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Metonímia da conveniência: o entorno de si mesma no caso do tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo

Metonymy of convenience: the buffer zone in the listing of Igreja da Ordem Terceira do Carmo in the municipality of São Paulo, Brazil

RESUMO

O caso do tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, em São Paulo, em 1996, apresenta os meandros do processo de identificação do patrimônio cultural brasileiro, evidenciando os embates entre narrativas de seleção que ora ampliam as possibilidades de compreensão do bem cultural, ora reiteram as práticas já consolidadas de reconhecimento do patrimônio edificado. A discussão perdurou por 38 anos e culminou na seleção de partes da edificação - frontaria, nave, capela-mor, sacristia e compartimentos em estrutura de taipa - caracterizadas enquanto bem tombado e na delimitação das demais fachadas e elementos integrantes da edificação como área de entorno.

PALAVRAS-CHAVE:
Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo; Iphan; Narrativas de seleção; Neocolonial; Entorno; Patrimônio cultural

ABSTRACT

The listing of the Igreja da Ordem Terceira do Carmo, in the municipality of São Paulo, in 1996, reflects the complexities of the identification process of Brazilian cultural assets, evidencing the disputes between selection narratives that sometimes widen the possibilities of understanding the cultural asset, and other times reiterate consolidated practices of classification of built assets. The discussion took 38 years and resulted in the selection of parts of the building - facade, nave, chapel, sacristy, and rammed earth compartments - listed as built heritage and the delimitation of the other facades and integral elements of the building as buffer zone.

KEYWORDS:
Igreja da Ordem Terceira do Carmo in São Paulo; Iphan; Selection narratives; Neocolonial; Buffer zones; Cultural Heritage

INTRODUÇÃO

O presente artigo analisa o complexo processo de atribuição de valor ao patrimônio cultural, a partir do caso do tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo. Para tanto, foram adotadas como principais fontes de pesquisa os dois processos de tombamento abertos pelo Iphan para tratar do caso, nos anos 1958 e 1985. Foi possível avaliar, assim, o posicionamento de diferentes agentes da instituição no tocante ao reconhecimento do valor integral da Igreja como bem patrimonial. As divergências nas formas de interpretar a edificação como patrimônio cultural associam-se às concepções de patrimônio vinculadas à ideia de unidade, ou homogeneidade. Por isso, foi adotada como estratégia de preservação uma atitude inusitada, com o tombamento de alguns dos elementos integrantes do imóvel e o uso da figura do entorno como recurso para a proteção do restante da Igreja. As diferentes posições internas da instituição, analisadas no artigo, possibilitam a compreensão dos embates narrativos em torno das concepções de patrimônio cultural no contexto brasileiro. Deste modo, sobressaem-se os confrontos técnicos acerca do valor integral da Igreja, bem como as nuances entre as posições adotadas pela direção central e pelas unidades descentralizadas do Iphan. O debate analisado possibilita, também, aprofundar questões atuais no tocante às práticas de salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, como a territorialização e a variação dos critérios de seleção adotados nos tombamentos do patrimônio edificado realizados pelo Iphan; a filiação dos técnicos da instituição com arquitetos do movimento moderno, dificultando o reconhecimento do neocolonial como representação nacional; e a resistência de absorção do alargamento do conceito de patrimônio cultural previsto pela Constituição Federal (CF) de 1988 nas estratégias de salvaguarda do patrimônio material. As diferentes narrativas apresentadas no caso do tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo evidenciam, portanto, as disputas e os conflitos inerentes ao processo de valoração do patrimônio cultural brasileiro.

Os posicionamentos internos do Iphan estão presentes nas narrativas de seleção defendidas por diretores e técnicos da instituição. São as narrativas de Rodrigo Melo Franco de Andrade, dos arquitetos Augusto da Silva Telles, Paulo Thedim Barreto, Helena Mendes, Jurema Arnaut, Luís Saia, e Cláudia Girão Barroso, da museóloga Glaucia Côrtes Abreu, e dos historiadores Roberto Maldos, Carlos F. Cerqueira e Marcus Tadeu Daniel Ribeiro que conduzem a análise aqui apresentada sobre as formas de interpretação e valoração da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo enquanto patrimônio cultural brasileiro. Optou-se, portanto, pela compreensão das narrativas de seleção a partir dos agentes, entendendo o patrimônio cultural como produto e processo oriundo da sobreposição de interpretações e das variadas formas de valoração.

A complexidade envolvida no processo de identificação dos bens tombados e de suas áreas de entorno compreende aspectos relativos à extensão e às formas adotadas para interpretação do patrimônio, bem como às categorias de análise que foram empregadas ao longo da trajetória do Iphan para legitimar o conjunto de bens reconhecido enquanto patrimônio cultural brasileiro. A “Proposta de tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX: de autoria do Padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no Edifício Conventual das Irmãs de São José, em ltu, SP”2 2 Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (1996, p. 10). teve a relatoria do conselheiro do Iphan, Augusto da Silva Telles, e apresentou de forma curiosa a complexidade dos limites do que se tomba e do que “fica de fora”, em reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan ocorrida em 1996. Tal proposta evidencia questões concernentes às estratégias de seleção e delimitação de entorno para um bem isolado. A decisão da reunião do Conselho data de 1996, mas a trajetória de reconhecimento da Igreja como patrimônio cultural brasileiro durou 38 anos e suscita interessantes reflexões.

O primeiro processo de tombamento aberto sobre o tema, em 1958, foi concluído com o posicionamento do arquiteto Paulo Thedim Barreto, que caracterizou a edificação a partir de intervenções “concebidas segundo feição arquitetônica incaracterística”,3 3 Ibid., p. 12. justificando seu posicionamento contrário ao tombamento do imóvel em 1959. Após 23 anos, a possibilidade de tombamento da Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo voltou à pauta institucional. Um novo processo de tombamento da Igreja foi aberto em 1985 e o bem foi inscrito nos Livros do Tombo de Belas Artes e Histórico em 1999.4 4 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1985). A solicitação de tombamento partiu do Museu de Arte Sacra de Itu e, inicialmente, referia-se ao tombamento das obras de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, que se encontravam na Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, em Itu, São Paulo, para integrar o Museu de Arte Sacra “Padre Jesuíno do Monte do Carmelo”, que seria reinstalado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Itu, São Paulo.

Em 1985, quando da abertura de novo processo de tombamento para a tutela da edificação, novas formas de interpretação da Igreja entraram em cena. É, mais precisamente, neste processo que se notabilizam os embates em torno do reconhecimento integral da Igreja como patrimônio nacional, o que possibilita a leitura das diversas formas de interpretação do bem cultural. O processo aberto em 1985 foi encerrado, em 1996, com a decisão favorável ao tombamento de alguns elementos constituintes da edificação e a caracterização dos demais enquanto entorno de bem tombado. Este posicionamento foi apresentado como uma “solução conciliatória” pelo relator e conselheiro Augusto da Silva Telles, quando argumentou que a “feição atual das frontarias laterais e posterior não apresenta qualquer interesse, seja como obra histórica, seja como solução arquitetônica contemporânea: trata-se de uma obra comum dos anos trinta e quarenta, de uma arquitetura comercial, projeto de firma construtora”.5 5 Ibid., p. 12-13, grifo nosso.

O desenrolar da discussão sobre o tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo evidencia a permanência e a resiliência de posicionamentos que direcionaram as primeiras estratégias de preservação do patrimônio cultural brasileiro. Torna-se patente, portanto, que os conflitos presentes na criação do órgão ainda ecoam em estratégias de reconhecimento patrimonial. Os embates narrativos entre os “neocoloniais” e os “modernos” na definição de uma identidade nacional;6 6 Cf. Cavalcanti (2000). a vinculação e idealização dos cânones modernistas por parte do corpo técnico e do Conselho Consultivo do Iphan;7 7 Cf. Marins (2016), Miceli (1987) e Rubino (1991). a dificuldade de assimilação e incorporação das possibilidades de alargamento do conceito de patrimônio cultural previstas na Constituição Federal de 1988;8 8 Cf. Meneses (2009, 2017) e Motta (2017). a territorialização das estratégias de preservação do patrimônio cultural brasileiro;9 9 Cf. Marins (2011) e Rodrigues (1994). as possibilidades de interpretação deste por outros campos disciplinares, como a História,10 10 Cf. Chuva (2009) e Nascimento (2012, 2016). e a dificuldade do reconhecimento da atribuição de valor ao patrimônio cultural como uma operação do tempo presente e que deve considerar uma pluralidade de agentes sociais11 11 Cf. Meneses (2012, 2017) e Smith (2006). são aspectos observados no processo de reconhecimento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo. Assim, é possível constatar que a almejada superação dessas questões e o amadurecimento da instituição ainda está em curso e que o alargamento do conceito de patrimônio cultural presente no debate técnico e acadêmico ainda não se encontra assentado à prática institucional do Iphan.

Observa-se a busca constante por uma certa “homogeneidade” no processo de identificação da Igreja enquanto patrimônio nacional, mesmo se tratando de uma interpretação patrimonial fruto de meados da década de 1990. A caracterização de parte da Igreja como “obra comum dos anos trinta e quarenta, arquitetura comercial e projeto de firma construtora” denota a hierarquia adotada na interpretação patrimonial do edifício e a rejeição das intervenções ocorridas na Igreja como parte integrante de sua história. É possível observar, também, a negação do neocolonial como expressão passível de tombamento. Por isso, as intervenções foram qualificadas como “arquitetura comercial” ou “obra comum”, evitando, inclusive, a alusão à palavra neocolonial.

Seja na escala urbana ou na escala do edifício, como no caso da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, o ideal do todo coeso e homogêneo encontra-se presente. Deste modo, elementos representativos de outros momentos ou estilos arquitetônicos foram interpretados enquanto “apêndices”12 12 Como no caso do tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de Penedo em Alagoas, cuja relatoria também foi assumida pelo conselheiro Augusto da Silva Telles (PEREIRA, 2021). dos atributos identificados, ou uma espécie de “entorno” de si mesmo, elementos tributários do valor conferido aos elementos “originais” do bem valorado. Tal originalidade, contudo, foi interpretada, ao longo do processo de patrimonialização da edificação, de diferentes formas pelos técnicos e pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan. As partes representativas do todo, entretanto, não são as mesmas nas narrativas de seleção analisadas.

A PARTE PELO TODO

A “saga” pela preservação da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo iniciou-se em 1958, com a solicitação em carta de próprio punho de Rodrigo Melo Franco de Andrade à Divisão de Estudos de Tombamento requerendo a proteção do bem, caracterizado como “obra de arquitetura religiosa”,13 13 Andrade (1958). que corria “riscos de danos à feição original”. Em dezembro do mesmo ano, foram realizadas inspeções pela Direção de Obras, nas figuras de Edgar Jacintho da Silva, Hermann Hugo Graeser e Armando Bollo, que vistoriaram as Igrejas da Ordem Terceira do Carmo e a de São Francisco, em São Paulo. A comissão encarregada da vistoria emitiu o relatório, em 14 de janeiro de 1959, defendendo que “a de São Francisco que em seu gênero e época, si [sic] não for a única subsistente, é sem dúvida a mais notável, mormente considerando que ainda se mantém quase sem nenhuma modificação ou reformas, ou pelos menos sem reformas violentas e deturpantes”.14 14 Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1958, p. 194). Por isso, o chefe da seção de Obras, Edgar Jacintho da Silva, encaminhou informação, ainda em janeiro do mesmo ano, propondo o tombamento da Igreja da Ordem 3ª de São Francisco. No caso da Igreja da Ordem 3ª do Carmo, sugeriu a restrição do tombamento ao forro do bem. Mesmo assim, em março de 1959, Rodrigo M. F. de Andrade enviou ofício a Luís Saia, então Chefe do 4º Distrito da Sphan,15 15 Atual Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em São Paulo. para que emitisse parecer sobre a “conveniência”16 16 Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., p. 195. da aplicação do tombamento “se não extensivo a todo o referido templo, pelo menos limitado às pinturas que o decoram, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo”.17 17 Ibid. Há, então, a primeira referência ao reconhecimento de “parte” da edificação enquanto patrimônio cultural.

Não consta no referido processo de tombamento a resposta do então chefe do 4º Distrito, Luís Saia,18 18 Sobre as pinturas religiosas em São Paulo, em 1967, Luís Saia, apresentou a seguinte argumentação: “Sem maior estudo, parece indiscutível o interesse de tais peças (refere-se às pinturas da igreja do Carmo de Itu e as das Carmos [sic] de Mogi das Cruzes) no documentário da arte tradicional: representam a arte religiosa paulista de fim do século XVIII. As pinturas nela existentes (no teto), juntamente com as pinturas da Matriz de Nossa Senhora da Candelária e as da O. 3ª do Carmo de São Paulo, completam o quadro da pintura de fim do século dezoito e início do século dezenove, isto é, do período do fim da economia que precedeu a fase ‘cafesista’ de São Paulo. Isto equivale a uma amostragem da pouca arte paulista em seguida à fase bandeirista e anterior ao período de importão [sic] cafesista. Um intervalo pobre de economia, pobre de documentos artísticos, rico porém, de interesse documentário”. (Ofício ao Dr. Renato Soeiro, Diretor Substituto, de 16/03/1967). Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985, p. 111-112. no entanto, em parecer do técnico Carlos G. F. Cerqueira, de 6 de maio de 1988, há a menção do posicionamento favorável de Luís Saia, de 1942, quanto ao tombamento das pinturas e da imaginária existentes no interior da Igreja, em função dos impactos dos planos de urbanização que colocavam em risco a edificação. Luís Saia argumentou, à época, sobre as reformas pelas quais a Igreja passou, defendendo acreditar que não houvesse, por parte do Sphan, “interesse no tombamento propriamente arquitetônico, mesmo porque o que existe ali é apenas a parte da Ordem 3ª”.19 19 Ibid., p. 115. Quanto às pinturas e à imaginária, defendeu, contudo, “que não se deve deixar passar o que está nesta Igreja da O. 3ª do Carmo: a pintura do teto da nave é coisa do padre Jesuíno do Monte Carmelo. Na sacristia e na sala do Capítulo tem telas (e estão sendo fotadas agora) muito boas. (Of. De 07/03/1942, ao Diretor do Sphan)”.20 20 Ibid. Segundo Cerqueira, a estratégia de proteção adotada pelo Sphan, na ocasião, desconsiderava as obras de entalhe, limitando-se às pinturas e à imaginária. Assim, “caso viessem a se efetivar ‘os planos de demolições urbanísticas da cidade’ o Sphan ‘tomasse a iniciativa do tombamento da parte interessante para posteriormente poder controlar a remoção do teto, telas, etc., e o seu aproveitamento em outro local’”.21 21 Ibid.

De acordo com o posicionamento de Luís Saia, o interesse do ponto de vista da preservação restringia-se às pinturas do padre Jesuíno do Monte Carmelo, uma vez que a Igreja conservava “apenas a parte” caracterizada como passível de tombamento.

Figura 1
Pintura do forro da sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo - “Santa Teresa recebendo Jesus” de autoria de Patrício da Silva Manso.

Figura 2
Pintura do teto da nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo.

Figura 3
Detalhe da pintura do teto da nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo.

Figura 4
Pintura do teto da Capela-mor de autoria do Padre Jesuíno do Monte Carmelo.

Ainda em dezembro de 1959, Rodrigo M. F. de Andrade emitiu nova comunicação - Ofício nº 1531 - a Luís Saia cobrando os desdobramentos relativos ao tombamento das pinturas. O mencionado ofício encaminhava o parecer do chefe da Seção de Arte da Diretoria de Estudos e Tombamento, Informação nº 242, de 11 de dezembro de 1959, Paulo Thedim Barreto, que defendeu a restrição do tombamento às pinturas do padre Jesuíno do Monte Carmelo, alegando que “em virtude de reformas e acréscimos que sofreu não possui mais qualidades arquitetônicas que justifiquem o seu tombamento - no todo”.22 22 Informação no 242. Obras da igreja da O. 3ª de N. S a do Carmo, São Paulo. Paulo Thedim Barreto. Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1959. Processo no 568-T- 1958. In: Processo no 1176-T-85, SPHAN/DTC. DRD/ARQUIVO., p. 197. Contudo, defendeu o tombamento dos quadros executados pelo padre Jesuíno do Monte Carmelo, caracterizado como “artista colonial”.23 23 Ibid. Ressalta-se, portanto, a busca por certa homogeneidade e coesão na leitura da edificação como critério de seleção patrimonial. A homogeneidade perseguida, no entanto, não se trata de qualquer ideia de completude ou unidade, deve referir-se à representação dos cânones já reconhecidos e consagrados nos tombamentos realizados pelo Iphan, tendo o colonial como representação da identidade brasileira. Nesta perspectiva, é apenas a parte caracterizada como colonial que deve ser alçada à categoria de patrimônio cultural nacional.

Em 1960, foi solicitado mais uma vez o pronunciamento de Luís Saia sobre a proteção do bem para decisão final. Por fim, em 1962, por meio do ofício intitulado Tombamento de elementos integrantes da Igreja da Ordem 3ª do Carmo, Rodrigo M. F. de Andrade reiterou as solicitações anteriores e o processo encerrou-se com este documento, sem o pronunciamento do chefe do 4º Distrito do DPHAN, o arquiteto Luís Saia.

À vista de haver necessidade de retificar-se e atualizar-se a relação dos bens inscritos nos Livros do Tombo, torna-se oportuno deliberar em definitivo a respeito dos elementos que, na Igreja da Ordem 3ª do Carmo, nessa capital, deverão ser tombados para efeito de assegurar-lhes a proteção permanente.24 24 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1985), p. 199.

A insistência de Rodrigo M. F. de Andrade e o relativo silêncio da unidade regional do Iphan em São Paulo, representada pela figura do arquiteto Luís Saia, marcam o primeiro processo de tombamento aberto para o reconhecimento do valor patrimonial da Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo. As pressões imobiliárias no entorno da Igreja e de transformação urbana de São Paulo podem ser apontadas como possíveis causas para o silêncio da regional do Iphan no estado. A gestão pós-tombamento pode ter influenciado no processo de identificação patrimonial da edificação.

O recorte territorial priorizado pelo Iphan, dimensão já explorada por Marins25 25 Marins (2016). e por Rubino,26 26 Rubino (1996). também se encontra evidenciado no caso do tombamento da Igreja. Na lógica da preservação nacional, os bens culturais localizados em São Paulo parecem receber um tratamento distinto das diferentes regiões do Brasil, o que pode derivar de uma interpretação dos personagens que participaram da criação do órgão. No memorando da museóloga Glaucia Côrtes Abreu, de novembro de 1994, que apresenta a análise e o parecer quanto ao tombamento das pinturas e da Igreja, está a ponderação referente aos valores atribuídos e associados ao reconhecimento da Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo.

Aqui também podemos nos remeter a Mário de Andrade, que em carta a Rodrigo M. F. de Andrade, em 23/05/37, informa ‘E há o problema geral de São Paulo. Você entenderá comigo que não é possível entre nós descobrir maravilhas espantosas, do valor das mineiras, baianas, pernambucanas e paraibanas em principal. À orientação paulista tem de se adaptar ao meio: primando a preocupação histórica à estética.’27 27 Ver Andrade (1981). In: Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., Vol. II. p. 13.

A hierarquização do patrimônio nacional por territorialização na perspectiva apresentada por Mário de Andrade fornece dados importantes para a compreensão do tempo despendido na análise do tombamento da Igreja da Ordem 3ª do Carmo e da dificuldade no seu reconhecimento enquanto totalidade. A mencionada adaptação ao meio, caracterizada pela atribuição de valor histórico, também revela as nuances no processo de identificação dos atributos para a seleção patrimonial em São Paulo e, no caso específico, da Igreja da Ordem 3ª do Carmo.

Em 28 de maio de 1985, Carlos F. Cerqueira emitiu parecer técnico, no qual apresenta a trajetória de proteção do conjunto de pinturas do padre Jesuíno do Monte Carmelo e da Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo e aponta a necessidade da extensão do tombamento já realizado de parte das obras do padre Jesuíno como “fonte importante para o estudo da arte, da arquitetura e da história sócio-religiosa de São Paulo, especialmente a parte do acervo relativa ao período colonial, época em que as associações religiosas tiveram grande importância na vida cultural do país.”28 28 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985, p. 10.

Carlos Cerqueira citou com frequência a análise de Mário de Andrade29 29 Mário de Andrade realizou estudo específico, na condição de assistente-técnico do Sphan, contendo análise das obras de Jesuíno Francisco de Paula Gusmão, conhecido como Padre Jesuíno do Monte Carmelo. Andrade (1945). das obras religiosas do padre Jesuíno do Monte Carmelo, caracterizando-as como “o grupo mais significativo do documentário da arte tradicional paulista do fim do período colonial”30 30 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., Vol. I. p. 4. e propondo a extensão do tombamento para a edificação, defendendo que as pinturas “se encontram em seu espaço original (a capela)” e que: “ainda se conservam os elementos arquitetônicos e artísticos a elas contemporâneos, devem aos mesmos ser estendido o tombamento, de maneira a assegurar sua melhor ambientação e valorização permanente.31 31 Ibid., p. 7. A igreja é interpretada, portanto, como “ambientação” das pinturas que abriga e as representações do período colonial são identificadas como atributos. A alusão à interpretação de Mário de Andrade evidencia, também, o vínculo com as figuras de referência na fundação do órgão.

A argumentação apresentada por Cerqueira aponta que “embora tenha sido descartado o interesse da proteção do edifício”, o que se baseava nas intervenções ocorridas, que, de acordo com a interpretação, não justificavam o tombamento do edifício “no todo”, o encaminhamento previsto no processo inconcluso de 1958, entretanto, recomendava “o tombamento imediato das pinturas (‘forros e quadros’) nele existentes.”32 32 Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1958). Defendia, também, o tombamento do arquivo da Ordem 3ª do Carmo como “patrimônio documental de grande interesse enquanto registro da vida administrativa de uma das mais antigas ordens terceiras.”33 33 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985, p. 8. Ainda, em setembro de 1985, o então Diretor Regional da 9ª DR/Sphan/FNPM,34 34 Hoje, Superintendência do Iphan em São Paulo. Antônio Luiz Dias de Andrade, encaminhou a solicitação com o posicionamento técnico para providências do Diretor da DTC/Sphan, Augusto Carlos da Silva Telles, que anos depois assumiu a relatoria de tombamento enquanto conselheiro.

O processo voltou para a 9ª Regional em agosto de 1987, quando a Coordenadora de proteção Sphan/Pró-memória, Dora Alcântara, emitiu o Ofício no 115/87, encaminhando a Informação no 035/87, do historiador Roberto Maldos, solicitando maior detalhamento sobre os bens listados para extensão do tombamento, e, especificamente, em relação à Igreja do Carmo de São Paulo demandou: “Há necessidade de fotos e plantas da referida Igreja e uma melhor explicação de como ‘ser estendido o tombamento’ ao espaço original da capela, como sugere Carlos G. F. Cerqueira.”35 35 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985, p. 77. A “parte” relevante ao tombamento incorpora, portanto, o “espaço original da capela”.

Em março de 1988, Carlos G. F. Cerqueira elaborou o documento técnico intitulado “Capela de Santa Teresa da Ordem 3ª do Carmo - SP - Histórico.”36 36 Ibid., p. 79-104. O documento contém o levantamento histórico da edificação, apresentando as sucessivas obras realizadas; os profissionais envolvidos e os materiais empregados. Apresenta, ainda, o relato em carta de Morgado de Mateus, primeiro governador da Capitania de São Paulo, para o Conde de Oeyras, em 10 de dezembro de 1766, sobre a Igreja do Carmo e a cidade de São Paulo:

Está edificada a Cidade de São Paulo no meyo de huma grande Campina em sítio hum pouco elevado que a descobre toda em roda. … todas as paredes dos edifícios são de terra; as portas e allizares de páo por ser muito rara a pedra, mas não deixa de ter Conventos, e bons Templos, e altas Torres da mesma matéria com bastante segurança e duração, os mais sumptuosos e melhores são a Sé, este Colegio q’ foy dos Jezuitas, especialmente o Seminário em que estou aquartelado, a Igreja do Carmo, e seu Convento que está reedificando, a de S. Bento, que não está, acabada, e o de S. Francisco que he antigo, e o pertendem (sic) reformar; ha mais um Recolhimento de mulheres couza lemitada; nas Ruas principaes, tem cazas grandes e de Sobrado; todas as mais são baixas com quintaes largos, que a fazem parecer de mayor extenção;(…).37 37 Documentos Interessantes - V. LXXIII, p. 57-59 apud Ibid., p. 83, grifo nosso.

Outro trecho interessante do documento refere-se à contextualização das obras de reforma e intervenção das igrejas em São Paulo: “Com isso, não deixaram de expressar as igrejas - então absorvidas em reconstruções e reformas e na renovação de suas ornamentações internas - esse momento de reativação da vida econômica regional e de reconquista de sua ‘autonomia’ política.”38 38 Ibid., p. 86. Tal contextualização parece apontar para o reconhecimento do valor histórico das sucessivas transformações do bem cultural, dando conta dos registros das dinâmicas de materiais, usos e transformações socioeconômicas que representam o que, em finais da década de 1980, no âmbito institucional, pode ser entendido como o reflexo das discussões internacionais sobre restauro e a ampliação do conceito de patrimônio cultural, fruto de debates da década de 1960.39 39 Nascimento (2016). A associação das intervenções realizadas na Igreja às transformações econômicas regionais, no entanto, não culminou no respaldo para uma valoração histórica integral da Igreja.

A defesa, presente no parecer de Carlos Cerqueira de 1988, é de que os elementos “originais” da Capela coincidem com os espaços que abrigam as pinturas do padre Jesuíno do Monte Carmelo e, portanto, seriam esses espaços que deveriam ser preservados. A busca pela “originalidade” indica uma tentativa de retorno a um passado que não mais existe, um esforço de interpretação do edifício dissociada de sua leitura no tempo presente, à luz de novos valores e significados. Neste sentido, as narrativas de seleção resultam na identificação de fragmentos “originais” de um passado, reconhecendo, assim, a parte pelo todo. A parte, na concepção de Cerqueira em 1988, não é mais o conjunto de obras pictóricas apenas, mas incorpora a este conjunto elementos da arquitetura qualificados como “originais”.

Cerqueira apresentou, no mesmo texto, a análise compositiva da Ordem 3ª do Carmo e a sua relação com o conjunto, ilustrada pela aquarela de autoria de Thomas Ender. Em sua narrativa, defendeu que as “emendas” significariam possibilidades de incorporação da Igreja da Ordem 3ª do Carmo às novas edificações ou intervenções realizadas pelos frades carmelitas, adotando, para tanto:

algumas soluções em comum às dos ‘Religiosos’, como os três arcos, o desenho das janelas, as pilastras que dividem e arrematam os corpos das igrejas, as pirâmides e sobretudo o alinhamento das cimalhas que, digamos assim, as unificam, formando um conjunto arquitetônico cuja beleza é antes de mais nada conferida pela harmonia obtida.40 40 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985, p. 91.

Destacou, assim, as técnicas e os materiais adotados, caracterizando um sistema construtivo misto de taipa de pilão, alvenaria de tijolos e cantaria de pedra. A análise de Cerqueira enfatizou, ainda, a “individualidade” da Capela de Santa Teresa da Venerável Ordem 3ª do Carmo, que se destaca do conjunto por seu porte e por “solução mais ‘moderna’ do frontão, cuja desenvoltura, comparada à da Ordem 1ª, era mais própria do estilo em voga, rococó.”41 41 Ibid. Outro aspecto ressaltado é a volumetria da Capela, que, segundo Cerqueira, parece respeitar a volumetria do conjunto, tendo adotado o “mesmo sistema construtivo (taipa de pilão) e aplicado envasamentos semelhantes aos do Convento dos frades carmelitas, situado no lado oposto, obtendo com isso o equilíbrio necessário à configuração do conjunto (Vide aquarela de Thomas Ender) .”42 42 Ibid.

Figura 5
Aquarela de Thomas Ender que ilustra o “equilíbrio necessário à configuração do conjunto”.

Cerqueira mencionou, também, a existência de uma Capela Esquecida:43 43 O processo de tombamento contém um documento técnico de autoria do técnico Victor Hugo Mori, que apresenta algumas possíveis razões do “esquecimento” e as localizações prováveis da Capela. Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985, p. 105-108. “Anos depois, em 1943, o então 4º Distrito do IPHAN pode documentar o interior desta capela (então denominada ‘Capela Esquecida’) que foi completada 16 anos após (1959), momento em que seria demolida para dar lugar às obras de ampliação efetuadas pela Ordem 3ª do Carmo.”44 44 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985, p. 97. E concluiu lamentando a perda da integridade desses conjuntos, destacando que “No de São Paulo, a perda foi ainda maior, restando hoje apenas a Capela da Ordem 1ª [sic] do Carmo que, embora tenha sofrido reformas e ampliações, sobretudo após a demolição da vizinha dos frandes [sic], ainda guarda muito da sua primitiva edificação.”45 45 Ibid., p. 103. Toda a contextualização apresentada por Cerqueira lança luz para novas possibilidades de identificação da Igreja enquanto patrimônio nacional. A importância da edificação no processo de transformação urbana, a combinação entre os sistemas construtivos adotados e as sucessivas modificações e adaptações do edifício associam-se a uma atribuição de valor histórico da Igreja. Tal interpretação coaduna com as reflexões daquele momento no campo da conservação do patrimônio cultural,46 46 Nascimento (2016). contudo, em seu parecer conclusivo, a ênfase nos aspectos ditos “originais” da Igreja prevalece na narrativa de seleção.

No ano seguinte, a Coordenação de Proteção encaminhou a análise e o parecer da arquiteta Helena Mendes dos Santos - Informação no 49, de 10 de agosto de 1989 - que reapresenta a “posição contrária ao tombamento, do arquiteto Paulo Thedim Barreto” em 1959; o estado de conservação do bem e “a perda do caráter de integração, caracterizador dos conjuntos sacros, irrecuperável, no presente caso, com a demolição dos outros elementos que faziam parte do partido original”.47 47 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985. op. cit. p. 177-178. A arquiteta destacou, no entanto, as permanências das “características individualizadoras da capela, identificadas através da sua volumetria e aspecto estilístico, considerado arrojado ou moderno para a época.”48 48 Ibid. Sugeriu, portanto, que fosse acatado o posicionamento da 9ª Diretoria Regional, que recomendava a preservação da edificação não como remanescente do conjunto carmelita, “mas, sim, porque apesar das modificações sofridas (identificadas às fls. 8 do volume II) e, na sua maioria, consideradas como recuperáveis, conserva ‘parte importante de sua edificação e de sua ornamentação originais’ (fls. 10) e, ainda, por ser necessário a realização de obras de conservação.”49 49 Ibid. A classificação das alterações do monumento como “recuperáveis” sugere a intenção de retorno a uma condição preexistente.

A arquiteta propôs, no mesmo documento, o desmembramento dos processos de tombamento das pinturas e da Igreja. Quanto a isso, é interessante a correspondência de Carlos Cerqueira, de outubro de 1989, para a Coordenadora de Proteção, Jurema Arnaut. O autor argumenta que é necessária uma definição sobre a preservação: “Se tem valor, e quais tem, colocar isso no papel e pronto. Se não tem, ou julgam trabalhoso ou dificultoso esse trabalho, desiste-se de vez.”50 50 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., Vol. I. p. 185. Cerqueira argumentou quanto à fragilidade que o desmembramento do processo de tombamento das pinturas e da Igreja poderia representar, explicitando a dificuldade do corpo técnico em identificar claramente os atributos e os valores conferidos à edificação. Defendeu que o desmembramento poderia ser problemático, em função das intervenções sofridas pela Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo.

E são as pinturas de Jesuíno, e mais outras duas existentes na sacristia e no compartimento do antigo jazigo, todas contemporâneas à época de construção desta igreja que me permitiram propor fosse estendido o tombamento à igreja, pois essas pinturas estão localizadas em espaços, não alterados, i. é, fazem parte do arcabouço antigo da igreja edificada em meados do século 18. E mesmo que isso de nada valesse, pergunto: como proteger as pinturas de Jesuíno e dos outros dois pintores paulistas, sem dar alguma proteção ao espaço em que estão localizadas? E sobretudo, se a proteção desse espaço, desde a estrutura do edifício até a sua arquitetura interna (os bens integrados), são delas contemporâneas? À [sic] mim, me parece, ser de todo inconveniente separar uma coisa da outra.51 51 Ibid., p. 186.

Figura 6
Vista do interior da nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo para o coro (fotografia de novembro de 1937 de G. Graeser).

Figura 7
Interior da Igreja da Ordem Terceira do Carmo.

Figura 8
Vista do Altar-mor (fotografias de novembro de 1937 de G. Graeser).

Em 1995, Carlos C. F. Cerqueira escreveu para Marcos Tadeu, Chefe da Divisão de Tombamento. Na carta, Cerqueira menciona que conversou com José Saia a respeito do caso de tombamento da Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo e defende que o encaminhamento do parecer de 1988 “deve prevalecer”. Inicialmente, argumentou que o conjunto arquitetônico “infelizmente se perdeu” e que o interesse, do ponto de vista da preservação, pode ser justificado “apenas pelo que guarda dentro de si, isto é, o pouco que restou, talvez o que de mais expressivo se produziu no campo da pintura no final do período colonial em São Paulo.”52 52 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985. op. cit. Vol. II. p. 17-18. fls. 205-206. No entanto, argumentou que, no caso específico da Igreja da Ordem 3ª do Carmo em São Paulo, evidencia-se a permanência das pinturas em seus espaços originais - forros da capela-mor e nave -, bem como a ambientação da igreja, ainda com elementos contemporâneos à obra do padre Jesuíno do Monte Carmelo. Por isso, especificou os elementos, em sua interpretação, de interesse para a preservação, destacando os “espaços originais” que abrigavam as obras do padre Jesuíno do Monte Carmelo, e as pinturas de autoria de José Patrício da Silva Manson e de Manoel José Pereira, situadas no forro da sacristia, no caso do primeiro, e nos forros da biblioteca e do antigo consistório da Ordem, no caso do segundo. Para além dos espaços garantirem a “ambiência primitiva” das obras, caracterizou-os como materializações de diversas temporalidades do edifício, destacando as técnicas adotadas e seus artífices.

Juntamente com as pinturas, preservam-se os espaços em que se encontram. A extensão do tombamento a tais espaços, porém, não se justifica apenas por consistirem em ambientações apropriadas às obras de arte. São, ao contrário, remanescentes do edifício construído em meados do século XVIII, edificado em taipa de pilão (indicados no referido parecer de maio de 1988, alínea g, assinalados em cor amarela em plantas anexas). Junto destes espaços originais da capela, deve-se considerar também o frontispício, edificado entre 1772 e 1776 por outro artista mulato paulista: Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas. Apesar de umas poucas modificações (alteração do óculo, construção da torre por detrás do pano da fachada), no nosso entender, deve ser incluído entre os elementos a serem contemplados pelo tombamento. (…)

Entendemos, pelas razões expostas, que não caberá nenhuma restrição às áreas vizinhas ao monumento, dispensando o estabelecimento de uma poligonal de entorno.53 53 Ibid.

Figura 9
Tribuna em talha na nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo (fotografia de novembro de 1937 de G. Graeser).

Figura 10
Púlpito da nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo (fotografia de novembro de 1937 de G. Graeser).

Figura 11
Biblioteca (antigo jazigo) da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo.

Figura 12
Sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo.

Figura 13
Pintura do coro da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo - “Estrela Divina rodeada de querubins”, último trabalho do padre Jesuíno do Monte Carmelo na cidade de São Paulo.

A análise apresentada por Cerqueira possibilita uma interpretação do edifício enquanto ambientação das obras valoradas em seu interior. Dito de outra forma, a edificação parece ser entendida enquanto “entorno” dos bens que abriga, de seu “recheio.” A estrutura edificada em seu “todo” tem sua valoração derivada dos atributos identificados nas pinturas do forro e em elementos específicos dela. A busca pelo “original” persiste em sua narrativa de seleção da Igreja enquanto patrimônio.

A ausência de restrições às áreas vizinhas ao monumento sinaliza que o contexto urbano e sua relação com a edificação não foram interpretados como atributos por Carlos Cerqueira. As fortes pressões de transformação da área podem explicar a decisão pela dispensa do estabelecimento de uma poligonal de entorno.

Quanto ao reconhecimento do valor patrimonial da edificação, o frontispício foi valorado na narrativa de seleção de Carlos Cerqueira. Sobre as demais fachadas do edifício, caracterizou-as como “executadas em diferentes momentos” em resposta “às transformações do ambiente urbano onde se localiza.”54 54 Ibid. Vinculou, assim, a supressão da área que abrigava o corredor e a sacristia da Igreja ao alargamento da Rua do Carmo e defendeu que “pouco ou quase nada mais resta do sítio original em que foi implantada a capela. Mas, a despeito de todas essas adulterações, a presença da citada avenida permite ainda a fruição do único remanescente do conjunto carmelitano colonial, ou seja, o frontispício da capela.”55 55 Ibid. A síntese da operação de seleção patrimonial com ênfase no colonial apresenta-se como o frontispício da capela, “parte pura” da edificação, “digna” de reconhecimento patrimonial. A igreja foi interpretada como uma coletânea de “peças/partes” que se enquadram na definição de “originalidade” e identidade nacional brasileira. A possibilidade de compreensão do edifício e das intervenções realizadas como documento das transformações urbanas de seu entorno não foi incorporada na defesa de tombamento da Igreja da Ordem 3a do Carmo apresentada por Cerqueira.

A proposta de Carlos Cerqueira de tombamento de partes da Igreja foi apreciada pela Divisão de Proteção Legal (Deprot), e a análise consta no memorando da museóloga Glaucia Côrtes de Abreu, que, em certa medida, reiterou tal interpretação, como destacado a seguir: “Concordamos com o historiador Carlos, que o mais importante no caso são as pinturas artísticas da Capela e que os demais elementos indicados no Processo enriquecem e melhor contextualizam a obra pictórica inserida no templo.”56 56 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985. op. cit. Vol. II. p. 19. fl. 207. Especificamente sobre a edificação, a museóloga argumentou que “tombar o edifício em seu todo ou em parte responde ao objeto de melhor proteger a obra pictórica ali encontrada”, ou seja, a Igreja é valorada em função das obras que abriga. Sobre a interpretação do edifício enquanto vestígio do conjunto carmelita de São Paulo, defendeu que as alterações da “Capela são historicamente e fisicamente identificáveis, possibilitando a recuperação de muito de sua feição original”57 57 Ibid. e embasou-se nas avaliações de Cerqueira das intervenções sofridas pelo imóvel, argumentando que “as diversas reformas sofridas pela Capela responderam às transformações do ambiente urbano onde se localiza, não encontrando no sítio original onde foi implantada a Capela, e mesmo nos ambientes adulterados desta, elementos para se contraporem à mencionada alteração urbana.”58 58 Ibid.

Gláucia Torres de Abreu coloca, no memorando supracitado, a possibilidade de “recuperação de muito de sua feição original”, o que parece ir de encontro ao reconhecimento das sucessivas intervenções como parte da história do bem cultural, e que favorece a leitura do edifício enquanto um documento. A defesa pelo retorno “à sua feição original”, em 1995, entra em confronto com as discussões internacionais e nacionais sobre o restauro do patrimônio edificado e evidencia as contradições presentes nas narrativas de seleção patrimonial no Brasil. Como bem advogou Sergio Miceli, ainda em 1987MICELI, Sérgio. Sphan: refrigério da cultura oficial. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22, p. 44-47, 1987., caracterizando a tradição preservacionista no Brasil como “o delírio de ‘purificar’ o prédio em vias de restauração de quaisquer acréscimos posteriores à edificação original.”59 59 Miceli (1987, p. 45).

O retorno à mencionada “feição original” está atrelado à intenção de selecionar representações coloniais e barrocas já consagradas pela prática institucional enquanto patrimônio. Sendo assim, há dificuldade no entendimento das transformações da edificação como parte de sua história e como passíveis de qualificação patrimonial. A rejeição do neocolonial é bastante sintomática da dificuldade de atribuição de valores estéticos no caso em análise. As expressões do neocolonial parecem não representar uma “parte” a ser considerada na caracterização do patrimônio cultural brasileiro e da identidade nacional, do “todo”, se analisadas as narrativas e valorações dos agentes do processo de tombamento da Igreja. A força discursiva da tradição institucional é resiliente.

QUEM TEM MEDO DO NEOCOLONIAL? O RECONHECIMENTO DA IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO DE SÃO PAULO PARA ALÉM DO COLONIAL

As disputas entre representantes dos movimentos moderno e neocolonial nas estratégias de reconhecimento do patrimônio nacional, muito presentes na criação do Iphan, parecem reverberar no caso do reconhecimento da Igreja da Ordem 3a do Carmo de São Paulo.

Em 1988, em comunicação de Antônio Luís Dias de Andrade, então Diretor da 9ª Regional, para Jurema Kopke Arnaut, coordenadora de Proteção do Sphan/FNpM - Ofício nº 150/88 - foram encaminhados o parecer técnico e a documentação relativa ao bem para avaliação da coordenação, de modo a viabilizar o tombamento. A proposta de tombamento do parecer de 1988 da 9ª Regional referia-se ao “arcabouço original do edifício da Capela”, sobre o qual Cerqueira destacou:

Quanto ao edifício da Capela da Ordem 3ª do Carmo importa primeiramente salientar, como já observamos em pareceres anteriormente citados, que constitui apenas parte de um interessante conjunto arquitetônico setecentista que compreendia, além desta capela, a Igreja e o Convento dos Frades carmelitas - conjunto esse desfeito em 1928 com a saída destes últimos para dar lugar, posteriormente, ao prédio da atual Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Aponta-se a perda desse conjunto para justificar a inconveniência do tombamento de parte apenas do que dele restou. E, admitamos, com certa razão. Quando, em meados do século XVIII, as Ordens 1ª e 3ª do Carmo de S. Paulo resolvem realizar obras de reforma e reedificação de seus templos, buscaram uma composição que parece ter inaugurado um partido de singular interesse e beleza. […]

Além da descaracterização do conjunto arquitetônico, é preciso também reconhecer que a própria Capela veio sofrer neste século alterações significativas resultantes de reformas efetuadas nas fachadas laterais e da construção de anexos - o que, como ajuizava o Arq. Paulo Thedim Barreto, impede o seu tombamento ‘no todo’.60 60 Ibid., p. 116-117, grifo nosso.

A inconveniência do tombamento “total” da edificação parece derivar de uma compreensão do bem cultural como produto de uma temporalidade específica, e não como processo, como materialização documental de diversos tempos, linguagens, intenções e técnicas. Outro aspecto que sugere o impedimento do “seu tombamento ‘no todo’” é o emprego de elementos neocoloniais nas intervenções realizadas nos anos 1920, coordenadas pelo arquiteto Ricardo Severo. Uma das intervenções empreendidas sob a coordenação deste arquiteto foi a inserção dos arcos que segmentavam a nave, com o intuito de retomar um aspecto primitivo da espacialidade interna do edifício.61 61 Cf. Murayama (2009). O próprio Mário de Andrade, em seus estudos sobre o padre Jesuíno, chegou a caracterizar esses arcos como “arcos segmentadores”.62 62 Cf. Murayama (2010, p. 173). A partir dos “arcos segmentadores” oriundos da intervenção de Ricardo Severo nos anos 1920, Mario de Andrade levantou a hipótese da “pintura invisível” de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo presente no teto da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo.

A dificuldade no reconhecimento do neocolonial enquanto patrimônio cultural brasileiro pode, também, explicar a resistência quanto ao tombamento do edifício em sua totalidade.63 63 Cf. Atique (2016), Kessel (1999) e Pinheiro (2017). As disputas entre as narrativas vinculadas aos movimentos moderno e neocolonial permanecem e bens representativos deste último encontram resistência em seu reconhecimento enquanto patrimônio cultural.64 64 Cf. Cavalcanti (2000) e Conduru (2009). As caracterizações como “pseudo-estilo”65 65 Costa (1962). ou como “interpretação errônea das sábias lições de Araújo Viana”66 66 Ibid. presentes nos juízos de Lúcio Costa permeiam as estratégias de seleção patrimonial em um contexto recente.

A idealização dos agentes fundadores do Iphan e de suas posturas no reconhecimento patrimonial parece um entrave para a contestação da limitação da aplicação do tombamento a exemplares do barroco, colonial e do movimento moderno, afastando, assim, a possibilidade de interpretação do neocolonial como representação nacional. Tal idealização pode também explicar a resistência do órgão na assimilação do alargamento previsto na CF/1988 para o conceito de patrimônio cultural brasileiro.

Cabe, portanto, questionar: o “medo” do neocolonial persiste ainda na década de 1990? As estratégias de seleção e identificação patrimonial ainda estão pautadas na disputa entre os movimentos moderno e neocolonial quanto à definição de uma identidade brasileira? O caso da Igreja da Ordem Terceira do Carmo revela que certas superações e ampliações do que se entende por patrimônio cultural brasileiro não foram amadurecidas e que a contestação de velhas práticas e arcaicas estratégias de reconhecimento patrimonial ainda precisa ser aprofundada.

O retorno a uma “originalidade” presente nas intervenções dos anos 1920 parece não coadunar com os “elementos originais” e espaços vinculados às obras do padre Jesuíno do Monte Carmelo priorizados nas narrativas de seleção do edifício enquanto patrimônio cultural brasileiro na década de 1980. As intepretações de Augusto da Silva Telles de uma “arquitetura de feição incaracterística”, “arquitetura comercial, projeto de firma construtora” ou, ainda, “arquitetura comum dos anos trinta ou quarenta” denotam uma leitura da edificação ainda bastante vinculada ao recorte patrimonial consagrado pelo Iphan, que priorizou a “excepcionalidade” e as representações do colonial e do barroco, rejeitando o neocolonial como expressão de uma identidade brasileira. Não há sequer a menção ao termo neocolonial como caraterizador de tais intervenções nas palavras do relator do processo de tombamento. O neocolonial ainda parece assombrar as disputas por uma identidade nacional em meados da década de 1990, em um processo celebrativo de reafirmação das escolhas e caminhos definidos na década de 1930, quando da criação do Iphan.

Quanto à defesa da excepcionalidade e do “original”, segundo Ulpiano Bezerra Toledo de Meneses, “todo e qualquer objeto é sempre repositório de uma informação sobre relações entre os homens”,67 67 Meneses (1980, p. 7). seria o objeto “uma espécie de resíduo físico das relações sociais”.68 68 Ibid., p. 5. Mais especificamente sobre o “objeto antigo”, em palestra realizada em 1980, Meneses aponta a vinculação do “objeto antigo” à ideia de “plenitude” ou de “obra acabada”, o que repercute na busca por um “mito de origem”.69 69 Ibid. Assim, o enquadramento da interpretação da Igreja pelo viés da excepcionalidade e da originalidade camufla seu entendimento enquanto resíduo ou documento das relações sociais que a produzem e a significam. Que outros valores foram atribuídos à Igreja ao longo do tempo? Como outros agentes, para além do corpo técnico do Iphan e do Conselho Consultivo, valoraram e interpretam este bem cultural como patrimônio?

O CONTEXTO URBANO E A DEFINIÇÃO DOS ATRIBUTOS

A transformação urbana, os novos usos e as formas de apropriação do espaço passíveis de identificação nas sucessivas intervenções na Igreja e em seu entorno imediato não foram enfatizadas ou aprofundas no processo de identificação patrimonial do edifício. A pluralidade de significados e sentidos atribuídos à edificação ao longo do tempo não foi incorporada nas discussões sobre o tombamento da Igreja.

Algumas posições técnicas, entretanto, apresentaram um alargamento discursivo que parece ser fruto dos debates conceituais e axiológicos do campo do patrimônio cultural àquela época. Em dezembro de 1988, o historiador Roberto Maldos elaborou parecer a respeito da proposta de tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, no qual ponderou que “As alterações ocorridas no edifício da igreja não inviabilizam o seu tombamento, apesar das ressalvas apresentadas desde o início dos processos”,70 70 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., p. 169. e defendeu que aguardava “uma posição que não inviabilize a preservação”,71 71 Ibid. argumentando que a leitura do monumento havia sido modificada. Contudo, alguns aspectos que foram conservados permitiam uma “nova leitura”, articulando “elementos primitivos” e “posteriores”.72 72 Ibid. No tocante à relação entre a Igreja e o contexto urbano no qual se insere, o historiador caracterizou a perda do conjunto carmelitano como “um crime para a cidade paulistana, como para a arte no Brasil, e significou uma nova composição no espaço físico da área”. Com a transformação urbana do entorno da Igreja, de acordo com a interpretação de Maldos, é possível verificar uma leitura da edificação enquanto um monumento isolado de destaque no contexto urbano. Segundo ele: “a capela da Ordem 3ª ‘ganhou’ em destaque o que perdeu na leitura do conjunto. Isolada, ela busca dar uma pálida idéia [sic] do que foi um dia a área hoje bastante descaracterizada pelo assim chamado progresso”.73 73 Ibid., p.170. Embora a interpretação tenha considerado novos valores e a escala de interpretação do edifício tenha sido alterada, a ênfase no “monumental” permanece e associa-se a uma “retórica da perda”.74 74 Cf. Gonçalves (1996). O processo de atribuição de valor à Igreja sugere uma perspectiva de retorno ao passado, desconsiderando a atuação de outros agentes sociais e as possíveis novas interpretações do bem cultural.

A defesa de Roberto Maldos por uma posição que considerasse a preservação lançou mão da articulação do bem com o contexto urbano e como representante da arquitetura religiosa paulista, com poucos exemplares sobreviventes à expansão urbana e à lógica de transformação da cidade. O historiador apresentou as alterações como marcas passíveis de reconhecimento, possibilitando uma “nova leitura”. A preservação da Igreja se justificaria pela representatividade enquanto temporalidade em um contexto urbano dinâmico e enquanto elemento da arquitetura religiosa paulista. A ausência da ideia de conjunto é também apontada por Maldos pelo viés da exemplaridade e do vestígio das formas de ocupação daquele espaço urbano. A formação do técnico - historiador - fornece algumas pistas sobre suas narrativas de seleção. Para além dos atributos materiais e arquitetônicos, foram considerados aspectos documentais e a dinamicidade de usos e significados do bem. A “lente” adotada para interpretar a edificação evidencia outros elementos e as suas inter-relações, alterando, assim, a caracterização do edifício enquanto patrimônio cultural a partir de outros atributos materiais e imateriais.

Figura 14
Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo em fotografia de 1875.

Figura 15
Conjunto do Carmo de São Paulo em fotografia de 1900.

Figura 16
Igreja da Ordem 3ª do Carmo em fotografia de 1975.

Figura 17
Registro atual da Igreja da Ordem 3ª do Carmo em São Paulo.

As novas possibilidades de interpretação do patrimônio cultural, no processo de tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, aparecem nas narrativas de seleção de alguns dos agentes sem, contudo, repercutir efetivamente nas definições dos atributos valorados. A ampliação das concepções de patrimônio cultural parece auxiliar na caracterização dos bens culturais, mas a conclusão final e os encaminhamentos propostos não incorporam tal alargamento. As contradições internas nas narrativas de seleção analisadas denotam a resiliência da tradição institucional.

TRADIÇÃO RESILIENTE: AS RESISTÊNCIAS À AMPLIAÇÃO DAS CONCEPÇÕES DE PATRIMÔNIO CULTURAL

No contexto nacional, as discussões promovidas em meados da década de 1970, o processo de redemocratização do país e a promulgação da Constituição Federal de 1988 promoveram um alargamento do conceito de patrimônio cultural brasileiro.75 75 Anais do Museu Paulista (2020). Flávia Nascimento e Márcia Chuva defendem que a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 transformou os preceitos legais estabelecidos para o patrimônio cultural brasileiro, considerando temas e expressões “que extrapolaram o excepcional”.76 76 Nascimento e Chuva (2020, p. 3). Como aponta Lia Motta, a nova concepção de patrimônio cultural evidenciou “a complexa necessidade de superação do que foi construído como sendo valor de patrimônio no Brasil, de modo hegemônico desde a década de 1930 até a década de 1960”.77 77 Motta, op. cit., p. 90. Motta associa a “construção de uma identidade nacional”, à época, à valoração das “qualidades estético-estilísticas da arquitetura colonial ou de bens de caráter excepcional”.78 78 Ibid.

Ulpiano Bezerra de Meneses, neste sentido, também destaca que a CF de 1988 promoveu um deslocamento fundamental do foco nos bens patrimoniais para o processo de atribuição de valor, que reconhece, portanto, o patrimônio cultural como fato social. Assim, admite-se que os valores culturais derivam de um processo de reconhecimento da sociedade, tendo o Estado um papel declaratório. Ao analisar o artigo 216, e o conceito de patrimônio cultural brasileiro, Ulpiano Bezerra de Meneses defende que a CF/1988 “armou uma bomba relógio que está longe de ser desativada”. Segundo Meneses, nas instituições de tutela do patrimônio cultural brasileiro “procedeu-se a um peculiar juízo de Salomão: o patrimônio das pessoas ficou com o caput do artigo 216, que define o patrimônio brasileiro, 'todo' o patrimônio brasileiro, sem fraturas; já no patrimônio de pedra e cal optou-se por manter a ideologia e os critérios do Decreto-lei nº 25/1937”.79 79 Meneses (2017, p. 40). No caso da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo é patente a dificuldade da instituição no tocante à adoção de novas formas de interpretação que extrapolem a excepcionalidade e as referências de identidade brasileira ainda ancoradas no barroco e no colonial.

A opção pela interpretação da Igreja pelo viés da excepcionalidade e originalidade, adotando o barroco e o colonial como únicas lentes possíveis, corrobora a permanência dos critérios do Decreto-lei nº 25/1937 para a seleção do patrimônio de pedra e cal. Embora o artigo 216 apresente a perspectiva de reconhecimento das referências “à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, o recorte adotado pela geração fundadora do Iphan foi rememorado e celebrado na definição da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo como patrimônio nacional.

Não é possível, portanto, identificar uma pluralidade de agentes neste processo de seleção e valoração patrimonial, cabendo a um grupo de técnicos do Iphan e de intelectuais representantes da elite brasileira, que compõem o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, a definição dos critérios e a escolha dos bens tombados.80 80 Cf. Pereira, op. cit. Não há evidências, no processo de tombamento, da discussão com representantes do município ou do estado, nem a incorporação de outras vozes para além dos muros do Iphan.

No entanto, seja do ponto de vista da ampliação do recorte definido enquanto patrimônio nacional, seja do ponto de vista da valorização do reconhecimento social nas estratégias de identificação e valoração do patrimônio cultural, as inovações trazidas pela CF de 1988 reverberaram nas formas de interpretação dos bens culturais no corpo técnico do Iphan, muito embora não seja possível reconhecer, na posição adotada pelo Iphan no tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, a ampliação na forma de interpretar e valorar o patrimônio cultural brasileiro, considerando outros valores para além da excepcionalidade do barroco e do colonial como representações de uma identidade nacional brasileira. As tentativas de alargamento das formas de interpretação do patrimônio cultural não encontram adesão nas decisões finais, como demonstra o processo de tombamento da Igreja. Deste modo, ficam evidenciadas as contradições dos posicionamentos do Iphan no processo de identificação patrimonial.

Em memorando nº 406/95, do historiador da arte Marcus Tadeu Daniel Ribeiro, encaminhado à arquiteta Cláudia M. Girão Barroso, em agosto de 1995, há o relato da condução do processo e das nuances de alargamento do tombamento das pinturas, considerando o tombamento total ou parcial da Igreja. Ribeiro, então chefe da Divisão de Proteção Legal (Deprot), apresentou as divergências entre as interpretações do Deprot e da 9ª Coordenação Regional: “deveria o tombamento restringir-se apenas à parte interna da igreja e a seu frontispício conforme indicava o parecer da 9ª CR ou, por outro lado, seria prudente que acautelássemos a edificação em sua totalidade?”.81 81 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., v. 2, p. 22, f. 210.

Ribeiro contextualizou a discussão sobre o tombamento da obra do padre Jesuíno do Monte Carmelo e da Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo diante das estratégias de atribuição de valor e suas consequentes territorializações. Contestou, assim, o crivo do processo seletivo no valor excepcional, ampliando as concepções de patrimônio cultural brasileiro e considerando outras representações da identidade nacional, posicionamento que possui sinergia com as discussões do campo da conservação do patrimônio cultural daquele momento.

O patrimônio cultural nacional não se resume ao somatório dos bens culturais de valor excepcional, ícones do talento e da criatividade do brasileiro na criação de objetos eruditos que atestam e refletem sua cultura. Ele é formado também - e principalmente - pelas manifestações artísticas espalhadas pelo País, cuja importância é melhor aferida se vista como parte de um contexto maior, formado pelas manifestações culturais mais simples, que assinalam as inflexões regionais com que a arte se manifestou em todo território nacional, e refletindo, por isso, tanto o sentido do todo que nutre o caráter de identidade nacional, como também as peculiaridades com que esse todo se manifesta em cada uma das partes que o compõem. A produção pictórica do Padre Jesuíno, assim, deixa de ser vista como objeto de interesse cultural meramente paulistano e passa a se integrar num contexto em que ela é fragmento de um quadro cuja visão totalizante não poderia prescindir da contribuição desse artista e arquiteto brasileiro.82 82 Ibid., p. 26-27, f. 214-215.

A narrativa de seleção apresentada por Marcus Tadeu Daniel Ribeiro contesta as interpretações da Igreja apresentadas até então, de forma a solicitar a reavaliação da regional do Iphan em São Paulo. Quanto à proposta sugerida pela 9ª CR, Ribeiro pontuou dois aspectos que motivaram sua solicitação de reavaliação. Aspectos de ordem conceitual e jurídica, atentando para os efeitos jurídicos resultantes da consideração de apenas alguns espaços e elementos da Igreja para tombamento, caracterizada por uma “visão fragmentada a que se obriga a Instituição na compreensão do bem cultural que ela se propõe acautelar, ao tombar, não a igreja em sua totalidade, mas sim apenas certos elementos que a compõem”.83 83 Ibid. Por isso, defendeu “a importância de se compreender a igreja como um todo, apesar das alterações de alguns aspectos no seu traçado original e das consequentes descaracterizações que intervenções danosas tenham eventualmente imposto ao bem cultural”,84 84 Ibid., p. 29, fl. 217. argumentando que “não se pode atomizar a visão do objeto artístico que se quer proteger, por conta do alegado confronto entre o que é original e os demais elementos arquitetônicos de importância relativa ou duvidosa que venham a depreciar, no todo, a importância do bem cultural em si”.85 85 Ibid., p. 29-30, fl. 217-218. Tal contestação exposta por Ribeiro em relação às narrativas de seleção da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo coaduna com o debate internacional do campo da conservação do patrimônio cultural desde a década de 1960, tendo a Carta de Veneza de 1964 como documento de referência no reconhecimento da sobreposição de testemunhos e temporalidades em um mesmo bem patrimonial, e, ainda, com o alargamento do conceito de patrimônio cultural presente na Constituição Brasileira de 1988.

Ainda segundo Ribeiro, “É inquestionável o fato de existir uma relação de reciprocidade entre a igreja e o acervo que a adorna. A descaracterização de qualquer um dos fatores envolvidos nesta relação - o acervo móvel e integrado e o prédio propriamente dito - comprometerá esse equilíbrio, essa harmonia”.86 86 Ibid., p. 30, fl. 218, grifo nosso. O historiador apontou, ainda, para a necessidade de reconhecimento do valor atribuído à edificação per se, para além de sua função como abrigo das obras pictóricas, entendendo que “igreja não se resume à função semântica dos postulados estéticos que lhe conferem valor: antes, reclama compreendê-la em sua unicidade, ainda que tenha sido, outrora, parte de um conjunto arquitetônico que hoje se encontra mutilado”.87 87 Ibid.

O reconhecimento da “unicidade” da Igreja apresenta-se, na interpretação de Ribeiro, por meio da identificação do bem a partir de uma leitura no tempo presente de seus significados e das temporalidades que coexistem e configuram a edificação. A interpretação do bem cultural no tempo presente evidencia a leitura dos seus atributos a partir das relações estabelecidas entre a edificação e os sujeitos que a significam como objeto patrimonial,88 88 Cf. Meneses (1980, 2006, 2012, 2017). como destaca Laurajane Smith, “ao tirar o poder do presente de reescrever ativamente o significado do passado, o uso do passado para desafiar e reescrever o significado cultural e social no presente se torna mais difícil”.89 89 Smith, op. cit., p. 29, tradução nossa. A interpretação do passado é feita no tempo presente por sujeitos que selecionam e hierarquizam atributos. É, por isso, mutável e plural.

Ribeiro apresentou estranhamento à proposta de tombamento do frontispício do bem, questionando sobre quais efeitos jurídicos a medida provocaria. Para ilustrar seu ponto de vista, indagou qual seria a postura adotada pelo Iphan quando da construção, em um futuro hipotético, de um anexo que impactasse na leitura da volumetria da Igreja, ou mesmo da edificação de um segundo pavimento. Assim, questionou: “Interessa realmente ao Iphan perpetrar a continuidade do processo de descaracterização do imóvel, sobretudo numa perspectiva de que a fachada acabe-se tornando num elemento que, embora íntegro, perdera os nexos de continuidade e equilíbrio com o resto da edificação?”.90 90 Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., v. 2, p. 30-31, fl. 218-219, grifo nosso. As ponderações de Ribeiro expõem as contradições dos posicionamentos do Iphan, no caso em questão, e uma visão crítica dos efeitos do tombamento e dos meandros do processo de identificação e gestão dos bens culturais acautelados. Embora tal narrativa caracterize-se como uma possibilidade de amadurecimento e alargamento das estratégias de interpretação do patrimônio cultural brasileiro, ainda que o caso tenha sido analisado como “excepcional”, a argumentação parece não encontrar aderência na instituição, como evidenciado no trecho a seguir:

O caso da igreja da Ordem Terceira do Carmo, entretanto, dada a excepcionalidade que apresenta, parece postular, para si, o privilégio da concessão, do tratamento diferenciado, dos favores, enfim, que se costuma dedicar aos casos excepcionais. […] As ponderações que apresentei ao longo deste memorando haviam sido submetidas, na reunião que tivéramos com o arquiteto José Saia, à apreciação da 9ª Coordenação Regional, que preferiu sustentar, contudo, sua opinião anterior.91 91 Ibid., p. 21-32, fl. 209-220, grifo nosso.

Ainda em 1995, a então chefe de divisão do Deprot, Cláudia Barroso elaborou um parecer conclusivo sobre a proposta de tombamento.92 92 Ibid., p. 33-41, fl. 221-229. A argumentação quanto ao tombamento da Igreja baseou-se nos conceitos de autenticidade e unicidade, analisando a argumentação da 9ª CR quanto ao tema, o que chamou de “tombamento restrito”. Barroso examinou as alterações pelo viés da historicidade e da trajetória dinâmica de transformação da Igreja e da cidade que a abriga. Defendeu, também, o valor afetivo que a sociedade atribuiu ao bem e apresentou a ausência de tombamentos de bens religiosos na cidade de São Paulo: “Não por acaso, as ações de tombamento federal empreendidas até o momento não contemplaram, na capital paulista, qualquer edificação destinada a templo religioso. Nenhuma foi julgada merecedora de proteção nacional sob uma apreciação puramente estética […]”.93 93 Ibid., p. 40, fl. 228. As alterações foram, então, consideradas enquanto marcas do tempo necessárias à compreensão das transformações do bem e da cidade, o que motivou o parecer favorável ao tombamento total da Igreja. A atribuição de valor histórico parece novamente imperar. Assim, concluiu que o tombamento da Igreja em partes “seria fragmentar sua visível unidade e renegar a história da qual ela é admirável testemunho; é, portanto, por considerá-la um monumento histórico e artístico de valor, que somos favoráveis ao acautelamento da Igreja em sua totalidade”.94 94 Ibid., p. 41, fl. 229.

O processo foi analisado pela Procuradoria Federal junto ao Iphan para parecer jurídico, sendo dada continuidade aos trâmites legais para efetivar o tombamento, sem a definição da área de entorno, que deveria ser delimitada a posteriori. O então presidente da instituição, Glauco Campello, notificou a Venerável Ordem Terceira do Carmo em São Paulo e a Prefeitura Municipal de São Paulo. O Prior da V. O. T. do Carmo em São Paulo manifestou a anuência e, em 1996, o processo foi encaminhado para o conselheiro Augusto da Silva Telles para elaboração de parecer a ser discutido no âmbito do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan. Até então, o encaminhamento final do processo de tombamento apontava para o tombamento total da edificação, associando seus atributos aos valores estéticos e históricos, conforme indicação do Deprot. Entretanto, a relatoria do conselheiro propôs o reconhecimento parcial da edificação enquanto patrimônio cultural brasileiro, retomando, de certo modo, a interpretação da unidade descentralizada do Iphan em São Paulo.

O posicionamento de Augusto da Silva Telles pode ser contextualizado pelos diferentes lugares que ocupou ao longo dos 38 anos de debate sobre o tombamento da Igreja.95 95 Augusto da Silva Telles atuou como consultor do Iphan entre 1957-1988, ocupando o cargo de Diretor de Tombamento e Conservação em 1987. Entre os anos de 1988 e 1989, assumiu a presidência da Fundação Nacional Pró-Memória e o cargo de Secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Atuou como conselheiro no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, entre 1994 e 2002. Em 2004, foi reconduzido ao Conselho, permanecendo até 2009. A permanência de agentes que ocuparam cargos técnicos e de direção no Iphan como conselheiros do órgão pode ter favorecido uma perpetuação das estratégias de seleção patrimonial. Silva Telles pode ser caracterizado como um “sacerdote” do patrimônio cultural brasileiro, atuando na manutenção da tradição no reconhecimento patrimonial.96 96 Cf. Pereira, op. cit. A associação feita por seus pares do conselheiro Augusto da Silva Telles às figuras de: “oráculo”, “ancoradouro”, “continuidade”, “enciclopédia” ou a uma autoridade do saber especializado reforça a credibilidade conferida pelos conselheiros às suas narrativas de seleção e às suas concepções de patrimônio e a caracterização de Augusto da Silva Telles como “sacerdote”. Neste sentido, a constante rememoração da figura de Rodrigo Melo Franco de Andrade e de seus feitos pode ser entendida como um vínculo forte com a tradição institucional.

A contribuição de Silva Telles encontra-se associada, também, à representação internacional da instituição.97 97 Foi membro do International Council of Monuments and Sites (Icomos), assumindo a vice-presidência da organização entre os anos de 1984 e 1987. Fundou o comitê brasileiro do Icomos em 1978, sendo o seu primeiro presidente. Foi membro do Conselho do Centre International d’Études pour la Conservation et la Restauration des Bien Culturels (Iccrom), no período compreendido entre os anos 1983 e 1989, tendo assumido a presidência da Assembleia Geral do Centro entre os anos 1987 e 1988. Entre 1982 e 1989, foi, ainda, delegado brasileiro do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e correspondente da Academia Nacional de Belas Artes de Portugal, a partir de 1975. Representou o Iphan em diversos eventos internacionais ((THOMPSON, 2010, p. 34). Participou, portanto, de várias das discussões internacionais sobre patrimônio cultural. Beatriz Kühl defende que, no Brasil, houve grande dificuldade na leitura da Carta de Veneza de 1964, de forma fundamentada e aprofundada, porém destaca como exceção as apresentações e aulas ministradas por Augusto da Silva Telles sobre a Carta.98 98 Kühl (2010). Quando consultado sobre a Carta, em 2010, Silva Telles comentou que já tinha contato com as discussões que precederam a Carta de Veneza por meio de uma revista francesa que assinava e que foi a uma reunião em São Paulo para discutir o tema:

[…] eu fui incumbido de falar sobre a Carta de Veneza. Eu estava falando sobre a Carta, e o Saia ficou irritadíssimo, porque a Carta de Veneza tinha uma série de coisas que não havia na Carta de Atenas. Há uma diferença de conceitos, não só no sentido de contenção, como também no sentido de liberdade. Por exemplo, essa coisa da restauração não provocar obrigatoriamente uma unidade. A Carta de Veneza dá uma leitura muito mais rica e, portanto, mais perigosa: mais liberdade, mas ao mesmo tempo, mais exigências.99 99 Telles apud Thompson, op. cit., p. 89.

A alusão ao “perigo” de uma leitura mais rica do patrimônio parece estar relacionada à ampliação do repertório formal do que se entendia até então enquanto objeto patrimonial, e, sobretudo, à sobreposição de temporalidades diversas em um mesmo bem, em oposição à ideia de “unidade”. A defesa da “unidade”, como fim obrigatoriamente atingido pela restauração, pode ser associada à categoria homogeneidade adotada para leitura do patrimônio cultural, leitura apresentada em outras relatorias assumidas por Silva Telles no âmbito do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan.100 100 Cf. Pereira, op. cit.

O desconforto de Luís Saia explicita a resistência em relação à ampliação na concepção do patrimônio cultural fruto das discussões internacionais na década de 1960. A busca pela unidade ou homogeneidade estética na caracterização do patrimônio edificado explica, de certo modo, a dificuldade de interpretar as sobreposições temporais como atributos. Tal entrave pode justificar a longa duração de instrução do processo analisado e o silêncio de Saia quanto à definição do tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, para além das pressões de transformação urbana da área.

METONÍMIA DA CONVENIÊNCIA: A SOLUÇÃO ADOTADA NO TOMBAMENTO DA IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO DE SÃO PAULO

Na relatoria do processo de tombamento para apreciação do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, última instância no reconhecimento de um bem cultural enquanto patrimônio nacional, o conselheiro Augusto da Silva Telles adotou uma terceira posição acerca do tombamento da Igreja da Ordem 3ª do Carmo de São Paulo. Apresentou as posições da 9ª CR e do Deprot e optou, assim, por aplicar o instrumento do tombamento e do entorno no mesmo objeto, hierarquizando os elementos considerados “originais” e as intervenções posteriores. Propôs, então, o tombamento parcial da edificação e a delimitação como área de entorno das “três frontarias e mais os acréscimos existentes à direita da igreja”.101 101 Ibid., p. 12-13, grifo nosso. A edificação foi reconhecida, então, como bem patrimonial e como o seu próprio entorno. A “originalidade” e “excepcionalidade” nortearam a narrativa final de seleção do edifício. A reafirmação dos critérios que fundamentaram os tombamentos nos primeiros anos do Iphan e a rejeição do neocolonial como expressão passível de reconhecimento patrimonial são elementos que marcam a narrativa final de interpretação da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo como patrimônio nacional.

A decisão final é fruto da década de 1990, mais precisamente do ano de 1996, momento em que o alargamento do conceito de patrimônio cultural e a ampliação das leituras dos bens culturais para além dos cânones tradicionais adotados na criação do Iphan já repercutiam em algumas ações institucionais de identificação e preservação. No entanto, neste caso, a tradição do Iphan falou mais alto.

A Igreja em questão parece não ter se adequado à categoria de homogeneidade, necessária ao seu reconhecimento enquanto patrimônio cultural brasileiro. Em 1996, o “delírio de ‘purificar’” a Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo norteou a narrativa de seleção patrimonial no âmbito do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan. A busca por uma unidade ou homogeneidade na interpretação patrimonial em meados da década de 1990 reflete-se na classificação de uma “feição arquitetônica incaracterística”. A rejeição do neocolonial e a escassez ou limitação do repertório formal associado à identidade nacional e ao patrimônio cultural brasileiro são aspectos que auxiliam a interpretação das palavras adotadas por Augusto da Silva Telles em sua narrativa de seleção. Da mesma forma, entender as posições ocupadas por Silva Telles ao longo da instrução do processo de tombamento e sua relação com o órgão fornece elementos importantes para interpretação da narrativa de seleção da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo na relatoria do conselheiro.

Como já apontam outros estudos,102 102 Cf. Meneses (2017), Motta, op. cit., e Nascimento e Chuva, op. cit. as possibilidades conferidas pela CF 1988 de interpretação de outros ou dos mesmos objetos patrimoniais sob novas bases não foram amplamente operacionalizadas. O parecer de tombamento da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo torna evidente que a busca pela excepcionalidade, originalidade e homogeneidade ainda norteia as interpretações dos bens culturais brasileiros em meados de 1990.

CONCLUSÃO

As divergências entre a Direção de Proteção e a 9ª CR - hoje, Superintendência do Iphan em São Paulo - para além de se constituírem em interpretações diversas do mesmo bem e das estratégias de acautelamento, parecem denotar também formas distintas de relacionamento com a questão e suas implicações legais e práticas. A 9ª CR, por estar à frente da gestão dos bens culturais tombados, lida com os conflitos e com os outros interesses que costumam tensionar as transformações e as estratégias de preservação da área urbana. A opção pela não definição de área de entorno ou mesmo o “silêncio” da 9ª CR quando da discussão sobre o tombamento da Igreja no final da década de 1950 parece elucidar as consequências relativas à gestão pós-tombamento, que interferiram nas formas de interpretar e valorar o bem. Outro aspecto curioso é a adoção de uma terceira estratégia no âmbito do Conselho Consultivo, a despeito da decisão da Diretoria de Proteção (Deprot) e dos pareceres jurídicos emitidos sobre o tombamento total.

As implicações da opção pelo “entorno de si mesmo” não foram, contudo, discutidas no âmbito do processo de tombamento, nem amplamente apreciadas pelos técnicos envolvidos, o que parece resultar em mais um caso complexo de gestão em uma área de fortes pressões de transformação. A questão urbana, então, talvez estrategicamente, não tenha sido contemplada pela proposta de tombamento. Embora a fachada principal tenha sido objeto de tutela, aspectos relativos à visibilidade e ambiência não foram objeto de discussão, e a indicação de outras fachadas como entorno parece não refletir a real função da delimitação da área de entorno, com o intuito de garantir a fruição do bem cultural por meio da visibilidade e ambiência. Exercícios como simulações de intervenções externas à edificação e seus impactos parecem não ter sido realizados. Se considerarmos a intenção de proteção das obras do padre Jesuíno e se a opção fosse pela interpretação da Igreja como tributária do valor reconhecido nestas, com a Igreja como entorno das obras, a justificativa seria mais claramente identificável.

Para além dos critérios que consideram os conceitos de visibilidade e ambiência na delimitação dos entornos, muitas vezes, a hierarquização dos valores e dos atributos identificados para a preservação parecem prevalecer. A “saga” da preservação da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, também conhecida como Capela de Santa Teresa da Ordem Terceira do Carmo, ilustra como as categorias de interpretação do bem cultural e suas narrativas determinam estratégias de seleção e de tutela. Demonstra, também, a relação, muitas vezes conflituosa, entre a direção central do Iphan e as suas unidades descentralizadas; e exemplifica que as decisões do Conselho Consultivo, nem sempre, dialogam com as estratégias previstas no processo de tombamento.

A permanência do “purismo”, nas palavras de Sérgio Miceli, ou da ideia de homogeneidade para a leitura e interpretação do patrimônio cultural brasileiro ainda em meados da década de 1990 expõe a convivência de narrativas tradicionais de seleção patrimonial com novas formas de identificação que apresentam maior alargamento das possibilidades de reconhecimento do patrimônio cultural. No caso analisado, a “conveniência” do reconhecimento da “parte” pelo “todo” mostrou-se como estratégia de seleção patrimonial priorizada, evidenciando, assim, os filtros e os enquadramentos adotados pelo Iphan em meados da década de 1990.

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  • 2
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  • 3
    Ibid., p. 12.
  • 4
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd.).
  • 5
    Ibid., p. 12-13, grifo nosso.
  • 6
    Cf. Cavalcanti (2000CAVALCANTI, Lauro. Modernistas na repartição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.).
  • 7
    Cf. Marins (2016MARINS, Paulo César Garcez. Novos patrimônios, um novo Brasil?: um balanço das políticas patrimoniais federais após a década de 1980. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 57, p. 9-28, 2016. DOI: 10.1590/S0103-21862016000100002.
    https://doi.org/10.1590/S0103-2186201600...
    ), Miceli (1987MICELI, Sérgio. Sphan: refrigério da cultura oficial. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22, p. 44-47, 1987.) e Rubino (1991RUBINO, Silvana. As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do serviço do patrimônio histórico e artístico nacional, 1937-1968. 1991. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991.).
  • 8
    Cf. Meneses (2009MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas. In: FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL, 1., 2009, Ouro Preto. Anais […]. Brasília, DF: Iphan, 2012. p. 25-39., 2017MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Repovoar o patrimônio ambiental urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, n. 36, p. 39-51, 2017.) e Motta (2017MOTTA, Lia. O patrimônio urbanístico e seus usos sociais. In: PAES, Maria Tereza Duarte; SOTRATTI, Marcelo Antônio (org.). Geografia, turismo e patrimônio cultural: identidades, usos e ideologias. São Paulo: Annablume, 2017.).
  • 9
    Cf. Marins (2011MARINS, Paulo César Garcez. Do Luz Cultural ao Monumenta: sobre a opção pela escala monumental na preservação de uma área de São Paulo. In: BAPTISTA, Dulce Maria Tourinho; GAGLIARDI, Clarissa M. R (org.). Intervenções urbanas em centros históricos: Brasil e Itália em discussão. São Paulo: Educ, 2011. p. 145-169.) e Rodrigues (1994RODRIGUES, Marly. Alegorias do passado: a instituição do patrimônio em São Paulo 1969-1987. 1994. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994.).
  • 10
    Cf. Chuva (2009CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora UFRJ , 2009.) e Nascimento (2012NASCIMENTO, Flávia Brito do. Preservando a arquitetura do século XX: o Iphan entre práticas e conceitos. Cadernos PROARQ, Rio de Janeiro, n. 19, p. 172-193, 2012., 2016).
  • 11
    Cf. Meneses (2012MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas. In: FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL, 1., 2009, Ouro Preto. Anais […]. Brasília, DF: Iphan, 2012. p. 25-39., 2017MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Repovoar o patrimônio ambiental urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, n. 36, p. 39-51, 2017.) e Smith (2006SMITH, Laurajane. Uses of heritage. Abingdon: Routledge, 2006.).
  • 12
    Como no caso do tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de Penedo em Alagoas, cuja relatoria também foi assumida pelo conselheiro Augusto da Silva Telles (PEREIRA, 2021PEREIRA, Julia da Rocha. Sacerdotes e profetas do patrimônio urbano do Brasil: consenso e dissonância no conselho consultivo do patrimônio cultural do Iphan (1990-2010). 2021. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Urbano) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021.).
  • 13
    Andrade (1958ANDRADE, Rodrigo M. F. de. [Correspondência]. Destinatário: Divisão de Estudos e Tombamento. São Paulo, 19 nov. 1958. 1 manuscrito. Arquivo da Superintendência do Iphan, São Paulo, Seção de História, Processo nº 568-T-1958, anexado ao Processo 1176-T-85, v. 1, p. 192.).
  • 14
    Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1958DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Divisão de Estudos e Tombamento. Processo nº 568-T-1958. Igreja da Ordem Terceira do Carmo (São Paulo). São Paulo: DPHAN-DET, 1958. Anexado ao Processo 1176-T-85., p. 194).
  • 15
    Atual Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em São Paulo.
  • 16
    Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., p. 195.
  • 17
    Ibid.
  • 18
    Sobre as pinturas religiosas em São Paulo, em 1967, Luís Saia, apresentou a seguinte argumentação: “Sem maior estudo, parece indiscutível o interesse de tais peças (refere-se às pinturas da igreja do Carmo de Itu e as das Carmos [sic] de Mogi das Cruzes) no documentário da arte tradicional: representam a arte religiosa paulista de fim do século XVIII. As pinturas nela existentes (no teto), juntamente com as pinturas da Matriz de Nossa Senhora da Candelária e as da O. 3ª do Carmo de São Paulo, completam o quadro da pintura de fim do século dezoito e início do século dezenove, isto é, do período do fim da economia que precedeu a fase ‘cafesista’ de São Paulo. Isto equivale a uma amostragem da pouca arte paulista em seguida à fase bandeirista e anterior ao período de importão [sic] cafesista. Um intervalo pobre de economia, pobre de documentos artísticos, rico porém, de interesse documentário”. (Ofício ao Dr. Renato Soeiro, Diretor Substituto, de 16/03/1967). Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd., p. 111-112.
  • 19
    Ibid., p. 115.
  • 20
    Ibid.
  • 21
    Ibid.
  • 22
    Informação no 242. Obras da igreja da O. 3ª de N. S a do Carmo, São Paulo. Paulo Thedim Barreto. Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1959. Processo no 568-T- 1958. In: Processo no 1176-T-85, SPHAN/DTC. DRD/ARQUIVO., p. 197.
  • 23
    Ibid.
  • 24
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd.), p. 199.
  • 25
    Marins (2016MARINS, Paulo César Garcez. Novos patrimônios, um novo Brasil?: um balanço das políticas patrimoniais federais após a década de 1980. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 57, p. 9-28, 2016. DOI: 10.1590/S0103-21862016000100002.
    https://doi.org/10.1590/S0103-2186201600...
    ).
  • 26
    Rubino (1996RUBINO, Silvana. O mapa do Brasil passado. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional , Rio de Janeiro, n. 24, p. 97-105, 1996.).
  • 27
    Ver Andrade (1981ANDRADE, Mário de. Cartas de Trabalho: correspondência com Rodrigo M. F. de Andrade (1936-1945). Rio de Janeiro, MINC/SPHAN/Pró-Memória, 1981, p. 69.). In: Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., Vol. II. p. 13.
  • 28
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd., p. 10.
  • 29
    Mário de Andrade realizou estudo específico, na condição de assistente-técnico do Sphan, contendo análise das obras de Jesuíno Francisco de Paula Gusmão, conhecido como Padre Jesuíno do Monte Carmelo. Andrade (1945ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno do Monte Carmelo. Rio de Janeiro: Sphan, 1945.).
  • 30
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., Vol. I. p. 4.
  • 31
    Ibid., p. 7.
  • 32
    Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1958DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Divisão de Estudos e Tombamento. Processo nº 568-T-1958. Igreja da Ordem Terceira do Carmo (São Paulo). São Paulo: DPHAN-DET, 1958. Anexado ao Processo 1176-T-85.).
  • 33
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd., p. 8.
  • 34
    Hoje, Superintendência do Iphan em São Paulo.
  • 35
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd., p. 77.
  • 36
    Ibid., p. 79-104.
  • 37
    Documentos Interessantes - V. LXXIII, p. 57-59 apud Ibid., p. 83, grifo nosso.
  • 38
    Ibid., p. 86.
  • 39
    Nascimento (2016NASCIMENTO, Flávia Brito do. Patrimônio cultural e escrita da história: a hipótese do documento na prática do Iphan nos anos 1980. Anais do Museu Paulista , São Paulo, v. 24, n. 3, p. 121-147, 2016. DOI: 10.1590/1982-02672016v24n0305.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672016v24...
    ).
  • 40
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd., p. 91.
  • 41
    Ibid.
  • 42
    Ibid.
  • 43
    O processo de tombamento contém um documento técnico de autoria do técnico Victor Hugo Mori, que apresenta algumas possíveis razões do “esquecimento” e as localizações prováveis da Capela. Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd., p. 105-108.
  • 44
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd., p. 97.
  • 45
    Ibid., p. 103.
  • 46
    Nascimento (2016NASCIMENTO, Flávia Brito do. Patrimônio cultural e escrita da história: a hipótese do documento na prática do Iphan nos anos 1980. Anais do Museu Paulista , São Paulo, v. 24, n. 3, p. 121-147, 2016. DOI: 10.1590/1982-02672016v24n0305.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672016v24...
    ).
  • 47
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd.. op. cit. p. 177-178.
  • 48
    Ibid.
  • 49
    Ibid.
  • 50
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., Vol. I. p. 185.
  • 51
    Ibid., p. 186.
  • 52
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd.. op. cit. Vol. II. p. 17-18. fls. 205-206.
  • 53
    Ibid.
  • 54
    Ibid.
  • 55
    Ibid.
  • 56
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1985SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 1176-T-85. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, incluindo o seu acervo móvel, integrado e documental, em São Paulo, SP, e oito quadros do século XIX, de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das irmãs de São José, em Itu, São Paulo. São Paulo: Sphan, 1985. 1 extensão .drd.. op. cit. Vol. II. p. 19. fl. 207.
  • 57
    Ibid.
  • 58
    Ibid.
  • 59
    Miceli (1987MICELI, Sérgio. Sphan: refrigério da cultura oficial. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22, p. 44-47, 1987., p. 45).
  • 60
    Ibid., p. 116-117, grifo nosso.
  • 61
    Cf. Murayama (2009MURAYAMA, Eduardo Tsutomu. A Capela de Santa Teresa da Venerável Ordem Terceira do Carmo da cidade de São Paulo e o resgate da pintura do padre Jesuíno do Monte Carmelo. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS TRANSVERSALIDADES NAS ARTES VISUAIS, 18., 2009, Salvador. Anais […]. Salvador: Edufba, 2009. p. 1743-1755.).
  • 62
    Cf. Murayama (2010MURAYAMA, Eduardo Tsutomu. A pintura de Jesuíno do Monte Carmelo na Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, 2010., p. 173). A partir dos “arcos segmentadores” oriundos da intervenção de Ricardo Severo nos anos 1920, Mario de Andrade levantou a hipótese da “pintura invisível” de autoria do padre Jesuíno do Monte Carmelo presente no teto da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo.
  • 63
    Cf. Atique (2016ATIQUE, Fernando. De “casa manifesto” a “espaço de desafetos”: os impactos culturais, políticos e urbanos verificados na trajetória do Solar Monjope (Rio, anos 20 - anos 70). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 57, p. 215-234, 2016. DOI: 10.1590/S0103-21862016000100012.
    https://doi.org/10.1590/S0103-2186201600...
    ), Kessel (1999KESSEL, Carlos. Estilo, discurso, poder: arquitetura neocolonial no Brasil. História social, Campinas, n. 6, p. 65-95, 1999.) e Pinheiro (2017PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Trajetória das ideias preservacionistas no Brasil: As décadas de 1920 e 1930. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional , Brasília, DF, n. 35, p. 13-31, 2017.).
  • 64
    Cf. Cavalcanti (2000CAVALCANTI, Lauro. Modernistas na repartição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.) e Conduru (2009CONDURU, Roberto. Entre histórias e mitos. Uma revisão do neocolonial. Vitruvius, São Paulo, ano 8, n. 93.1, 2009.).
  • 65
    Costa (1962COSTA, Lúcio. Muita construção, alguma arquitetura e um milagre. Revista - Catálogo, Rio de Janeiro, ago. 1962 [1951].).
  • 66
    Ibid.
  • 67
    Meneses (1980MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O objeto material como documento. [S. l.: s. n.], 1980. Texto de reprodução de aula ministrada no curso Patrimônio cultural: políticas e perspectivas, organizado pelo IAB/Condephaat., p. 7).
  • 68
    Ibid., p. 5.
  • 69
    Ibid.
  • 70
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., p. 169.
  • 71
    Ibid.
  • 72
    Ibid.
  • 73
    Ibid., p.170.
  • 74
    Cf. Gonçalves (1996GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ , 1996.).
  • 75
    Anais do Museu Paulista (2020ANAIS DO MUSEU PAULISTA: História e Cultura material. São Paulo: Universidade de São Paulo, v. 28, 14 dez. 2020. ECM/Dossiê: Democracia, Patrimônio e Direitos: a década de 1980 em perspectiva.).
  • 76
    Nascimento e Chuva (2020NASCIMENTO, Flávia Brito do; CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Introdução. Anais do Museu Paulista , v. 28, p. 1-12, 2020. DOI: 10.1590/1982-02672020v28d2e48intro.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672020v28...
    , p. 3).
  • 77
    Motta, op. cit., p. 90.
  • 78
    Ibid.
  • 79
    Meneses (2017MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Repovoar o patrimônio ambiental urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, n. 36, p. 39-51, 2017., p. 40).
  • 80
    Cf. Pereira, op. cit.
  • 81
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., v. 2, p. 22, f. 210.
  • 82
    Ibid., p. 26-27, f. 214-215.
  • 83
    Ibid.
  • 84
    Ibid., p. 29, fl. 217.
  • 85
    Ibid., p. 29-30, fl. 217-218.
  • 86
    Ibid., p. 30, fl. 218, grifo nosso.
  • 87
    Ibid.
  • 88
    Cf. Meneses (1980MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O objeto material como documento. [S. l.: s. n.], 1980. Texto de reprodução de aula ministrada no curso Patrimônio cultural: políticas e perspectivas, organizado pelo IAB/Condephaat., 2006MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A cidade como bem cultural: áreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano. In: MORI, Victor Hugo; SOUZA, Marise Campos de; BASTOS, Rossano Lopes; GALLO, Haroldo (org.). Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: Iphan, 2006. p. 33-53., 2012MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas. In: FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL, 1., 2009, Ouro Preto. Anais […]. Brasília, DF: Iphan, 2012. p. 25-39., 2017MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Repovoar o patrimônio ambiental urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, n. 36, p. 39-51, 2017.).
  • 89
    Smith, op. cit., p. 29, tradução nossa.
  • 90
    Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., v. 2, p. 30-31, fl. 218-219, grifo nosso.
  • 91
    Ibid., p. 21-32, fl. 209-220, grifo nosso.
  • 92
    Ibid., p. 33-41, fl. 221-229.
  • 93
    Ibid., p. 40, fl. 228.
  • 94
    Ibid., p. 41, fl. 229.
  • 95
    Augusto da Silva Telles atuou como consultor do Iphan entre 1957-1988, ocupando o cargo de Diretor de Tombamento e Conservação em 1987. Entre os anos de 1988 e 1989, assumiu a presidência da Fundação Nacional Pró-Memória e o cargo de Secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Atuou como conselheiro no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, entre 1994 e 2002. Em 2004, foi reconduzido ao Conselho, permanecendo até 2009.
  • 96
    Cf. Pereira, op. cit. A associação feita por seus pares do conselheiro Augusto da Silva Telles às figuras de: “oráculo”, “ancoradouro”, “continuidade”, “enciclopédia” ou a uma autoridade do saber especializado reforça a credibilidade conferida pelos conselheiros às suas narrativas de seleção e às suas concepções de patrimônio e a caracterização de Augusto da Silva Telles como “sacerdote”.
  • 97
    Foi membro do International Council of Monuments and Sites (Icomos), assumindo a vice-presidência da organização entre os anos de 1984 e 1987. Fundou o comitê brasileiro do Icomos em 1978, sendo o seu primeiro presidente. Foi membro do Conselho do Centre International d’Études pour la Conservation et la Restauration des Bien Culturels (Iccrom), no período compreendido entre os anos 1983 e 1989, tendo assumido a presidência da Assembleia Geral do Centro entre os anos 1987 e 1988. Entre 1982 e 1989, foi, ainda, delegado brasileiro do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e correspondente da Academia Nacional de Belas Artes de Portugal, a partir de 1975. Representou o Iphan em diversos eventos internacionais ((THOMPSON, 2010THOMPSON, Analucia. Entrevista com Augusto da Silva Telles. Rio de Janeiro: Iphan , 2010. (Memórias do Patrimônio), p. 34).
  • 98
    Kühl (2010KÜHL, Beatriz Mugayar. Notas sobre a Carta de Veneza. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 287-320, 2010. DOI: 10.1590/S0101-47142010000200008.
    https://doi.org/10.1590/S0101-4714201000...
    ).
  • 99
    Telles apud Thompson, op. cit., p. 89.
  • 100
    Cf. Pereira, op. cit.
  • 101
    Ibid., p. 12-13, grifo nosso.
  • 102
    Cf. Meneses (2017MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Repovoar o patrimônio ambiental urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, n. 36, p. 39-51, 2017.), Motta, op. cit., e Nascimento e Chuva, op. cit.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2021
  • Aceito
    22 Set 2022
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