano, adquirida pelo Museu Britânico em 2006.16 16 Cf. Forssmann (2017).

Apesar de já existir um pequeno museu próximo à Acrópole, aberto em 1865, que abrigava algumas esculturas, a principal justificativa alegada pelo Museu Britânico para recusar a devolução dos mármores era que “[...] a Grécia não possuía espaços adequados para receber as coleções”.17 17 Cf. Procópio e Neres (2014, p. 7). Segundo os autores, “[...] em 1975, a proposta para a construção de um novo museu da Acrópole incorporou a ideia de recuperar os mármores do Parthenon”.18 18 Ibid., p. 6. Dessa forma, em 1976, 1979 e 1989 foram realizadas três competições para escolher o design do museu. As duas primeiras foram canceladas, apesar da inexistência de clara justificativa. A terceira também foi suspensa devido à descoberta de ruínas arqueológicas no local da construção.

Naquele período, a ministra da Cultura da Grécia, Melina Mercouri,19 19 Atualmente a Fundação Melina Mercouri desenvolve ações de apoio ao Museu da Acrópole para reunificar as coleções do Parthenon. solicitou ao Museu Britânico e a outras instituições europeias a devolução das esculturas. Em 1983 o governo grego realizou um pedido oficial de permanente repatriação das esculturas do Parthenon, que foi publicamente rejeitado pelo Museu Britânico. Em 1985 o então diretor do museu, David Wilson, declarou que a Grécia era um “país de terceiro mundo”, o que a tornava incapaz de conservar e exibir a coleção.20 20 Cf. Kynourgiopoulou (2011). Ocorreu, então, outro concurso de arquitetura em 2000, vencido pelos arquitetos Tschumi e Photiadis. A proximidade com o Parthenon21 21 O Parthenon é um edifício construído entre os anos de 447 e 438 a.C., constituindo-se como o único templo octastilo peripteral da Grécia Antiga. Projetado por Ictinus, Calícrates e Fídias, o grandioso monumento dedicava-se à deusa Atena, patrona da cidade (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2016). era um desafio a ser enfrentado pelo projeto, que deveria ser apto de reunificar a coleção de mármores e de incorporar as ruínas arqueológicas presentes no sítio.

A abordagem arquitetônica desenvolvida por Tschumi rejeita os conceitos de totalidade, unicidade e funcionalidade da arquitetura, propondo a reflexão sobre o processo do design arquitetônico. Em 1994 Tschumi publicou o livro Event Cities, que indica a importância de realizar croquis, textos curtos, diagramas e desenhos técnicos para criar o conceito arquitetônico. Entre 2000 e 2004 a terceira edição do livro, que continha o projeto do Museu da Acrópole de Atenas, foi introduzida pelo texto “Concept vs. Context vs. Content”, segundo o qual a arquitetura se define e se diferencia das construções ordinárias a partir de relações estabelecidas entre conceito, contexto e conteúdo.22 22 Cf. Procópio e Neres, op. cit.

O raciocínio projetual desenvolvido para o Museu da Acrópole de Atenas pretendeu conceitualizar o contexto, dividindo o edifício em três volumes principais: o subterrâneo, no qual se exibem as escavações arqueológicas; o térreo, responsável pela disposição de coleções do período Arcaico; e o superior, onde os mármores do Parthenon representam o período Clássico. A rotação de 23° em relação ao resto do edifício permite que o espaço principal do museu esteja orientado paralelamente ao Parthenon, propiciando a conexão visual com a Acrópole. Como alguns autores pontuam, “o percurso museal culmina de modo excitante no terceiro pavimento, que constitui um prazer autêntico para os sentidos e para o entendimento do Parthenon”23 23 Montaner (2016, p. 73-74). , como observamos na Figura 1. No caminho descendente, o visitante pode observar coleções dos períodos pós-clássico e romano.

Figura 1
Museu da Acrópole de Atenas. Implantação e diagramas. Reprodução: Creative Commons.

A narrativa cronológica adotada pelo museu é didática e acessível ao público. A construção do Museu da Acrópole garantiria a infraestrutura tecnológica adequada para a segurança, proteção e estudo profundo das coleções, podendo ser considerada um argumento em prol do “[...] retorno das esculturas do Parthenon, agora que Atenas tem um lugar adequado para sua preservação”.24 24 Egito..., op. cit. Conforme assinalam alguns autores, “[...] o novo museu foi construído para abrigar e reunir todos os mármores, estabelecendo-se como um dos melhores museus do mundo”.25 25 Lage, op. cit., p. 67-68. Os dispositivos expográficos reproduzem as relações proporcionais com os sítios arqueológicos reais dos quais os objetos foram extraídos e empregam a chamada “expografia da ausência”, com espaços vazios que indicam a falta dos objetos que não estão contemplados na exposição, especialmente daqueles exibidos em coleções estrangeiras (Figura 2).

Figura 2
Recurso expográfico utilizado pelo Museu da Acrópole para marcar a ausência das esculturas. Reprodução: Creative Commons.

Em 2005 foi criado o Comitê Internacional para a Reunificação das Esculturas do Parthenon, que culminou no alinhamento de vários países para discuti a situação dos mármores, defendendo as solicitações de repatriação. Durante a construção do Museu da Acrópole aconteceram diversas campanhas internacionais pedindo pelo retorno de coleções, mas sem sucesso. Em 2012 ocorreu a mobilização “I am Greek and I Want to go Home”, e em 2014 foi realizada a campanha “Return, Restore, Restart”.26 26 Cf. Kotseli (2012) e Return, restore, restart... (2014).

No entanto, nem mesmo o empréstimo dos objetos para coleções temporárias foi concedido pelo Museu Britânico. A principal justificativa se centrava na fragilidade da coleção e em sua impossibilidade de realizar deslocamentos. Em 2014, porém, um dos mármores exibidos no museu foi emprestado para o Hermitage Museum, o que levou ao questionamento da justificativa previamente apresentada.27 27 Cf. Pires, op. cit. Em 2015, apesar de a Unesco ter se oferecido para mediar a questão, o Museu Britânico seguiu negando os pedidos realizados por iniciativa grega. O argumento mobilizado pelo Museu Britânico privilegia o caráter universalista do conhecimento, defendendo a permanência dos museus enciclopédicos, dedicados às práticas colecionistas que se ocupam da história de diferentes povos, conformando um “misto de práticas científicas associadas a práticas coloniais”.28 28 Maciel e Abreu (2019, p. 11). De acordo com o diretor do Museu Britânico, Hartwig Fischer, existe uma diferença significativa entre as narrativas museais presentes no Museu da Acrópole e no Museu Britânico:

O Museu [Britânico] conta a história de feitos culturais de todo o mundo [...] e as esculturas do Parthenon são uma parte importante dessa história. O Museu da Acrópole permite apreciar as esculturas do Parthenon encontradas em Atenas, aproximadamente 50% do que resta da Antiguidade. As esculturas expostas em Londres, que representam 30% do projeto original, são importantes amostras da antiga cultura ateniense no contexto da história mundial. Todos os anos, são admirados gratuitamente por milhões de pessoas e acreditamos que os museus que exibem ao mundo toda a história da Humanidade são de grande utilidade pública.29 29 Forssmann, op. cit.

Sem dúvida a construção do Museu da Acrópole de Atenas dotou a Grécia de infraestrutura museológica alinhada aos padrões internacionais, garantindo adequadas condições de exibição, armazenamento e conservação dos acervos originários em seu território, além de assegurar a conexão visual entre os mármores e o próprio Parthenon, ampliando a capacidade de significação simbólico-temporal ao congregar passado e presente. Entretanto, até o momento, a construção desse novo museu ainda não resultou no empréstimo ou no retorno dos artefatos, apesar de ter causado significativa mudança no discurso institucional. Como o website do Museu Britânico pontua, “nossos colegas de Atenas estão, é claro, plenamente aptos para conservar, preservar e exibir o material sob sua custódia”. Nesse caso, observa-se que a arquitetura contemporânea atuou como um importante argumento para balizar as discussões sobre a repatriação dos acervos atenienses.

MUSEU REAL DO BENIM, NIGÉRIA

Outro caso de relevância internacional sobre a relação entre a arquitetura contemporânea de museus e a repatriação de acervos é o Novo Museu Real do Benim, previsto para ser inaugurado em 2021. A questão da repatriação dos bronzes do Benim, datados do século XVI, assume centralidade nos debates contemporâneos sobre o tema. No século XIX, durante a expedição militar britânica à África, muitos objetos foram saqueados do Palácio Real do Benim e tomados como despojos de guerra. Esses artefatos foram distribuídos em diferentes museus na Alemanha, na Holanda, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Nigéria.30 30 Cf. Costa (2020). O Museu Britânico é o detentor de cerca de novecentos objetos.31 31 Cf. Lundén (2016). Apesar de não ter sido realizada uma solicitação formal de repatriação, a Corte Real do Benin realizou pedidos públicos de devolução das coleções. Desde 2010 está em atuação um grupo de trabalho chamado The Benin Dialogue Group, que reúne “[...] representantes da Nigéria e de alguns museus europeus para reforçar ações colaborativas que viabilizem o empréstimo e a rotação de obras de arte”.32 32 Costa, (2020, p. 203). Além do empréstimo das obras, o grupo também objetiva o retorno de alguns artefatos após a sua inauguração.

Neste caso, o próprio Museu Britânico tomou parte nos esforços para criar “[...] uma instituição de elite para abrigar artefatos considerados entre os melhores objetos de arte Africana”.33 33 Monks (2018). Segundo o Museu Britânico, a instituição está focada na “[...] reunificação dos objetos artísticos do Benin presentes em coleções internacionais, assim como na investigação e apresentação de histórias ampliadas por eles representadas”. Nesse sentido, o príncipe Gregory Akenzua - da família real do Benim - afirmou estar “[...] feliz com os progressos obtidos a partir dos esforços para dar à nossa população a oportunidade de acesso a nosso patrimônio que foi saqueado”.34 34 Keener (2018).

O projeto arquitetônico do Museu Real do Benin foi desenhado por David Adjaye, arquiteto nascido na Tanzânia, cujos estúdios atualmente estão sediados em Gana, Londres e Nova York. Adjaye se tornou mundialmente conhecido sobretudo a partir do Smithsonian National Museum of African American History and Culture (2016), localizado em Washington, DC, nos Estados Unidos. O novo Museu Real do Benin pretende mobilizar a arqueologia como objeto de conexão com a paisagem do entorno. Segundo o arquiteto, é crítico lidar “[...] com os impactos do colonialismo sobre as culturas da África. Essa é uma questão central que o continente precisa discutir consigo próprio, sobre sua história e a destruição estrutural que aconteceu com os processos colonialistas”.35 35 Marshall (2020). Nesse sentido, o design arquitetônico incorpora o regionalismo crítico a partir do retorno às raízes construtivas locais, com o objetivo de recusar a imitação de estilos arquitetônicos antigos ou importados.36 36 Cf. Tietz (2008).

A perspectiva do regionalismo crítico favorece o respeito ao meio ambiente, o uso de materiais locais e a adoção de sistemas e controle dos resíduos da construção. Como Lefaivre e Tzonis sinalizam, tal abordagem se relaciona ao uso de técnicas modernistas que incorporam elementos da tradição construtiva local ao evocarem formas e esquemas de composição espacial sob uma perspectiva familiar, valorizando as especificidades da paisagem local.37 37 Lefaivre e Tzonis (2013). O projeto arquitetônico de Adjaye apresenta aspectos de abstração, universalização e diferenciação da arquitetura regional. Os materiais e as cores de acabamento escolhidos para a fachada dialogam com a aridez da paisagem. É possível perceber certa intenção de desconstruir o universalismo modernista a partir dos valores localmente cultivados, que buscam assumir um papel importante para reconstruir a identidade nacional. Nesse sentido, a conexão entre o desejo de repatriação dos acervos e a construção da arquitetura contemporânea de museus parece reforçar as perspectivas abertas pela descolonização.

O GRANDE MUSEU EGÍPCIO: ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA E REPATRIAÇÃO DE ACERVOS

O Egito passou por um processo de ocupação francesa a partir do final do século XVIII e de ocupação inglesa durante o século XIX. Esses eventos contribuíram para a dispersão das coleções arqueológicas egípcias em diferentes museus ao redor do mundo, especialmente o Museu Britânico, o Museu do Louvre e o Museu Egípcio de Turim, na Itália.38 38 Costa (2019). As solicitações de repatriação das antiguidades egípcias ganharam notoriedade a partir da atuação de Zahi Hawass, pesquisador acadêmico egípcio que tornou-se diretor do complexo das pirâmides de Giza e Saqqara, em 1987, e assumiu o cargo de secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades - atualmente Ministério do Estado das Antiguidades - durante o governo de Hosni Mubarak (1981-2011).39 39 Zahi Hawass se graduou em egiptologia na Universidade do Cairo (1978); fez mestrado em egiptologia e arquitetura sírio-palestina (1983); e doutorado em egiptologia (1987), ambos na Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos). Hawass colaborou para a promoção midiática da cultura egípcia em nível internacional por meio do incentivo à produção de documentários transmitidos por diferentes canais televisivos, como o programa Chasing Mummies.40 40 Costa (2019).

O Discovery Channel, importante conglomerado de mídia norte-americano, tornou-se um grande financiador da pesquisa arqueológica ao redor do mundo, buscando tópicos de “[...] interesse universal, mas apelo local”.41 41 Bonalume Neto (2004). Com essa finalidade, o Discovery Quest foi criado para financiar trabalhos científicos e pesquisas acadêmicas, como a produção do documentário Nefertiti Revelada (2003), a partir de recursos do canal. A parceria estabelecida entre o Ministério do Turismo e a rede Discovery também foi responsável pelo lançamento de uma campanha global voltada para promover o próprio GME (2019).

Zahi Hawass também estabeleceu conexões com outros conglomerados estadunidenses, como a Arts and Exhibitions International, que lançou a grife de roupas Zahi Hawass; além do Exhibit Merchandising, que vende réplicas do chapéu do arqueólogo.42 42 Cf. Taylor (2011). A promoção midiática da cultura egípcia antiga é uma ação importante para impulsionar o turismo cultural e mobilizar investimentos para a realização de escavações arqueológicas. O tema da repatriação tornou-se um ponto importante para as estratégias de Hawass. No entanto, a dificuldade das negociações e as sucessivas negativas recebidas pelo Egito a suas solicitações incorporaram os argumentos da fragilidade das peças para sua transferência; a relação das populações locais com o seu patrimônio; a instabilidade política no Egito; e a falta de estrutura para abrigar e cuidar das coleções. Em debate promovido pela Oxford Union (2016), o argumento sobre a falta de infraestrutura dos museus egípcios foi refutado por Hawass, que apontou os investimentos em modernização e construção de novos equipamentos culturais.43 43 O Egito está investindo em novos projetos museográficos para modernizar as suas instalações. Além da construção de novos museus, como o Grande Museu Egípcio, instituições mais antigas estão passando por obras de melhoria e aquisição de novos equipamentos para assegurar a conservação adequada dos acervos museológicos.

Em 2010 a cidade do Cairo sediou o evento “Cooperação Internacional para a Proteção e Repatriação do Patrimônio Cultural”, envolvendo diversos países mobilizados pela devolução de bens históricos. Essa reunião resultou na redação de um documento que expressou a ideia de pertencimento do patrimônio cultural a seu país de origem, ideia essa que não deveria expirar ou prescrever. Nessa ocasião, os países tiveram a oportunidade de apresentar listas dos principais objetos que gostariam que fossem repatriados (wish list) e o Egito manifestou o interesse pelo retorno do Busto de Nefertiti, da Pedra de Rosetta, da Estátua de Hemiunu, do Busto de Ankhaf, da Estátua de Ramsés II sentado e do Zodíaco de Dendera, conforme apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Objetos que compõem a lista de desejos do Egito para repatriação.

Tanto a autenticidade quanto a unicidade foram consideradas valores atribuídos ao patrimônio cultural intimamente associados aos contextos culturais originais dos objetos. Até o momento, nenhuma das obras foi devolvida ou liberada para empréstimo para a inauguração do GME, embora em 2010 fosse afirmado que a estátua de Hemiunu, que se encontra na Alemanha, seria emprestada ao Egito para a inauguração do novo museu, prevista, à época, para 2013.44 44 Cf. Egypt... (2010). Apesar dos esforços para fortalecer a estrutura do patrimônio egípcio, simbolizado pela construção do GME, outros argumentos foram mobilizados para manter a recusa a pedidos de devolução de coleções.

Zahi Hawass desenvolveu ações de consolidação e expansão do sistema museal egípcio, sinalizando que “[...] nas décadas recentes, a arqueologia no Egito tem se trasladado da era de exploração e explotação para uma nova era de conservação, preservação e educação”.45 45 Hawass, (2005) apudUnesco (2005, p. 8). De acordo com suas propostas, os museus egípcios seriam organizados em cinco categorias: museus de civilizações regionais, museus locais, museus especializados, museus dedicados às culturas greco-romanas, cópticas e islâmicas e três grandes museus situados no Cairo: o Museu Nacional da Civilização (Fustat), o Museu Egípcio (Praça Tahrir) e o Grande Museu Egípcio, próximo ao complexo das Pirâmides de Gizé46 46 Cf. Unesco, op. cit. (Quadro 2). Além de sua contribuição para a estruturação do campo museal egípcio, Hawass também atuou em prol da regulamentação dos trabalhos arqueológicos realizados por missões estrangeiras, no treinamento de técnicos e especialistas egípcios na área e, sobretudo, na criação de um planejamento integrado para museus e monumentos. As estratégias organizacionais e infraestruturais voltadas para garantir a salvaguarda e proteção do patrimônio egípcio assumiram papel importante no contexto da realização de pedidos de repatriação de antiguidades extraídas ilegalmente do território egípcio, em colaboração com organizações internacionais como a Unesco, a Interpol e o FBI.

Quadro 2
Ações tomadas por Zahi Hawass para a estruturação museal do Egito.

A arquitetura contemporânea no Egito tem dialogado com o conceito de “cosmopolitanismo decolonial”, ou seja, a coexistência entre estética arquitetônica contemporânea e a recuperação de simbolismos relacionados aos chamados “faraonismo”, “islamismo” ou “arabismo”. Essa perspectiva pode ser considerada uma síntese entre as ideias de nacionalismo, relativismo, universalismo e etnicismo, Esse conceito parte das experiências vinculadas ao pós-modernismo dos anos 1970, propondo estratégias para conformar identidades híbridas voltadas para a construção de uma imagem cosmopolita do Cairo. Com efeito, as concepções arquitetônicas podem incorporar esquemas que integram concomitantemente elementos locais e globais. Esse processo - relacionado à transnacionalização do Cairo e à privatização econômica - refere-se à ideia de que decolonização e cosmopolitismo são duas facetas inseparáveis da prática da arquitetura egípcia no século XXI.

Tais processos começaram a tomar forma nos anos 1990, propondo um diálogo entre o design arquitetônico e a perspectiva decolonial, estabelecendo um contraponto à percepção colonial hegemônica. Para El-Ashmouni, as tendências arquitetônicas observadas nesse período concentravam-se em propostas que simulavam aspectos históricos, tais como os edifícios The Supreme Court of Egypt, Oriental Weavers’ Heliopolis Headquarters e Faisal Bank. As propostas arquitetônicas também podem ser baseadas em impulsos pessoais, a exemplo do Ministério das Finanças e do Departamento Fiscal. Outra tendência importante delineada pelo autor é a criação de projetos que buscam recuperar a essência cultural e ambiental, com a reintrodução de técnicas tradicionais e ações conservativas voltadas para a restauração de bens culturais. Além disso, é possível vislumbrar a heterogeneidade da arquitetura que surgiu nesse período, buscando se opor aos estilos dominantes impostos durante o passado colonial pela adoção de linguagens relacionadas à arquitetura contemporânea.

Esse conjunto de ações demonstra a capacidade do Egito de receber, preservar e exibir adequadamente as suas coleções históricas. Ademais, destaca-se a estratégia de distribuição dos equipamentos culturais por todo o território egípcio, apesar da maior concentração de museus na região metropolitana do Cairo. Do ponto de vista arquitetônico, observa-se uma grande heterogeneidade nos edifícios museais em questão: intervenções no patrimônio histórico edificado, como o Museu Egípcio na praça Tahrir; arquiteturas que assumem traços racionalistas, a exemplo do Museu Imhotep; projetos que se aproximam do tema do regionalismo crítico, como o Museu Aswan e o Siwa Site Museum; e até mesmo vertentes que dialogam com o populismo arquitetônico, tais como o Merenptah Museum. Claramente o GME se distingue do conjunto apresentado não apenas por sua escala monumental, mas também pela adoção de linguagem estética contemporânea que enfatiza o seu atributo de imageabilidade, ou seja, “[...] característica, num objeto físico, que lhe confere alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado”.47 47 Lynch (1988, p. 11).

Considerado como uma intervenção-âncora no contexto de revitalização monumental do sistema museal egípcio, o GME seria “o maior e mais visitado museu do mundo pertencente a uma única civilização, contribuindo para o posicionamento do Egito como uma destinação turística de primeira classe e um centro de cultura global”.48 48 The Grand... (2020). O museu está sendo implantado numa zona expandida, incluindo as zonas de Hassana Dome, Plateau of the Pyramids e os sítios arqueológicos de Saqqara, Abu Rawash e Abu Sir. O desenvolvimento de um estudo prévio de viabilidade definiu critérios para evitar a excessiva proximidade do museu em relação ao platô das pirâmides, apesar da articulação visual entre os complexos. O projeto está de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor para o Desenvolvimento da Região do Grande Cairo (1989), que intencionava criar um cinturão verde dedicado a usos culturais, recreativos e turísticos. Confirmado pelo Ministério da Cultura (1991), o Plano Diretor pontua como principais objetivos “[...] remediar a negativa percepção da opinião pública no que diz respeito às cidades satélites, incentivando sua relocação a essas cidades”.49 49 Moneim, Shafik e Mansour (2004).

O CONCURSO INTERNACIONAL PARA O PROJETO DO GRANDE MUSEU EGÍPCIO

O GME pode ser considerado uma obra verdadeiramente “faraônica”, inserida numa área de mais de 100 mil m2 próxima às Pirâmides de Gizé, incorporando uma área interna de cerca de 90 mil m2, da qual 45% funcionam como áreas expositivas. Em janeiro de 2001 o Ministério Egípcio da Cultura promoveu uma competição internacional de arquitetura, supervisionada pela Unesco e pela União Internacional dos Arquitetos (UIA). O novo museu pretende exibir cerca de 150 mil itens, permitindo a visualização de coleções que o Museu Egípcio do Cairo não tinha infraestrutura suficiente para exibir. Segundo Zahi Hawass, até o momento cerca de 30% dos tesouros arqueológicos do Egito foram encontrados,50 50 Cf. Pereira (2019). o que aponta para o potencial do novo museu em receber acervos advindos de futuras escavações. O GME exibirá um notável acervo de obras pré-históricas do período greco-romano e mais de 5 mil itens do tesouro de Tutankhamon, do qual 60% por cento nunca foi exibido ao público:

A criação do GME é uma das construções mais ambiciosas realizadas no Egito. Pretende abrigar atividades de conservação, pesquisa científica e arqueológica dedicadas à Egiptologia e Arqueologia Egípcia. Além disso, o GME pretende ser o maior museu do mundo dedicado à história e civilização egípcia antiga, constituindo-se como um exemplar da interação e intercâmbio cultural estabelecidos com o mundo, passado e presente. Localizado próximo às pirâmides de Gizé, o GME é capaz de conectar, simbolicamente, o passado do Egito com seu futuro.51 51 Bassir (2013, p. 6).

O material que fundamentou a elaboração das propostas arquitetônicas foi um grande livro sobre a história da civilização egípcia antiga.52 52 Cf. Vigliecca e Quel (2020). O programa arquitetônico incluiu áreas de exposição permanentes e temporárias, auditório, centro de pesquisa, galerias virtuais, laboratórios, espaços de lazer, cafeterias, lojas, estacionamentos, centro de arte e artesanato dedicado a programas educacionais e workshops. O maior destaque do projeto é o centro de conservação, tecnologicamente equipado com laboratórios para o desenvolvimento de ações de restauração, conservação e armazenamento de coleções arqueológicas. O terreno doado pelo exército egípcio ao museu tinha desnível de 50 m e, segundo o presidente do Conselho Supremo de Antiguidades, Farouk Hosny, “[...] o museu precisaria dialogar com as Grandes Pirâmides de Gizé”.53 53 Grosser (c2021).

Uma das diretrizes projetuais solicitava que a proposta deveria ser construída a partir de técnicas construtivas locais. De acordo com alguns arquitetos que participaram da competição, “[...] eles não queriam que o projeto dependesse de sofisticadas tecnologias europeias”.54 54 Vigliecca e Quel, op. cit. Dessa forma, a arquitetura deveria criar soluções que se adequassem tanto à exposição de monumentos de larga escala quanto a objetos diminutos, como anéis e pequenas esculturas. Dadas as dimensões do projeto, não seria possível visitá-lo integralmente em apenas um dia. Assim, o edital solicitou o desenvolvimento da abordagem hipertextual tecnológica para possibilitar que o visitante transitasse por diversos caminhos dentro do museu de acordo com os seus interesses.

O primeiro estágio do concurso consistiu na elaboração de uma proposta conceitual. Em agosto de 2002 mais de 1.500 propostas foram submetidas por arquitetos de todo o mundo, incluindo participantes de grande prestígio internacional que sequer foram selecionados ou premiados, tais como Alsop Architects, Arata Isozaki, Carlo Aymonino, Eric Owen, Future System, Hans Hollein, MVRDV, Riedijk Architeten e Zaha Hadid.55 55 Cf. The International... (2003). Em outubro de 2000, vinte projetos foram selecionados para a segunda fase e os vencedores foram anunciados apenas em maio de 2003: três primeiros lugares e sete menções honrosas.56 56 Também receberam menções honrosas os seguintes escritórios de arquitetura: Manuel Rocha de Aires Mateus (Portugal), Hector Vigliecca (Brasil), Ruben Verdi (Itália), Michael Zimmermann (Alemanha), Fernando Pardo Calvo (Espanha), Nuno Morais Monteiro (Portugal) e Martin Roubik (República Tcheca). O júri responsável por escolher esses projetos era composto por dois egiptólogos, um museólogo e seis arquitetos.57 57 Os seguintes arquitetos compuseram o júri: Abada Galal (Egito), Gae Aulenti (Itália), Jong Soung Kiim (Coreia do Sul), Salah Zaki Said (Egito) e Ana Maria Zahariade (Romênia). Os egiptólogos foram: Sergio Donadoni (Itália) e Gaballa Gaballa (Egito). A museóloga foi Françoise Cachin (França). Para o escopo deste trabalho, analisaremos os três projetos vencedores do concurso: Renato Rizzi e Massimo Scolari (Itália, terceiro lugar), Coop Himmelblau (Áustria, segundo lugar) e Heneghan Peng (Irlanda, vencedor). De acordo com os apontamentos do júri:

O projeto selecionado deve atender às expectativas da cultura e tradição egípcia, e da preocupação universal como um todo. [...] Qualquer que seja o interesse arquitetônico geral dos projetos apresentados, o caráter representativo do futuro edifício e seu significado foram os critérios prevalecentes nas duas fases da competição.58 58 The Grand... (2003).

Buscando interpretar o caráter representativo que a arquitetura assume no contexto de consolidação das identidades nacionais na era da globalização, analisaremos as propostas mais bem selecionadas no concurso internacional, considerando a importância da obra não construída como referência histórica,59 59 Cf. Oba (2015). ao refletir importantes aspectos sobre o modo de pensar arquitetura em contextos específicos e os critérios que justificam a seleção de determinados projetos em detrimento de outros, fundamental quando da execução de concursos. No caso do GME, os três projetos desenvolvem referenciais simbólicos da cultura egípcia antiga - a tumba, o templo e a pirâmide - assumindo contornos situados entre história, tecnologia, monumentalidade e contemporaneidade.

A TUMBA: RENATO RIZZI E MASSIMO SCOLARI (ITÁLIA)

Para compreender o projeto de Rizzi e Scolari, é importante retomar o pensamento de Aldo Rossi em seu texto originalmente publicado em 1966, L’architettura della CittàROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001.. Para o autor, a cidade se torna inteligível a partir da repetição de componentes elementares que lhe conferem significado.60 60 Cf. Nesbitt (2013). Sua obra pode ser considerada uma investigação sistemática dos princípios elementares da história da arquitetura, em contraposição às teorias funcionalistas. Rossi reverte a premissa básica da arquitetura moderna ao afirmar que “a função segue a forma”. Para ele, a definição formal prevalece na arquitetura e privilegia seu uso. O conceito de tipologia, entendido como repositório da memória coletiva, pode ser considerado a essência da arquitetura. Por essa razão, justificam-se tentativas de retorno a formas simples, o gosto pela monumentalidade e a alusão a imagens históricas, para as quais a memória coletiva atribui sentido. O pensamento analógico pode ser considerado uma forma interessante de retomar o interesse pela memória coletiva, de modo que o contexto determina o significado arquitetônico.

Apesar de incorporar formas progressivamente mais coloridas e menos abstratas, a obra construída por Rossi parte da investigação de tipos elementares e da análise histórica do lugar, de modo que a arquitetura pode ser pensada como uma síntese simbólica de múltiplas referências. Como Kruft assinala,61 61 Kruft (2016). Aldo Rossi se tornou uma importante referência para o desenvolvimento da arquitetura contemporânea italiana. Nesse sentido, os arquitetos Renato Rizzi e Massimo Scolari incorporaram aspectos da teoria de Rossi, também dialogando com o filósofo Emanuele Severino e com o arquiteto Peter Eisenman, para quem o contexto revela significados imprevisíveis para o projeto. Nele, observamos o projeto do GME, no qual os arquitetos desenvolveram um raciocínio figurativo partindo do arquétipo da tumba egípcia - que se tornou comum, sobretudo durante o Reino Novo (1550-1070 a.C.), com a difusão de câmaras mortuárias incrustadas nas encostas das montanhas, utilizando a topografia como estratégia defensiva.62 62 Cf. Mumford (2004).

A arquitetura proposta por Rizzi e Scolari necessita da capacidade de reconhecimento de oposições, da apreensão das singularidades do lugar e do aproveitamento de oportunidades proporcionadas pelo sítio de implantação, pretendendo “[...] dialogar, mas não dominar o contexto”.63 63 Rizzi (2005). Assume centralidade a noção de figura, considerada uma “[...] configuração cujo significado é dado pela cultura, presumindo-se ou não que esse sentido seja baseado na natureza”.64 64 Colquhoun (2008, p. 90). A arquitetura é capaz de dialogar com as especificidades históricas do contexto, buscando expandir suas próprias capacidades de significação por meio da criação de um espaço contemporâneo. Como os arquitetos sugeriram, “a figura principal deriva do T, da planta das tumbas sobre as quais o templo foi erguido”.65 65 Rizzi, op. cit. Os significados simbólicos da arquitetura são ampliados pela noção de escavação, no que diz respeito à comparação entre “cronológico e eterno”.66 66 Ibid.

A figura da máquina óptica, que cria a possibilidade “[...] de olhar para dentro com a precisão de um microscópio e de olhar para fora com o poder de um telescópio”,67 67 Ibid. é outro conceito importante para o projeto. Ainda, a noção de “irreconciliável positivo” sugere o contraponto estabelecido entre deserto e cidade, ou seja, “o mundo do sagrado divino” em contraponto ao “mundo material niilista”.68 68 Ibid. Essa fratura justifica o programa decorativo projetado para o edifício. Para além da referência histórico-figurativa e da mobilização da estética do desaparecimento, a inserção do projeto no platô claramente sinaliza a imposição de uma forma exógena à topografia e às condições naturais do terreno. Dessa maneira, nos remetemos à arquitetura esculpida na montanha, característica tradicional na cultura egípcia antiga, como se observa no Grande Templo de Ramsés II, em Abu Simbel (c. 1279-1213 a.C.).

O TEMPLO: COOP HIMMELBLAU(L) AU, WOLF D. PRIX, HELMUT SWICZINSKY (ÁUSTRIA)

O escritório de arquitetura austríaco Wolf D. Prix & Partner é considerado um dos criadores do desconstrutivismo, tendo participado da exposição “Arquitetura Desconstrutivista”, realizada no MoMA em 1988. Essa abordagem examina os fundamentos do pensamento arquitetônico e assume que signo e significado nunca coincidem. Por esse motivo, a metodologia de projeto adotada parte da decomposição dos elementos arquitetônicos, buscando sua compreensão visceral. A ênfase no processo rejeita as noções de síntese ou totalidade.69 69 Cf. Nesbitt, op. cit. Afastando-se do tema da arquitetura do lugar, os experimentos espaciais desenvolvem conceitos abstratos e geométricos que muitas vezes estão associados ao projeto de arquitetura de eventos. Desse modo, a arquitetura pode ser entendida como “[...] uma parte do século XXI, como arte que reflete e espelha a variedade e vivacidade”. Os principais museus projetados pelo escritório são o Akron Art Museum (Ohio, 2007), o Musée des Confluences (Lyon, 2010-2014) e o Museum of Contemporary Art & Planning Exhibition (Shenzhen, 2016). Para o GME, Himmelblau pretendia criar um processo de comunicação entre forma, função e conteúdo. Com efeito, o museu subterrâneo é composto por uma cobertura em forma de cone e outra de pedra preta. Um dos aspectos distintivos desse projeto é a criação de um sistema tecnológico para produzir energia aproveitando o calor do deserto.

Essa proposta assume um caráter de contemporaneidade mais acentuado em relação ao anterior, adaptando-se ao desnível ao mesmo tempo em que propõe um volume espetacular que se dissolve na paisagem. O projeto pode ser analisado a partir da decomposição volumétrica de conhecidos monumentos da cultura egípcia antiga, propondo-se como um prolongamento da borda do platô - como exemplo, podemos citar o templo mortuário da Rainha Hatshepsut em Deir el-Bahri (c. 1473-1458 a.C.). A fachada de conexão recorda formalmente a volumetria do Templo do Vale de Quéfren (c. 2500 a.C.), o único ainda preservado; o volume orgânico inserido no centro do projeto remonta às formas orgânicas da Esfinge de Gizé, representação antropozoomórfica composta por uma cabeça humana e um corpo de leão. Os volumes menores situados externamente ao volume principal fazem alusão às mastabas, cemitérios distribuídos com rigor geométrico em torno do complexo das pirâmides. Pode-se observar que a arquitetura contemporânea decompõe elementarmente volumes, proporções e ritmos provenientes da arquitetura egípcia antiga, de um modo bastante sutil que se relaciona às condições de seu sítio de implantação.

A PIRÂMIDE: HENEGHAN PENG (IRLANDA)

O projeto vencedor do concurso foi elaborado pelo escritório irlandês Heneghan Peng, liderado pelo arquiteto chinês Shih-Fu Peng, internacionalmente conhecido por sua experiência internacional em concursos de arquitetura e projetos culturais, como o Canadian Canoe Museum (Ontario) e o Lilienthal Flight Museum (Anklam). Conforme explica o arquiteto, o GME “[...] usa a diferença de nível para construir uma nova borda para o planalto, uma superfície definida por um véu de pedra translúcida que se transforma do dia para a noite”. Por essa razão, é importante retomar os conceitos de transparência literal e fenomenal propostos por Colin Rowe e Robert Slutzky (1985). A transparência literal, comumente mobilizada pela arquitetura moderna, utiliza o vidro como elemento que permite a passagem da luz, associando essa propriedade física às noções de clareza e verdade. Por outro lado, a transparência fenomenal é um conceito associado à ambiguidade presente em elementos translúcidos, comumente utilizados pela arquitetura contemporânea, que não permitem uma visão nítida dos interiores arquitetônicos, constituindo-se como um atributo relacionado à aparência dos edifícios.

O “véu de pedra” que mobiliza o conceito de translucidez no projeto do GME pode ser associado ao tema da transparência fenomenal, e a ambiguidade garantida pelo invólucro arquitetônico cria interesse pela entrada do visitante, apesar de não revelar explicitamente os interiores do museu. A pedra, por sua vez, retoma o uso tradicional desse material como garantia de vida eterna. A cor do invólucro externo dialoga com a paisagem desértica do Saara (Figura 3). Para além da translucidez, os significados atribuídos à fachada do edifício adquirem maior grau de complexificação ao criarem uma abordagem contemporânea do simbolismo da pirâmide, arquétipo incorporado pela cultura egípcia cuja pureza geométrica representa a ascensão à eternidade.70 70 Cf. Beqraj (2019).

Figura 3
Grande Museu Egípcio visto das pirâmides de Gizé. Acervo das autoras.

Como sabemos, a pirâmide egípcia de base quadrangular é um prisma composto a partir de quatro formas triangulares que na cultura egípcia antiga simbolizam a figura divina. O triângulo é comumente associado à representação da estrela síria, responsável pela canalização dos raios de sol para apoiar os tradicionais processos de mumificação, além de ser frequentemente encontrado na decoração de túmulos e corredores funerários. Por sua vez, o significado do quadrado está associado à terra e à perfeição, considerando a equidade de seus lados.

O número três é recorrente no Egito Antigo, ordenando espacialmente as próprias Pirâmides de Gizé. A implementação do projeto de Peng incorpora, de maneira multifacetada, os significados simbólicos atribuídos ao triângulo, que organizam a composição formal da fachada e a cobertura do edifício. Na verdade, todo o envelope arquitetônico compreende um conjunto complexo de transparências e reflexos do estilhaçamento da forma piramidal em faces triangulares (Figura 4). O desenho da fachada apresenta uma multiplicidade de triângulos, orientados ora com a ponta voltada para cima (símbolo da ascensão), ora com a ponta voltada para baixo (representando o caos).

Figura 4
Detalhe: fachada lateral do Grande Museu Egípcio. Acervo das autoras.

A disposição de nichos piramidais ao longo da fachada, em linguagem contemporânea, retoma a pureza geométrica do volume tradicional. Incorporar o tema da pirâmide71 71 A associação entre a forma da pirâmide e o espaço museal possui como exemplo paradigmático a intervenção no Museu do Louvre projetada pelo arquiteto chinês I. M. Pei na década de 1980 (ARANTES, 2015). No GME, porém, o volume prismático da pirâmide não é incorporado de forma pura como no projeto de I. M. Pei, mas estilhaçado em elementos que compõem a fachada. na fachada externa, de alguma maneira, recupera a capacidade monumental de representação da arquitetura como símbolo de poder. Por meio da utilização de um símbolo tradicional, observa-se o interesse renovado pelo uso de formas puras que demonstram, no entanto, a abordagem tecnológica esperada pelo projeto. No interior, a circulação estrutura-se em torno de um pátio de entrada sombreado, seguido de uma grande escadaria que chega ao cume do percurso: o enquadramento da vista para o complexo de Gizé (Figura 5).

Figura 5
Detalhe: fachada lateral do Grande Museu Egípcio e enquadramento das pirâmides. Acervo das autoras.

A contemplação das pirâmides pode ser considerada o principal elemento narrativo para o qual a visita museal converge. Não casualmente, o mirante com vista para o Platô de Giza está contido numa forma quadrada (que simboliza a perfeição) e, nesse ponto, os revestimentos de fachada adotados são literalmente transparentes, retomando o tema moderno da verdade dos materiais. Embora o invólucro do edifício seja ambíguo, translúcido e multifacetado; a vista para as pirâmides é clara, límpida e transparente, revelando o conjunto arquitetônico como o magistral patrimônio enquadrado pelo GME.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto do GME pode ser considerado uma âncora para um conjunto de ações ampliadas voltadas para a estruturação museológica e patrimonial do Egito, empreendidas desde a década de 1990 com o objetivo de contribuir para resgatar a identidade nacional egípcia de modo a incentivar o turismo cultural e consolidar a imagem internacional do país. A perspectiva decolonial pode ser vislumbrada não apenas a partir da série de pedidos de repatriação empreendida pelo Egito desde então, mas também pela relação estabelecida com projetos de arquitetura contemporânea que buscam associar processos de geometrização de formas tradicionais à criação de soluções tecnológicas que transmitam a monumentalidade do edifício, vinculando a identidade nacional à cultura global. Esse fenômeno pode ser observado não apenas no GME, mas também no Museu da Acrópole de Atenas e no Museu Real do Benim.

Em ambos os casos, a arquitetura contemporânea de museus assumiu papel fundamental para as disputas de narrativas patrimoniais dos países, servindo como argumento importante para a afirmação da capacidade infraestrutural de armazenamento, preservação e exibição, o que justificaria os pedidos de repatriação de acervos. A realização dos projetos por arquitetos internacionalmente conhecidos, porém, não implica a associação do decolonialismo a estilos ou vertentes arquitetônicas específicas, apesar de todos os projetos analisados abordarem o tema da contemporaneidade da intervenção. A proposição desses projetos parece extremamente vinculada ao contexto local, de maneira que a arquitetura valorize e enalteça aspectos da cultura tradicional.

Essa perspectiva pode ser acentuada pela conexão entre arquitetura e design expográfico. Em Atenas, a utilização de um recurso como a expografia da ausência chama a atenção para a problemática do retorno dos mármores do Parthenon ao país. No Benim, o contexto emergente sinaliza desfechos de maior colaboração internacional para a reconstrução da memória nacional a partir da devolução ou do empréstimo de coleções saqueadas que serão abrigadas por um projeto de arquitetura contemporânea de museu. No Egito, embora a questão da repatriação de acervos seja um ponto importante para a afirmação da disputa decolonial, a perspectiva de incorporação de acervos nunca mostrados ao público anteriormente desloca a disputa pelo retorno de objetos expatriados para outro patamar de relevância. No caso egípcio, a ausência de determinados acervos expatriados tem sido tratada por meio da museografia tecnológica, adotando estratégias como a criação de avatares e modelos virtuais de objetos exibidos em territórios estrangeiros.

Nos casos da Grécia e do Egito, a realização de concursos internacionais de arquitetura e a escolha de prestigiados arquitetos estrangeiros demonstra a demanda cosmopolita associada a esses projetos, que se ancoram em linguagens plástico-formais de caráter relativamente abstrato, apesar de incorporarem variáveis contextuais em sua elaboração - sobretudo a presença da Acrópole e das Pirâmides de Gizé. O volume superior do Museu da Acrópole foi rotacionado de modo a dialogar com o posicionamento do Parthenon. A planta do GME se desenvolve em forma triangular, valorizando a vista para o conjunto arquitetônico. A presença das pirâmides, porém, é incorporada literalmente na composição da fachada e da volumetria do museu, contribuindo para a conformação de uma estética ambígua, associada ao conceito de translucidez. Em ambos os museus, porém, o vislumbre dos conjuntos monumentais é apresentado ao público a partir do uso de vidro transparente, aludindo aos conceitos de clareza e verdade. Na Nigéria, todavia, a inexistência de uma condicionante arquitetônica tão impactante quanto o Parthenon e as Pirâmides de Gizé pode ter contribuído para a necessidade de a arquitetura contemporânea incorporar, mais fortemente, elementos vinculados ao regionalismo crítico, associada à própria escolha de um arquiteto negro e africano de prestígio internacional para a realização do projeto.

Diferentemente dos casos grego e nigeriano - que apresentam infraestrutura de alta qualidade técnica, mas em menor escala - é importante considerar a monumentalidade e a ampliação programática incorporada pelo GME, reforçando suas pretensões de garantir impacto em nível global. Sua área interna equivale a quase cinco Museus da Acrópole e a quase dois Museus do Louvre.72 72 A área interna do Museu da Acrópole de Atenas é de cerca de 20 mil m2. A área interna do Louvre, após a ampliação de I. M. Pei, é de cerca de 50 mil m2. O GME ocupa uma área interna de aproximadamente 90 mil m2 (baseado em informações disponíveis no website do Museu da Acrópole de Atenas e do GME. A arquitetura de proporções colossais pretende se consolidar como um evento de grande importância midiática, visando servir como base de uma nova fase para o turismo cultural no país, entendido como alternativa de superação de crises econômicas no contexto global e buscando atestar sua própria capacidade de gerenciamento de acervos originários em seus territórios. Do ponto de vista urbanístico, conforme indicou o diretor da Área Arqueológica das Pirâmides, Ashraf Mohy,73 73 Cf. Pyramids... (2019). está prevista a criação do “Novo Projeto Platô da Pirâmide”, que inclui uma passagem turística de mais de dois quilômetros de extensão para conectar o GME ao complexo funerário, além de intervenções nas estradas de Alexandria e de Al-Fayoum para melhorar a conexão com a localização de hotéis da região.

Em paralelo, o governo egípcio tem se dedicado à construção de uma nova capital administrativa do Cairo. O projeto, anunciado em 2015 pelo general Abdel Fattaf al Sisi, pretende comportar palácios residenciais, embaixadas, ministérios e sedes do parlamento. Além disso, abrigará 5 milhões de habitantes em instalações que contemplam centros de convenção, hotéis, residências, lagos artificiais, universidades, escolas, hospitais, mesquitas, parque temático e aeroporto. A maquete divulgada pela imprensa permite vislumbrar um projeto que alude ao conceito de “cidade global”,74 74 Cf. Esparza (2018). mobilizado por uma série de autores entre meados dos anos 1980 e 1990 como modo de “[...] designar o posicionamento estratégico de algumas metrópoles em relação à economia mundial”.75 75 Carvalho (2000, p. 71). No final do milênio, porém, a noção de cidade global passou a designar um modelo a partir do qual se torna possível identificar certas características da globalização e que pode, inclusive, acentuar a competitividade entre as metrópoles mundiais para atingir tal condição e ampliar a segregação socioespacial mediante desapropriações.

A produção arquitetônica vinculada a esse modelo compreende a criação de megaprojetos - incluindo torres de escritórios, hotéis, shopping centers, casas de espetáculos e complexos multifuncionais - gerando enclaves urbanísticos caracterizados por uma produção arquitetônica de linguagem tecnológica e ascética próximas ao “estilo do establishment dominante”.76 76 Foster (2017, p. 77). Os edifícios, que geralmente demonstram sofisticada capacidade de engenharia, apresentam características frequentemente padronizadas,77 77 Dentre os casos emblemáticos da implantação do modelo de “cidade global” encontram-se as intervenções realizadas em Baltimore (Harbor Place), Londres (Docklands & Canary Wharf), Berlim (Potsdamer-Leipziger Platz), Buenos Aires (Puerto Madero), São Paulo (Nova Faria Lima e Berrini), Milão (Porta Nuova), Rio de Janeiro (Porto Maravilha), dentre outras. sendo muitas vezes produzidos por um restrito grupo de arquitetos que atuam em nível global, o chamado star-system.78 78 Cf. Arantes (2012). No caso da realização de projetos-âncora, como o GME, torna-se comum a proposta de concursos internacionais de arquitetura, tomados como estratégia para potencializar a divulgação midiática das propostas e ampliar sua difusão em nível global. Esses projetos de caráter singular - geralmente destinados a usos culturais, educacionais ou de entretenimento - têm o desafio de reforçar as especificidades do lugar, de modo a fortalecer a identidade cultural das cidades e fomentar o interesse global, seja pelos investimentos e aportes financeiros ou pelo incremento do turismo global.

O debate arquitetônico promovido pela análise dos projetos mais bem colocados no concurso internacional permitiu traçar um interessante panorama dos temas mobilizados pela arquitetura contemporânea em tal contexto. Considerando a análise dos três principais projetos selecionados pelo concurso internacional, é possível vislumbrar que todos buscaram a conexão com elementos tradicionais representativos da cultura egípcia antiga, a saber: a tumba, o templo e a pirâmide. A partir de distintas filiações arquitetônicas, as propostas trouxeram à linguagem contemporânea elementos presentes na arquitetura e ornamentação tradicionais, podendo associar-se ao conceito de cosmopolitismo decolonial proposto por El-Ashmouni como chave interpretativa para a arquitetura egípcia contemporânea. Dentre as três figuras utilizadas como mote para o desenvolvimento da arquitetura contemporânea, a pirâmide proposta por Peng é a que tem maior capacidade autorreferencial em relação ao público de massas ao qual se destina. No projeto de Himmelblau, a referência ao templo aparece com maior sutileza e requer certo grau de conhecimento sobre a história da arquitetura para ser compreendida. Por sua vez, a tumba de Rizzi, embora seja necessário maior repertório prévio para garantir seu entendimento, não apresenta grande visibilidade no nível do pedestre, tornando seu conceito ainda menos acessível.

O júri do concurso parece ter escolhido o projeto mais facilmente identificável ao público não especializado, buscando uma arquitetura que ao mesmo tempo demonstrasse capacidade tecnológica contemporânea e recuperasse a cultura arquitetônica antiga. Conforme estabelecido pelo próprio edital do concurso, a presença das pirâmides deveria condicionar o projeto de arquitetura do GME. O equilíbrio tênue buscado pela proposta versa sobre a criação de uma arquitetura contemporânea monumental, mas que simultaneamente não concorresse ou ofuscasse a magnificência do conjunto arqueológico. Não parece trivial, portanto, que a narrativa museal proposta pelo projeto de Peng culmine na vista para as pirâmides, que adentram o espaço museal como o objeto mais precioso da coleção. De fato, a incorporação do tema do triângulo ao partido projetual parece ter sido um fator fundamental para a escolha do projeto de Peng, de modo a reiterar a grandeza da cultura egípcia das pirâmides na contemporaneidade. Apesar da combinação entre linguagem arquitetônica internacionalizada e resgate de formas simbólicas tradicionais, o uso de técnicas construtivas locais pode se associar à perspectiva decolonial evocada por essa arquitetura. Segundo a Unesco:

Como o principal museu de um país com tão intensa atividade na busca pela repatriação de seu patrimônio, o Grande Museu Egípcio está presente na luta para recuperar seus artefatos que foram levados ilegalmente para o exterior e que são exibidos em diversos países ao redor do mundo, que usam seus bens para atrair milhares de turistas. A infraestrutura do museu não apresenta um obstáculo para receber objetos sensíveis e frágeis; pelo contrário, foi projetada e preparada para abrigar e preservar artefatos da cultura egípcia. Mesmo considerando instituições resistentes aos pedidos de repatriação, como o Museu Britânico, que recusa o retorno de vários itens, como a Pedra de Rosetta, o GME permanece motivado e firme em seu posicionamento e demandas.79 79 Unesco (2020, tradução nossa).

Como se vê, a construção do GME visa resgatar o tema da identidade nacional, conectando ações de conglomerados de mídia interessados nas especificidades das culturas locais e iniciativas para valorizar o turismo como alternativa para superar crises econômicas no contexto global. Por um lado, a monumental estrutura arquitetônica torna evidente a manutenção das relações coloniais e imperialistas. Por outro, o megacomplexo arquitetônico se mostra igualmente capaz de situar o Egito em outro patamar para as reivindicações de repatriação de coleções. Dessa maneira, vê-se que a arquitetura museal de enormes proporções pode ser compreendida como símbolo do desenvolvimento tecnológico do país na contemporaneidade, buscando atestar sua própria capacidade de gestão de acervos originários de seus territórios, reposicionando o Egito no debate internacional.

LIVROS, ARTIGOS E TESES

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ENTREVISTAS

  • Héctor Vigliecca e Luciene Quel. [Entrevista cedida às] autoras. São Paulo, 23 out. 2020.

SITES

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    » https://whc.unesco.org/en/tentativelists/6511/
  • 3
    Mignolo (2011MIGNOLO, Walter. The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. London: Duke University Press, 2011.).
  • 4
    Unesco (1970UNESCO. Convenção relativa às medidas a serem adotadas para proibir e impedir a importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas dos bens culturais. Paris: Unesco, 1970., p. 2).
  • 5
    Ibid.
  • 6
    O debate sobre a repatriação de bens culturais engloba diferentes áreas de estudos e há anos vem recebendo atenção internacional, com pesquisas recentes no Brasil, dentre as quais destacamos os trabalhos de Borges e Botelho (2010BORGES, Luiz Carlos; BOTELHO, Marilia Braz. Museus e restituição patrimonial: entre a coleção e a ética. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 11., 2010, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: PPGCI, 2010. p. 1-20.), Burke (2010BURKE, Peter. Repatriação de objetos históricos pode fragmentar acervos de grandes museus e empobrecer o mundo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 fev. 2010. https://bit.ly/3oMDNIq. Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bit.ly/3oMDNIq...
    ), Ferreira (2009FERREIRA, Lúcio Menezes. Patrimônio arqueológico, pós-colonialismo e leis de repatriação. In: FUNARI, Pedro Paulo Abreu; PELEGRINI, Sandra; RAMBELLI, Gilson (org.). Patrimônio cultural e ambiental: questões legais e conceituais. São Paulo: Annablume, 2009. v. 1, p. 67-85.), e Costa (2019COSTA, Karine Lima da. Caminhos para a descolonização dos museus: a questão da repatriação das antiguidades egípcias. 2019. Tese (Doutorado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019., 2020COSTA, Karine Lima da. A demanda pela restituição do patrimônio cultural através das relações entre a África e a Europa. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 26, n. 2, p. 193-209, 2020. DOI: 10.34019/2594-8296.2020.v26.31068.
    https://doi.org/10.34019/2594-8296.2020....
    ).
  • 7
    Burke (2010BURKE, Peter. Repatriação de objetos históricos pode fragmentar acervos de grandes museus e empobrecer o mundo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 fev. 2010. https://bit.ly/3oMDNIq. Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bit.ly/3oMDNIq...
    ).
  • 8
    Egito... (2011EGITO busca repatriar antiguidades expostas em diversos museus do mundo. Opinião e Notícia, Rio de Janeiro, 9 fev. 2011. Disponível em: Disponível em: https://bityli.com/JNRW9xu . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://bityli.com/JNRW9xu...
    ).
  • 9
    Ibid.
  • 10
    Cf. Lapuente (2016LAPUENTE, Rafael Saraiva. A imprensa como fonte: apontamentos teórico-metodológicos iniciais acerca da utilização do periódico impresso na pesquisa histórica. Revista de História Bilros, v. 4, n. 6, p. 11-29, 2016.).
  • 11
    Arantes, Vainer e Maricato (2013ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2013.) e Sperling (2005SPERLING, David. Museu contemporâneo: e espaço do evento como não-lugar. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE MUSEOGRAFIA E ARQUITETURA DE MUSEUS, 2005, São Carlos. Anais [...]. [S. l.: s. n.],: 2005.).
  • 12
    Lord Elgin era o embaixador britânico do Império Otomano. Atualmente, o termo “elginismo” está presente em alguns dicionários em inglês e francês, e se refere tanto ao ato de “vandalismo cultural” quanto à “[...] retirada de partes de monumentos arquitetônicos para transformá-los em coleções” (LAGE, 2016LAGE, Celina F. A maldição de Minerva: Lorde Byron e as esculturas do Partenon. Artefilosofia, Ouro Preto, v. 11, n. 20, p. 63-72, 2016. apud PIRES, 2018PIRES, Kimberly. A defesa de uma presença: a disputa pela repatriação dos mármores do Parthenon. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Museologia) - Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018., p. 36).
  • 13
    Cf. Lage (2016LAGE, Celina F. A maldição de Minerva: Lorde Byron e as esculturas do Partenon. Artefilosofia, Ouro Preto, v. 11, n. 20, p. 63-72, 2016.).
  • 14
    Cf. Sales (2002SALES, José das Candeias. A arqueologia egípcia no século XIX: da “caça ao tesouro” à salvaguarda da herança faraónica. Cadmo: Revista do Instituto Oriental Universidade de Lisboa, Lisboa, n. 12, 2002.).
  • 15
    Cf. Burke (2010BURKE, Peter. Repatriação de objetos históricos pode fragmentar acervos de grandes museus e empobrecer o mundo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 fev. 2010. https://bit.ly/3oMDNIq. Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bit.ly/3oMDNIq...
    ).
  • 16
    Cf. Forssmann (2017Grécia quer resgatar de Londres as esculturas do Pártenon. National Geographic, Portugal, 19 jan. 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2KANgkT . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://bit.ly/2KANgkT...
    ).
  • 17
    Cf. Procópio e Neres (2014PROCÓPIO, Carmem Maria Oliveira; NERES, Rodrigo Morganti. Museu da Acrópole de Atenas: a arquitetura de Bernard Tschumi e a paisagem. In: COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS, 3., 2014, Belo Horizonte. Anais [...]. [S. l.: s. n.],: 2014. p. 1-22., p. 7).
  • 18
    Ibid., p. 6.
  • 19
    Atualmente a Fundação Melina Mercouri desenvolve ações de apoio ao Museu da Acrópole para reunificar as coleções do Parthenon.
  • 20
    Cf. Kynourgiopoulou (2011KYNOURGIOPOULOU, Vasiliki. National identity interrupted: the mutilation of the Parthenon marbles and the Greek claim for repatriation. In: SILVERMAN, Helaine (ed.). Contested cultural heritage: religion, nationalism, erasure and exclusion in a global world. New York: Springer, 2011. p. 155-170.).
  • 21
    O Parthenon é um edifício construído entre os anos de 447 e 438 a.C., constituindo-se como o único templo octastilo peripteral da Grécia Antiga. Projetado por Ictinus, Calícrates e Fídias, o grandioso monumento dedicava-se à deusa Atena, patrona da cidade (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2016CHING, Francis; JARZOMBEK, Mark; PRAKASH, Vikramaditya. História global da arquitetura. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016.).
  • 22
    Cf. Procópio e Neres, op. cit.
  • 23
    Montaner (2016MONTANER, Josep Maria. A condição contemporânea da arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili, 2016., p. 73-74).
  • 24
    Egito..., op. cit.
  • 25
    Lage, op. cit., p. 67-68.
  • 26
    Cf. Kotseli (2012KOTSELI, Areti. ‘I am Greek and I want to go home’ movement for the repatriation of looted Greek antiquities. Greek Reporter, [s. l.], 5 ago. 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3p4hrzW . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://bit.ly/3p4hrzW...
    ) e Return, restore, restart... (2014RETURN, RESTORE, RESTART: An international campaign for the reunification of the Parthenon Marbles. Themanews, [s. l.], 26 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: https://bityli.com/B1d1VBx . Acesso em: 17 dez. 2021.
    https://bityli.com/B1d1VBx...
    ).
  • 27
    Cf. Pires, op. cit.
  • 28
    Maciel e Abreu (2019MACIEL, Maria Eunice; ABREU, Regina. Antropologia dos museus: um campo de estudos em expansão. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, n. 53, p. 7-15, 2019., p. 11).
  • 29
    Forssmann, op. cit.
  • 30
    Cf. Costa (2020COSTA, Karine Lima da. A demanda pela restituição do patrimônio cultural através das relações entre a África e a Europa. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 26, n. 2, p. 193-209, 2020. DOI: 10.34019/2594-8296.2020.v26.31068.
    https://doi.org/10.34019/2594-8296.2020....
    ).
  • 31
    Cf. Lundén (2016LUNDÉN, Staffan. Displaying loot: the Benin objects and the British Museum. Gothenburg: Gothenburg University, 2016.).
  • 32
    Costa, (2020COSTA, Karine Lima da. A demanda pela restituição do patrimônio cultural através das relações entre a África e a Europa. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 26, n. 2, p. 193-209, 2020. DOI: 10.34019/2594-8296.2020.v26.31068.
    https://doi.org/10.34019/2594-8296.2020....
    , p. 203).
  • 33
    Monks (2018MONKS, Kieron. British Museum to return Benin bronzes to Nigeria. CNN, Atlanta, 14 dez. 2018. Disponível em: Disponível em: https://cnn.it/3qJg49Y . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://cnn.it/3qJg49Y...
    ).
  • 34
    Keener (2018The new Benin Royal Museum to see the temporary restitution of art and artifacts. Art Critique, Paris, 1 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3sIy5ap . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://bit.ly/3sIy5ap...
    ).
  • 35
    Marshall (2020MARSHALL, Alex. A new museum to bring the Benin bronzes home. The New York Times, Nova York, 13 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://nyti.ms/3c2MXKO . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://nyti.ms/3c2MXKO...
    ).
  • 36
    Cf. Tietz (2008TIETZ, Jürgen. História da arquitectura contemporânea. [S. l.]: Konemann, 2008.).
  • 37
    Lefaivre e Tzonis (2013LEFAIVRE, Liane; TZONIS, Alexander. Por que regionalismo crítico hoje? In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica: 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 520-533.).
  • 38
    Costa (2019COSTA, Karine Lima da. Caminhos para a descolonização dos museus: a questão da repatriação das antiguidades egípcias. 2019. Tese (Doutorado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.).
  • 39
    Zahi Hawass se graduou em egiptologia na Universidade do Cairo (1978); fez mestrado em egiptologia e arquitetura sírio-palestina (1983); e doutorado em egiptologia (1987), ambos na Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos).
  • 40
    Costa (2019COSTA, Karine Lima da. Caminhos para a descolonização dos museus: a questão da repatriação das antiguidades egípcias. 2019. Tese (Doutorado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.).
  • 41
    Bonalume Neto (2004BONALUME NETO, Ricardo. Discovery Channel procura ciência e entretenimento. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11 abr. 2004. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/394D39N . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://bit.ly/394D39N...
    ).
  • 42
    Cf. Taylor (2011TAYLOR, Kate. Responsável por tesouros do Egito cai em desgraça. Estadão, São Paulo, 15 jul. 2011. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qSQtfd . Acesso em: 20 jan. 2021.
    https://bit.ly/3qSQtfd...
    ).
  • 43
    O Egito está investindo em novos projetos museográficos para modernizar as suas instalações. Além da construção de novos museus, como o Grande Museu Egípcio, instituições mais antigas estão passando por obras de melhoria e aquisição de novos equipamentos para assegurar a conservação adequada dos acervos museológicos.
  • 44
    Cf. Egypt... (2010EGYPT to get German statue... on loan. News Network Archaeology, [s. l.], 15 abr. 2010. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3IJpMTL . Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bit.ly/3IJpMTL...
    ).
  • 45
    Hawass, (2005) apudUnesco (2005UNESCO. Heritage landscape of Egypt. n. 225-226, vol. LVII, nº 1, 2 2005. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000140905 . Acesso em: 16 dez. 2021.
    https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
    , p. 8).
  • 46
    Cf. Unesco, op. cit.
  • 47
    Lynch (1988LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1988., p. 11).
  • 48
    The Grand... (2020THE GRAND Egyptian Museum: one of the biggest cultural openings of 2020. The Stylemate, [s. l.], 5 mar. 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/323XT8g . Acesso em: 22 jan. 2021.
    https://bit.ly/323XT8g...
    ).
  • 49
    Moneim, Shafik e Mansour (2004MONEIM, Walid A.; SHAFIK, Zeinab; MANSOUR, Yasser. The Grand Museum of Egypt and the challenge of sustainability. In: CONFERENCE SUSTAINABLE ARCHITECTURAL AND URBAN DEVELOPMENT, 1., 2004, Cairo. Proceedings [...]. [S. l.: s. n.], 2004. p. 1-20.).
  • 50
    Cf. Pereira (2019PEREIRA, Cilene. “Espero encontrar a tumba da rainha Cleópatra”. Isto É, São Paulo, 3 jan. 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3dNe0tu . Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bit.ly/3dNe0tu...
    ).
  • 51
    Bassir (2013BASSIR, Hussein. The Grand Egyptian Museum: a home for interconnections. Journal of Ancient Egypt Interconnections, Tucson, v. 5, n. 4, p. 6-8. 2013. DOI: 10.2458/azu_jaei_v05i4_bassir.
    https://doi.org/10.2458/azu_jaei_v05i4_b...
    , p. 6).
  • 52
    Cf. Vigliecca e Quel (2020Héctor Vigliecca e Luciene Quel. [Entrevista cedida às] autoras. São Paulo, 23 out. 2020.).
  • 53
    Grosser (c2021GROSSER, Richard. The Grand Egyptian Museum: A4 descriptors: competition. [S. l.: s. n.], c2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3GAzQfU . Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bit.ly/3GAzQfU...
    ).
  • 54
    Vigliecca e Quel, op. cit.
  • 55
    Cf. The International... (2003THE INTERNATIONAL Architecture Competition for the Grand Egyptian Museum. Portal Vitruvius, [s. l.], ano 3, jun. 2003. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3s3wZIw . Acesso em: 22 jan. 2021.
    https://bit.ly/3s3wZIw...
    ).
  • 56
    Também receberam menções honrosas os seguintes escritórios de arquitetura: Manuel Rocha de Aires Mateus (Portugal), Hector Vigliecca (Brasil), Ruben Verdi (Itália), Michael Zimmermann (Alemanha), Fernando Pardo Calvo (Espanha), Nuno Morais Monteiro (Portugal) e Martin Roubik (República Tcheca).
  • 57
    Os seguintes arquitetos compuseram o júri: Abada Galal (Egito), Gae Aulenti (Itália), Jong Soung Kiim (Coreia do Sul), Salah Zaki Said (Egito) e Ana Maria Zahariade (Romênia). Os egiptólogos foram: Sergio Donadoni (Itália) e Gaballa Gaballa (Egito). A museóloga foi Françoise Cachin (França).
  • 58
    The Grand... (2003THE GRAND Egyptian Museum: competition results. New Italian Blood, Italy, 9 jun. 2003. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/39rCoQ7 . Acesso em: 3 nov. 2020.
    https://bit.ly/39rCoQ7...
    ).
  • 59
    Cf. Oba (2015OBA, Leonardo Tossiaki. Arquitetura no papel: a obra não construída como referência histórica. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 180.03, 2015.).
  • 60
    Cf. Nesbitt (2013NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica: 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2013.).
  • 61
    Kruft (2016KRUFT, Hanno-Walter. História da teoria da arquitetura. São Paulo: Edusp, 2016.).
  • 62
    Cf. Mumford (2004MUMFORD, Lewis. Formas e modelos ancestrais: o Egito e a cidade aberta. In: A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 93-104.).
  • 63
    Rizzi (2005RIZZI, Renato. Il Cairo: The Grand Museum of Egypt. Divisare, Roma, 15 mar. 2005. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2VGeSqv . Acesso em: 18 nov. 2020.
    https://bit.ly/2VGeSqv...
    ).
  • 64
    Colquhoun (2008COLQUHOUN, Alan. Forma y figura. Oppositions, [s. l.], n. 12, 2008., p. 90).
  • 65
    Rizzi, op. cit.
  • 66
    Ibid.
  • 67
    Ibid.
  • 68
    Ibid.
  • 69
    Cf. Nesbitt, op. cit.
  • 70
    Cf. Beqraj (2019BEQRAJ, Samina. La simbologia della piramide in differenti contesti geografici. 2019. Monografia (Graduação em Ciências da Comunicação) - Università degli Studi dell’Insubria, Varese, 2019.).
  • 71
    A associação entre a forma da pirâmide e o espaço museal possui como exemplo paradigmático a intervenção no Museu do Louvre projetada pelo arquiteto chinês I. M. Pei na década de 1980 (ARANTES, 2015ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Edusp, 2015.). No GME, porém, o volume prismático da pirâmide não é incorporado de forma pura como no projeto de I. M. Pei, mas estilhaçado em elementos que compõem a fachada.
  • 72
    A área interna do Museu da Acrópole de Atenas é de cerca de 20 mil m2. A área interna do Louvre, após a ampliação de I. M. Pei, é de cerca de 50 mil m2. O GME ocupa uma área interna de aproximadamente 90 mil m2 (baseado em informações disponíveis no website do Museu da Acrópole de Atenas e do GME.
  • 73
    Cf. Pyramids... (2019PYRAMIDS Plateau development projetct to be opende in late 2019. Egypt Today, [s. l.], 4 maio 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33sAb6c . Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bit.ly/33sAb6c...
    ).
  • 74
    Cf. Esparza (2018ESPARZA, Pablo. Como será a grandiosa e polêmica capital que o Egito está construindo no meio do deserto. BBC News, São Paulo, 9 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://bbc.in/3pSMCzR . Acesso em: 13 dez. 2021.
    https://bbc.in/3pSMCzR...
    ).
  • 75
    Carvalho (2000CARVALHO, Mônica de. Cidade global, anotações críticas sobre um conceito. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 70-82, 2000. DOI: 10.1590/S0102-88392000000400008.
    https://doi.org/10.1590/S0102-8839200000...
    , p. 71).
  • 76
    Foster (2017FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. São Paulo: Ubu, 2017., p. 77).
  • 77
    Dentre os casos emblemáticos da implantação do modelo de “cidade global” encontram-se as intervenções realizadas em Baltimore (Harbor Place), Londres (Docklands & Canary Wharf), Berlim (Potsdamer-Leipziger Platz), Buenos Aires (Puerto Madero), São Paulo (Nova Faria Lima e Berrini), Milão (Porta Nuova), Rio de Janeiro (Porto Maravilha), dentre outras.
  • 78
    Cf. Arantes (2012ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo: Annablume, 2012.).
  • 79
    Unesco (2020UNESCO. Egyptian Museum in Cairo. [S. l.], 2020. Disponível em: Disponível em: https://whc.unesco.org/en/tentativelists/6511/ . Acesso em: 16 nov. 2021.
    https://whc.unesco.org/en/tentativelists...
    , tradução nossa).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2021
  • Aceito
    08 Jun 2021
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