Acessibilidade / Reportar erro

A preservação de igrejas católicas após as reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II

Conservation of Catholic churches after the liturgical reforms of the Second Vatican Council

RESUMO

A partir da perspectiva de que a utilização do patrimônio edificado é imprescindível para a sua preservação, este artigo discute a adequação de igrejas católicas, concebidas para a liturgia do Concílio de Trento (1545-1563), à implementada após o Concílio Vaticano II (1962-1965), que pressupõe uma organização espacial simbólica e funcionalmente diversa. São apresentados alguns problemas que ocorreram nesse processo, eventualmente levando à perda de bens, frequentemente em prol de intervenções de pertinência discutível. Apresenta-se o programa necessário para a viabilização da celebração da liturgia reformada nas igrejas de concepção tridentina obtido a partir de textos oficiais, em articulação com os princípios da intervenção em bens culturais e com ilustração de exemplos.

PALAVRAS-CHAVE
Patrimônio arquitetônico; Intervenção arquitetônica; Igrejas

ABSTRACT

Since the use of built heritage is a requisite for its conservation, this article discusses the adaptation of Catholic churches, conceived for the liturgy supported by the Council of Trent (1545-1563), to that of the Second Vatican Council (1962-1965), which presuppose a symbolically and functionally different spatial layout. Issues concerning this process are presented which sometimes led to the loss of cultural assets, frequently in favor of less pertinent interventions. It presents the architectural program for celebrating the reformed liturgy in Tridentine churches, as expressed by official documents in articulation with the principles of intervention in cultural assets and illustrative examples.

KEYWORDS
Architectural heritage; Architectural intervention; Churches

CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

As igrejas católicas constituem uma porção de grande importância para o patrimônio arquitetônico e artístico da humanidade; sua preservação e transmissão para as futuras gerações, todavia, relacionam-se à sua adequação para a função litúrgica, postura de acordo não somente com todas as correntes do restauro (ao concordarem, de forma mais geral, quanto à questão do uso dos bens), como com o Acordo Brasil-Santa Sé. 1 1 Cf. Brasil ( 2010 ). Na atualidade, muitas igrejas de Rito Romano 2 2 Rito ao qual pertence a vasta maioria dos fiéis da Igreja Católica, excluindo-se dessa conta os outros ritos minoritários, como os orientais ou os particulares de algumas ordens. ainda apresentam o desafio de, tendo servido à liturgia estabelecida pelo Concílio de Trento (1545-1563), identificada como a “missa em latim” (caracterização imprecisa) ou a “missa tridentina”, comportar adequadamente a liturgia promulgada pelo papa Paulo VI em 1969, identificada como a “missa em português” ou a “missa do Concílio Vaticano II”, ou ainda o Novus Ordo Missae . 3 3 “Novo Ordinário da Missa”, em português.

As modificações litúrgicas aludidas são fruto de um processo de longa duração, com uma complexa genealogia de ideias, em que uma cosmovisão, que opera simbólica e funcionalmente no espaço sagrado de uma maneira, gradativamente se transmuta em outra, ou melhor, outras , a depender de como a liturgia reformada e as decisões conciliares são recebidas e aplicadas em nível local (problema a ser abordado mais adiante). Esse processo pode ser agrupado em torno de quatro grandes eventos, que colocaram toda uma gama de debates teológicos, exegéticos, hermenêuticos, morais, filosóficos, pastorais etc., bem como arquitetônicos, espaciais, iconográficos, artísticos e patrimoniais, que resumiremos brevemente dentro do escopo deste artigo (mudanças de acento teológico ou pastoral que tenham influído na concepção espacial dos templos também serão apresentadas) 4 4 Cabe não esquecer, aliás, que a relação filosofia-teologia é importante para a interpretação da arquitetura de igrejas, como Erwin Panofsky o demonstrou ao investigar a arquitetura gótica e a Escolástica na Idade Média. .

O movimento litúrgico

No início do século XX, a Igreja Católica se organizava em estruturas basicamente tridentinas, refletindo uma cosmovisão hierárquica e escolástica, segundo a qual ela se apresenta como “sociedade perfeita”, ou seja, dotada dos elementos necessários para cumprir sua missão institucional enquanto corpo social, ou o conjunto de fiéis batizados unidos pela mesma fé e sob o governo do mesmo pastor, o papa (“vigário de Cristo”), mas também como o “corpo místico de Cristo”.

Em arquitetura, essa compreensão tinha correspondência na introjeção das promessas de Cristo quanto à Igreja “Triunfante” (os santos do Céu), ou seja, daquilo que “nem olhos viram, nem ouvidos ouviram” (Primeira Epístola aos Coríntios 2,9), e nesse sentido é evidente a busca pela beleza . 5 5 “Por todos os séculos, o povo católico não poupou esforços e recursos para construir santuários que fornecessem uma configuração digna do Sacrifício excelso, santuários que fornecessem uma antecipação do verdadeiro Santo dos Santos, do próprio Paraíso” (Davies, 1997 , tradução nossa). No rito tridentino, o celebrante recitava ainda (em latim) o Salmo 25 ao lavar as mãos, antes da consagração eucarística: “Amo, Senhor, a beleza de vossa casa, e o lugar em que repousa a vossa glória”. E, não obstante os variados “estilos arquitetônicos”, o fato de elas serem fruto de suas épocas, essas igrejas estão impregnadas de um genius loci que é uma “atmosfera de eternidade” 6 6 Expressão utilizada, com outros propósitos, por São Bernardo de Claraval, que aqui nos pareceu adequada por pertencer ao patrimônio espiritual católico perene, portanto plenamente autorizada. , e, sacralizando um espaço, evocam a presença de Deus de forma mais especial e para além do dogma da onipresença divina.

Tecnicamente, eram igrejas pautadas por um programa definido pelo documento de 1577, Instrucciones fabricæ et supellectilis ecclesiasticæ , de São Carlos Borromeu (1538-1584) 7 7 Cardeal e arcebispo de Milão, figura importante na Contrarreforma. Em tradução livre, o título do documento seria Instruções sobre a construção e as alfaias eclesiásticas . , e por outros documentos, influenciados por este, mas de abrangência mais local, produzidos por bispados e arcebispados segundo orientação do Concílio de Trento e para a aplicação deste em nível local; no caso do Brasil, podem-se citar as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707, para servir a uma liturgia em língua latina promulgada pelo Concílio de Trento (que foi sofrendo pequenas revisões), de rubricas 8 8 Rubricas são textos escritos no missal em letras vermelhas, que explicam posições, gestos, posturas etc., que o sacerdote deve executar enquanto pronuncia o texto que consta em letras pretas. complexas e detalhistas. O documento de São Carlos Borromeu apresentava esmiuçadamente qual deveria ser a disposição de uma igreja, não somente com vistas à celebração da missa, como também para administração do batismo e da penitência, que são os outros dois sacramentos que determinam o programa do projeto arquitetônico de uma igreja (algumas das prescrições desse documento já haviam caído em desuso no início do século XX). O modelo de templo era predominantemente de planta cruciforme ou longitudinal , mas direcional , 9 9 Lima ( 2011 , p. 51). Frade ( 2016 ) sugere um exagero de interpretação historiográfica na indicação de que São Carlos Borromeu teria condenado a planta circular. Mas, fato é que, desde o Concílio de Trento até as discussões que veremos na sequência, o modelo predominante de igrejas foi direcional. ou seja, com assembleia e sacerdotes voltados para a mesma direção (de preferência para o nascente, o leste). Esse modelo de planta remetia ainda à imagem de um navio, motivo pelo qual se fala das “naves” de uma igreja (o sacerdote, enquanto unido ao papa, ou seja, Pedro, pescador, seria uma espécie de timoneiro). Essa autocompreensão e cosmovisão não deixavam de apresentar desafios para a Igreja diante da Modernidade (“a palavra ‘Igreja’ fere os ouvidos da modernidade”, como diria o então Cardeal Ratzinger, futuro Bento XVI) 10 10 Assunção ( 2018 , p. 21). , a qual combateu, reafirmando sua doutrina, especialmente pela condenação, por Pio IX, dos “erros da nossa época” (o conhecido Syllabus , ou Sílabo dos Erros de Nossa Época ) e por S. Pio X, daquilo que este batizaria como a heresia do modernismo . Em breve, porém, essas relações seriam alteradas — não de forma pacífica.

Por volta da década de 1910, difunde-se a ideia de que a liturgia se afastara demasiado dos seus propósitos do cristianismo primitivo, sendo monopolizada pelo clero e deixando o povo na posição de mera assistência passiva e, portanto, em piores condições de haurir seus frutos espirituais. O remédio para isso seriam, portanto, a “participação ativa dos fiéis” na liturgia, o retorno às fontes , ou seja, a reconstrução das expressões litúrgicas do início do cristianismo, e a indissociabilidade entre liturgia, arte e arquitetura. Essas ideias viriam a constituir o que ficaria conhecido como movimento litúrgico.

Ainda por essa época, a maioria das novas construções eclesiais se pautava pela assimilação e reprodução daquilo que era compreendido como os “estilos” do passado (ecletismo), como o neogótico e o neorromânico, com poucos exemplares fora desse receituário: a igreja de Notre Dame du Rancy, de Auguste e Gustave Perret (1923), ou as concebidas na linguagem art déco , que pode ser percebido como um protomoderno, e não muitas outras. À margem da arquitetura religiosa, as vanguardas modernistas já nasciam e propunham seu programa. Adolf Loos, por exemplo, já iniciara sua polêmica antiornamentação, e, uma vez que igrejas não eram um programa de especial predileção da maioria dos arquitetos da vanguarda modernista, e nem dos artistas em geral, somente no final da década de 1920 ocorreu a frutífera e decisiva parceria entre o teólogo Romano Guardini (que marcaria sua geração com a obra O espírito da liturgia ) 11 11 Vale um pequeno sumário de algumas das ideias apresentadas nesse livro: o sujeito da liturgia enquanto a união da comunidade cristã, ou “algo mais que a simples soma dos indivíduos” (Guardini, 2018 , p. 11); a liturgia enquanto “sentimento dominado”, ou seja, a emoção religiosa submetida ao dogma racionalmente definido ( ibid ., p. 17); a já aludida “participação ativa” ( ibid ., p. 23); a necessidade de cultura, ou mesmo de “um grau elevado de cultura”, para a religião ( ibid ., p. 25-26); a liturgia como “jogo”, ou seja, como sua própria finalidade em si mesma ( ibid ., p. 63); inerência da beleza à liturgia, não obstante os problemas do esteticismo, ou seja, de uma eventual fruição da beleza pela beleza na liturgia ( ibid ., p. 80). e o arquiteto Rudolf Schwarz; uma das primeiras expressões desse encontro seria a Igreja do Corpo de Cristo (S. Fronleichnam) em Aachen, Alemanha, inaugurada em 1930, com volumes puros, total ausência de ornamentação e iconografia, e predominância do branco e do preto.

Na realidade, havia uma lista de ideias que conviriam tanto ao movimento litúrgico quanto ao modernismo arquitetônico: rompimento com o esquema das plantas e da espacialidade tradicional, ausência ou diminuição de ornamentação, “democratização” espacial com a diminuição da distinção entre presbitério e nave, configuração desta à maneira de uma assembleia e com a missa celebrada versus populum (“em direção ao povo”) e não mais versus Deum (“em direção a Deus”, isto é, ao altar; inapropriadamente compreendida como “de costas para o povo”), maior facilidade na reconfiguração do edifício diante de uma compreensão de que a liturgia deveria se transformar continuamente. O modernismo tinha ainda a oferecer ao movimento litúrgico as possibilidades de expansão acelerada, por meio da racionalidade construtiva, e de uma experiência religiosa mais interior e menos vinculada à fruição de uma “aura opulenta” de um lugar. 12 12 Castello ( 2007 , p. 82-82) fala ainda de um “relativo desinteresse pelo conceito de lugar no modernismo” e evoca as instruções que arquitetos e urbanistas escreviam “propugnando como deveriam ser projetados os lugares destinados ao exercício da função urbana convívio social”. Em suma, tais mudanças não se restringiam a uma maior eficiência na funcionalidade ou circulação dos espaços (preocupação da arquitetura modernista como um todo), mas a aspectos mais profundos da vivência da religião, como a percepção da presença de Deus e da distinção entre leigo e sacerdote . Essas ideias germinariam nas décadas seguintes entre teólogos e religiosos em universidades, seminários e mosteiros, bem como artistas. Em visões mais reformistas, o modelo de templo direcional deixava de ser o ideal, passando a ser centralizado e centrípeto, 13 13 Lima, op. cit., p. 52. com a assembleia em torno do altar, como na Igreja de São Lourenço, em Munique (Alemanha), de 1955.No Brasil, a década de 1940 já punha episódios como o “caso Pampulha”, de 1943, e a criação da Sociedade Brasileira de Arte Cristã (SBAC), em 1946, que teve o efeito de, ainda que lentamente, levar ao estreitamento das relações entre Igreja e arte moderna. Naturalmente, boa parte do clero se opunha a essas novidades (basta lembrar que a referida Igreja de São Francisco de Assis, projetada por Oscar Niemeyer dentro do Complexo da Lagoa da Pampulha, foi proibida da função litúrgica por vários anos), mas não se pode perder de vista que elas cresceram numa espécie de margem, enquanto a Igreja enfrentava a ascensão do comunismo, do fascismo e do liberalismo, do ateísmo, além de crises e booms econômicos, guerras no México e Espanha, Segunda Guerra Mundial e outros eventos conturbados.

O Concílio Vaticano II

O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi convocado pelo papa João XXIII para empreender uma revisão em todos os âmbitos da Igreja. Ao contrário dos concílios anteriores, esse não definiria nenhum dogma de fé ou moral, sendo por isso classificado como “pastoral”, e buscava rever a relação da Igreja com o mundo moderno. A Igreja então passaria a se relacionar com o mundo moderno não mais pelo embate, mas pelo diálogo; o termo comum utilizado era aggiornamento . 14 14 Termo italiano traduzível, ainda que não inteiramente correspondente, como “atualização”. Todavia, várias correntes se encontraram em disputa no concílio, todas querendo se ver representadas nos textos finais, e os conflitos não foram poucos, motivo pelo qual na prática os documentos pendem ora para uma determinação ou conceituação mais conservadora, ora para outra mais renovadora, tentando um acordo que em muitos pontos seria difícil de ser alcançado. Logo no início do concílio, João XXIII morreu e foi sucedido por Paulo VI, a quem coube aprovar todos os documentos.

Questão importante do Vaticano II é o papel dos peritos conciliares , teólogos (como o então padre Joseph Ratzinger, futuro papa Bento XVI) que os bispos traziam consigo, na influência dos rumos a que os debates levavam. É possível que o papel desses peritos tenha, afinal, contribuído para a difusão de uma mentalidade de se recorrer a “peritos” leigos em outras áreas, tema que retomaremos no âmbito da arte e da arquitetura.

O primeiro documento aprovado foi a constituição Sacrosanctum Concilium , sobre as bases da reforma litúrgica do rito romano que se seguiria, e absorvendo contribuições propostas pelo movimento litúrgico. A liturgia deixava de ser simplesmente o “culto público da Igreja”, conforme definição que Pio XII propusera em 1947 na encíclica Mediator Dei , e passava a ser “cume e fonte da vida eclesial”. Mas, não obstante essa definição mais elaborada, o documento apontava para uma intenção de simplificação do missal. Uma das prescrições, por exemplo, era: “as cerimônias resplandeçam de nobre simplicidade, sejam transparentes por sua brevidade e evitem as repetições inúteis” 15 15 Concílio Ecumênico Vaticano II ( 2000a ) .

O documento tangenciava ainda diversas outras questões, como a da arte sacra e das belas artes em geral. Em termos genéricos, evocava o patrimônio artístico da Igreja:

Por isso a Santa Mãe Igreja sempre foi amiga das belas-artes. Procurou continuamente o seu nobre ministério e instruiu os artífices, principalmente para que os objetos pertencentes ao culto divino fossem dignos, decentes e belos, sinais e símbolos das coisas do alto.

16 16 Ibid ., p. 302.

E, em contraposição à compreensão até comum que julga “estilos” como o gótico e o barroco como mais “católicos”, o pronunciamento passava a ser:

A Igreja nunca considerou seu nenhum um estilo de arte, mas conforme a índole dos povos e as condições e necessidades dos vários Ritos admitiu as particularidades de cada época, criando no curso dos séculos um tesouro artístico digno de ser cuidadosamente conservado. Também em nossos dias e em todos os povos e regiões a arte goze de livre exercício na Igreja, contanto que, com a devida reverência e honra, sirva aos sagrados templos e às cerimônias sacras; de tal sorte que ela possa unir sua voz ao admirável concerto de glória que os grandes homens cantaram à fé católica nos séculos passados.

[…] Cuidem os Ordinários que, promovendo e incentivando a arte verdadeiramente sacra, visem antes a nobre beleza que a mera suntuosidade. […]

Ao se construírem igrejas, cuide-se, diligentemente, que sejam funcionais, tanto para a celebração das ações litúrgicas como para obter a participação ativa dos fiéis.

17 17 Ibid ., p. 303.

Tratava-se, portanto, da admissão de uma possibilidade que até então estava em suspenso e que gerara impasses, como o já mencionado “caso Pampulha”: que a conciliação com o mundo contemporâneo incluía uma reavaliação da arte moderna e a conservação do patrimônio acumulado, demanda que, aliás, na década de 1960 se fazia mais cada vez mais presente (a Carta de Veneza, por exemplo, é de 1964).

A afirmação do valor das artes, bem como o princípio pastoral de trazer os leigos para o centro de muitas decisões da vida da Igreja, também levava à criação de comissões de liturgia, música e arte sacra:

Convém que pela competente autoridade territorial eclesiástica […] seja instituída uma Comissão litúrgica, assistida por homens peritos em ciência litúrgica, música sacra e pastoral. […]

Além da Comissão de Liturgia sacra constituam-se em cada diocese, enquanto possível, também Comissões de Música Sacra e de Arte Sacra.

É necessário que essas três Comissões trabalhem em estreita colaboração; e até não raro será conveniente que se unam numa só Comissão.

18 18 Ibid ., p. 278-279.

Em 1964, foi promulgada a Constituição Dogmática Lumen Gentium , sobre a natureza e a constituição da Igreja, em que esta ganhava a definição de Povo de Deus . Passava-se também a apresentar a “vocação universal à santidade”: assim, a ênfase dada ao sacerdócio conferido pelo sacramento da ordem (diáconos, padres e bispos) e à vida consagrada como “um estado superior”, conforme Trento, passava agora para o “sacerdócio comum dos fiéis”, ou a capacidade de todo batizado de prestar um culto a Deus, e dentro da perspectiva de que ambos os “sacerdócios” se ordenavam mutuamente um ao outro e todos os fiéis são chamados a ser santos.

Em 1965 foi aprovado o Decreto Ad Gentes “sobre a atividade missionária da Igreja”, que era compreendida não somente no sentido tradicional (como a ação catequética feita pelos jesuítas), mas no sentido amplo, abarcando a Igreja como um todo, reconhecendo que também as comunidades paroquiais em seu nível local exercem uma atividade missionária.

A grande questão do Vaticano II quanto à relação Igreja-Modernidade, porém, viria com mais força nos documentos que seriam promulgados na sequência, e, de forma muito especial, no último documento, que encerraria o concílio, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes “sobre a Igreja no mundo atual”. Ela repetia a questão da importância das artes na vida do homem e da Igreja:

Por isso abrem-se novos caminhos para o aperfeiçoamento e a difusão mais ampla da cultura. […] Ao mesmo tempo, o crescente intercâmbio entre as várias nações e grupos sociais abre mais largamente os tesouros das diversas formas de cultura a todos e a cada um e assim prepara-se aos poucos um tipo de civilização mais universal que tanto mais promove e exprime a unidade do gênero humano quanto melhor respeita as particularidades das diversas culturas.

19 19 Concílio Ecumênico Vaticano II ( 2000a , p. 205-206, 2000c ).

Ou seja, ao fim do concílio a ideia de “cultura” já estava na clave do “aperfeiçoamento cultural”, o que não havia sido proposto na Sacrosanctum Concilium .

Encerrado o Concílio, as reformas começaram a ser preparadas. Tal foi a expectativa, que se dizia que o Vaticano II traria um “novo Pentecostes” na Igreja.

A promulgação da reforma dos rituais: Novus Ordo Missae e demais

As reformas promulgadas, abrangendo não apenas os ritos da eucaristia, do batismo e da penitência, que serão de interesse imediato para este artigo, mas também todos os demais rituais, inclusive o exorcismo, as exéquias etc., acabaram sendo, em muitos aspectos, mais profundas do que aquilo que os padres conciliares haviam deliberado na Sacrosanctum Concilium . A coordenação da reforma esteve a cargo do arcebispo Annibale Bugnini (1912-1982), que publicou um importante volume de memórias a respeito da questão, expondo os debates e os bastidores. 20 20 Trata-se da obra A reforma litúrgica: 1948-1975. O primeiro capítulo se inicia com a frase: “Na história da liturgia, a reforma do Concílio Vaticano II se distingue de todas as outras por sua característica pessoal. A participação e a inserção ativas do povo de Deus na celebração litúrgica são a meta final da reforma” (Bugnini, 2018 , p.39). É interessante notar que, nesses debates, as questões relativas às inovações prevaleciam em relação às recomendações mais conservadoras do próprio concílio. Também é de se observar que o relato de Bugnini se encerra com suas memórias de 1975, quando o dilema preservação × adaptação de igrejas históricas já havia vitimado várias delas. Essa questão praticamente não é suscitada na obra em questão.

Em 1969 foram promulgados a revisão do Ordo baptismi parvulorum , ou Rito do Batismo de Crianças, e o missal reformado, que ficou conhecido como Novus Ordo Missae . O missal vem acompanhado de um proêmio chamado Instrução geral do missal romano , 21 21 Que veio a ser reformulado. A versão utilizada, e que basta para os propósitos deste artigo, é de 2002. que aborda vários aspectos necessários para a celebração da missa, e do qual o Capítulo V tem o título de “Disposição e adorno das igrejas para a celebração da eucaristia”, sendo dividido em três seções: “Princípios gerais”, “Disposição do presbitério para a celebração litúrgica” e “A disposição da igreja”. Nota-se que o documento de São Carlos Borromeu, tão preciso e minucioso, e abordando eucaristia, batismo e penitência, caiu em desuso, sendo substituído por diretrizes mais gerais, que concediam maior liberdade para o projeto das igrejas, estando as recomendações para os demais sacramentos, agora, dispersas em outros documentos, de que falaremos depois.

A Instrução reafirmava a posição do Vaticano II quanto à necessidade de conservação do patrimônio artístico da Igreja:

Por isso, a Igreja não cessa de solicitar a nobre contribuição das artes e admite as expressões artísticas de todos os povos e regiões. Ainda mais, assim como se esforça por conservar as obras e tesouros artísticos legados pelos séculos precedentes e, na medida do necessário, adaptá-las às novas necessidades, também procura promover formas novas que se adaptem à índole de cada época.

22 22 Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos ( 2012 , p. 118-119).

Porém, o programa que o documento estabelecia para a liturgia reformada era substancialmente diverso do anterior, e demandava algo difícil de ser alcançado numa reforma. Num determinado ponto, chegava mesmo a adentrar o território da sinestesia:

O povo de Deus, que se reúne para a Missa, constitui uma assembleia orgânica e hierárquica que se exprime pela diversidade de funções e ações, conforme cada parte da celebração. Por isso, convém que a disposição geral do edifício sagrado seja tal que ofereça uma imagem da assembleia reunida, permita uma conveniente disposição de todas as coisas e favoreça a cada um exercer corretamente a sua função.

23 23 Ibid .,p. 120.

A reforma do rito da penitência foi promulgada mais tardiamente, em 1973. Mas, se os ritos reformados da missa, do batismo e da penitência seguidos à risca já colocavam desafios para a preservação das igrejas, o pior ainda estava por vir.

A recepção do concílio e a implantação das reformas litúrgicas

No percurso até aqui trilhado, os fatos foram expostos segundo sua cronologia. Mas cabe a pergunta que ata e une esses fatos: qual é o sentido profundo do Vaticano II e das reformas que se seguiram? Mero aggiornamento , conforme a intenção inicial? Ou algo maior? Múltiplas e contraditórias entre si são as respostas a essa pergunta. Não sendo o caso de se fazer aqui um recenseamento do muito que se escreveu a esse respeito, cabe atenção a um ponto observado pelo papa Bento XVI:

Ratzinger mostra que se se confrontar o Vaticano II com os concílios anteriores é possível pensar que se está diante de uma exceção. Os anteriores planejaram uma reforma da Igreja, baseada num movimento de espiritualização e conservadorismo opondo-se diretamente à mundanização que entrava nela. A impressão, diz Ratzinger, é de que o Vaticano II teria se colocado em oposição a essa paixão espiritual. No entanto, o Concílio defendia que tudo está permeado por forças cristãs. Deste modo, o Vaticano II não busca “uma mundanização, e sim uma abertura para o mundo”.

24 24 Assunção ( 2018 , p. 105). Ideias que haviam aparecido, em outras roupagens, em obras de teólogos influentes como os padres jesuítas Teilhard de Chardin (1881-1955), autor da teoria do Cristo cósmico, e Karl Rahner (1904-1984), autor do conceito de cristãos anônimos. Tratava-se, em suma, de perscrutar o que havia “fora da Igreja”, o que esse espaço portava de verdades além daquelas que a Igreja absorvera da cultura clássica greco-romana, o que favoreceu o movimento ecumênico, o diálogo inter-religioso e a abertura para a Modernidade, questão que no Vaticano II apareceu sob o conceito de sementes do Verbo.

Também fora o então cardeal Ratzinger, 25 25 Apud Silva ([ 2016 ]). em Teoria dos princípios teológicos , a identificar a Constituição Gaudium et Spes como um “ Antissyllabus ”, ou seja, ela expressaria a “intenção de uma reconciliação oficial da Igreja com a nova época estabelecida a partir do ano de 1789”. Essa constituição é especialmente debatida 26 26 Cf. Rowland ( 2013 ). e gerou uma fortuna hermenêutica multifacetada, incluindo posicionamentos que a enxergavam mesmo como um “mandato para acomodar — ou pelo menos correlacionar — a fé católica com a cultura da modernidade, considerando isso como coisa boa” 27 27 Ibid .,p. 72. .

A reforma do rito romano foi incontestavelmente mais profunda do que qualquer revisão que fora feita desde Trento até então. O período que se sucedeu à implantação do novo missal, contrariando a expectativa do “novo Pentecostes”, trouxe sérias dificuldades à Igreja. Por motivos cujo extenso debate não cabe sumarizar aqui, muitos autores, ao analisar o pós-concílio e a implantação das reformas, falam de uma “crise” que pervade todas as esferas da Igreja; os números mostram uma grave diminuição de seminaristas, padres e religiosos (“Por alguma fresta misteriosa, a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”, segundo a frase famosa de Paulo VI). Esse período é bastante recenseado pela historiografia conciliar, 28 28 Cf. Amerio ( 2020 ). que teve pontos relevantes, por exemplo nas polêmicas das revistas teológicas Concilium e Communio e na leitura do papa Bento XVI de que haveria duas hermenêuticas conciliares, uma de “continuidade” e outra de “ruptura”. Também se deve mencionar que a implantação da reforma litúrgica ocorreu de maneiras variadas, não raro com uma inventividade e criatividade que serão classificadas como “abusos” litúrgicos por diversos segmentos. Não é de surpreender que igrejas de valor para a preservação tenham sido indevida e desnecessariamente descaracterizadas para atender a novas concepções de liturgia, fossem as do missal ou as de algumas pessoas em particular.

No Brasil, figura de bastante influência a orientar intervenções foi a do artista plástico Cláudio Pastro (1948-2016). Sua pintura, modernista, mas de releitura românica, figurativa mas não realista, recebeu prêmios e elogios e foi inspiração para outros artistas; todavia, sua visão de adaptação do espaço litúrgico impunha mutilações incabíveis a um pensamento preservacionista. 29 29 E ele em diversas ocasiões foi contratado por dioceses e paróquias para prestar consultorias em casos concretos e orientar intervenções, não apenas consolidando o papel que o Vaticano II atribuíra à figura do “perito”, como também reproduzindo um problema que aflige o patrimônio arquitetônico em geral: não raro, arquitetos ou artistas de talento no campo da criação propõem medidas deletérias no campo da intervenção ou restauração de um bem cultural. E, elegendo certos momentos da história da arte em detrimento de outros, sua predileção românica vai de encontro ao Barroco, por exemplo, motivo pelo qual o artista chegava a celebrar reformas que simplesmente acabavam com ornamentos desse período, como a da Catedral de Cuernavaca, no México, um absurdo em termos de intervenção. 30 30 Pastro ( 1993 , pp. 312-313). É possível enxergar que essa seleção, além de reafirmar o “retorno às fontes”, ou seja, o resgate do primeiro “estilo” marcadamente cristão, ainda marcava a presença do Vaticano II em detrimento de Trento, bastante associado ao Barroco.

Retomando o giro eclesiológico da Igreja como o “corpo místico de Cristo” à Igreja como o “Povo de Deus”, o filósofo Joathas Bello propõe um ponto interessante (a partir de uma perspectiva crítica ao Vaticano II):

Os católicos são o novo Povo de Deus? Somos. “Povo de Deus” é um termo bíblico? É. Mas “Corpo Místico de Cristo” é uma noção muito mais encorpada, muito mais profunda, muito mais completa. Entretanto, a opção pela noção de Povo de Deus tem a ver com essa noção de estar presente no mundo, estar presente na História, estar se desenvolvendo na História, e portanto essas noções mais existenciais, mais históricas, mais fenomenológicas, elas são apropriadas para o propósito dialógico do Concílio.

31 31 O enigma… ( 2021 ).

Esta pode ser uma chave interpretativa para o problema que se apresenta aqui. Ao adotar o diálogo com a Modernidade e com a arquitetura modernista, não se pode perder de vista que, para a Igreja, a história humana desde Santo Agostinho tem um sentido teleológico transcendente (do pecado original à consumação dos tempos), e que pelo menos algumas correntes da arquitetura modernista, ao se compreenderem como receituário definitivo e universal para os problemas arquitetônicos da humanidade, apresentavam ipso facto uma certa orientação na história, mas imanente. E, devido à grande capacidade simbólica que a arquitetura e as artes visuais têm de expressar ideias, cabe questionar: se a igreja-construção pré-movimento litúrgico e Vaticano II está mais voltada para a Igreja Triunfante, não estará a igreja-construção pós-Vaticano II mais orientada para a Igreja “Militante”, isto é, a que se encontra na dimensão histórico-social humana, a que “dialoga” com a Modernidade? E mais: esse “diálogo” não trouxe um abalo à identidade arquitetônica católica? É válido questionar se igrejas como a nova Catedral do Rio de Janeiro, a Catedral de Los Angeles (Estados Unidos) ou a Igreja da Santíssima Trindade em Viena (Áustria) efetivamente se apresentam como reconhecíveis enquanto igrejas. Mais ainda, é possível questionar se aquela “atmosfera de eternidade” não foi substituída nestas por uma “atmosfera de momento”, ideias apreciadas mais por seus formuladores do que pela população em geral, condenando esses templos não mais ao conflito, na terminologia de Alois Riegl, de “valor de uso”דvalor histórico” que as reformas litúrgicas haviam acabado de infligir às igrejas de concepção tridentina, mas à rápida obsolescência enquanto produto religioso e cultural. 32 32 “Neste sentido, cumpre indagar como o povo da cidade do Rio de Janeiro percebe sua Catedral, qual a valoração que lhe dá. Não apenas os serviços religiosos dominicais não congregam grandes massas, como até mesmo a festa do Padroeiro da Cidade, que atrai uma multidão em sua saída da Igreja de S. Sebastião dos Frades Capuchinhos, na Tijuca, até sua chegada na Catedral, não tem grande entrada de fiéis nesta para o que seria o ato litúrgico maior, que seria a celebração da Missa. Estes se dispersam após o ‘Auto de S. Sebastião’, que recorda o martírio do santo. Esta não percepção da Catedral como igreja-mãe torna-a pouco representativa para a população de seu papel devocional” (Segres; Santos; Souza, 2016 ).

Questões relativas à arquitetura, arte e preservação de igrejas passaram a ser temas de pronunciamento da Santa Sé e das diversas conferências episcopais. 33 33 As conferências episcopais surgem praticamente contemporâneas ao Vaticano II, e têm funções de cooperação entre os bispos e atribuições como unificar as traduções dos textos litúrgicos, mas sem jurisdição sobre nenhuma diocese.

Em 1988, a Santa Sé criou a Comissão Pontifícia para a Conservação do Patrimônio Histórico e Artístico da Igreja, rebatizada em 1993 como Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja. Esta foi, em 2012, unificada com o Pontifício Conselho para a Cultura, que foi por sua vez absorvido no Dicastério para a Cultura e a Educação, mas sem grande impacto — até onde conseguimos vislumbrar — na preservação de igrejas.

Os documentos The Parish Church: Principles of Liturgical Design and Re-Ordering , da Conferência Episcopal da Inglaterra e de Gales, e Environment and Art in Catholic worship , da Comissão de Liturgia dos Bispos dos Estados Unidos, 1978, são particularmente problemáticos na perspectiva da preservação arquitetônica. Em clave oposta, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) passou, a partir da década de 1960, a alertar para a necessidade de zelo na adaptação de igrejas e a coibir “abusos que se faziam cada vez mais frequentes” 34 34 Silveira ( 2011 , p. 86). . Na década de 1970, não apenas o então Conselho Federal de Cultura manifestou sua preocupação à CNBB, como à própria Congregação para o Clero, da Santa Sé. Por sua vez, a CNBB publicou em 1971CNBB. Documento-base sobre arte sacra. Comunicado Mensal, Brasília, DF, n. 227,1971. o Documento base de arte sacra , que, apesar de manifestar preocupação com “destruições”, é genérico ao ponto de dizer coisas como “a reforma litúrgica é compatível com o respeito do patrimônio artístico”.

O documento L’adeguamento delle chiese secondo la riforma liturgica , da Conferência Episcopal Italiana, de 1996, apresenta contribuições que serão analisadas aqui. E se deve mencionar a carta aos artistas de João Paulo II, tentando observar a questão da arte sob a ótica cristã e repropondo a “vocação artística a serviço da beleza” 35 35 João Paulo II ( 1999 ). (o que não era a preocupação de diversas correntes artísticas), bem como os trechos do novo Catecismo da Igreja Católica, promulgado em 1992, que lembra que “essas igrejas visíveis não são simples lugares de reunião, mas significam e manifestam a Igreja viva neste lugar, morada de Deus com os homens reconciliados e unidos em Cristo” 36 36 Santa Sé ( 2000 , p. 332-333). .

Ainda quanto à CNBB, em tempos mais recentes ela constituiu um setor de arte sacra, em 2000, da qual faz parte a “Equipe de reflexão do setor de espaço litúrgico”. Publicou dois volumes em sua coleção “Estudos”: o de nº 106, de 2013, chama-se Orientações para projeto e construção de igrejas e disposição do espaço celebrativo , e praticamente não aborda a questão das igrejas de interesse para preservação, e o nº 113, de 2021: Orientações para adequação litúrgica, restauração e conservação das igrejas , que se ocupa do tema, filiando-se, ainda que com certa superficialidade, à corrente do restauro crítico ao propor que as intervenções necessárias tenham linguagem contemporânea. Os documentos que procuravam coibir as mutilações ao patrimônio, porém, eram genéricos, e mais calcados em princípios e intenções do que na solução prática das questões da adaptação. E, não obstante as declarações que louvavam o patrimônio artístico da Igreja, dificilmente se poderá argumentar que a preocupação com este tenha sido o fator preponderante a orientar a reforma litúrgica, ou que as demandas apresentadas para o rito reformado não fossem de difícil atendimento em igrejas de concepção tridentina. De fato, o que houve foi um impasse delicado, que, se em muitos casos foi mal resolvido, em outros foi deixado de lado enquanto se pôde, levando a uma “provisoriedade” que foi criticada pela Conferência Episcopal Italiana (CEI) no documento mencionado.

Mas as perdas patrimoniais foram, na realidade, reflexo de questões mais amplas, que atingiam a liturgia como um todo, e que levaram Roma a publicar documentos como a carta encíclica Ecclesia de Eucharistia , em 2003, e a instrução Redemptionis Sacramentum em 2004, na tentativa de disciplinar a liturgia. O pontificado de Bento XVI (2005-2013) ficou marcado pelo motu proprio 37 37 Documento papal “de iniciativa própria”, para imediata aplicação. Summorum Pontificum , concedendo amplos direitos à celebração da liturgia anterior ao Vaticano II e que era um anseio de amplos grupos que viam o Vaticano II com desconfiança e preservavam a sensibilidade litúrgica de Trento. 38 38 Revogado pelo motu proprio Traditionis Custodes , do papa Francisco, criando dificuldades para a celebração da forma antiga, sendo muito criticado por isso.

Assim, abriu-se espaço para a formulação de críticas com as propostas das novas igrejas e da destruição das existentes, embora em geral como um reflexo da identificada “crise litúrgica” como um todo. Em nosso levantamento bibliográfico, constatamos quatro linhas críticas:

– Para Rose, 39 39 Rose ( 2001 ). as igrejas construídas sobre os paradigmas apresentados são “locais de reunião”;

– Doorly 40 40 Doorly ( 2007 ). critica sua falta de transcendência e acentuada imanência, ou um espaço “relativista”, resultado de uma absorção de ideias filosóficas da Modernidade (negação de absolutos, elevação do subjetivo em relação ao objetivo, e busca do progresso pelo progresso);

– Para Amerio, 41 41 Amerio, op. cit. , p. 587. a “nova” arquitetura sacra “está marcada pelo conceito de que o sagrado é apenas o sagrado do homem e para o homem , perdendo-se o sentimento do sagrado em si42 42 Ibid .,p. 586. , e portanto dois “valores”: o do “sagrado, isto é, do separado por excelência, e o da adoração ”, com uma “tendência de transferir a realidade sagrada para fora do espaço sagrado”;

– Lang 43 43 Lang ( 2022 ). cita a obra do antropólogo Victor Turner, que, para além de uma antítese entre sagrado e profano, apresenta “o sagrado como uma suspensão, quando não uma espécie de subversão, do mundo comum ou cotidiano das estruturas socioeconômicas, para tanto pondo à parte as pessoas e colocando-as na dimensão da linearidade ritual e communitas44 44 Ibid .,p. 45. , o que Lang vê negado na “vertente principal” da teologia católica do século XX.

Mas, mesmo em paróquias e grupos que seguiram a renovação litúrgica, também se podem identificar vários casos em que igrejas, inicialmente reformadas pelo paradigma da ruptura, passaram por uma segunda geração de intervenções, desta vez mais inspiradas em linguagens arquitetônicas “tradicionais”, ou com uma identidade religiosa mais reconhecível. Michael Rose classifica esses exemplos como uma “nova tendência” emergindo “na aurora do século XXI” 45 45 Rose, op. cit., p. 179, tradução nossa. .

A título de exemplo, uma das igrejas que passou por essas três etapas é a Paróquia do Sagrado Nome, no Brooklyn (Nova York, Estados Unidos), inaugurada em 1878. 46 46 Cf. Skojec ( 2014 ) e Redesign… ( 2014 ). No caso, a reforma pós-Vaticano II gerou tal incômodo entre os paroquianos, que jocosamente passaram a chamar os novos elementos do presbitério de “tacos de hóquei de cabeça para baixo”. Em 2013, decidiu-se pela demolição destes e pelo translado e a instalação de um altar-mor centenário vindo de outra igreja, bem como pela substituição da paleta cromática nas paredes do interior. A igreja foi reinaugurada em 2014 e o resultado final atingiu a ambiência aspirada, sendo, por isso, comemorado, mas, tendo a intervenção sido calcada preponderantemente na instância estética em detrimento da histórica (gerando inclusive o “falso histórico”), não pode ser chamada propriamente de “restauração” na perspectiva do restauro crítico (tema que será logo esmiuçado).

PROGRAMA E PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA

No essencial, a unidade; no não essencial, a liberdade; em tudo, a caridade.

João XXIII, Ad Petri Cathedram ( 1999 JOÃO PAULO II (papa). Carta do papa João Paulo II aos artistas. Cidade do Vaticano: Tipografia Vaticana, 1999. Disponível em: https://bit.ly/46wzBQd . Acesso em: 27 set. 2023.
https://bit.ly/46wzBQd...
) 47 47 João XXIII ( 1959 ).

As considerações formuladas a partir de agora se centrarão em três eixos: (1) de uma composição espacial definida por um programa ; (2) de bens móveis e integrados; e (3) do entorno das igrejas. Tudo será lido à luz da Instrução geral do missal romanoe dos textos oficiais, incluindo (criticamente) o documento da CEI intitulado L’adeguamento delle chiese secondo la riforma Liturgica , de 1996. Também se aproveitaram trechos da obra de monsenhor Guilherme Schubert, Arte para a fé: igrejas e capelas depois do Concílio Vaticano II , de 1979, abstraindo-se posicionamentos hoje revistos (como a avaliação pejorativa do ecletismo proposta pela historiografia modernista). Por um lado, não tomaremos posições como as de Cláudio Pastro, que se afastam consideravelmente daquilo que hodiernamente se entende como preservação; por outro, tampouco entraremos nas questões litúrgicas e teológicas que Michael Davis evoca para dizer que nenhuma intervenção em absoluto seria necessária (um posicionamento minoritário e com pouquíssima repercussão nesse debate).

Já fizemos breve menção à Carta de Veneza para assinalar sua contemporaneidade com o Vaticano II; cabe retomar a questão das teorias da restauração no que concerne ao enfoque deste artigo, visto que se procederá a um juízo crítico das intervenções selecionadas com embasamento teórico.

A referida carta é de descendência direta do restauro crítico, e, portanto, tem grande aporte das reflexões de Cesare Brandi (1906-1988). Segundo essa perspectiva, a restauração é compreendida como calcada nas instâncias histórica e estética, como ato crítico, alicerçado no respeito pelos aspectos documentais da obra, que é sempre considerada única e não reproduzível, que adquiriu uma determinada conformação ao longo de sua história, e com vistas ao estabelecimento da unidade potencial da obra de arte (não “unidade de estilo”), isto é, sua apreensão como um “inteiro” dotado de significado. Para o estabelecimento dessa unidade, pode ser necessário fazer uso de acréscimos e remoções após análise da estrutura formal do bem — e, naturalmente, com a demarcação de seu momento, sem a mimetização do contexto existente, mas, antes, lançando-se mão da criatividade para as diversas questões que possam aparecer. Igualmente, essa teoria se vale dos conceitos basilares de distinguibilidade , reversibilidade (ou retrabalhabilidade ), mínima intervenção e compatibilidade de técnicas e materiais . Todo esse instrumental teórico estará presumido nas análises que serão feitas. Como mencionado, o documento mais completo da CNBB que utilizaremos é afiliado a essa linha.

Há, porém, outras teorias, construídas a partir de reflexões divergentes. Ainda no campo das teorias com enfoque no bem em seu aspecto documental, mencionam-se a da “pura conservação” ou “conservação integral”, que dá mais ênfase à instância histórica, e a da “manutenção-repristinação”, que prevê o resgate de técnicas do passado para o tratamento do estado fragmentário do bem. 48 48 Para considerações acerca dessas teorias, ver Kühl ( 2011 , p.81-100)

Recentemente, porém, tem se consolidado um outro campo teórico que se define como contemporâneo , representado por autores como Salvador Muñoz Viñas (1963-).A preocupação então “se baseia precisamente na adoção de outros valores, dentre os quais se destacam os simbólicos, mas também outros como os religiosos” 49 49 Muñoz Viñas ( 2021 ). , e afinal “uma boa Restauração é aquela que fere menos a um número de sensibilidades — ou a que satisfaz mais a mais pessoas” 50 50 Ibid . ou a que garanta a preservação da capacidade simbólica do objeto. Questionam-se, portanto, ideias como a de “autenticidade” do bem calcada numa suposta “veracidade” deste. Nesse campo, a atenção está voltada mais para as pessoas afetadas por uma determinada restauração do que para o bem restaurado em si. E mais: nesse diapasão, coloca-se a crítica ao poder público como agente definidor do que é significação cultural, de qual história se deseje preservar. 51 51 Cf. Meneses ( 2012 ).

Brandianos podem contra-argumentar que tais questões já estavam presentes no restauro crítico, 52 52 Cf. Vieira-de-Araújo e Lira ( 2020 ). mas, sem adentrar nesse debate, chamamos a atenção para um outro ponto.

Deslocar a atribuição de valores do poder público para os grupos sociais é, de fato, uma conquista de tempos mais recentes e um signo de democratização dos bens culturais. Quem cuida do patrimônio, quem o ama, é quem lhe atribui significado, quem usufrui dele no seu cotidiano. No caso da adaptação de uma igreja para a liturgia nova, coloca-se aqui a questão de um terceiro interveniente, que são as autoridades eclesiásticas. O pároco é o cliente do arquiteto? O pároco é porta-voz da comunidade que atribui valores simbólicos a uma determinada igreja?

Se o dilema poder público × comunidade já pode ser complicado, intervenções em igrejas podem levar a jogos de força como poder público × bispo × pároco × comunidade. Silveira ( 2016 SEGRE, Roberto, SANTOS, João Henrique dos Santos, SOUZA, Estela Maris de. Um paradoxo patrimonial: a Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. Revista Risco, São Paulo, v. 14, p. 67-81, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3Pxl6oo.Acesso em: 27 set. 2023.
https://bit.ly/3Pxl6oo.Acesso...
) apresenta a questão da demolição da antiga igreja matriz de Sant’Anna dos Ferros, Minas Gerais, em 1961 (ou seja, antes mesmo do Vaticano II, mas já sentindo os ventos das reformas que viriam), decidida num plebiscito com inquestionável manipulação da opinião pública, e posteriormente lamentada perante uma certa frustração com o templo modernista construído em seu lugar, muito aquém das expectativas geradas. A autoridade dos párocos geralmente é aceita com naturalidade pelos paroquianos, pois ele conduz os fiéis como o pastor conduz o rebanho.

Ademais, o comportamento coletivo ora pende para um lado, ora para outro: ora sente nostalgia, ora otimismo com o futuro, e os bens culturais não podem ser vitimados por questões de momento. Assim, não obstante as questões válidas colocadas pelos “contemporâneos”, no caso das igrejas, muitas preservações se devem a tombamentos impostos, calcados em valores de excepcionalidade e monumentalidade — hoje tão “arcaicos”—, sobre o alvedrio de párocos ou bispos que, aliás, quase sempre eram insensíveis à espiritualidade dos fiéis que pediam a liturgia anterior ao Vaticano II.

Os problemas apontados serão ilustrados com exemplos obtidos a partir de três igrejas localizadas em Juiz de Fora, Minas Gerais. A escolha é particularmente apropriada para os nossos propósitos porque, sendo todas afiliadas ao ecletismo e não ao barroco ou ao modernismo, e ademais situadas numa cidade que demonstra sérias dificuldades na proteção de seu patrimônio arquitetônico, só foram consideradas de importância para a preservação décadas após a reforma litúrgica, e, portanto, tiveram todo esse tempo para sofrer quaisquer intervenções que fossem tidas como necessárias. (1) A Catedral Metropolitana tem sua configuração atual como fruto de diversas construções e demolições que se estendem desde 1850 até hoje. Sua remodelação mais significativa ocorreu por volta de 1950, quando adquiriu sua forma cruciforme e começou a receber pinturas em seu interior. Estas não chegaram a ser concluídas quando foram cobertas por pintura branca. Pouco tempo depois, seus anexos foram construídos. O templo teve sua fachada e volumetria tombadas em 2001, e seu interior passou por recente restauração abrangendo o interior. (2) A Igreja de Nossa Senhora da Glória, da Congregação do Santíssimo Redentor, é um templo de influências neogóticas e neorromânicas edificado na década de 1920. Por ocasião da reforma litúrgica, teve algumas imagens e o púlpito retirados de sua nave principal. Sua fachada e volumetria foram tombadas em 2000; em 2007, seu presbitério passou por uma reforma orientada por Cláudio Pastro que impulsionou o debate em relação à negligência do poder público municipal quanto à proteção dos interiores dos bens tombados. (3) A Igreja de São Mateus também data da década de 1920, e mescla influências do neoclássico com o art déco . Suas adaptações às mudanças litúrgicas foram de caráter mais provisório (embora estejam ausentes confessionários), e, no momento que este artigo está sendo escrito, encontra-se em processo de tombamento.

Composição espacial

A intervenção arquitetônica requer uma apropriada compreensão da concepção arquitetônica do bem, e portanto a sensibilidade para se ler a sua composição espacial, que implica sensações de amplitude e confinamento, setorizações, fluxos, escalas, hierarquias simbólicas, visões seriais etc., com vistas à sua apreensão como um todo (“unidade potencial da obra de arte”).Trataremos dessa questão para os sacramentos da eucaristia, do batismo e da penitência, que são aqueles que determinam o programa de uma igreja e, consequentemente, sua concepção, original ou do momento da intervenção. 53 53 Juiz de Fora ( 1997a , 1997b ).

Sacramento da eucaristia

O centro da celebração da missa é o sacrifício eucarístico, que, segundo a teologia católica, é o corpo e sangue, alma e divindade de Cristo. A adoração eucarística, mesmo fora da missa, é incentivada.

No rito tridentino, a missa é a renovação do sacrifício de Cristo no calvário . Ela é celebrada pelo sacerdote dentro do presbitério, majoritariamente na posição versus Deum , sendo auxiliado pelos acólitos (“coroinhas”) (ou também pelos diáconos e subdiáconos). O altar está elevado, geralmente em três degraus, e orbita em dois polos: o lado “da epístola” e o “do evangelho” (isto é, onde são feitas as respectivas leituras), respectivamente o esquerdo e o direito a partir do ponto de vista do sacrário, 54 54 Ou seja, os lados direito e esquerdo a partir da assembleia. Em algumas igrejas maiores, poderia haver um ambão em cada lado para a leitura. além de receber o missal, as sacras (quadros com orações que o sacerdote reza), cálice, âmbula, relíquia de mártir e demais objetos. Há velas e um crucifixo, podendo haver ainda retábulos e imagens (uma descrição mais pormenorizada, encontrável em obras de história da arte, designaria ainda outros elementos que aqui não serão esmiuçados). O ponto focal do altar-mor é o tabernáculo, onde serão depositadas para adoração as hóstias consagradas e não consumidas. A missa é assistida pelo povo, que nunca adentra o presbitério. 55 55 Mas, no sacramento do Matrimônio, os noivos o adentram. Este se separa da nave da igreja fisicamente por uma estrutura chamada mesa da comunhão , ou balaustrada, diante da qual os fiéis comungantes receberão a eucaristia ajoelhados. Tal configuração, ademais, é um desdobramento do “Santo dos Santos”, que, segundo o Antigo Testamento, era o local, no Templo de Jerusalém, reservado à guarda da “Arca da Aliança” do povo judeu, e onde somente o sumo sacerdote podia entrar.

Já no rito do Vaticano II, a missa ganha também a dimensão de ceia do Senhor . 56 56 Essa questão é particularmente polêmica e discutida, tendo gerado tratados de todos os lados e com múltiplos argumentos. Logo,

a direção da celebração versus populum , surge hoje praticamente como o autêntico fruto da inovação litúrgica, em concordância com o Vaticano II. Na realidade, ela é a consequência mais visível da reestruturação que não implica apenas o ordenamento exterior dos lugares litúrgicos, mas sobretudo uma nova compreensão da natureza da liturgia como ceia.

57 57 Ratzinger ( 2001 , p. 57). Com relação a essa discussão, Lang ( 2007 ) demonstra, até onde podemos constatar com argumentos definitivos, que estavam equivocados aqueles que justificavam a celebração versus populum com base no argumento de que na Igreja primitiva teria sido essa a orientação comum.

E mais do que isso: a espacialidade de um presbitério inspirada no “Santo dos Santos” dá lugar à espacialidade do altar que congrega a assembleia ao redor de si, justamente em decorrência de uma tentativa de reprodução da disposição que teria ocorrido na última ceia (os apóstolos ao redor de Cristo). Quanto à questão da “participação ativa”, há que se observar que, enquanto para alguns, essa ideia pudesse significar o fiel assistindo à missa com maior consciência após uma formação litúrgica mais zelosa, não raro vigorou a compreensão de participação ativa enquanto leigos realizando tarefas na liturgia . A celebração se dá com auxílio do que se convencionou chamar de “equipe de celebração”, ou seja, acólitos e diáconos como anteriormente, mas também leitores, comentaristas e ministros da eucaristia, que levarão a comunhão à nave para os fiéis. O altar, sobre o qual permanecem objetos para a celebração litúrgica, é considerado “também a mesa do Senhor, na qual o povo de Deus é chamado a participar quando é convocado para a Missa; o altar é também o centro da ação de graças celebrada na Eucaristia” 58 58 Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 123. e dele se pede que na ornamentação “observe-se ornamentação” 59 59 Ibid ., p. 123. O que faz pensar em Mies van der Rohe dizendo que less is more . .

Também pode ocorrer que a missa seja celebrada por vários sacerdotes ao mesmo tempo, o que é chamado de concelebração , demandando presbitérios maiores. Não há mesa de comunhão; as leituras são feitas por ministros ou por fiéis, que podem permanecer no presbitério ou acessá-lo a partir da nave, e a comunhão é distribuída pelo celebrante e por ministros da eucaristia, levando-a ao povo disperso pela nave. No presbitério, acentuam-se os três “‘lugares’ eminentes”, nos dizeres da CEI, que são o altar, o ambão, e a sédia (nas catedrais, também uma cátedra), respectivamente remetendo a Cristo como sacerdote, profeta e rei. 60 60 Liturgia… ( 2009 ). Não raro se encontram também outras peças, como a “estante do comentarista”, mas monsenhor Schubert já advertia que “é preciso evitar sobrecarregar o presbitério com peças” 61 61 Schubert ( 1979 , p. 36). . As hóstias não consumidas terão custódia especial, da qual falaremos posteriormente.

A adaptação requerida para o rito novo pode ser alcançada por meio do deslocamento da mesa do altar existente, 62 62 No altar tridentino tradicional, mesa é a estrutura que recebe os elementos necessários para a celebração da missa, o que é diverso de compreendê-lo como mesa do Senhor, como no rito novo. caso esta seja transladável (e neste caso os retábulos podem permanecer onde estão, geralmente junto à abside), ou pela criação de um segundo altar em frente ao existente (de preferência demarcando-se a sua época, e em material e em formas dignas). A princípio, altares em pedra são preferíveis pela simbologia bíblica, 63 63 “Esse Jesus, pedra que foi desprezada por vós, edificadores, tornou-se a pedra angular” (Atos dos Apóstolos 4,11). mas podem ser em madeira, material que num contexto de preservação é potencialmente menos danoso, por exemplo, ao piso de um presbitério que se deseje preservar. Importa, porém, que haja dignidade adequada para o culto. Conforme a Instrução:

Contudo, nas igrejas já construídas, quando o altar antigo estiver colocado de tal maneira que torne difícil a participação do povo, nem puder ser transferido sem detrimento de seu valor artístico, construa-se outro altar fixo com valor artístico a ser devidamente dedicado; e somente nele se realizem as sagradas celebrações. Para não distrair a atenção dos fiéis, do novo altar, o altar antigo não seja ornado de modo especial.

64 64 Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 123.

As balaustradas devem ser preservadas, mas a CNBB solicita sua retirada “quando possível”, para “valorizar o altar” como mesa do Senhor. 65 65 CNBB ( 2023a ).

A celebração da missa leva, ainda, à questão da custódia da eucaristia, isto é, das hóstias consagradas e não consumidas. Segundo tradição anterior a São Carlos Borromeu, e sustentada e detalhada por este no Capítulo XIII das Instrucciones , 66 66 Frade, op. cit ., p. 168-170. seu lugar é o altar-mor, justamente o principal ponto focal da igreja. Já na Instrução geral do missal romano ,

Em razão do sinal é mais conveniente que no altar em que se celebra a Missa não haja tabernáculo onde se conserva a Santíssima Eucaristia.

É preferível, pois, a juízo do Bispo diocesano, colocar o sacrário:

a) no presbitério, fora do altar da celebração, na forma e no lugar mais convenientes, não estando excluído o altar antigo que não mais é usado para a celebração […];

b) ou também numa capela apropriada para a adoração e oração privada dos fiéis, que esteja organicamente ligada com a igreja e visível aos fiéis.

67 67 Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 129.

Daí a criação dos espaços conhecidos como “capela do Santíssimo”, muito comuns, que em igrejas de interesse para a preservação devem ser preferencialmente adaptadas a partir de capelas ou altares laterais existentes. A presença eucarística deve ser ininterruptamente sinalizada por uma lâmpada acesa. 68 68 Michael Davies ( 1997 ), porém, investiga a fundo a questão no capítulo “Place of the Tabernacle” (“Lugar do tabernáculo”), vasculhando todos os documentos pertinentes, encontrando más traduções, e mesmo recomendações contraditórias uma seguida da outra num mesmo documento, caso dos números 53 e 54 da instrução Eucharisticum Mysterium . Ele assevera que, na realidade, a aparente obrigatoriedade do fim daguarda eucarística do altar-mor estaria baseada numa remissão equivocada a textos que não falavam disso, sendo, portanto, nula. Porém, fato éque as capelas do Santíssimo foram prescritas por documentos com autoridade, e a discussão proposta por Davies, por bem fundamentada que seja, se mostra, na prática, marginal ao escopo deste artigo.

Com a proclamação das leituras feita no presbitério a partir do ambão, conforme compreendido atualmente, isto é, um móvel à maneira de uma pequena estante, caem em desuso os antigos púlpitos, que tinham esse propósito nas igrejas anteriores à reforma litúrgica e eram uma resposta à ausência dos recursos da amplificação sonora de que se dispõe hoje. Esses púlpitos, porém, devem, a princípio, ser preservados, e, segundo a CEI, podem ser utilizados “normalmente, ou ao menos junto a grandes assembleias ou em ocasiões solenes, nas quais se valorizarão mais amplamente os ministros a serviço da Palavra” 69 69 CEI ( 1996 , tradução nossa). .

Deslocado o altar existente para a celebração versus populum , ou preservado este e construído outro, deve-se analisar o espaço ao seu redor, ou presbitério. O documento da CEI observa que há três soluções para esse elemento: (1) Integração dos elementos novos no presbitério existente; (2) sua demolição; ou ainda (3) o projeto de um segundo presbitério, separado do anterior. Propõe que, se não forem possíveis elementos fixos, sempre preferíveis, que sejam móveis, porém “projetados acuradamente e definitivos”; que a balaustrada seja, em último caso, cuidadosamente removida e conservada com cuidado, e que a nova disposição não prejudique o complexo iconográfico, deixando o crucifixo em posição visível e de destaque.

A demolição de um presbitério existente deve ser a última alternativa a ser cogitada, e a ser tomada somente após séria avaliação, que sopese todas as vantagens e desvantagens dessa medida, bem como seu valor artístico, seu estado de conservação, o interesse na preservação do piso (ver a questão dos bens integrados adiante) etc., e a própria forma da planta da igreja. Templos de planta longitudinal, de nave única, em geral têm a visibilidade do presbitério melhor do que os templos de planta cruciforme, em que o presbitério pode ser visível a partir da nave, mas não a partir dos transeptos, origem da solução de se estender o presbitério da abside para o cruzeiro (solução adotada, por exemplo, na Igreja de São Martinho, em Malters, na Suíça, proposta como exemplo por Pastro).

Na Igreja de São Mateus ( Figura 1 ), os elementos novos configuram intervenções retrabalháveis, mas sem a dignidade necessária para o culto, a ser buscada não apenas no plano da consistência física, como também no plano simbólico: uma mesa de fórmica pode causar pouco impacto ao bem — e por isso ser apropriada para atender ao requisito da retrabalhabilidade — mas não é um material com a nobreza adequada para a celebração da missa.

Não houve alteração do presbitério e nem retirada da mesa de comunhão. O tabernáculo do altar-mor guarda a eucaristia, mas uma capela foi construída no “centro pastoral” do qual falaremos adiante. Na catedral ( Figura 2 ), o presbitério “avançou” em direção ao cruzeiro, para torná-lo mais visível não só para as pessoas assentadas na nave principal, como também nos dois transeptos, solução de concepção espacial semelhante à da já citada Igreja de São Lourenço, em Munique. O novo altar se inspira no modelo que era popularmente conhecido como “túmulo vazio”. Facilmente se percebe que a espacialidade do presbitério com raízes veterotestamentárias, do “Santo dos Santos”, só se preservou no primeiro exemplo.

Figura 1
- Igreja de São Mateus, 2023. Em amarelo, elementos pertinentes ao rito tridentino: (1) altar para celebração versus Deum ; (2) tabernáculo para custódia eucarística; (3) púlpito; em vermelho, elementos pertinentes ao rito reformado: (4) altar para celebração versus populum ; (5) ambão; (6) sédia. A Capela do Santíssimo foi construída externamente.

Figura 2
- Catedral Metropolitana, 2023. Em amarelo, elementos pertinentes ao rito tridentino: (1) altar para celebração versus Deum ; (2) tabernáculo para custódia eucarística; (3) púlpito (demolido; assinalam-se os locais que ocupava); em vermelho, elementos pertinentes ao rito reformado: (4), altar para celebração versus populum ; (5), ambão; (6), sédia (a Catedral ainda não tem uma cátedra definitiva); (7) Capela do Santíssimo.

A mesma postura se aplica aos altares laterais, que existiam em igrejas maiores e que eram utilizados no rito tridentino, e, segundo a prescrição de São Carlos Borromeu, deveriam se localizar ou nas extremidades do transepto, ou ao longo das naves laterais ou da nave central, equidistantes uma das outras e separadas de tal forma que, em casos de missas simultâneas, uma não atrapalhasse a outra. Após a reforma litúrgica, a compreensão é de que somente seja celebrada uma missa por vez, preferencialmente no altar-mor, ainda que seja a concelebração . Os altares laterais, dessa forma, praticamente caíram em desuso, e foram removidos em várias igrejas no pós- Novus Ordo Missae , 70 70 Como ocorreu na Catedral de Nosso Senhor do Bonfim em Grajaú, Maranhão, analisada por Lima ( 2011 ). Eles foram retirados e seus ambientes, preservados e ocupados por imagens. Para o autor, naquele caso os altares não tinham “valor artístico e histórico” (LIMA, 2011 , p. 82), o que justificaria sua remoção numa circunscrição às teorias clássicas do restauro.Mas é necessário que essa avaliação tenha sido feita com responsabilidade, dentro de uma concepção mais ampla de bens culturais, que os benefícios tenham superado os prejuízos e que, nos termos do Artigo 11 da Carta de Veneza, a decisão pela remoção não tenha cabido unicamente ao autor do projeto. ainda mais porque poderiam liberar espaço de assentos nas naves laterais (embora nem sempre com boa visibilidade do altar-mor).

Mas eles, além de participar na configuração arquitetônica das igrejas, não raro apresentam imagens de elevado valor artístico ou mesmo são importantes testemunhos memoriais, além de se prestar a devoções particulares. Assim, a sua preservação atende não somente às questões postas pelas teorias clássicas, como pelas contemporâneas, ao enfatizar questões simbólicas e a ligação dos bens com a população que usufrui deles.

Por esse motivo, a princípio devem ser preservados. Não localizamos se, em alguma das igrejas onde se optou por removerem intervenções do pós-Vaticano II, houve qualquer tentativa de reconstruir altares laterais que tenham sido demolidos. Por questões litúrgicas , tais reconstruções deveriam ser evitadas enquanto perdurar o princípio da convergência da missa para o altar-mor; pelo âmbito da restauração , poderia ser justificável a partir de uma séria avaliação, como num caso eventual em que esses altares tenham sido desmontados e possam ser reconstruídos (anastilose), processo para o qual a Carta de Restauro Italiana aponta reflexões importantes.

Na catedral ( Figura 3 ), os altares laterais foram mantidos, mas os bancos foram dispostos para atender à convergência para o altar-mor. Na prática, a visada deles é um dos transeptos, e a visibilidade para o altar-mor acaba sendo prejudicada pela sequência de pilares. Mas a preservação dos altares, doados pelos grupos de imigrantes que se estabeleceram em Juiz de Fora (como o altar de Nossa Senhora de Fátima, doado pela colônia portuguesa), é importante também para a identidade desses grupos que se veem representados neles.

Figura 3
- Catedral Metropolitana, 2023. Altares preservados nas naves laterais, ainda que sem função litúrgica regular. Bancos sem boa visibilidade para o altar-mor.

Sacramento do batismo

O locus do batismo na igreja tridentina e no documento de São Carlos Borromeu é “um lugar convenientemente distante da frente (trata-se da entrada da igreja, por nota)” 71 71 Frade, op. cit ., p. 194. , simbolizando a entrada do neófito na Igreja. Comumente estão presentes poucas pessoas: pais, padrinhos e sacerdote e alguns familiares. Esse local pode ser uma capela inteira, ou uma estrutura menor com espaço para a pia e os serviços de apoio. Na liturgia reformada, o batizando é acolhido por toda a assembleia:

25. O baptistério, ou lugar onde está a fonte baptismal com água corrente ou não, é reservado ao sacramento do Baptismo e deve ser verdadeiramente digno, pois ali renascem os cristãos pela água e pelo Espírito Santo. Seja em capela situada dentro ou fora da igreja, seja em outro lugar dentro da igreja à vista dos fiéis, de futuro construir-se-á por forma a corresponder a uma numerosa participação

[…]

10. Para se ver mais claramente que o Baptismo é o sacramento da fé da Igreja e da agregação ao povo de Deus, celebrar-se-á habitualmente na igreja paroquial, que deve ter a sua fonte baptismal.

72 72 Conferência Episcopal Portuguesa ( 2018 ).

Assim explica monsenhor Schubert:

o Batismo, pelo qual a pessoa entra na Igreja, é tão importante que merece todo o destaque, e convém que seja realizado com a participação não somente dos pais e padrinhos, mas também de toda a comunidade católica do lugar. A própria pia batismal deve estar situada de modo que seja facilmente vista pelos cristãos para lembrar-lhes, também fora da administração do Sacramento, a graça recebida e o compromisso espiritual proveniente do fato de ter sido batizado.

73 73 Schubert, op. cit ., p. 45.

Ele propõe múltiplas possibilidades para a localização da pia batismal em consonância com o ethos do Vaticano II, como em alguma capela ao sopé do presbitério, mas somente em último caso diretamente neste (se no ethos tridentino já não seria concebível um leigo que não o acólito no presbitério, quanto mais um não batizado, que não recebeu sequer o sacerdócio comum dos fiéis). Batistérios originais de concepção tridentina, todavia, podem ser utilizados. A solução adotada pela Igreja de Nossa Senhora da Glória — provavelmente dentro de um quadro de possibilidades reduzidas — foi o translado do batistério móvel original, que se localizava próximo à entrada da igreja, para o presbitério, cuja reforma de 2007 não previu o elemento ( Figura 4 ).

Figura 4
- Igreja de Nossa Senhora da Glória, 2023. Batistério móvel original, destacado em amarelo, deslocado para o presbitério.

Sacramento da penitência

Na penitência, o penitente se acusa, confessa os pecados ao sacerdote e recebe conselhos, a absolvição e a penitência a ser cumprida. Condição absolutamente necessária é a confidencialidade de ambos. O locus da confissão é, tradicionalmente, o confessionário, no qual o penitente geralmente se ajoelha e se separa do sacerdote por uma grade. Não raro, confessionários antigos são peças de grande valor artístico e contribuem para conferir ritmo ao espaço interior da igreja.

Quanto ao posto de administração desse sacramento, o documento da Celebração da penitência dizia:

O sacramento da Penitência celebra-se habitualmente, a não ser por causa justa, na igreja ou oratório.

No que respeita ao local da confissão, a Conferência Episcopal estabeleça normas, com a reserva porém de que haja sempre, em lugar patente, locais de confissão munidos de grades fixas entre o penitente e o confessor, e que os fiéis que assim o desejem possam utilizar livremente.

Não se ouçam confissões fora do local da confissão, a não ser por causa justa.

74 74 Conferência Episcopal Portuguesa ( c2018b ).

A brecha concedida às conferências episcopais, porém, permitiu que a CNBB (a exemplo da Conferência Episcopal Portuguesa) em 1977 pronunciasse algo que ia em uma direção bastante oposta, na prática transformando o excepcional em normativo, no documento Pastoral da penitência:

4.4. – Celebração do Sacramento da Penitência

4.4.1. – Confissão individual

Na 14ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil ficou aprovado em votação que “o local normal para ouvir confissões seja o confessionário tradicional ou outro recinto apropriado”.

4.4.1.1. – Seja no entanto providenciado um local discreto, anexo ao corpo da própria igreja e de fácil acesso, para que os fiéis, ao entrarem e saírem do templo possam ver claramente o “recinto apropriado” ou uma clara indicação deste e assim se sintam convidados à prática do sacramento.

75 75 CNBB ( 1977 ).

Tornou-se consuetudinária a prática da confissão em ambientes como a “sala da reconciliação”, o que levou à difusão da ideia de que confessionários seriam dispensáveis e desnecessários e, como consequência, à retirada destes de muitas igrejas. É discutível se realmente agrada mais às pessoas confessar seus pecados graves cara a cara com um sacerdote do que, se não no anonimato, pelo menos na impessoalidade, proporcionada por um confessionário. Terá sido essa “decisão pastoral” tomada após uma consulta à população? Ou uma influência da psicologia moderna? Não obstante a CNBB prever a manutenção dos existentes somente por “valor histórico e artístico” 76 76 Id ., 2023b . , igrejas já destituídas de seus confessionários devem, portanto, providenciar novos, o que pode apresentar ao arquiteto interventor os dilemas da intervenção contemporânea e a necessidade de utilização da criatividade para esse projeto. Numa perspectiva do restauro crítico, a retirada de confessionários pode eventualmente ser considerada como uma “lacuna”, ferindo a apreensão do bem em sua unidade artística, devendo ser “reintegrada” 77 77 Cf. o Artigo 12 da Carta de Veneza. .

Na Igreja de Nossa Senhora da Glória, os confessionários foram preservados, porém o sacramento é costumeiramente ministrado em uma sala anexa. Nas outras duas igrejas, foram removidos, mas novos confessionários foram confeccionados para a catedral.

Bens móveis e integrados

Uma grande quantidade de igrejas católicas de interesse para a preservação se destaca pela presença pujante de bens integrados. A Carta de Veneza propunha uma abordagem das questões dos bens móveis e integrados a partir de definições focadas num universo, por assim dizer, erudito, e voltado principalmente às belas-artes: “os elementos de escultura, pintura e decoração que são parte integrante do monumento, não lhes podem ser retirados, a não ser que essa medida seja a única capaz de assegurar sua conservação” 78 78 Cury ( 2004 , p. 93). .

Na definição proposta pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (numa visão mais alargada que a da carta), bens móveis e integrados são “tudo que fixado na arquitetura integre o monumento, sem que possa ser retirado sem dano ao imóvel ou criando lacuna” 79 79 Cf. IPHAN ( 2014 ). . Na sequência dessa definição, propõe um recenseamento de bens dessa natureza:

todos os altares, retábulos, arco-cruzeiros, tarja do arco cruzeiro, painéis de talha, pinturas parietais, painéis fixos, arcazes fixos, balaustrada de coro, mesa de comunhão, pia batismal, pia de água benta, paravento, pinturas e talhas de forros, nichos, oratório fixos, relógios de torre e de sol, portas, decoração de capitéis, cunhais, sobrevergas decoradas, tarjas externas simbólicas (como Agnus Dei, mitra, escudos etc.).

80 80 Ibid . A lista deve ser considerada como demonstrativa e não exaustiva, pois estão ausentes confessionários, passos da Paixão, cátedras, ex-votos, sinos, vitrais etc.

Acrescentamos, porém, que os bens integrados de igrejas abrangem elementos que não estão associados ao culto e às devoções religiosas, e nem sequer ao âmbito das belas artes, e poderiam ser encontrados em edificações de outras tipologias, como pisos em madeira, pedras ou ladrilhos, louças, ferrolhos, lustres, soluções técnicas construtivas etc.

Para ambos os grupos de bens integrados, pode haver questões delicadas: as dificuldades do modernismo arquitetônico com a ideia de ornamento, a “nobre simplicidade” da Sacrosanctum Concilium e a “moderação na ornamentação” da Instrução geral do missal romano . O Vaticano II e os documentos oficiais solicitam moderação e estabelecem normas — como nesta passagem da Instrução geral do missal romano sobre as imagens devocionais:

Por isso, cuide-se que o seu número não aumente desordenadamente, e sua disposição se faça na devida ordem, a fim de não desviarem da própria celebração a atenção dos fiéis. Normalmente, não haja mais de uma imagem do mesmo santo.

81 81 Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 130.

A CEI chama a atenção para a necessidade de um programa iconográfico . É comum que as imagens apresentadas para veneração sejam pertinentes ao padroeiro do templo ou, no caso de igrejas de ordens e congregações, santos daquela família espiritual. Nesse sentido, seria estranho uma igreja dedicada à Nossa Senhora de Lourdes sem uma imagem de Santa Bernadette ou uma igreja de um mosteiro beneditino sem uma imagem de São Bento. Porém, o que a CEI parece ter em mente seria “disciplinar” o que seria uma abundância de imagens. 82 82 Se for este o caso, a CEI poderia ter sido mais precisa e com boa fundamentação. Uma lição que o Vaticano II legou é o problema, para a aplicação prática, de normas e diretrizes genéricas. A coerência de um programa iconográfico de uma igreja é construída também a partir das devoções e da cultura da comunidade que se serve dela, motivo evidente por que as igrejas brasileiras têm muitas representações de, por exemplo, Santo Antônio, mas não de Santa Matilde de Magdeburgo, digamos. A partir de uma séria avaliação, e em situações excepcionais, imagens podem até ser removidas (e, eventualmente, destinadas a um museu de arte sacra, por exemplo). Também se deve pensar com cautela no posto delas, como em nichos. Mas essa diretriz, na linha da “nobre simplicidade”/“moderação na ornamentação”, deve ser considerada como inferior às necessidades da preservação de bens quando a manutenção de múltiplas imagens for necessária, como nas igrejas barrocas. 83 83 A CNBB pede respeito ao “primado da Liturgia”, preocupando-se que a atenção dos fiéis possa se desviar (CNBB, 2023a ).

Da mesma maneira, uma séria cautela deve ser tomada quanto à ornamentação dos materiais de acabamento e revestimento em geral. É certo que a substituição desses materiais é um problema generalizado para a preservação do patrimônio arquitetônico como um todo, afligindo não apenas as igrejas, mas a questão dos acabamentos e da ornamentação interfere diretamente na imagem do bem a ser apreendida e sua substituição pode ser uma escolha deliberada, motivada pelo mesmo discurso da “nobre simplicidade” e da “moderação”.

A catedral fornece um exemplo pertinente para esse problema. Por ocasião do término do concílio, suas pinturas parietais em técnica de estêncil (que aliás não haviam sido concluídas) foram cobertas com pintura em tinta branca. Sobre as paredes brancas, foram feitas outras pinturas; ladeando o altar de Nossa Senhora do Carmo, por exemplo, foram feitas representações de Santa Teresa d’Ávila e São Simão Stock, santos da ordem carmelita (seleção coerente). Na reforma recente, decidiu-se pelo resgate dos motivos originais. Dado o valor artístico não muito elevado das pinturas dos santos (e inferior ao da estatuária), a sua supressão até poderia ser cogitada em favor dos interessantes motivos que foram descobertos e recuperados, 84 84 Retoma-se aqui o Artigo 11 da Carta de Veneza: a remoção de uma contribuição para exibição de uma etapa subjacente só pode ocorrer se o que se remove é de “pouco interesse” e o que se revela é de “grande valor histórico, arqueológico ou estético” (CURY, 2004 , p. 94) mas tal decisão poderia ferir a sensibilidade devocional de vários fiéis (Figuras 5 e 6). A moldura em marrom foi substituída por amarelo claro, cor condizente com os tons pastéis que passaram a preponderar no interior.

Figura 5
- Catedral Metropolitana, 2016. Altar lateral de Nossa Senhora do Carmo, com a cobertura das pinturas parietais feitas no pós-concílio (com prospecções em fase inicial) e posterior acréscimo de imagens de Santa Teresa d’Ávila e São Simão Stock.

Figura 6
- Catedral Metropolitana, 2023. Altar lateral de Nossa Senhora do Carmo, com resgate das pinturas parietais anteriores ao Concílio.

O templo ainda tem no cruzeiro uma cúpula cujo interior era pintado de verde claro e recebeu quatro pinturas, todas de expressão figurativa e realista: uma retratando a assunção de Nossa Senhora e três retratando cenas da vida de Santo Antônio, o padroeiro do templo (para além da atribuição popular de santo casamenteiro).

Exemplo não adequado, porém, é o da reforma do presbitério da Igreja de Nossa Senhora da Glória. Além da destruição irrecuperável de elementos que seriam de interesse para a preservação, o material escolhido foi um granito vermelho, em acabamentos apicoado e polido, de textura visual diversa da dos materiais existentes. A escolha revelou-se inadequada tanto em decorrência da escala cromática produzida, e descontextualizada do interior, quanto pelos próprios acabamentos do material, que, longe de demarcar saudável e modestamente “o seu tempo histórico” no conjunto, operam por ruptura, apresentando uma jovialidade contrastante com o envelhecimento natural, a pátina, dos antigos ladrilhos hidráulicos e do mármore 85 85 “Do ponto de vista histórico, portanto, a conservação da pátina, como aquele particular ofuscamento que a novidade da matéria recebe através do tempo e é, portanto, testemunho do tempo transcorrido, não apenas é admissível, mas é requerida de modo taxativo” (BRANDI, 2005 , p. 73). ( Figura 7 ).

Figura 7
- Igreja de Nossa Senhora da Glória, 2023. Reforma do presbitério ocorrida em 2007, com substituição do piso.

Entorno

A questão do entorno dos bens tombados foi por muito tempo proposta nas categorias de vizinhança e visibilidade em relação ao bem principal protegido, o que já justificou demolições que provavelmente não seriam feitas hoje. Atualmente, reconhecem-se seus valores culturais mais abrangentes de ambiência 86 86 O que já aparece no Artigo 6º da Carta de Veneza. e historicidade (inclusive imateriais, como as práticas de sociabilidade), fazendo dele não mais mero coadjuvante a ter seu zoneamento, sua identificação comercial e sua publicidade disciplinados para que o monumento principal atraia todas as atenções. 87 87 Cf. Motta e Thompson ( 2010 ).

Para o escopo deste artigo, a questão do entorno de igrejas apresenta a demanda da reorganização da vida paroquial após o Vaticano II e em especial do decreto Ad Gentes . As igrejas dispõem cada vez mais de secretarias, salas de reunião, salas de catequese, e mesmo salas para atendimento psicológico e outros serviços. Esse aumento do número de funções inevitavelmente leva à construção de novos espaços. Ainda que esse problema não seja tão percebido, por exemplo em igrejas de centros históricos coloniais (onde elas ocupam todo o lote), ele acomete igrejas dos séculos XIX e XX, frequentemente implantadas no centro do lote, com espaços que possibilitem novas construções.

Essa questão parece só ter chamado a atenção das autoridades eclesiásticas mais recentemente. Ausente em Schubert e no documento da CEI, no documento da CNBB, Orientações para projeto e construção de igrejas , a preocupação sobre esses edifícios anexos recai nos aspectos funcionais. Já no documento Orientações para adequação litúrgica, restauração e conservação das igrejas , a questão é mais esmiuçada. Segundo este, se esses edifícios forem existentes e “com valor artístico e histórico”, é solicitada a sua manutenção e conservação, bem como adequação; 88 88 CNBB, 2023a no mais, pede “funcionalidade, identidade e contemporaneidade” 89 89 CNBB, 2023a . Diz ainda:

Considerando o valor simbólico que o edifício-igreja tem como demarcação visual do espaço urbano, é necessário garantir a proteção do entorno, com um estudo criterioso das igrejas históricas, principalmente no que diz respeito à localização no terreno e à verticalidade de novas construções e/ou ampliações próximas ao templo, seja para uso residencial, pastoral ou administrativo pastoral. Os projetos de novas construções devem fomentar a preservação da identidade do edifício-igreja histórico, sem “sufocá-lo” com construções que não permitam sua percepção visual e a possibilidade de vislumbrar sua beleza, como arquitetura que convoque, que convide.

90 90 Ibid .

Deve-se chamar a atenção para o fato de que, por uma questão simbólica, edifícios anexos não devem sobrepujar o edifício principal, que deve ser a igreja , uma velha lição posta em prática em qualquer igreja conventual ou monástica antiga, por exemplo, e, em nosso caso, a própria Igreja de Nossa Senhora da Glória. Igualmente, os espaços livres e externos de uma igreja, quando existentes, podem e devem receber bom tratamento paisagístico.

Apresenta-se o caso da Catedral Metropolitana (Figuras 8 e 9). Apesar de a verticalização urbana do entorno ter diminuído a visibilidade do bem, que antigamente se sobressaía em relação ao Morro do Cristo, as edificações anexas integram-se à igreja em posição subalterna. O adro foi convertido em estacionamento, função suspensa em caso de necessidade litúrgica (como na Sexta-Feira Santa), e o terreno — ocupando toda uma quadra da principal avenida da cidade — recebeu tratamento paisagístico. Esses anexos (embora de modesto valor arquitetônico) mantêm a ambiência e, portanto, estão mais conformes à segunda definição de entorno que apresentamos, mesmo que datem do momento em que, no interior, se pintavam as pinturas parietais de branco.

Figura 8
- Catedral Metropolitana, 2023. Edifício principal. À distância, os anexos pós-Vaticano II para a acomodação de novos ambientes praticamente não são vistos.

Figura 9
- Catedral Metropolitana, 2023. Edifício principal, e acréscimos pós-Vaticano II (respectivamente em amarelo e vermelho) para acomodação de novos ambientes.

Solução menos adequada recebeu, porém, o “centro pastoral” da Igreja de São Mateus (Figuras 10 e 11), alheio ao templo, na prática diluindo-se na paisagem do bairro e assemelhando-se mais a um edifício residencial. Não que se devesse perseguir uma integração por meio da mimetização de um edifício contemporâneo para que este parecesse tão antigo quanto a igreja, mas um resultado mais satisfatório poderia ser alcançado, por exemplo com um diálogo e uma eventual retomada de certos elementos existentes neste, como a modulação da bossagem, a fenestração, a cornija, ou um revestimento em tom mais semelhante. Em suma, uma leitura feita a partir de tais princípios poderia elevar e dignificar as funções acessórias, ainda que as subordinando à função religiosa principal; no que foi executado, perde-se a ideia de um conjunto (embora a visibilidade da igreja não tenha sido afetada), como se a vida litúrgica e a vida pastoral da igreja fossem realidades estanques.

Figura 10
- Igreja de São Mateus, 2023. Templo e anexos para a acomodação de novos ambientes. Visão geral da rua.

Figura 11
- Igreja de São Mateus, 2023. Templo e anexos para acomodação de novos ambientes. Visão próxima.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não vês que a minha casa está em ruínas? Vai, pois, e restaura-a para mim

Cristo, na visão de São Francisco de Assis 91 91 Guimarães ( 2003 ).

A adaptação de igrejas de interesse histórico-cultural para as reformas litúrgicas que se seguiram ao concílio Vaticano II talvez tenha posto o mais rápido e repentino conflito de valores de “uso” e “antiguidade”, retomando Alois Riegl, de toda a história da preservação arquitetônica. Mas, até onde pesquisamos, não foi percebida como o que cremos que deveria ser: uma subárea da preservação patrimonial, um campo de investigações com certa autonomia constituído a partir de problemas específicos e bem delineados, e de necessária interlocução com a teologia e a liturgia, a embasar as intervenções em cada bem específico e ser retroalimentado por elas. Tal postura, aliás, é coerente com a abordagem que os órgãos de patrimônio vêm propondo atualmente, em que o foco também recai em questões pertinentes à preservação de conjuntos mais amplos de bens, como os ditos estudos temáticos.

Esperamos ter apresentado não mais que um mapa das principais questões concernentes a esse problema, localizando onde se encontram, por assim dizer, os venenos que podem levar à justificativa de intervenções deletérias, mas também seu antídoto. Está fora de questão que o Vaticano II reconheceu o valor do patrimônio artístico da Igreja, de forma que a descaracterização acrítica de bens não se justifica nem sob o pretexto de um aggiornamento pastoral. Renunciamos a opinar em discussões teológicas, litúrgicas ou sacramentais — se o ideal é a missa versus Deum ou versus populum , se a eucaristia deve ser custodiada no altar-mor ou numa capela especial, onde deve ser administrada a penitência — mas estas foram assinaladas para se enfatizar que perduram (e aliás com debates cada vez mais acirrados) —, e, portanto, realçar a importância do princípio da retrabalhabilidade.

REFERÊNCIAS

  • CATEDRAL de JF: Um monumento erguido a Deus. [S. l.: s. n.], 2021.Publicado pelo canal Octo Produtora. Disponível em: https://bit.ly/3LFwVrv . Acesso: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3LFwVrv
  • LITURGIA da santa missa: Volume I. Produção: César Kyn d’Ávila. Texto: Pe. Paulo Ricardo. Campinas: Direta Produções, 2009. 1 DVD.
  • O ENIGMA do Concílio Vaticano II. [S. l.: s. n.], 2021. 1 vídeo (112 min). Publicado pelo canal Centro Dom Bosco. Disponível em: https://bit.ly/3ZAFEkm . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3ZAFEkm
  • REDESIGN Complete for Brooklyn’s Holy Name Church.[S. l.: s. n.], 2014. 1 vídeo (4min). Publicado pelo canal Current News. Disponível em: https://bit.ly/3rtfH9Q . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3rtfH9Q
  • BRASIL. Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010. Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 fev. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3RCQ8gX . Acesso: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3RCQ8gX
  • CEI – CONFERENZA EPISCOPALE ITALIANA. L’adeguamento delle chiese secondo la riforma liturgica. Roma: Conferenza Episcopale Italiana, 1996. Disponível em: https://bit.ly/46oW819 . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/46oW819
  • CNBB – CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Pastoral da penitência: Documento aprovado pela Comissão representativa da CNBB 18 a 25 de outubro de 1976 e referendado pela XV Assembleia Geral Itaici, 7 a 17 de fevereiro de 1977. São Paulo: CNBB, 1977. Disponível em: https://bit.ly/45buEee . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/45buEee
  • CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA. Celebração do baptismo das crianças. Coimbra: Gráfica de Coimbra, c2018a. Disponível em: https://bit.ly/3PAQEcJ . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3PAQEcJ
  • CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA. Celebração da penitência. Coimbra: Gráfica de Coimbra, c2018b. Disponível em: https://bit.ly/46L9ZiH . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/46L9ZiH
  • CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Instrução Redemptionis Sacramentum sobre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia. Cidade do Vaticano: Tipografia Vaticana, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3RCVlFz . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3RCVlFz
  • JOÃO PAULO II (papa). Carta do papa João Paulo II aos artistas. Cidade do Vaticano: Tipografia Vaticana, 1999. Disponível em: https://bit.ly/46wzBQd . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/46wzBQd
  • JOÃO PAULO II (papa). Carta encíclica Ecclesia de Eucharistia do sumo pontífice João Paulo II aos bispos, aos presbíteros e diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos sobre a eucaristia na sua relação com a Igreja. Cidade do Vaticano: Tipografia Vaticana, 2003. Disponível em: https://bit.ly/3VTKWYy . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3VTKWYy
  • JOÃO XXIII (papa). Carta encíclica Ad Petri Cathedram do Sumo Pontífice Papa João XXIII aos veneráveis irmãos patriarcas, primazes, arcebispos, bispos e aos outros ordinários do lugar em paz e comunhão com a Sé Apostólica e a todo o clero e fiéis do orbe católico sobre o conhecimento da verdade, restauração da unidade e da paz na caridade. Cidade do Vaticano: Tipografia Vaticana, 1959. Disponível em: http://bit.ly/43eVLWB . Acesso em: 14 mar. 2024.
    » http://bit.ly/43eVLWB
  • JUIZ DE FORA. Processo administrativo nº 5318/1997. Tombamento da Igreja de Nossa Senhora da Glória. Juiz de Fora: Prefeitura de Juiz de Fora, 1997a.
  • JUIZ DE FORA. Processo administrativo nº 5322/1997. Tombamento da Catedral Metropolitana de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Prefeitura de Juiz de Fora, 1997b.
  • AMERIO, Romano. Iota Unum: Um estudo das mudanças na Igreja Católica no Século XX. Rio de Janeiro: Permanência, 2020.
  • ASSUNÇÃO, Rudy Albino de. Bento XVI, a Igreja Católica e o “Espírito da Modernidade”. Campinas: Ecclesiae, 2018.
  • BENTO XVI (papa). Carta apostólica de Bento XVI sob a forma de motu proprio Summorum Pontificum sobre o uso da liturgia romana anterior à reforma realizada em 1970. São Paulo: Paulinas, 2007.
  • BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Cotia: Ateliê, 2005.
  • BUGNINI, Annibale. A reforma litúrgica:1948-1975.São Paulo: Paulus, 2018.
  • CASTELLO, Lineu. A percepção de lugar: Repensando o conceito de lugar em arquitetura-urbanismo. Porto Alegre: Propar, 2007.
  • CNBB. Documento-base sobre arte sacra. Comunicado Mensal, Brasília, DF, n. 227,1971.
  • CNBB. Orientações para adequação litúrgica, restauração e conservação das igrejas. In: Estudos da CNBB. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023a. v. 113.
  • CNBB. Orientações para projeto e construção de igrejas. In: Estudos da CNBB. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023b. v. 106.
  • CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000a.
  • CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000b.
  • CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo actual. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000c.
  • CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Ad Gentes sobre a atividade missionária da Igreja. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000d.
  • CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Instrução Geral sobre o Missal Romano. Petrópolis: Vozes, 2012.
  • CURY, Isabelle (org.). Cartas patrimoniais. Brasília, DF: Edições do Patrimônio, 2004.
  • DAVIES, Michael. The Catholic Sanctuary and the Second Vatican Council. Charlotte: Tan, 1997.
  • DOORLY, Moyra. No Place for God: The Denial of the Transcendent in Modern Church Architecture. San Francisco: Ignatius, 2007.
  • FRADE, Gabriel dos Santos. Entre Renascimento e Barroco: Os fundamentos da arquitetura religiosa e a Contrarreforma: o De Fabrica Ecclesiaede Carlos Borromeu. 2016. Tese (Doutorado em Ciências) –Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3RBZ9XS . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3RBZ9XS
  • FRANCISCO (papa). Traditionis custodes: Sobre o uso da liturgia romana anterior à Reforma de 1970. Brasília: Edições CNBB, 2021.
  • GUARDINI, Romano. Espírito da liturgia. São Paulo: Cultor de Livros, 2018.
  • IPHAN. Bens móveis e integrados. Brasília, DF: IPHAN, c2014. Disponível em: https://bit.ly/3LDQJLE . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3LDQJLE
  • KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: Problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê, 2011.
  • LANG, Michael Uwe. Sinais do Altíssimo: Liturgia, ritual e a expressão do sagrado. Campinas: Ecclesiae, 2022.
  • LANG, Michael Uwe. Volverse hacia el Señor. Madrid: Cristiandad, 2007.
  • LIMA, Rogério Henrique Frazão. Arquitetura das igrejas e o culto católico contemporâneo: Preservação e adaptabilidade. 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3tbzbQM . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3tbzbQM
  • MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: Uma revisão de premissas. In: FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL, 1, 2009, Ouro Preto. Anais […]. Brasília, DF: IPHAN, 2012.p. 25-39.
  • MOTTA, Lia; THOMPSON, Analucia. Entorno de bens tombados. Rio de Janeiro: IPHAN, 2010.
  • MUÑOZ VIÑAS, Salvador. Teoria contemporânea da restauração. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2021.
  • PASTRO, Cláudio. A arte sacra hoje. São Paulo: Loyola, 1993.
  • RATZINGER, Joseph. Introdução ao espírito da liturgia. Lisboa: Paulinas, 2001.
  • RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos. Lisboa: Edições 70, 2013.
  • ROSE, Michael. Ugly as Sin: Why They Changed Our Churches from Sacred Places to Meeting Spaces and How We Can Change Them Back Again. Manchester: Sophia, 2001.
  • ROWLAND, Tracey. A fé de Ratzinger: A teologia do papa Bento XVI. Campinas: Ecclesiae, 2013.
  • SANTA SÉ. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000.
  • SCHUBERT, Mons. Guilherme. Arte para a fé: Igrejas e capelas depois do Concílio Vaticano II.São Paulo: Loyola, 1979.
  • SEGRE, Roberto, SANTOS, João Henrique dos Santos, SOUZA, Estela Maris de. Um paradoxo patrimonial: a Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. Revista Risco, São Paulo, v. 14, p. 67-81, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3Pxl6oo.Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3Pxl6oo.Acesso
  • SILVA, Eder. Mais provas de que o Vaticano II é discutível e criticável. Montfort, São Paulo, [2016]. Disponível em: https://bit.ly/3rw77XQ . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3rw77XQ
  • SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
  • VIEIRA, Braz Delfino (Padre). A centenária Igreja da Glória apresentada por pe. Braz Delfino Vieira, C. Ss. R. Aparecida: Santuário, 2023.
  • VIEIRA-DE-ARAÚJO, Natália Miranda; LIRA, Flaviana. Há algo a temer na “teoria da restauração” de Brandi?: O mito paralisante do medo. Paranoá, Brasília, DF, n. 25, p. 83-93, 2020. DOI: 10.18830/issn.1679-0944.n25.2020.06
    » https://doi.org/10.18830/issn.1679-0944.n25.2020.06
  • GUIMARÃES, Almir. Restaurar a Igreja. Franciscanos, [s. l.], 2003. Disponível em: https://bit.ly/3vgZFBJ . Acesso em: 15 mar. 2024.
    » https://bit.ly/3vgZFBJ
  • SKOJEC, Steve. Pre and Post-Conciliar Catholicism: A Chasm, Not a Rift. One Peter 5, [s.l.], 26 nov. 2014. Disponível em: https://bit.ly/3ZwTlAE . Acesso em: 27 set. 2023.
    » https://bit.ly/3ZwTlAE
  • 1
    Cf. Brasil ( 2010 BRASIL. Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010. Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 fev. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3RCQ8gX . Acesso: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3RCQ8gX...
    ).
  • 2
    Rito ao qual pertence a vasta maioria dos fiéis da Igreja Católica, excluindo-se dessa conta os outros ritos minoritários, como os orientais ou os particulares de algumas ordens.
  • 3
    “Novo Ordinário da Missa”, em português.
  • 4
    Cabe não esquecer, aliás, que a relação filosofia-teologia é importante para a interpretação da arquitetura de igrejas, como Erwin Panofsky o demonstrou ao investigar a arquitetura gótica e a Escolástica na Idade Média.
  • 5
    “Por todos os séculos, o povo católico não poupou esforços e recursos para construir santuários que fornecessem uma configuração digna do Sacrifício excelso, santuários que fornecessem uma antecipação do verdadeiro Santo dos Santos, do próprio Paraíso” (Davies, 1997DAVIES, Michael. The Catholic Sanctuary and the Second Vatican Council. Charlotte: Tan, 1997. , tradução nossa). No rito tridentino, o celebrante recitava ainda (em latim) o Salmo 25 ao lavar as mãos, antes da consagração eucarística: “Amo, Senhor, a beleza de vossa casa, e o lugar em que repousa a vossa glória”.
  • 6
    Expressão utilizada, com outros propósitos, por São Bernardo de Claraval, que aqui nos pareceu adequada por pertencer ao patrimônio espiritual católico perene, portanto plenamente autorizada.
  • 7
    Cardeal e arcebispo de Milão, figura importante na Contrarreforma. Em tradução livre, o título do documento seria Instruções sobre a construção e as alfaias eclesiásticas .
  • 8
    Rubricas são textos escritos no missal em letras vermelhas, que explicam posições, gestos, posturas etc., que o sacerdote deve executar enquanto pronuncia o texto que consta em letras pretas.
  • 9
    Lima ( 2011 LIMA, Rogério Henrique Frazão. Arquitetura das igrejas e o culto católico contemporâneo: Preservação e adaptabilidade. 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3tbzbQM . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3tbzbQM...
    , p. 51). Frade ( 2016 FRADE, Gabriel dos Santos. Entre Renascimento e Barroco: Os fundamentos da arquitetura religiosa e a Contrarreforma: o De Fabrica Ecclesiaede Carlos Borromeu. 2016. Tese (Doutorado em Ciências) –Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3RBZ9XS . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3RBZ9XS...
    ) sugere um exagero de interpretação historiográfica na indicação de que São Carlos Borromeu teria condenado a planta circular. Mas, fato é que, desde o Concílio de Trento até as discussões que veremos na sequência, o modelo predominante de igrejas foi direcional.
  • 10
    Assunção ( 2018ASSUNÇÃO, Rudy Albino de. Bento XVI, a Igreja Católica e o “Espírito da Modernidade”. Campinas: Ecclesiae, 2018. , p. 21).
  • 11
    Vale um pequeno sumário de algumas das ideias apresentadas nesse livro: o sujeito da liturgia enquanto a união da comunidade cristã, ou “algo mais que a simples soma dos indivíduos” (Guardini, 2018GUARDINI, Romano. Espírito da liturgia. São Paulo: Cultor de Livros, 2018. , p. 11); a liturgia enquanto “sentimento dominado”, ou seja, a emoção religiosa submetida ao dogma racionalmente definido ( ibid ., p. 17); a já aludida “participação ativa” ( ibid ., p. 23); a necessidade de cultura, ou mesmo de “um grau elevado de cultura”, para a religião ( ibid ., p. 25-26); a liturgia como “jogo”, ou seja, como sua própria finalidade em si mesma ( ibid ., p. 63); inerência da beleza à liturgia, não obstante os problemas do esteticismo, ou seja, de uma eventual fruição da beleza pela beleza na liturgia ( ibid ., p. 80).
  • 12
    Castello ( 2007CASTELLO, Lineu. A percepção de lugar: Repensando o conceito de lugar em arquitetura-urbanismo. Porto Alegre: Propar, 2007. , p. 82-82) fala ainda de um “relativo desinteresse pelo conceito de lugar no modernismo” e evoca as instruções que arquitetos e urbanistas escreviam “propugnando como deveriam ser projetados os lugares destinados ao exercício da função urbana convívio social”.
  • 13
    Lima, op. cit., p. 52.
  • 14
    Termo italiano traduzível, ainda que não inteiramente correspondente, como “atualização”.
  • 15
    Concílio Ecumênico Vaticano II ( 2000aCONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000a. )
  • 16
    Ibid ., p. 302.
  • 17
    Ibid ., p. 303.
  • 18
    Ibid ., p. 278-279.
  • 19
    Concílio Ecumênico Vaticano II ( 2000aCONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000a. , p. 205-206, 2000cCONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo actual. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000c. ).
  • 20
    Trata-se da obra A reforma litúrgica: 1948-1975. O primeiro capítulo se inicia com a frase: “Na história da liturgia, a reforma do Concílio Vaticano II se distingue de todas as outras por sua característica pessoal. A participação e a inserção ativas do povo de Deus na celebração litúrgica são a meta final da reforma” (Bugnini, 2018BUGNINI, Annibale. A reforma litúrgica:1948-1975.São Paulo: Paulus, 2018. , p.39). É interessante notar que, nesses debates, as questões relativas às inovações prevaleciam em relação às recomendações mais conservadoras do próprio concílio. Também é de se observar que o relato de Bugnini se encerra com suas memórias de 1975, quando o dilema preservação × adaptação de igrejas históricas já havia vitimado várias delas. Essa questão praticamente não é suscitada na obra em questão.
  • 21
    Que veio a ser reformulado. A versão utilizada, e que basta para os propósitos deste artigo, é de 2002.
  • 22
    Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos ( 2012CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Instrução Geral sobre o Missal Romano. Petrópolis: Vozes, 2012. , p. 118-119).
  • 23
    Ibid .,p. 120.
  • 24
    Assunção ( 2018ASSUNÇÃO, Rudy Albino de. Bento XVI, a Igreja Católica e o “Espírito da Modernidade”. Campinas: Ecclesiae, 2018. , p. 105). Ideias que haviam aparecido, em outras roupagens, em obras de teólogos influentes como os padres jesuítas Teilhard de Chardin (1881-1955), autor da teoria do Cristo cósmico, e Karl Rahner (1904-1984), autor do conceito de cristãos anônimos. Tratava-se, em suma, de perscrutar o que havia “fora da Igreja”, o que esse espaço portava de verdades além daquelas que a Igreja absorvera da cultura clássica greco-romana, o que favoreceu o movimento ecumênico, o diálogo inter-religioso e a abertura para a Modernidade, questão que no Vaticano II apareceu sob o conceito de sementes do Verbo.
  • 25
    Apud Silva ([ 2016 SILVA, Eder. Mais provas de que o Vaticano II é discutível e criticável. Montfort, São Paulo, [2016]. Disponível em: https://bit.ly/3rw77XQ . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3rw77XQ...
    ]).
  • 26
    Cf. Rowland ( 2013ROWLAND, Tracey. A fé de Ratzinger: A teologia do papa Bento XVI. Campinas: Ecclesiae, 2013. ).
  • 27
    Ibid .,p. 72.
  • 28
    Cf. Amerio ( 2020AMERIO, Romano. Iota Unum: Um estudo das mudanças na Igreja Católica no Século XX. Rio de Janeiro: Permanência, 2020. ).
  • 29
    E ele em diversas ocasiões foi contratado por dioceses e paróquias para prestar consultorias em casos concretos e orientar intervenções, não apenas consolidando o papel que o Vaticano II atribuíra à figura do “perito”, como também reproduzindo um problema que aflige o patrimônio arquitetônico em geral: não raro, arquitetos ou artistas de talento no campo da criação propõem medidas deletérias no campo da intervenção ou restauração de um bem cultural.
  • 30
    Pastro ( 1993PASTRO, Cláudio. A arte sacra hoje. São Paulo: Loyola, 1993. , pp. 312-313).
  • 31
    O enigma… ( 2021 O ENIGMA do Concílio Vaticano II. [S. l.: s. n.], 2021. 1 vídeo (112 min). Publicado pelo canal Centro Dom Bosco. Disponível em: https://bit.ly/3ZAFEkm . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3ZAFEkm...
    ).
  • 32
    “Neste sentido, cumpre indagar como o povo da cidade do Rio de Janeiro percebe sua Catedral, qual a valoração que lhe dá. Não apenas os serviços religiosos dominicais não congregam grandes massas, como até mesmo a festa do Padroeiro da Cidade, que atrai uma multidão em sua saída da Igreja de S. Sebastião dos Frades Capuchinhos, na Tijuca, até sua chegada na Catedral, não tem grande entrada de fiéis nesta para o que seria o ato litúrgico maior, que seria a celebração da Missa. Estes se dispersam após o ‘Auto de S. Sebastião’, que recorda o martírio do santo. Esta não percepção da Catedral como igreja-mãe torna-a pouco representativa para a população de seu papel devocional” (Segres; Santos; Souza, 2016 SEGRE, Roberto, SANTOS, João Henrique dos Santos, SOUZA, Estela Maris de. Um paradoxo patrimonial: a Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. Revista Risco, São Paulo, v. 14, p. 67-81, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3Pxl6oo.Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3Pxl6oo.Acesso...
    ).
  • 33
    As conferências episcopais surgem praticamente contemporâneas ao Vaticano II, e têm funções de cooperação entre os bispos e atribuições como unificar as traduções dos textos litúrgicos, mas sem jurisdição sobre nenhuma diocese.
  • 34
    Silveira ( 2011SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. , p. 86).
  • 35
    João Paulo II ( 1999 JOÃO PAULO II (papa). Carta do papa João Paulo II aos artistas. Cidade do Vaticano: Tipografia Vaticana, 1999. Disponível em: https://bit.ly/46wzBQd . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/46wzBQd...
    ).
  • 36
    Santa Sé ( 2000SANTA SÉ. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000. , p. 332-333).
  • 37
    Documento papal “de iniciativa própria”, para imediata aplicação.
  • 38
    Revogado pelo motu proprio Traditionis Custodes , do papa Francisco, criando dificuldades para a celebração da forma antiga, sendo muito criticado por isso.
  • 39
    Rose ( 2001ROSE, Michael. Ugly as Sin: Why They Changed Our Churches from Sacred Places to Meeting Spaces and How We Can Change Them Back Again. Manchester: Sophia, 2001. ).
  • 40
    Doorly ( 2007DOORLY, Moyra. No Place for God: The Denial of the Transcendent in Modern Church Architecture. San Francisco: Ignatius, 2007. ).
  • 41
    Amerio, op. cit. , p. 587.
  • 42
    Ibid .,p. 586.
  • 43
    Lang ( 2022LANG, Michael Uwe. Sinais do Altíssimo: Liturgia, ritual e a expressão do sagrado. Campinas: Ecclesiae, 2022. ).
  • 44
    Ibid .,p. 45.
  • 45
    Rose, op. cit., p. 179, tradução nossa.
  • 46
    Cf. Skojec ( 2014 SKOJEC, Steve. Pre and Post-Conciliar Catholicism: A Chasm, Not a Rift. One Peter 5, [s.l.], 26 nov. 2014. Disponível em: https://bit.ly/3ZwTlAE . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3ZwTlAE...
    ) e Redesign… ( 2014 REDESIGN Complete for Brooklyn’s Holy Name Church.[S. l.: s. n.], 2014. 1 vídeo (4min). Publicado pelo canal Current News. Disponível em: https://bit.ly/3rtfH9Q . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3rtfH9Q...
    ).
  • 47
    João XXIII ( 1959 JOÃO XXIII (papa). Carta encíclica Ad Petri Cathedram do Sumo Pontífice Papa João XXIII aos veneráveis irmãos patriarcas, primazes, arcebispos, bispos e aos outros ordinários do lugar em paz e comunhão com a Sé Apostólica e a todo o clero e fiéis do orbe católico sobre o conhecimento da verdade, restauração da unidade e da paz na caridade. Cidade do Vaticano: Tipografia Vaticana, 1959. Disponível em: http://bit.ly/43eVLWB . Acesso em: 14 mar. 2024.
    http://bit.ly/43eVLWB...
    ).
  • 48
    Para considerações acerca dessas teorias, ver Kühl ( 2011KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: Problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê, 2011. , p.81-100)
  • 49
    Muñoz Viñas ( 2021MUÑOZ VIÑAS, Salvador. Teoria contemporânea da restauração. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2021. ).
  • 50
    Ibid .
  • 51
    Cf. Meneses ( 2012MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: Uma revisão de premissas. In: FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL, 1, 2009, Ouro Preto. Anais […]. Brasília, DF: IPHAN, 2012.p. 25-39. ).
  • 52
    Cf. Vieira-de-Araújo e Lira ( 2020VIEIRA-DE-ARAÚJO, Natália Miranda; LIRA, Flaviana. Há algo a temer na “teoria da restauração” de Brandi?: O mito paralisante do medo. Paranoá, Brasília, DF, n. 25, p. 83-93, 2020. DOI: 10.18830/issn.1679-0944.n25.2020.06
    https://doi.org/10.18830/issn.1679-0944....
    ).
  • 53
    Juiz de Fora ( 1997aJUIZ DE FORA. Processo administrativo nº 5318/1997. Tombamento da Igreja de Nossa Senhora da Glória. Juiz de Fora: Prefeitura de Juiz de Fora, 1997a. , 1997bJUIZ DE FORA. Processo administrativo nº 5322/1997. Tombamento da Catedral Metropolitana de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Prefeitura de Juiz de Fora, 1997b. ).
  • 54
    Ou seja, os lados direito e esquerdo a partir da assembleia. Em algumas igrejas maiores, poderia haver um ambão em cada lado para a leitura.
  • 55
    Mas, no sacramento do Matrimônio, os noivos o adentram.
  • 56
    Essa questão é particularmente polêmica e discutida, tendo gerado tratados de todos os lados e com múltiplos argumentos.
  • 57
    Ratzinger ( 2001RATZINGER, Joseph. Introdução ao espírito da liturgia. Lisboa: Paulinas, 2001. , p. 57). Com relação a essa discussão, Lang ( 2007LANG, Michael Uwe. Volverse hacia el Señor. Madrid: Cristiandad, 2007. ) demonstra, até onde podemos constatar com argumentos definitivos, que estavam equivocados aqueles que justificavam a celebração versus populum com base no argumento de que na Igreja primitiva teria sido essa a orientação comum.
  • 58
    Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 123.
  • 59
    Ibid ., p. 123. O que faz pensar em Mies van der Rohe dizendo que less is more .
  • 60
    Liturgia… ( 2009LITURGIA da santa missa: Volume I. Produção: César Kyn d’Ávila. Texto: Pe. Paulo Ricardo. Campinas: Direta Produções, 2009. 1 DVD. ).
  • 61
    Schubert ( 1979SCHUBERT, Mons. Guilherme. Arte para a fé: Igrejas e capelas depois do Concílio Vaticano II.São Paulo: Loyola, 1979. , p. 36).
  • 62
    No altar tridentino tradicional, mesa é a estrutura que recebe os elementos necessários para a celebração da missa, o que é diverso de compreendê-lo como mesa do Senhor, como no rito novo.
  • 63
    “Esse Jesus, pedra que foi desprezada por vós, edificadores, tornou-se a pedra angular” (Atos dos Apóstolos 4,11).
  • 64
    Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 123.
  • 65
    CNBB ( 2023aCNBB. Orientações para adequação litúrgica, restauração e conservação das igrejas. In: Estudos da CNBB. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023a. v. 113. ).
  • 66
    Frade, op. cit ., p. 168-170.
  • 67
    Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 129.
  • 68
    Michael Davies ( 1997DAVIES, Michael. The Catholic Sanctuary and the Second Vatican Council. Charlotte: Tan, 1997. ), porém, investiga a fundo a questão no capítulo “Place of the Tabernacle” (“Lugar do tabernáculo”), vasculhando todos os documentos pertinentes, encontrando más traduções, e mesmo recomendações contraditórias uma seguida da outra num mesmo documento, caso dos números 53 e 54 da instrução Eucharisticum Mysterium . Ele assevera que, na realidade, a aparente obrigatoriedade do fim daguarda eucarística do altar-mor estaria baseada numa remissão equivocada a textos que não falavam disso, sendo, portanto, nula. Porém, fato éque as capelas do Santíssimo foram prescritas por documentos com autoridade, e a discussão proposta por Davies, por bem fundamentada que seja, se mostra, na prática, marginal ao escopo deste artigo.
  • 69
    CEI ( 1996 CEI – CONFERENZA EPISCOPALE ITALIANA. L’adeguamento delle chiese secondo la riforma liturgica. Roma: Conferenza Episcopale Italiana, 1996. Disponível em: https://bit.ly/46oW819 . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/46oW819...
    , tradução nossa).
  • 70
    Como ocorreu na Catedral de Nosso Senhor do Bonfim em Grajaú, Maranhão, analisada por Lima ( 2011 LIMA, Rogério Henrique Frazão. Arquitetura das igrejas e o culto católico contemporâneo: Preservação e adaptabilidade. 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3tbzbQM . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3tbzbQM...
    ). Eles foram retirados e seus ambientes, preservados e ocupados por imagens. Para o autor, naquele caso os altares não tinham “valor artístico e histórico” (LIMA, 2011 LIMA, Rogério Henrique Frazão. Arquitetura das igrejas e o culto católico contemporâneo: Preservação e adaptabilidade. 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3tbzbQM . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3tbzbQM...
    , p. 82), o que justificaria sua remoção numa circunscrição às teorias clássicas do restauro.Mas é necessário que essa avaliação tenha sido feita com responsabilidade, dentro de uma concepção mais ampla de bens culturais, que os benefícios tenham superado os prejuízos e que, nos termos do Artigo 11 da Carta de Veneza, a decisão pela remoção não tenha cabido unicamente ao autor do projeto.
  • 71
    Frade, op. cit ., p. 194.
  • 72
    Conferência Episcopal Portuguesa ( 2018 CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA. Celebração do baptismo das crianças. Coimbra: Gráfica de Coimbra, c2018a. Disponível em: https://bit.ly/3PAQEcJ . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3PAQEcJ...
    ).
  • 73
    Schubert, op. cit ., p. 45.
  • 74
    Conferência Episcopal Portuguesa ( c2018b CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA. Celebração da penitência. Coimbra: Gráfica de Coimbra, c2018b. Disponível em: https://bit.ly/46L9ZiH . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/46L9ZiH...
    ).
  • 75
    CNBB ( 1977 CNBB – CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Pastoral da penitência: Documento aprovado pela Comissão representativa da CNBB 18 a 25 de outubro de 1976 e referendado pela XV Assembleia Geral Itaici, 7 a 17 de fevereiro de 1977. São Paulo: CNBB, 1977. Disponível em: https://bit.ly/45buEee . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/45buEee...
    ).
  • 76
    Id ., 2023bCNBB. Orientações para projeto e construção de igrejas. In: Estudos da CNBB. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023b. v. 106. .
  • 77
    Cf. o Artigo 12 da Carta de Veneza.
  • 78
    Cury ( 2004CURY, Isabelle (org.). Cartas patrimoniais. Brasília, DF: Edições do Patrimônio, 2004. , p. 93).
  • 79
    Cf. IPHAN ( 2014 IPHAN. Bens móveis e integrados. Brasília, DF: IPHAN, c2014. Disponível em: https://bit.ly/3LDQJLE . Acesso em: 27 set. 2023.
    https://bit.ly/3LDQJLE...
    ).
  • 80
    Ibid . A lista deve ser considerada como demonstrativa e não exaustiva, pois estão ausentes confessionários, passos da Paixão, cátedras, ex-votos, sinos, vitrais etc.
  • 81
    Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, op. cit ., p. 130.
  • 82
    Se for este o caso, a CEI poderia ter sido mais precisa e com boa fundamentação. Uma lição que o Vaticano II legou é o problema, para a aplicação prática, de normas e diretrizes genéricas. A coerência de um programa iconográfico de uma igreja é construída também a partir das devoções e da cultura da comunidade que se serve dela, motivo evidente por que as igrejas brasileiras têm muitas representações de, por exemplo, Santo Antônio, mas não de Santa Matilde de Magdeburgo, digamos.
  • 83
    A CNBB pede respeito ao “primado da Liturgia”, preocupando-se que a atenção dos fiéis possa se desviar (CNBB, 2023aCNBB. Orientações para adequação litúrgica, restauração e conservação das igrejas. In: Estudos da CNBB. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023a. v. 113. ).
  • 84
    Retoma-se aqui o Artigo 11 da Carta de Veneza: a remoção de uma contribuição para exibição de uma etapa subjacente só pode ocorrer se o que se remove é de “pouco interesse” e o que se revela é de “grande valor histórico, arqueológico ou estético” (CURY, 2004CURY, Isabelle (org.). Cartas patrimoniais. Brasília, DF: Edições do Patrimônio, 2004. , p. 94)
  • 85
    “Do ponto de vista histórico, portanto, a conservação da pátina, como aquele particular ofuscamento que a novidade da matéria recebe através do tempo e é, portanto, testemunho do tempo transcorrido, não apenas é admissível, mas é requerida de modo taxativo” (BRANDI, 2005BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Cotia: Ateliê, 2005. , p. 73).
  • 86
    O que já aparece no Artigo 6º da Carta de Veneza.
  • 87
    Cf. Motta e Thompson ( 2010MOTTA, Lia; THOMPSON, Analucia. Entorno de bens tombados. Rio de Janeiro: IPHAN, 2010. ).
  • 88
    CNBB, 2023aCNBB. Orientações para adequação litúrgica, restauração e conservação das igrejas. In: Estudos da CNBB. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023a. v. 113.
  • 89
    CNBB, 2023aCNBB. Orientações para adequação litúrgica, restauração e conservação das igrejas. In: Estudos da CNBB. Brasília, DF: Edições CNBB, 2023a. v. 113.
  • 90
    Ibid .
  • 91
    Guimarães ( 2003 GUIMARÃES, Almir. Restaurar a Igreja. Franciscanos, [s. l.], 2003. Disponível em: https://bit.ly/3vgZFBJ . Acesso em: 15 mar. 2024.
    https://bit.ly/3vgZFBJ...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2023
  • Aceito
    16 Fev 2024
Museu Paulista, Universidade de São Paulo Rua Brigadeiro Jordão, 149 - Ipiranga, CEP 04210-000, São Paulo - SP/Brasil, Tel.: (55 11) 2065-6641 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: anaismp@usp.br