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Museus, coisas e pessoas: três estudos de caso para refletir sobre os vínculos entre materialidade e vida social1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de financiamento 001.

Museums, things and people: three case studies to reflect on the bonds between materiality and social life

RESUMO

O presente artigo busca demonstrar a pertinência dos estudos relativos aos vínculos estabelecidos entre pessoas e objetos no entendimento da vida social contemporânea. Para tanto, fundamenta-se a partir de referências teóricas que, em distintas proporções, refletem a respeito da cultura material, entre elas Daniel Miller, Colin Campbell, Grant McCraken, Mary Douglas e Baron Isherwood, Igor Kopytoff e Tania Andrade Lima.5 5 Cf. Miller (1994; 2007; 2013); Campbell (2001); McCraken (2003); Douglas e Isherwood (2004); Kopytoff (2010); Lima (2011). Para efeito de recorte, os museus serão contemplados como lugares privilegiados na observação de tais vínculos. Nesse sentido, o artigo traz, como exemplos, o Sherlock Holmes MuseumTHE SHERLOCK HOLMES MUSEUM. Londres. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/1k6FEkC >. Acesso em 5 jun. 2019.
https://bit.ly/1k6FEkC...
(Londres, Inglaterra), o DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
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(Berlim, Alemanha) e o Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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(Milwaukee, Estados Unidos). Trata-se de ressaltar a importância das pesquisas sobre a relação entre as pessoas e os objetos, nesta proposta favorecida por meio de narrativas ficcionais, de narrativas de períodos históricos e de trajetórias que se desenham em estilos de vida e pertencimentos.

PALAVRAS-CHAVE:
Estudos de Cultura Material; Antropologia do Consumo; Museus; Narrativas

ABSTRACT

The article aims to argue about the relevance of the studies on the bonds established between people and objects in contemporary social life. Towards that end, it is based on theoretical references related in different measures to the field of material culture, such as Daniel Miller, Colin Campbell, Grant McCraken, Mary Douglas and Baron Isherwood, Igor Kopytoff and Tania Andrade Lima6 6 Cf. Miller (1994; 2007; 2013); Campbell (2001); McCraken (2003); Douglas e Isherwood (2004); Kopytoff (2010); Lima (2011). . As an effect of a thematic approach, museums will be considered as privileged places for observing such bonds. In this sense, the article brings as examples the Sherlock Holmes MuseumTHE SHERLOCK HOLMES MUSEUM. Londres. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/1k6FEkC >. Acesso em 5 jun. 2019.
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(London, England), the DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
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(Berlin, Germany) and the Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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(Milwaukee, USA). It is about emphasizing the importance of researches on the relations between people and objects, which is favored in this proposal through fictional narratives, narratives of historical periods and trajectories drawn in lifestyles and belongings.

KEYWORDS:
Material culture studies; Anthropology of Consumption; Museums; Narratives

INTRODUÇÃO

Em uma definição ampla, a cultura material reúne os estudos dedicados às relações entre as pessoas e as coisas, tornando-se objeto de pesquisas que vêm sendo aprofundadas na obra de diversos autores, elegendo-se alguns destes para a fundamentação teórica do presente artigo. Independentemente dessas coisas serem definidas como bens, objetos, artefatos, produtos ou mercadorias, funcionam como mediadoras da comunicação, dos hábitos culturais e da vida social. O artigo faz uso de propostas de estudiosos do tema, no intuito de embasar seu objetivo central: explicitar, através de três exemplos práticos - O Sherlock Holmes Museum, o DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
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e o Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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7 7 Optou-se por preservar os nomes dos museus em seu idioma original. Faz-se relevante mencionar que DDR é abreviação de Deutsche Demokratische Republik, nome oficial, no idioma alemão, da antiga Alemanha Oriental; na língua portuguesa, traduz-se como República Democrática Alemã (RDA). - algumas das formas pelas quais a cultura material se traduz em parte integrante da vida social contemporânea que, em grande medida, nos ajuda a entendê-la. A escolha dos três museus deve ser tomada mais como um recurso analítico oportuno e menos como locus de trabalho de campo, considerando-se que o olhar antropológico se deu a posteriori (no caso do DDR Museum) e em momentos distintos, sem a objetividade da pesquisa que aqui, agora, se elabora. Por consequência, a análise arrisca-se numa liberdade metodológica, porém, articulada por meio da propriedade que nos parece comum aos três estudos de caso, no que diz respeito a evidenciar a relevância dos vínculos estabelecidos entre pessoas e coisas. Tais ilustrações são, portanto, resultado do entusiasmo das autoras pelo estudo dos objetos em particular, partindo ou não de observações diretas no campo, que alicerçam a argumentação a ser aqui apresentada.

Os três museus analisados são instituições privadas, descritas como importantes atrações turísticas de suas respectivas cidades, não só por seus canais de comunicação próprios como, também, por outros de divulgação institucional de tais localidades.8 8 Ver, respetivamente, para o Sherlock Holmes Museum, o DDR Museum e o Harley-Davidson Museum: <https://bit.ly/2S1vLaX>; <https://bit.ly/2mGx0SO>; <https://bit.ly/2mAdKqm>.

A visita ao Sherlock Holmes Museum, em Londres, ocorreu em 2015, em viagem realizada para este propósito por uma das autoras do presente artigo, quando ali foram observados de que forma os objetos constroem e oferecem vida a essa narrativa literária em particular, e a esse espaço singular, tornando-o, de todo modo, especialmente envolvente e próximo de narrativas reais,9 9 Dada a complexidade do termo, ressaltamos que, neste caso, e em toda a seção referente a ele, a categoria “real” aparece especialmente como contraponto ao universo ficcional e suas construções imaginárias, remetendo, assim, às vivências cotidianas, também referidas, nesta ocasião, pelo termo “extraficção”. contribuindo para a construção de uma relação bastante curiosa entre pessoas e coisas, conforme se observará mais adiante.

Os achados referentes ao DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
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, por sua vez, foram proporcionados a partir de uma visita turística a Berlim, capital alemã, realizada por uma das autoras, e de sua ida a esse museu, à época recentemente inaugurado,10 10 O DDR Museum foi inaugurado em 2006 e a referida visita realizada em 2010, conforme será detalhado ao longo do texto. cujo acervo trazia a promessa de uma proposta original frente ao de outras instituições dedicadas a discorrer sobre a história da cidade ao longo do século XX. Tal experiência acabou por se desdobrar em uma profusão de dados, entendidos como extremamente significativos, no sentido de evidenciar as formas pelas quais um ou mais objetos assumem papel fundamental na representação de um recente período histórico.

O Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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é o único entre os museus citados ao qual não houve visita presencial: sua divulgação em veículos midiáticos11 11 Zobaran (2016). induziu a uma pesquisa exploratória12 12 A pesquisa exploratória consistiu em acessos ao site oficial <https://bit. ly/2nbkgUK> e visitas a sites de grupos sociais formados a partir do uso de motocicletas, tais como os HOG’s (Harley Owners Group) e Hell’s Angels, respectivamente: <https://bit.ly/2ClXNcd> e <https://bit.ly/1nQEyZO>. Acesso em: 6 jan. 2018. que constatou a representação de seu acervo e de toda a ambientação que o envolve, no que concerne à pertinência de certos objetos na concepção de trajetórias e estilos de vida, bem como na formação de grupos sociais e dos sentimentos de pertencimento e coletividade dela originados. Dessa forma, sua inserção no artigo foi considerada no sentido de complementaridade ao seu principal argumento - atestar, através da experiência vivenciada em alguns museus, a relevância dos estudos sobre os laços que envolvem pessoas e objetos para o entendimento da vida em sociedade, em especial no que diz respeito ao contexto contemporâneo.

No que tange à estruturação teórica, o artigo se fundamenta especialmente nas propostas de dois campos conceituais - distintos, mas complementares - que se dedicam a observar os objetos: são eles a Antropologia do Consumo e os Estudos de Cultura Material.

A perspectiva antropológica percebe o consumo como fenômeno social, parte fundamental da construção de sistemas complexos de significação, via circulação e apropriação de bens, atuando como linguagem, conforme atestam alguns cientistas sociais: Marshall Sahlins demonstra que a “razão prática” não explica a relação entre categorias culturais e categorias materiais, propondo a ideia de que, por exemplo, uma casa vazia, sem materialidades, não é uma casa;13 13 Cf. Sahlins (2003 [1976]). Mary Douglas e Baron Isherwood, por sua vez, apresentam, pioneiramente, o campo da “antropologia do consumo”, em que os bens são dados a estabelecer um código de significação que classifica pessoas e coisas no mundo;14 14 Cf. Douglas e Isherwood (2004 [1979]). e Colin Campbell, que tece as tramas que unem identidade e consumo através das escolhas que fazemos quando vamos às compras.15 15 Cf. Campbell (2001). Ou, ainda, Jean Baudrillard, quando observa uma ordem de significação no consumo, operada por signos, “uma lógica estruturada por meio de um sistema simbólico”16 16 Baudrillard (1995, p.26). que, por meio da circulação e do uso dos bens, conduz a organização social das sociedades contemporâneas. Arjun Appadurai oferece uma perspectiva pioneira, ao propor uma “vida social” para os objetos, que passam, à luz de sua teoria, a ser observados por meio de sua trajetória histórica e social, dentro de contextos distintos.17 17 Cf. Appadurai (2008). Igor Kopytoff, na esteira das ideias de Appadurai, propõe uma “biografia cultural” para os objetos, alçando-os a uma existência quase tão marcante quanto a das civilizações que deles fazem uso.18 18 Cf. Kopytoff (2008). Há ainda outros autores que, cada um a seu modo, percebem uma dinâmica “sócio-lógica” no reino inanimado das coisas - como Pierre Bourdieu e sua teoria sobre o “gosto de classe”, na qual os bens são marcadores sociais e distintivos dentro de uma dada sociedade francesa.19 19 Cf. Bourdieu (2007). Os Estudos de Cultura Material, por contrapartida, representados aqui por um de seus principais expoentes, Daniel Miller, optam por viabilizar e ressaltar as discussões cercadas de subjetividade, singularidade e mesmo de certo “ineditismo” da interação particular entre pessoas e coisas, deslocando-se para além do caráter social dessa relação que, então, a partir deste pressuposto, se revelaria “única” e também fundamentalmente constitutiva de ambas as partes - sujeito e objeto.

O presente texto se propõe, assim, a refletir a respeito da contribuição dos bens, debruçando-se sobre os dois campos teóricos acima explicitados, na organização, sustentação e comunicação de universos ficcionais e não ficcionais, dentro e fora de narrativas, especificamente nos ambientes dos museus.

O SHERLOCK HOLMES MUSEUM À LUZ DAS TEORIAS DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO E DOS ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL

Nesta seção, decorrente do projeto de pesquisa de uma das autoras, que procura unir dois interesses - o universo dos objetos e a narrativa dos livros -, busca-se observar a atuação e a importância dos bens no universo literário de Sherlock Holmes, primeiro dentro da narrativa ficcional, para, em seguida, observá-los deslocados aos espaços do museu homônimo em Londres, destacando ali sua peculiar participação.

Sherlock Holmes é um detetive ficcional, criado por Arthur Conan Doyle em 1887, que estabelece uma relação muito especial com os objetos. Dedutivo, obcecado e detalhista, revela os crimes especialmente a partir do olhar atento lançado ao mundo material - às pistas físicas -, o que muito diferencia sua atuação. Holmes protagoniza quatro romances de literatura policial de enigma,20 20 São eles: Um estudo em vermelho (1887); O signo dos quatro (1890); O cão dos Baskerville (1901) e O vale do terror (1914/1915). 56 contos avulsos, ganha adaptações para filmes, séries de televisão e peças de teatro. Em termos de curiosidade, William Gillette, o primeiro ator a interpretar Sherlock Holmes no cinema, substitui o cigarro usado na trama literária pelo cachimbo para facilitar seus movimentos em cena, de forma que lhe fosse permitido fumar e atuar sem que suas mãos estivessem presas a um mesmo objeto e movimento. A substituição foi depois adotada por outros intérpretes que o seguiram, e o cachimbo se transformou em elemento característico importante associado ao personagem no imaginário coletivo.21 21 Cf. Wexler (2012).

Famoso por suas vestes vitorianas e por seus inseparáveis aparatos - capa, lupa, chapéu e o cachimbo -, Holmes constrói um sólido imaginário social e transcende a ficção. Em 1990, já transformado à revelia de seu próprio criador22 22 Arthur Conan Doyle considerava o romance policial como subliteratura e tentou, mais de uma vez, dar fim ao personagem (Pontes, 2007). Diante dos protestos do público, porém, prosseguiu com a trama, publicando um total de quatro títulos abarcando o universo de Holmes, além de dezenas de contos avulsos. em um dos personagens mais emblemáticos da história, inaugura-se em Londres o Sherlock Holmes Museum, em endereço idêntico à moradia fictícia do personagem - 221b Backer Street - uma propriedade depois tombada pelo governo britânico. O Sherlock Holmes Museum é uma pequena instituição museal privada, localizada no centro de Londres. Apresenta publicação própria o Baker Street Times -, disponibilizando conteúdo original sobre o universo do personagem e da Inglaterra Vitoriana àqueles que, diante de uma quantia anual, associam-se à instituição. Alguns fragmentos de conteúdo dessa publicação estão também disponibilizados em seu site oficial.23 23 Cf. The Sherlock Holmes... No museu, a exposição única e permanente se apropria de seus três andares estreitos, onde fotografias, malas, quadros, bengalas, e toda uma série de objetos que remetem ao personagem compõem vivamente os espaços: quarto e escritório de Holmes, suas salas e coleções, um lavabo e o quarto de Watson, o famoso assistente-aprendiz de Holmes. Algumas das peças expostas vieram de acervos de filmes que retrataram o personagem.24 24 Dados específicos sobre sua política de aquisição de acervo, assim como a ocorrência ou não de atividades educacionais no Sherlock Holmes Museum, não foram encontradas até o momento da publicação. As informações não estão disponibilizadas no site oficial do museu, que tende a se concentrar na construção do enigmático universo de Holmes a disponibilizar informações institucionais. No fechamento desta edição, as autoras aguardavam ainda retorno da instituição. Há ainda reconstruções de cenas literárias e réplicas dos personagens compondo a atmosfera do ambiente. Holmes apresenta-se ali intrinsecamente relacionado ao universo dos livros, via simbologia e materialidade do objeto (figuras 1 e 2). É interessante notar que o universo ficcional do personagem ambienta as ruas e o cotidiano londrino, especialmente no centro, contextualizando cafés, metrôs, passeios turísticos e outros cantos da cidade, seduzidos por sua simbologia e narrativa.

Figuras 1e 2
Holmes e o universo material dos livros. Nas imagens, livros compõem o escritório de Holmes, no Sherlock Holmes Museum. Fotos: acervo pessoal das autoras.

Estamos sugerindo que os artefatos atribuídos a Holmes sobressaem ao personagem, conquistam autonomia, constroem sua persona ficcional - além de promover uma alusão instantânea, ainda hoje, à profissão de investigador. McCracken, teórico da Antropologia do Consumo, observa o vestuário como comunicador das categorias culturais vigentes.25 25 Cf. McCracken (2003 [1988]). A roupa evidenciaria diferenças entre categorias amplas do mundo social e reforçaria alguns princípios marcadores dessas grandes distinções. Nesse processo, a cultura então seria feita material, concreta e inteligível, materializando os valores culturais na própria roupa, que estamparia, para além dos bordados, também preceitos, juízos, padrões e classificações socioculturais. Consenso, inovação ou resistência - não importa -, a roupa, por um lado, seria, a partir dos pressupostos defendidos pelo autor, sempre rica em expressão e significado. Por outro lado, na perspectiva de Daniel Miller, contudo, os bens não atuam como “meros servos dos sujeitos”26 26 Cf. Miller (2013). e não estão restritos apenas a lhes atribuir significados, símbolos e representações, como sugere a semiótica, mas são, sobretudo, fundamentais para a criação e existência do próprio sujeito. Pessoas e coisas, a partir desse discurso, se constroem mutuamente e são ambas “senhoras” da relação. Nesse sentido, propõe-se que as vestes do Sherlock apresentam-se signo, símbolo e representação do personagem, sem dúvida, mas também sua própria construção, pois desligado de suas roupas e instrumentos de trabalho, Holmes se transformaria possivelmente em outro sujeito-personagem. Logo, os artefatos e as vestes de Holmes fazem Holmes (figuras 3 e 4).

Figuras 3 e 4
Vestes e artefatos de Holmes no Sherlock Holmes Museum.Fotos: acervo pessoal das autoras.

Os artefatos de Holmes - vestimentas, cachimbo, lupa - fortalecem sua figura, e auxiliam sua constância e permanência. Funcionam como autoexpressão,27 27 Miller (2013) observa que, em Londres, as roupas funcionam menos como demonstração pública da aparência particular do sujeito, e mais, sobretudo, como autoexpressão. posto que comunicam e revelam o personagem a si mesmo e ao mundo e anunciam sua devoção à cultura material. A capa, e posteriormente a substituição do cigarro pelo cachimbo nas representações pictóricas e fílmicas do personagem, deixam livres as mãos, liberando-as inteiramente ao toque e à contemplação. Lupa e óculos, sempre próximos e facilmente acessíveis, ampliam e desobscurecem o campo de visão, reforçando o olhar penetrante e atento do personagem aos artefatos que lhe são apresentados. Os elementos, pois, funcionam, juntos, para comunicar Holmes e revelá-lo.

Os objetos - aqueles relacionados diretamente ao universo enigmático da trama de Doyle - possuiriam, assim, tanto valor quanto o personagem. A roupa e demais aparatos associados funcionam também para Sherlock Holmes como revelação de sua personalidade, revelam seu “interior” e essência nem sempre explanadamente revelados. Essa relação torna-se possível, entre outras causas, observa Sennett28 28 Apud Miller (2013). a partir da ascensão do teatro,29 29 A invenção do dinheiro (Simmel, 2009) também se mostra importante nesse sentido, uma vez que contribui para tornar mais livres e flexíveis as relações entre pessoas e coisas, marcadas, até a cultura antiga, pela rigidez das leis suntuárias, que determinavam, antes mesmo do nascimento, o universo de bens e consumo que uma pessoa poderia ter acesso por toda a vida. Nesse contexto que não previa nenhum tipo de mobilidade social, o sujeito ficava limitado a consumir, por toda a sua existência, apenas o que era legalmente predestinado a sua classe e posição social, sob a pena de responder criminalmente por sua transgressão. quando os sujeitos tornam-se livres, enfim, para “representar” e, então, livres, portanto, para se desligar, pela primeira vez, das leis suntuárias - da obrigação de vestir-se de acordo com a posição social a que pertencem, predefinida antes mesmo do nascimento -, e, por isso, também afastar-se, quando assim o desejassem, das “categorias culturais que suas roupas [ali] representavam”.30 30 Miller (2013, p.61).

Além da atuação fundamental na caracterização e solidificação do personagem - conforme sugerimos até aqui -, também a narrativa literária está sustentada a partir da apresentação de objetos, das mais variadas procedências e ambiências, que se dão a “ler”, assumindo valor indispensável na trama. Estão ali a serem observados, especulados, descobertos e revelados, ora a partir de suas formas e expressões, ora a partir de suas simbologias e convenções, ou ambas. Além da “parafernália” que compõe, então, a personalidade do detetive, a narrativa se vale de bens para a construção de seus mistérios e enigmas e para tê-los engenhosamente solucionados. Sujeitos e objetos, indistintamente, atuam ali como pistas e como elementos a serem decifrados em seus pormenores. Os detalhes são de absoluta importância, pois fazem-se indícios para o caminhar das revelações, ao tempo que esses mesmos indícios funcionam ainda para aproximar e seduzir o leitor, que, uma vez envolvido na trama e no labirinto de ideias, busca estabelecer suas próprias conexões e deduções, fazendo-se, ele mesmo, o leitor, parte da história, como investigador.

Era uma bela e grossa peça de madeira, de castão bulboso, do tipo conhecido como Penang Lawyer. Logo abaixo do castão havia uma larga faixa de prata, de cerca de dois centímetros e meio. Nela estava gravado: “Para James Mortimer, M.R.C.S., de seus amigos do C.C.H.”, com a data de ‘1884’. Era exatamente o tipo de bengala que um médico de família antiquado usaria - digna, sólida e tranquilizadora.31 31 Doyle (2013, p. 9).

Era um homem bem alto e magro; um nariz comprido e adunco projetava-se entre dois penetrantes olhos cinza, muito juntos, que brilhavam detrás de um par de óculos com aro de ouro. Vestia-se de maneira profissional, mas um tanto desmazelada, pois sua sobrecasaca estava encardida e as calças, puídas.32 32 Ibid., p. 15.

‘Tenho um manuscrito no bolso’, disse o dr. James Mortimer

‘Reparei quando entrou na sala’, disse Holmes.

‘É um manuscrito antigo’.

‘Início do século XVIII, a menos que seja uma fraude’.

‘Como sabe?’

‘O senhor exibiu uns cinco centímetros dele ao meu exame durante todo o tempo que esteve falando. Só um pífio especialista não conseguiria dar a data de um documento com uma margem de erro de uma década’.33 33 Ibid., p. 15.

Sugere-se também, nessa narrativa, por último, a contribuição da cultura material para a construção de contextos e ambiências concretas, incitando o leitor e outros curiosos - a participar e a se envolver na trama muito além da obra literária, transcendendo a história para além de seu contexto original.

O Sherlock Holmes Museum, nesse campo específico de análise, ao buscar na cultura material seu projeto de sustentação, funciona como elemento reforçador da narrativa ficcional - em ambiência extraficção -, e, mais que isso, como revelador de uma nuance real, produzindo talvez aí algo parecido aos simulacros de realidade,34 34 Cf. Baudrillard (1991 [1986]). mas, nesse caso, uma realidade ficcional que se quer ali real (figuras 5 a 7). Lá, situado em Londres, o visitante observa e interage com os objetos “pessoais”, coleções, livros e o quarto completo de Holmes, (re)vivencia cenas, se aproxima e toca as réplicas do detetive, de Watson e de tantos outros personagens. Na visita realizada ao museu com esse propósito, registraram-se casos inclusive de visitantes - talvez os mais desavisados - que mostram-se confusos a respeito da história daquele “sujeito”, variando entre o acreditar e o não acreditar na existência real daquela figura. O Sherlock Holmes Museum, diria Baudrillard,35 35 Cf. Baudrillard (1991). é um simulacro do universo ficcional de Doyle, levando seus visitantes a assumir como real o que é invenção, ainda que o traço da fantasia de fato se perca diante da curadoria de objetos e roupas que saem das páginas do livro e se tornam testemunhas de uma biografia. Movimento, vale a pena destacar, que só é possível através da materialidade das coisas - ou seja, o simulacro é, em si, uma expressão material real, ainda que refém, por assim dizer, de uma criação ficcional.

Figuras 5, 6 e 7
Sherlock Holmes Museum: expressão material real de um universo ficcional. Nas imagens, artefatos que compõem o quarto, a sala de jantar e o lavabo do personagem. Fotos: acervo pessoal das autoras.

Sugere-se aqui, portanto, que o Sherlock Holmes Museum e exposições itinerantes que envolvem seu universo reforçam e proporcionam aos consumidores dessa experiência,36 36 Por “consumo de experiência”, entendemos uma dinâmica especial de consumo em que há uma suspensão da descrença e a imersão do sujeito durante a “experiência do consumo”, esta, por sua vez, inerente a qualquer tipo de consumo. O conceito é explorado em Pereira; Siciliano; Rocha (2015). dentre outras tantas cargas semânticas, a sensação de existência real do personagem, apoiados sobretudo na literatura e na cultura material como recursos de sustentação dessa nova narrativa. A literatura, deslocada do contexto original, estaria então se permitindo vivenciar, e também produzir, experiências do e no mundo real, a partir do envolvimento físico e simbólico engendrado pelo personagem e sustentado pelos objetos que o constroem e solidificam. Deslocada da ficção, a narrativa tende a se misturar à realidade, motivando involuntariamente eventuais “embaraços” entre real e ficcional, reforçados pela presença da cultura material em ambientes extraficção - no museu, propriamente -, corroborando, conforme exposto linhas acima, para (re)avivar o personagem e seu universo literário para além do contexto original. Os elementos materiais constituintes do discurso ficcional funcionam nessa proposta como (re) construtores desse discurso literário, dentro da narrativa, mas também fora dela. A cultura material, nesse caso, contribui para o deslocamento da narrativa ficcional, (re)avivando naquele espaço real a história fictícia e seu personagem. Sugere-se, desse modo, estarmos a observar a suspensão da descrença37 37 Ordem central do “acordo ficcional” estabelecido entre leitor e obra, durante a leitura, no intuito de assegurar que tudo que está sendo narrado deve necessariamente ser aceito como viável e verdadeiro. Cf. Eco (1994). transcendendo o momento da ficção e da leitura, sendo realizados os “contratos ficcionais”, portanto, também em práticas e âmbitos do real, reforçados especialmente pela presença de objetos em cena, dentro e fora do discurso.

Observamos a exposição de pertences de Holmes em museus reais, como se assim exibissem artefatos de alguma notória personalidade histórica. Relógio de bolso, cachimbo, capa, violino, livros e até uma digital de sangue na parede38 38 Para ref. das imagens cf. Wexler (2012). reúnem-se em ambientes construídos especialmente para fabricar essa experiência e para que esta seja, então, consumida.39 39 Cf. Pereira; Siciliano; Rocha (2015). Somadas a essas estruturas e composições, sobretudo físicas, planejadas para construir certa magia em torno do personagem, observam-se indícios interessantes que complementam essa aura real pela qual se “veste” Holmes. Além dos objetos “extraídos” da ficção para tomar o real - fotografias, cartas de Watson para Holmes, revólveres e outros pertences já mencionados nesse texto -, ressalta-se o fato de o Sherlock Holmes Museum, por exemplo, estar situado no endereço idêntico da ficção. Uma pesquisa realizada em 2008, na Inglaterra, reiterou que mais de 58% dos britânicos, em uma amostra de 3.000 entrevistados, creem na existência real do personagem.40 40 France Presse (3 fev.2008). Recados deixados pelos visitantes no Sherlock Holmes Museum, enaltecendo com entusiasmo o trabalho do detetive, apontam para essa mesma direção.

Consideramos, por isso, que a cultura material se faz fundamental em toda a narrativa de Sherlock Holmes, tanto por sua atuação na construção, na manutenção e na solidificação do personagem - na trama e também no imaginário coletivo -, quanto pela atribuição de nuances do real a todo esse universo, dentro e fora da narrativa, ao atuar como elemento estruturante inclusive e sobretudo dos espaços de uma instituição museal. O Sherlock Holmes Museum, assim, no lugar de recontar histórias e perpetuar memórias, função assumida pela maior parte dos museus, concretiza e solidifica um universo de ficção a partir da atuação de objetos que materializam e eternizam a biografia de alguém que sequer existiu.

CONCEITOS DA CULTURA MATERIAL APLICADOS AO DDR MUSEUM

Uma visita a Berlim, capital da Alemanha, no ano de 2010, e a um de seus museus em particular, inspira a segunda seção do presente artigo. Entre as variadas opções culturais daquela cidade, já era esperado encontrar aquelas que contariam a história da construção do muro que, durante quase 30 anos (1961-1989), simbolizou fisicamente a divisão da Alemanha em dois países, e de sua antiga capital em dois lados, separando, assim, em uma mesma cidade, não só instituições e locais públicos, como também famílias, casais e conhecidos. O lado leste de Berlim fazia então parte do território da antiga Alemanha Oriental e, com a construção do muro, seus cidadãos foram isolados da porção capitalista do mundo, passando a experimentar uma nova realidade, mantida durante algumas décadas sob forte vigilância do Estado.41 41 Dentre a série de referências bibliográficas disponíveis sobre tal período, utilizou-se, para fins de contextualização do artigo, Taylor (2009) e Kempe (2013). Em Berlim, aprende-se sobre esse momento da história - aqui mencionado de forma sucinta, apenas para efeito de fundamentação da proposta deste artigo - a partir de monumentos, exposições e museus. Alguns pedaços do antigo Muro de Berlim são mantidos intactos e, em muitos pontos da cidade, uma linha registra simbolicamente, no chão das ruas, os locais anteriormente divididos por sua edificação. São elementos que reforçam o imaginário de como teria sido a vida naquele período e, por si sós, ilustram a importância da materialidade para que uma história não seja esquecida.

No sentido de explicitar a relevância das coisas na construção de narrativas pessoais, coletivas ou históricas, a visita ao DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
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chama especial atenção. Seu acervo é formado por objetos recolhidos em localidades da extinta Alemanha Oriental, ou doados por seus antigos cidadãos, expostos de forma a promover um conjunto de experiências interativas que, a partir de uma abordagem sutil e original, descreve a rotina das pessoas naquele país e enumera uma série de diferenças encontradas frente ao dia a dia de seus vizinhos na então Alemanha Ocidental. A exposição permanente do museu, conforme descreve seu site oficial,

[...] apresenta aos visitantes a história da vida cotidiana na Alemanha Oriental e as realidades da vida sob o regime socialista. Os visitantes são convidados a expandir seu conhecimento sobre uma ampla gama de tópicos através do envolvimento direto com fontes históricas. Nós não escondemos todo o nosso acervo atrás de vidros, ao contrário, incentivamos nossos visitantes a tocar, segurar e interagir com uma variedade de objetos e instalações.42 42 Cf. DDR Museum. Tradução livre do original: “[...] introduces its visitors to the history of everyday life in the DDR and the realities of life under Socialism. Visitors are invited to extend their knowledge of a wide range of topics through engaging directly with historical sources. We do not hide all of our exhibits behind glass, but encourage our visitors to touch, hold and interact with a range of objects and installations”.

Mesmo com uma coleção atual de cerca de 300 mil artefatos,43 43 Cerca de 10 mil objetos do referido acervo estão disponíveis para acesso on-line, cada um com sua respectiva imagem e breve descrição. Em: <https://bit.ly/2naR7ZH>. Acesso em: 6 jun. 2019. dos quais também se utiliza para a montagem de suas frequentes exposições temporárias, o DDR Museum mantém uma ativa política de aquisição de acervos: qualquer cidadão pode doar um ou mais objetos oriundos da antiga Alemanha Oriental, desde que tal doação seja previamente acordada junto à instituição. Há, inclusive, uma lista de objetos cuja aquisição é tida como prioritária por parte do museu, que inclui itens tão diversos como roupas relacionadas à prática de atividades físicas, cartazes publicitários, fotografias de subculturas juvenis e sirenes da defesa civil.44 44 Tal lista encontra-se disponível em: <https://bit.ly/2lIjC0m>. Acesso em: 5 jun. 2019.

Inaugurado em 2006 e apontado em 2013 como o sexto museu mais visitado na Alemanha,45 45 Sabino; Alexander (set. 2013, p. 158-162). o DDR Museum apresenta a proposta de ampliar o foco dos estudos convencionais sobre grandes fatos históricos para abranger seus desdobramentos na rotina das pessoas comuns.46 46 A visita presencial ao museu evidenciou, de imediato, tal proposta, que também é enfaticamente descrita ao longo do site oficial da instituição (<https://bit.ly/1Ly1XKW>). Acesso em: 3 jul. 2017; 6 jun. 2019. O museu busca proporcionar aos visitantes um entendimento prático sobre a forma de vida naquele antigo país: a entrada em ambientes que simulam apartamentos de conjuntos habitacionais, onde vivia boa parte das famílias na Alemanha Oriental, permite aos visitantes, por exemplo, possibilidades como as de se sentar no sofá da sala de estar, pegar o telefone ou assistir aos programas então disponíveis em um aparelho de televisão original da época; na cozinha, equipada com utensílios também originais, pode-se sentir o aroma do que seriam pratos ou temperos típicos da alimentação diária das pessoas. É possível entrar em um Trabant,47 47 Carro fabricado à época na Alemanha Oriental. Cf. Deutsche Welle (28 out. 2014). dar a partida e ouvir o barulho de seu motor ou, ainda, dirigi-lo por meio de um simulador decorado em detalhes como o interior de um modelo original. Vale também citar, entre as muitas opções de interação, a oportunidade de assistir a documentários da época, sentando-se em poltronas autênticas retiradas de antigas salas de cinema, participar da simulação de um interrogatório da Stasi,48 48 Ministério da Segurança de Estado da antiga Alemanha Oriental. Taylor (2009, p.103). ouvir gravações com depoimentos de moradores ou com algumas das músicas populares no antigo país.

O site oficial do DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
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explica, ainda, que a ideia de uma exposição onde a interação com os objetos é a todo tempo estimulada pretende ajudar o visitante a elucidar sua principal questão: “Como era, de fato, a vida cotidiana na Alemanha Oriental?”49 49 Cf. DDR Museum. Tradução livre do original: “What was everyday life like in the DDR?”

Pode-se afirmar, assim, que o acervo e o formato de exposição encontrados no DDR Museum evidenciam a importância da especificidade dos objetos enquanto marcos de uma cultura e de um determinado período histórico. E demonstram como a relação com as pessoas os faz adquirir um “senso de humanidade”50 50 Miller (2007, p. 52). que acaba por determinar a materialidade como intrínseca à formação de laços sociais.

No caso do DDR Museum, são aqui empregadas, ainda, ideias contidas no artigo de Daniel Miller,51 51 Miller (1994, p. 397). para quem “artefatos são meios pelos quais damos forma, e chegamos a um entendimento, sobre nós mesmos, outros, ou a abstrações tais como a nação ou o moderno”.52 52 Ibid. Tradução livre do original: “Artefacts are means by which we give form to, and come to an understanding of, ourselves, others, or abstractions such as the nation or the modern.” Além do já mencionado “senso de humanidade”, o autor trata da possibilidade de atribuir diferentes significados aos objetos a partir do modo pelo qual estes são ordenados ou classificados. Nesse sentido, cita especificamente o modo como os museus, no século XIX, costumavam expor os objetos em vitrines fechadas, ordenando-os, muitas vezes, a partir de sua versão considerada como mais simples até a mais sofisticada, visando ilustrar um possível processo evolutivo. Mesmo que ainda seja utilizado atualmente, o método contrastaria com uma tendência surgida, segundo Miller,53 53 Cf. Miller (1994). a partir dos anos 1980, quando os objetos passaram a ser expostos em ambientes concebidos de forma a reproduzir ao máximo o contexto original do qual faziam parte, incluindo a função que exerciam, os sujeitos que os manipulavam, o local onde eram armazenados, além de aromas e sons típicos de seu ambiente - tendência que parece ter sido aplicada à exposição de longa duração do DDR Museum.

Ainda sobre o conceito de ordenação e classificação dos bens, Miller54 54 Ibid., p. 400. afirma que “se o significado dos objetos deriva da ordem na qual são incorporados, então um mesmo artefato pode mudar suas implicações simplesmente por ser introduzido em uma nova ordem”55 55 Ibid. Tradução livre do original: “If the meaning of objects derives from the orders into which they are incorporated, then the same artefact may change its implications simply by being introduced into some new order.” Muitos objetos que compõem o acervo do DDR Museum fizeram parte da rotina de pessoas comuns: eletrodomésticos, carros, móveis, discos, aparelhos eletrônicos, filmes e tantas outras coisas que perderam seu significado original por terem se tornado obsoletas, ou esquecidas, por representarem a realidade de um país que não mais existia. Podem, ainda, ter passado por um estágio momentâneo enquanto relíquia guardada por uma família. Porém, ao serem inseridas em uma nova ordem - sendo agora classificadas como parte do acervo de um museu -, adquiriram um novo significado, tornando-se representações de um momento histórico particular e da vida das pessoas que dele fizeram parte.

Possibilidades como o toque e o manuseio de objetos, o estímulo aos sentidos por meio de sons e aromas, bem como as descritas formas de aquisição e exposição do acervo observadas durante a visita ao DDR Museum configuram-se, todas, em aspectos alinhados às ideias de Miller sobre a relação entre a vida social e o que é material.56 56 Cf. Miller (1994; 2007). Aparentam, ainda, sintonia com a reflexão de Lima57 57 Cf. Lima (2011). a respeito da dimensão sensorial das coisas materiais, intrínseca à sua ampla análise sobre a diversidade de campos atualmente contidos nos Estudos de Cultura Material:

Não restam dúvidas de que a cultura material é uma construção social, mas fundada nas propriedades físicas dos materiais, a partir da complexa trama de possibilidades que essas propriedades oferecem à criatividade humana, que delas se apropria para a atribuição de toda sorte de significados, que vão mudando ao longo da história de vida dos objetos, posto que não são estáticos.58 58 Ibid., p. 20.

Miller59 59 Cf. Miller (1994). também se aprofunda na análise das relações que se estabelecem entre as pessoas, as coisas e o tempo, e destaca a longevidade como característica intrínseca à compreensão do “lugar” ocupado por certos artefatos em determinados contextos sociais uma vez que estes (os artefatos) são, muitas vezes, capazes de se sobrepor à própria existência dos indivíduos: “[...] o artefato, ou pelo menos aquilo que o artefato representa, sobrevive às pessoas e, assim, torna-se o veículo pelo qual elas tentam superar seus próprios limites temporais”60 60 Ibid., p. 409. Tradução livre do original: “[...] the artefact, or at least that which the artefact represents, outlasts persons and thus becomes the vehicle by which persons attempt to transcend their own temporal limits”. E completa:

Em todos esses casos o simples fato de existência prévia das coisas confere responsabilidade ao mesmo tempo em que concede identidade. Assim como as pessoas conhecem a si mesmas pela identificação com o totem de seu clã ou com as pedras que demarcam as fronteiras de suas terras, é agora seu dever assegurar a preservação através da próxima geração.61 61 Ibid., p. 410. Tradução livre do original: “In all such cases the mere fact of the previous existence of things confers responsibility at the same moment that it bestows identity. Just as persons know themselves through identification with their clan totem or with the boundary stones of their land, so it is now their duty to ensure preservation through to the next generation.”

O DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
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se propõe ainda a colaborar com outras instituições, museais ou não, na concepção de exposições temporárias e no treinamento de jovens museólogos.62 62 Cf. DDR Museum (<https://bit.ly/2mAgMe5>). Acesso em: 5 jun. 2019. Também organiza e abriga internamente eventos diversos de mediação com o público, tais como palestras, reuniões, exibições de filmes e lançamentos de livros, sempre relacionados ao contexto da antiga Alemanha Oriental.63 63 Cita-se aqui, como exemplo ilustrativo, o evento programado para o dia 11 de junho de 2019, sob o título My Trabi - 26 Two-Stroke Stories [Meu Trabi - 26 histórias em dois tempos], em que donos de carros do modelo Trabant, produzido exclusivamente no antigo país, narram a forma pelas quais suas histórias de vida acabaram entrelaçadas a tais veículos. Cf. DDR Museum <https://bit.ly/2lxnn99>. Acesso em: 5 jun. 2019. Por último, a instituição produz um extenso guia, com quase 200 páginas, sobre sua exposição permanente, o qual pode ser adquirido nos formatos impresso ou digital, presencialmente ou através de seu site institucional.

Possivelmente haverá sempre monumentos, centros de pesquisa e grandes exposições para retratar, por distintos ângulos, a história singular passada em Berlim. Dessa forma, ao reunir objetos, reconstruir ambientes e gravar depoimentos de quem vivenciou aquela realidade, o DDR Museum agregou uma visão complementar, ao tomar como base de seu acervo objetos intrínsecos à vivência e à perspectiva das pessoas comuns.

HARLEY-DAVIDSON MUSEUM: CONSUMO, CULTURA MATERIAL E A FORMAÇÃO DE GRUPOS SOCIAIS

Em um trabalho que procura estabelecer a relação entre dois campos de estudo - o consumo e a cultura material -, Miller64 64 Miller (2007, p. 34). revisita algumas das razões pelas quais o consumo é, muitas vezes, abordado por um viés negativo, ou tido como supérfluo, mediante aquilo que define como “um peculiar preconceito antimaterial”, e sugere sua abordagem para além de “[...] uma ameaça à sociedade e em particular aos valores espirituais e morais”65 65 Ibid., p. 47. Dentre os diversos exemplos fornecidos pelo autor, no sentido de ilustrar certos aspectos positivos da ligação entre sujeitos e objetos, destaca-se aqui o que se refere especificamente à sua importância na formação de determinados grupos sociais:

Estudos de cultura material trabalham através da especificidade de objetos materiais para, em última instância, criar uma compreensão mais profunda da especificidade de uma humanidade inseparável de sua materialidade. Em um dos estudos mais influentes que iniciaram essa abordagem do consumo, Hebdige (1988, originalmente 1981) examinou o uso de bicicletas e lambretas por grupos de subcultura, como mods e rockers. Hebdige argumentou que o consumo não era apenas comprar bens, mas muitas vezes envolvia uma apropriação altamente produtiva e criativa desses bens, que os transformava com o passar do tempo. Mas, da mesma forma, que foi através dessa prática dedicada à transformação material que certos grupos sociais foram criados, por exemplo, o rocker em associação com a motocicleta, e o mod com o scooter, respectivamente.66 66 Ibid., p. 47.

A formação de tais grupos em função de determinados objetos é também abordada por Haenfler67 67 Haenfler (2014, p. 16). a partir de sua definição para uma subcultura: “uma rede social relativamente difusa com uma identidade comum e significados próprios em torno de certas ideias, práticas e objetos, além de um sentido de marginalização ou resistência a uma sociedade percebida como ‘convencional’”.68 68 Ibid., p. 16. Tradução livre do original: “[...] a relatively diffuse social network having a shared identity, distinctive meanings around certain ideas, practices and objects, and a sense of marginalization from or resistance to a perceived ‘conventional’ society.” O autor demonstra, ainda, como a relação entre grupos com traços subculturais e alguns objetos - carros, motos, piercings, roupas e até mesmo músicas - estabelece práticas e valores que repercutem na sociedade de diversas formas: dão origem a novas profissões, fazem surgir eventos e datas especiais, constroem identidades e estilos de vida.

Os aportes teóricos acima explicitados remetem ao Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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,69 69 The Harley-Davidson..., site oficial a partir do qual iniciou-se a pesquisa exploratória sobre o referido museu. inaugurado em 2008 na cidade estadunidense de Milwaukee, no estado de Wisconsin, onde também se situa a sede da fabricante homônima de motocicletas. Trata-se da única instituição aqui contemplada que não chegou a ser visitada presencialmente por uma das autoras. Foi a mencionada divulgação midiática que primeiramente nos chamou a atenção para o referido museu e motivou a realização de uma pesquisa exploratória para a compreensão de sua proposta museológica. Entendemos, assim, que a incorporação do Harley-Davidson Museum ao presente artigo se justifica em caráter de complementaridade, como já apontado, em função de sua propriedade de evidenciar a formação de grupos sociais a partir da existência de um objeto em particular - nesse caso, das motocicletas da fabricante denominada Harley-Davidson. Tal ideia, por sua vez, se mostra intrínseca à proposta central do artigo, que busca contemplar instituições museais como lugares privilegiados na observação dos vínculos estabelecidos entre coisas e pessoas e demonstrar, assim, a relevância dos estudos voltados ao tema para o entendimento da vida social contemporânea.

O vídeo de introdução ao Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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, disponível na página de abertura de seu site institucional,70 70 Ibid. ressalta justamente a formação de tais grupos sociais a partir do seguinte texto, seguido de imagens ilustrativas de motocicletas da marca e dos encontros promovidos a partir do início de sua produção, no ano de 1903:

Desde os primeiros dias

Motocicletas Harley-Davidson foram entrelaçadas

À paisagem estadunidense

Pilotos apaixonados se reuniram para formar clubes

Ralis foram a rede social original

Uma cultura única

Um vínculo inquebrável.71 71 Ibid. Tradução livre do original: “From those earliest days / Harley-Davidson motorcycles were woven / Into the American Landscape / Passionate riders came together to form clubs / Rallies were the original social network / A unique culture / An unbreakable bond.”

A exposição do Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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nomeada como “permanente”72 72 Ibid. Tradução livre do original: “permanent exhibits”. Disponível em: ,https://bit.ly/2mEEbLp>. Acesso em: 31 mar. 2019. se encontra dividida em 11 galerias principais.73 73 A saber: Clubs & Competition; Custom Culture; Engine Room; Experience Gallery; The Harley-Davidson Journey, Part 1; The Harley-Davidson Journey, Part 2; The Motorcycle Gallery, Part 1; The Motorcycle Gallery, Part 2; Tank Wall; Imagination Station; Build-a-Bike. Ibid. Uma delas, denominada Clubs & Competition (Clubes & Competição), “[...] presta homenagem aos movimentos de base do início do século XX que giravam em torno da camaradagem, da emoção e do espírito competitivo que impulsionaram a atual cultura da motocicleta”.74 74 Ibid. Tradução livre do original: “[...] pays tribute to the grassroots movements of the early twentieth century that revolved around the camaraderie, thrill-seeking and competitive spirit that drove the motorcycle culture of the day”. Outras se dedicam a detalhar componentes específicos das motocicletas, tais como uma espécie de “árvore genealógica”, em que os motores exibidos ilustram o histórico de desenvolvimento do motor Harley-Davidson, e exposições interativas demonstram sua mecânica, ou, ainda, a parede onde são expostos diversos modelos de tanques - muitos deles, personalizados - das referidas motocicletas.

Outras galerias se propõem a traçar narrativas sobre a trajetória da marca, as quais incluem a exposição da motocicleta conhecida como Serial Number One - a mais antiga Harley-Davidson já produzida de que se tem notícia

- junto a outros modelos emblemáticos da fabricante. A Experience Gallery [Galeria da Experiência] expõe as motocicletas em que os visitantes podem “sentar, tocar e admirar”.75 75 Ibid. Tradução livre do original: “sit on, touch and admire”. Outros espaços dispõem de atividades interativas, como a que permite aos visitantes criar virtualmente a sua própria motocicleta e ter os respectivos projetos posteriormente projetados em telões do museu e arquivados em seu banco de dados. Por último, há uma galeria dedicada especialmente às crianças, com jogos, livros e equipamentos para elas projetados.

O Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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abriga frequentemente exposições temporárias, dentre as quais menciona-se, para fins de fundamentação do artigo, a Worn to be wild: the black leather jacket,76 76 Ibid. Uma tradução livre do título original da exposição: “Vestido(a) para ser rebelde: a jaqueta de couro preta”. Disponível em: <https://bit.ly/2lwD4gO>. Acesso em: 15 mar. 2019. cujo texto descritivo é aqui reproduzido integralmente, no sentido de facilitar a compreensão de sua proposta conceitual:

A jaqueta de couro preta. Rebeldia. Sex appeal. Confiança. Rock’n’roll. A jaqueta dos motoqueiros adquiriu sua identidade simbólica na última metade do século XX. Suas raízes são ainda mais profundas e seu significado atual incorpora algumas contradições interessantes. Evoluiu de roupas de couro anteriores, desenvolvidas para proteger seus usuários de alguns perigos. Hoje, sugere que seu usuário pode ser um pouco perigoso. Foi adotada por aqueles que rejeitavam as ideias tradicionais da moda. Tornou-se, agora, um acessório crucial da moda. A história da jaqueta de couro preta é bem simples, mas as camadas de associação e significado por ela acumuladas são bastante complexas. Cada geração adiciona seu novo conjunto de significados.77 77 Ibid. Tradução livre do original: “The black leather jacket. Rebellion. Sex appeal. Confidence. Rock ’n’ roll. The motorcycle jacket acquired its symbolic identity over the last half of the 20th century. Its roots go even deeper, and its current meaning embodies some interesting contradictions. It evolved from earlier leather garments developed to protect their wearers from danger. Today it carries a suggestion that its wearer is a little dangerous. It was adopted by rugged or ragged - individualists who rejected mainstream ideas of fashion. It has now become a crucial accessory of the fashion-conscious. The story of the black leather jacket is pretty simple, but the layers of association and significance it has accumulated are quite complex. Each succeeding generation adds its own new set of meanings.”

A instituição oferece, ainda, restaurantes e uma série de espaços temáticos para a realização de variados tipos de evento, entre reuniões corporativas e cerimônias de casamento. Os arquivos sobre o histórico da marca e de seus produtos fazem parte do acervo e estão disponíveis para consulta. Qualquer pessoa pode enviar à curadoria do museu uma imagem e descrição de um item relacionado ao universo das motocicletas Harley-Davidson, a fim de doá-lo à instituição.78 78 Ibid. Disponível em: <https://bit.ly/2mD7oGC>. Acesso em 6 jun. 2019. O site institucional traz informações sobre encontros de motociclistas, exposições temporárias e atividades de mediação promovidas pelo museu, tais como a entrada gratuita para pais e avôs no Dia dos Pais e a realização de concertos musicais, com a participação de bandas locais, em parceria com empresas do setor privado.79 79 Cf. The Harley-Davidson...

Seguindo a linha de pensamento de Miller80 80 Cf. Miller (2007). e Haenfler,81 81 Haenfler (2014). buscou-se identificar a existência de um ou mais grupos formados a partir de sua relação com as motocicletas Harley-Davidson, chegando-se assim ao Harley Owners Group (HOG),82 82 O Hell’s Angels foi também mapeado como um grupo possuidor de traços subculturais ligado ao uso de motocicletas, porém, na pesquisa exploratória, não foi identificada a necessidade explícita de se possuir uma motocicleta, ou especificamente uma Harley-Davidson, para fazer parte do grupo. Dessa forma, para o objetivo proposto no presente artigo, optou-se pelo HOG como exemplo ilustrativo da formação de um grupo social em função de um ou mais objetos. criado pela marca em 1983, cujo site oficial83 83 <https://members.hog. com>. Acessado em 3/7/2017 e revisitado em 18/1/2018. menciona a existência de mais de um milhão de membros em todo o mundo e deixa clara a necessidade de posse de uma motocicleta Harley-Davidson para a inserção no grupo. Existem duas categorias disponíveis para cadastramento: membro pleno, para aqueles que efetivamente possuem uma motocicleta da marca, e membro dependente, para a inclusão de amigos ou familiares de um proprietário já cadastrado. Ser um membro do HOG garante benefícios como a entrada gratuita no museu de Milwaukee e o estabelecimento de contato com proprietários de motocicletas Harley-Davidson de todo o mundo.

O fato de representar uma rede difusa, pela existência de membros cadastrados em todo o mundo, e uma identidade comum repleta de significados próprios84 84 Cf. Haenfler (2014). em torno do uso das motocicletas Harley-Davidson, garantiria ao HOG o status de uma subcultura. No entanto, o que aqui se pretende, de fato, é ilustrar, por meio da criação do HOG, o papel da materialidade na constituição de narrativas de vida - nesse caso, na formação de um grupo social a partir de um ou mais objetos, além dos possíveis desdobramentos dessa relação no que diz respeito a especificidades de vestuário, alimentação, entretenimento e outras características que ajudam a compor um determinado estilo de vida.

Miller aponta que “o estilo, longe de ser superficial, tem então se tornado um instrumento central pelo qual a identidade é construída sem ser subserviente a estruturas sociais institucionais”.85 85 Miller (1994, p. 414). Tradução livre do original: “Style, far from being superficial, has here become the central instrument by which identity is constructed without its being made subservient to social institutional structures.” Podemos pensar, para efeito da presente discussão, que o estilo é um tipo de narrativa de si e, por oposição, do outro. Nas situações em que um objeto é tido como determinante para a formação de um grupo social e de um estilo dele derivado - como é o caso do HOG -, torna-se bastante evidente a existência de um conhecimento prévio, mais específico e aprofundado desse grupo sobre o objeto que lhe dá origem, em relação ao que seria compartilhado de modo geral pela sociedade. Há, portanto, uma narrativa que permeia o senso comum e que “conta uma história” a respeito de determinadas práticas, crenças, valores e costumes, ou, numa palavra, de uma dada cultura. O que destacamos aqui é o aspecto material da construção dessa narrativa e como cada objeto, coisa ou artefato, não importa aqui o termo, realiza (torna real) a experiência social vivida - sem as coisas, o social não se realiza. Isso faz, também, com que o referido objeto se torne, ao mesmo tempo, coletivo e único, extremamente diferenciado para aquele determinado grupo, remetendo assim à ideia de singularização descrita por Kopytoff:

As sociedades complexas têm um evidente desejo de singularização. Grande parte desse desejo é satisfeita individualmente pela singularização particular, baseada em princípios tão corriqueiros quanto os que determinam o destino de grandes patrimônios, ou de chinelos velhos - a longevidade do relacionamento de algum modo os assimila de tal forma à pessoa que torna impensável uma separação entre eles.

Por vezes esse desejo humano assume as propriedades de uma fome coletiva, que se evidencia nas respostas generalizadas a renovadas formas de singularização. Coisas velhas, como latas de cerveja, caixas de fósforo e revistas em quadrinho, de repente assumem valor, e passa a ser vantajoso colecioná-las; assim, elas passam da esfera do que é sem valor para a esfera do que é singularmente caro [...] Tal como entre os indivíduos, grande parte da singularização coletiva é alcançada pela referência à passagem do tempo. Como mercadorias, os carros vão perdendo valor conforme ficam mais velhos, mas, quando chegam mais ou menos à idade de 30 anos, começam a transitar para a categoria de antiguidades e passam a ganhar valor com cada ano que passa.86 86 Kopytoff (2010 [1986], p. 109).

A longevidade surge aqui, novamente, como um importante aspecto na definição do lugar ocupado por um objeto em um determinado contexto social. No caso do Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
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, antigas motocicletas e seus acessórios foram expostos junto a novos modelos para que uma história fosse não só contada, como também preservada. E a existência de atividades destinadas a crianças e a adolescentes evidencia que sua continuidade passa necessariamente pela transmissão às novas gerações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo se propôs a iluminar a relação entre materialidade e sociedade, por meio da experiência proporcionada pelos museus. Tomando como base algumas das teorias dos campos da antropologia do consumo e da cultura material, respeitando e destacando as sutis diferenças que tais pontos de vista elaboram, três museus - um de um personagem de ficção, outro de um período histórico europeu e outro, ainda, de motocicletas “envenenadas” - servem de recorte para a construção da ideia principal deste texto: as coisas materiais estabelecem laços com as pessoas e, mais, dão concretude a narrativas que, tais como fios que se fixam no solo para não deixar que se percam os balões de gás, vinculam nossa existência ontológica a ideias, conceitos, histórias e categorias culturais que sustentam as dinâmicas coletivas - e individuais - de nossa vida prática.

Ao apresentar os resultados das observações diretas ou indiretas realizadas nos museus analisados, o que se retém é a evidência dos objetos materiais como, talvez, a única forma possível de estabelecer uma comunicação entre as pessoas e histórias outras que, se não por suas singularidades, contam também muito sobre diferentes formas de ser humano, ou de humanidades. Até que ponto, pela própria ordem configurada pela curadoria dos museus, as narrativas que aqui foram apresentadas ora como reais, ora como ficcionais, são, de fato, “verdades” ou “ilusões”? Podemos duvidar de que Sherlock Holmes tenha existido, se seu cachimbo ali se apresenta diante de nossos olhos? E como acreditar que apenas um muro dividiu por tanto tempo dois mundos tão próximos e tão distantes, como aquele da Alemanha? A “verdade” é a que se materializa diante de nós. Talvez venha daí o provérbio de origem cristã “ver para crer”. Para além do que as coisas contam, se ficcionais ou não, o que de fato é importante, no contexto dos museus, são os significados que revelam, esses sim, a nossa história, enquanto sociedade. Grupos e laços sociais, como os dos motoqueiros, não se perpetuariam se os objetos não existissem. E é nesse sentido que convidamos as ciências sociais a reforçar o olhar para o mundo material com menos superficialidade e com mais profundidade, e para os Estudos de Cultura Material como um campo de natureza transdisciplinar,87 87 Lima (2011, p. 12). a ser ainda sedimentado em suas múltiplas vertentes.

REFERÊNCIAS
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  • PONTES, Mario. Elementares: notas sobre a história da literatura policial. Rio de Janeiro: Odisséia, 2007.
  • SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar , 2003 [1976].
  • SIMMEL, Georg. Psicologia do Dinheiro e outros ensaios. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009.
  • TAYLOR, Frederick. O muro de Berlim: um mundo dividido 1961-1989. Rio de Janeiro: Record, 2009.
  • WEXLER, Bruce. The mysterious world of Sherlock Holmes. Inglaterra: Pepperbox, 2012.

SITES

  • DDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
    » https://bit.ly/2l4KebP
  • DEUTSCHE WELLE. Trabant, o carro da Alemanha Oriental. [Vídeo, 5min19s]. 28 out. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://p.dw.com/p/1DdVg >. Acesso em: 10 jan. 2018; 25 nov. 2018.
    » https://p.dw.com/p/1DdVg
  • FRANCE PRESSE. Ingleses acham Sherlock Holmes existiu, mas Churchill não, diz pesquisa. In: G1. 3 fev. 2008. Atualizado em 3 fev. 2008. Disponível em: <Disponível em: https://glo.bo/2l08xaG >. Acesso em: set. 2015; nov.2018.
    » https://glo.bo/2l08xaG
  • HARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
    » https://bit.ly/2nbkgUK
  • THE SHERLOCK HOLMES MUSEUM. Londres. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/1k6FEkC >. Acesso em 5 jun. 2019.
    » https://bit.ly/1k6FEkC
  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de financiamento 001.
  • 7
    Optou-se por preservar os nomes dos museus em seu idioma original. Faz-se relevante mencionar que DDR é abreviação de Deutsche Demokratische Republik, nome oficial, no idioma alemão, da antiga Alemanha Oriental; na língua portuguesa, traduz-se como República Democrática Alemã (RDA).
  • 8
    Ver, respetivamente, para o Sherlock Holmes Museum, o DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
    https://bit.ly/2l4KebP...
    e o Harley-Davidson MuseumHARLEY-DAVIDSON MUSEUM. Milwaukee, WI, EUA. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2nbkgUK >. Acesso em: 5 jan. 2018.
    https://bit.ly/2nbkgUK...
    : <https://bit.ly/2S1vLaX>; <https://bit.ly/2mGx0SO>; <https://bit.ly/2mAdKqm>.
  • 9
    Dada a complexidade do termo, ressaltamos que, neste caso, e em toda a seção referente a ele, a categoria “real” aparece especialmente como contraponto ao universo ficcional e suas construções imaginárias, remetendo, assim, às vivências cotidianas, também referidas, nesta ocasião, pelo termo “extraficção”.
  • 10
    O DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
    https://bit.ly/2l4KebP...
    foi inaugurado em 2006 e a referida visita realizada em 2010, conforme será detalhado ao longo do texto.
  • 11
    Zobaran (2016)ZOBARAN, Eduardo. Milwaukee, motocicletas e cervejarias a um pulo de Chicago. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 9 jun. 2016 [atualizada em 15 set. 2017], Boa Viagem. Disponível em: <Disponível em: https://glo.bo/2n9FjqB >. Acessado em: 29 jan. 2017; 26 nov. 2018.
    https://glo.bo/2n9FjqB...
    .
  • 12
    A pesquisa exploratória consistiu em acessos ao site oficial <https://bit. ly/2nbkgUK> e visitas a sites de grupos sociais formados a partir do uso de motocicletas, tais como os HOG’s (Harley Owners Group) e Hell’s Angels, respectivamente: <https://bit.ly/2ClXNcd> e <https://bit.ly/1nQEyZO>. Acesso em: 6 jan. 2018.
  • 13
    Cf. Sahlins (2003 [1976])SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar , 2003 [1976]..
  • 14
    Cf. Douglas e Isherwood (2004DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O Mundo dos Bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. [1979]).
  • 15
    Cf. Campbell (2001).
  • 16
    Baudrillard (1995BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 1995., p.26).
  • 17
    Cf. Appadurai (2008)APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008..
  • 18
    Cf. Kopytoff (2008)KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008..
  • 19
    Cf. Bourdieu (2007)BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007..
  • 20
    São eles: Um estudo em vermelho (1887); O signo dos quatro (1890); O cão dos Baskerville (1901) e O vale do terror (1914/1915).
  • 21
    Cf. Wexler (2012)WEXLER, Bruce. The mysterious world of Sherlock Holmes. Inglaterra: Pepperbox, 2012..
  • 22
    Arthur Conan Doyle considerava o romance policial como subliteratura e tentou, mais de uma vez, dar fim ao personagem (Pontes, 2007PONTES, Mario. Elementares: notas sobre a história da literatura policial. Rio de Janeiro: Odisséia, 2007.). Diante dos protestos do público, porém, prosseguiu com a trama, publicando um total de quatro títulos abarcando o universo de Holmes, além de dezenas de contos avulsos.
  • 23
    Cf. The Sherlock Holmes...
  • 24
    Dados específicos sobre sua política de aquisição de acervo, assim como a ocorrência ou não de atividades educacionais no Sherlock Holmes Museum, não foram encontradas até o momento da publicação. As informações não estão disponibilizadas no site oficial do museu, que tende a se concentrar na construção do enigmático universo de Holmes a disponibilizar informações institucionais. No fechamento desta edição, as autoras aguardavam ainda retorno da instituição.
  • 25
    Cf. McCracken (2003MCCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. [1988]).
  • 26
    Cf. Miller (2013)MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar , 2013..
  • 27
    Miller (2013)MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar , 2013. observa que, em Londres, as roupas funcionam menos como demonstração pública da aparência particular do sujeito, e mais, sobretudo, como autoexpressão.
  • 28
    Apud Miller (2013)MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar , 2013..
  • 29
    A invenção do dinheiro (Simmel, 2009SIMMEL, Georg. Psicologia do Dinheiro e outros ensaios. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009.) também se mostra importante nesse sentido, uma vez que contribui para tornar mais livres e flexíveis as relações entre pessoas e coisas, marcadas, até a cultura antiga, pela rigidez das leis suntuárias, que determinavam, antes mesmo do nascimento, o universo de bens e consumo que uma pessoa poderia ter acesso por toda a vida. Nesse contexto que não previa nenhum tipo de mobilidade social, o sujeito ficava limitado a consumir, por toda a sua existência, apenas o que era legalmente predestinado a sua classe e posição social, sob a pena de responder criminalmente por sua transgressão.
  • 30
    Miller (2013MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar , 2013., p.61).
  • 31
    Doyle (2013DOYLE, Conan. O cão dos Baskerville. Rio de Janeiro: Zahar, 2013., p. 9).
  • 32
    Ibid., p. 15.
  • 33
    Ibid., p. 15.
  • 34
    Cf. Baudrillard (1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulações. Lisboa: Relógio d’Água, 1991. [1986]).
  • 35
    Cf. Baudrillard (1991)BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulações. Lisboa: Relógio d’Água, 1991..
  • 36
    Por “consumo de experiência”, entendemos uma dinâmica especial de consumo em que há uma suspensão da descrença e a imersão do sujeito durante a “experiência do consumo”, esta, por sua vez, inerente a qualquer tipo de consumo. O conceito é explorado em Pereira; Siciliano; Rocha (2015)PEREIRA, Cláudia; SICILIANO, Tatiana; ROCHA, Everardo. “Consumo de experiência” e “experiência de consumo”: uma discussão conceitual. In: Logos. Dossiê: Cotidiano e Experiência, v. 22, p. 6-17, 2015..
  • 37
    Ordem central do “acordo ficcional” estabelecido entre leitor e obra, durante a leitura, no intuito de assegurar que tudo que está sendo narrado deve necessariamente ser aceito como viável e verdadeiro. Cf. Eco (1994)ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994..
  • 38
    Para ref. das imagens cf. Wexler (2012)WEXLER, Bruce. The mysterious world of Sherlock Holmes. Inglaterra: Pepperbox, 2012..
  • 39
    Cf. Pereira; Siciliano; Rocha (2015)PEREIRA, Cláudia; SICILIANO, Tatiana; ROCHA, Everardo. “Consumo de experiência” e “experiência de consumo”: uma discussão conceitual. In: Logos. Dossiê: Cotidiano e Experiência, v. 22, p. 6-17, 2015..
  • 40
    France Presse (3 fev.2008)FRANCE PRESSE. Ingleses acham Sherlock Holmes existiu, mas Churchill não, diz pesquisa. In: G1. 3 fev. 2008. Atualizado em 3 fev. 2008. Disponível em: <Disponível em: https://glo.bo/2l08xaG >. Acesso em: set. 2015; nov.2018.
    https://glo.bo/2l08xaG...
    .
  • 41
    Dentre a série de referências bibliográficas disponíveis sobre tal período, utilizou-se, para fins de contextualização do artigo, Taylor (2009)TAYLOR, Frederick. O muro de Berlim: um mundo dividido 1961-1989. Rio de Janeiro: Record, 2009. e Kempe (2013)KEMPE, Frederick. Berlim, 1961: Kennedy, Khruschóv e o lugar mais perigoso do mundo. São Paulo: Companhia das Letras , 2013..
  • 42
    Cf. DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
    https://bit.ly/2l4KebP...
    . Tradução livre do original: “[...] introduces its visitors to the history of everyday life in the DDR and the realities of life under Socialism. Visitors are invited to extend their knowledge of a wide range of topics through engaging directly with historical sources. We do not hide all of our exhibits behind glass, but encourage our visitors to touch, hold and interact with a range of objects and installations”.
  • 43
    Cerca de 10 mil objetos do referido acervo estão disponíveis para acesso on-line, cada um com sua respectiva imagem e breve descrição. Em: <https://bit.ly/2naR7ZH>. Acesso em: 6 jun. 2019.
  • 44
    Tal lista encontra-se disponível em: <https://bit.ly/2lIjC0m>. Acesso em: 5 jun. 2019.
  • 45
    Sabino; Alexander (set. 2013SABINO, Mario; ALEXANDER, Cíntia. Berlim, cidade aberta. In: VEJA. Edição especial, n. 2340, ano 46, p. 158-162, set. 2013., p. 158-162).
  • 46
    A visita presencial ao museu evidenciou, de imediato, tal proposta, que também é enfaticamente descrita ao longo do site oficial da instituição (<https://bit.ly/1Ly1XKW>). Acesso em: 3 jul. 2017; 6 jun. 2019.
  • 47
    Carro fabricado à época na Alemanha Oriental. Cf. Deutsche Welle (28 out. 2014)DEUTSCHE WELLE. Trabant, o carro da Alemanha Oriental. [Vídeo, 5min19s]. 28 out. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://p.dw.com/p/1DdVg >. Acesso em: 10 jan. 2018; 25 nov. 2018.
    https://p.dw.com/p/1DdVg...
    .
  • 48
    Ministério da Segurança de Estado da antiga Alemanha Oriental. Taylor (2009TAYLOR, Frederick. O muro de Berlim: um mundo dividido 1961-1989. Rio de Janeiro: Record, 2009., p.103).
  • 49
    Cf. DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
    https://bit.ly/2l4KebP...
    . Tradução livre do original: “What was everyday life like in the DDR?
  • 50
    Miller (2007MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. In: Horizontes Antropológicos: Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul.-dez. 2007, p. 52).
  • 51
    Miller (1994MILLER, Daniel. Artefacts and the meaning of things. In: Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994, p. 396-419., p. 397).
  • 52
    Ibid. Tradução livre do original: “Artefacts are means by which we give form to, and come to an understanding of, ourselves, others, or abstractions such as the nation or the modern.
  • 53
    Cf. Miller (1994)MILLER, Daniel. Artefacts and the meaning of things. In: Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994, p. 396-419..
  • 54
    Ibid., p. 400.
  • 55
    Ibid. Tradução livre do original: “If the meaning of objects derives from the orders into which they are incorporated, then the same artefact may change its implications simply by being introduced into some new order.
  • 56
    Cf. Miller (1994MILLER, Daniel. Artefacts and the meaning of things. In: Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994, p. 396-419.; 2007MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. In: Horizontes Antropológicos: Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul.-dez. 2007).
  • 57
    Cf. Lima (2011)LIMA, Tania Andrade. Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 1, p. 11-23, jan-abr. 2011..
  • 58
    Ibid., p. 20.
  • 59
    Cf. Miller (1994)MILLER, Daniel. Artefacts and the meaning of things. In: Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994, p. 396-419..
  • 60
    Ibid., p. 409. Tradução livre do original: “[...] the artefact, or at least that which the artefact represents, outlasts persons and thus becomes the vehicle by which persons attempt to transcend their own temporal limits”.
  • 61
    Ibid., p. 410. Tradução livre do original: “In all such cases the mere fact of the previous existence of things confers responsibility at the same moment that it bestows identity. Just as persons know themselves through identification with their clan totem or with the boundary stones of their land, so it is now their duty to ensure preservation through to the next generation.
  • 62
    Cf. DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
    https://bit.ly/2l4KebP...
    (<https://bit.ly/2mAgMe5>). Acesso em: 5 jun. 2019.
  • 63
    Cita-se aqui, como exemplo ilustrativo, o evento programado para o dia 11 de junho de 2019, sob o título My Trabi - 26 Two-Stroke Stories [Meu Trabi - 26 histórias em dois tempos], em que donos de carros do modelo Trabant, produzido exclusivamente no antigo país, narram a forma pelas quais suas histórias de vida acabaram entrelaçadas a tais veículos. Cf. DDR MuseumDDR MUSEUM. Berlim. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4KebP >. Acesso em: 3 jul. 2017; 22 nov. 2018.
    https://bit.ly/2l4KebP...
    <https://bit.ly/2lxnn99>. Acesso em: 5 jun. 2019.
  • 64
    Miller (2007MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. In: Horizontes Antropológicos: Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul.-dez. 2007, p. 34).
  • 65
    Ibid., p. 47.
  • 66
    Ibid., p. 47.
  • 67
    Haenfler (2014HAENFLER, Ross. Subcultures: the basics. Nova York: Routledge, 2014., p. 16).
  • 68
    Ibid., p. 16. Tradução livre do original: “[...] a relatively diffuse social network having a shared identity, distinctive meanings around certain ideas, practices and objects, and a sense of marginalization from or resistance to a perceived ‘conventional’ society.”
  • 69
    The Harley-Davidson..., site oficial a partir do qual iniciou-se a pesquisa exploratória sobre o referido museu.
  • 70
    Ibid.
  • 71
    Ibid. Tradução livre do original: “From those earliest days / Harley-Davidson motorcycles were woven / Into the American Landscape / Passionate riders came together to form clubs / Rallies were the original social network / A unique culture / An unbreakable bond.
  • 72
    Ibid. Tradução livre do original: “permanent exhibits”. Disponível em: ,https://bit.ly/2mEEbLp>. Acesso em: 31 mar. 2019.
  • 73
    A saber: Clubs & Competition; Custom Culture; Engine Room; Experience Gallery; The Harley-Davidson Journey, Part 1; The Harley-Davidson Journey, Part 2; The Motorcycle Gallery, Part 1; The Motorcycle Gallery, Part 2; Tank Wall; Imagination Station; Build-a-Bike. Ibid.
  • 74
    Ibid. Tradução livre do original: “[...] pays tribute to the grassroots movements of the early twentieth century that revolved around the camaraderie, thrill-seeking and competitive spirit that drove the motorcycle culture of the day”.
  • 75
    Ibid. Tradução livre do original: “sit on, touch and admire”.
  • 76
    Ibid. Uma tradução livre do título original da exposição: “Vestido(a) para ser rebelde: a jaqueta de couro preta”. Disponível em: <https://bit.ly/2lwD4gO>. Acesso em: 15 mar. 2019.
  • 77
    Ibid. Tradução livre do original: “The black leather jacket. Rebellion. Sex appeal. Confidence. Rock ’n’ roll. The motorcycle jacket acquired its symbolic identity over the last half of the 20th century. Its roots go even deeper, and its current meaning embodies some interesting contradictions. It evolved from earlier leather garments developed to protect their wearers from danger. Today it carries a suggestion that its wearer is a little dangerous. It was adopted by rugged or ragged - individualists who rejected mainstream ideas of fashion. It has now become a crucial accessory of the fashion-conscious. The story of the black leather jacket is pretty simple, but the layers of association and significance it has accumulated are quite complex. Each succeeding generation adds its own new set of meanings.
  • 78
    Ibid. Disponível em: <https://bit.ly/2mD7oGC>. Acesso em 6 jun. 2019.
  • 79
    Cf. The Harley-Davidson...
  • 80
    Cf. Miller (2007)MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. In: Horizontes Antropológicos: Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul.-dez. 2007.
  • 81
    Haenfler (2014)HAENFLER, Ross. Subcultures: the basics. Nova York: Routledge, 2014..
  • 82
    O Hell’s Angels foi também mapeado como um grupo possuidor de traços subculturais ligado ao uso de motocicletas, porém, na pesquisa exploratória, não foi identificada a necessidade explícita de se possuir uma motocicleta, ou especificamente uma Harley-Davidson, para fazer parte do grupo. Dessa forma, para o objetivo proposto no presente artigo, optou-se pelo HOG como exemplo ilustrativo da formação de um grupo social em função de um ou mais objetos.
  • 83
    <https://members.hog. com>. Acessado em 3/7/2017 e revisitado em 18/1/2018.
  • 84
    Cf. Haenfler (2014)HAENFLER, Ross. Subcultures: the basics. Nova York: Routledge, 2014..
  • 85
    Miller (1994MILLER, Daniel. Artefacts and the meaning of things. In: Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994, p. 396-419., p. 414). Tradução livre do original: “Style, far from being superficial, has here become the central instrument by which identity is constructed without its being made subservient to social institutional structures.
  • 86
    Kopytoff (2010 [1986], p. 109).
  • 87
    Lima (2011LIMA, Tania Andrade. Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 1, p. 11-23, jan-abr. 2011., p. 12).
  • 5
    Cf. Miller (1994MILLER, Daniel. Artefacts and the meaning of things. In: Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994, p. 396-419.; 2007MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. In: Horizontes Antropológicos: Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul.-dez. 2007; 2013MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar , 2013.); Campbell (2001); McCraken (2003); Douglas e Isherwood (2004)DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O Mundo dos Bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.; Kopytoff (2010); Lima (2011)LIMA, Tania Andrade. Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 1, p. 11-23, jan-abr. 2011..
  • 6
    Cf. Miller (1994MILLER, Daniel. Artefacts and the meaning of things. In: Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994, p. 396-419.; 2007MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. In: Horizontes Antropológicos: Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul.-dez. 2007; 2013MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar , 2013.); Campbell (2001); McCraken (2003); Douglas e Isherwood (2004)DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O Mundo dos Bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.; Kopytoff (2010); Lima (2011)LIMA, Tania Andrade. Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 1, p. 11-23, jan-abr. 2011..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2018
  • Aceito
    17 Jun 2019
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