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Associação Paulista de Medicina

REUNIÕES CIENTÍFICAS

Sessão ordinária - 5, maio, 1944. Presidente: Dr. Paulo Pinto Pupo

Internações por alcoolismo. Drs. Virgílio de Camargo Pacheco e Maurício Amaral.

De maneira extremamente esquemática, os autores dividem os etilistas em dois grandes grupos. No primeiro, estão os que apreciam sobretudo o sabor das bebidas alcoólicas. Estes, quase sempre portadores de sistema nervoso sólido, via de regra não se internam. Quando, com o decorrer do tempo sentem os efeitos nocivos do tóxico, quase sempre é para o lado de uma das vísceras e procuram então um clínico geral. No segundo grupo, podem ser enquadrados aqueles que buscam, principalmente o efeito do álcool; para tais pacientes a qualidade da bebida é mais ou menos indiferente, contanto que contenha forte teor alcoólico. Este segundo grupo comporta por sua vez e ainda de maneira essencialmente esquemática, dois sub-grupos. No primeiro, estão aqueles que, tangidos por pesada hereditariedade e por condições endógenas especiais, nasceram toxicófilos, no nosso caso etilistas inveterados e irredutíveis. São pacientes que absolutamente não querem curar-se do etilismo pois não compreendem nem admitem que se possa encarar os problemas diários da vida, senão vistos através de um nebuloso e deformante prisma ebrioso.

O escopo dos autores é falar justamente do segundo sub-grupo, isto é, daqueles indivíduos que internados em hospital especializado com o rótulo de alcoolistas, verifica-se posteriormente que o etilismo neles não é mais que um epifenômeno, eis que são portadores de outras entidades psiquiátricas susceptíveis de passarem despercebidas aos familiares e algumas vezes até ao clínico da família, não especializado. Citam a tentativa de Hermann Pfanmüller para classificar estes tipos de alcoolistas: bebedores que apresentam fundo maníaco-depressivo; os que são de estofo esquizofrênicos; os que antes de serem etilistas já eram epileptóides; os oligofrênicos beberrões; os que ingerem bebidas espirituosas como consequência de serem portadores de personalidade psicopática. Os autores, a esta descrição de Pfanmüller, apresentam, de acordo com experiências pessoais, os etilistas que ingressam no reino sombrio do alcoolismo crônico tangidos por uma constituição ansiosa ou por estados intersexuais. Terminam seu relato dizendo que diante de um paciente que se interna para tratar-se de vício etílico, para orientarmos a terapêutica de maneira racional, temos que considerar não somente o alcoolismo mas sobretudo e principalmente o etilista.

Sessão extra-ordinária - 24, maio, 1944

Estado atual do tratamento da paralisia infantil pelo método de Kenny através de impressões de viagem de estudos aos Estados Unidos. Dra. Elisa Bierrenbach Khoury.

Este trabalho será publicado, na íntegra, no próximo número desta revista.

Sessão ordinária - 5, junho, 1944

Tratamento cirúrgico do parkinsonismo. Prof. Deolindo Couto. Este trabalho será publicado na íntegra no próximo número desta revista.

Sessão extra-ordinária - 13, junho, 1944

Tendências da psiquiatria pós-Kraepeliniana. Prof. Artur Ramos. O resumo deste trabalho, apresentado em sessão conjunta com o Centro de Estudos "Franco da Rocha" figura nas atas desse Centro.

Sessão ordinária - 5, julho, 1944

Bases fisiofarmacológicas da hormonioterapia. Prof. J. Ribeiro do Vale.

O desenvolvimento da Endocrinologia nos últimos 15 anos permitiu o isolamento e a obtenção para fins terapêuticos de hormônios de atividade e emprego seguro. Os hormônios primordiais provêm da hipófise, tiróide, paratiróides, pâncreas, suprarrenais e gônadas. Os demais poderiam ser chamados secundários como a secretina, a enterogastrina e mesmo a acetilcolina. Os hormônios hipofisários, o das paratiróides e a insulina são de natureza protéica; os gonadais e as substâncias derivadas da córtex suprarrenal são ternários e esterólicos, muitos deles já obtidos por síntese química. Estas substâncias glandulares constituem antes grupos de hormônios do que princípios ativos individuais para cada glândula. Também a placenta é outra fonte de gonadotropinas e de hormônios esterólicos. Todos estes hormônios primordiais exercem efeitos caraterísticos que servem de base para os ensaios biológicos e estes, por sua vez, para o éxito terapêutico.

Somente o conhecimento da fisiologia endócrina permite e possibilita a hormonioterapia racional. Assim para o endocrinologista não tem significado, por exemplo, o emprego de preparados de timo ou de pineal pois que a fisiologia destas duas glândulas ainda está sub judice. Os princípios da farmacologia geral são também de conhecimento obrigatório na hormonioterapia. O valor do tanato de pitressina no tratamento do diabete insípido e o da protamina-zinco-insulina no diabete melito, por exemplo, reside na absorção lenta destes produtos em relação à pitressina ou à insulina simples. Sendo os hormônios hipofisários e também as gonadotropinas coriônicas destruídos pelos sucos digestivos constitui erro palmar a prescrição de tais preparados por via oral. Os hormônios gonadais esterólicos mais empregados são o benzoato de estradiol e o propionato de testosterona. O veículo oleoso e a esterificação retardam a absorção intensificando os efeitos. A maioria dos extratos corticais existentes na praça são pouco ativos ou inativos, restando ao clínico empregar os preparados sintéticos à base de acetado de desoxicorticosterona e medidas dietéticas visando aumentar o cloreto de sódio nos tecidos. O fracasso da terapêutica hormonal portanto, pode bem depender dos preparados receitados. Na terapêutica do hipoparatiroidismo, o paratormônio é substituído com vantagens pelo taquisterol (A.T.10) e pela dieta rica em cálcio. Em alguns, como na moléstia de Addison, pôde ser utilizado o método das implantações subcutâneas do hormônio cristalizado. No capítulo dos hormônios estrogênicos, há ainda a considerar as substâncias artificiais como o estüboestrol e o hexestrol.

As preparações de hormônio de crescimento existentes entre nós, como o Antuitrin C, não têm dado resultados satisfatórios. As gonadotropinas coriônicas, com o Apoidin e a Foluteina, são de emprego corrente na parte clínica da Secção de Endocrinologia do Butantã. As preparações de gonadotropina sérica como o Maturon são de emprego limitado por motivos econômicos. Entre os hormônios esterólicos estrogênicos empregam-se o benzoato de estradiol (Progynon, Dimenformon, Benzoginestril) e o propionato de estradiol (Ovociclina); entre as substâncias progestacionais a progesterona (Proluton, Luteociclina, Progestina) e entre os andrógenos o propionato de testosterona (Perandren, Testoviron, Neohombreol, Sterandrii). Os preparados existentes na praça à base de acetato de desoxicorticosterona são o D.O.C.A., o Cortexon, e o Sincortil. Se o preparado for ativo, a dose conveniente e a indicação formal, o clínico só pode esperar dos hormônios resultados excelentes. Estas condições dependem dos conhecimentos fisiofarmocológicos aqui apenas esboçados.

Síndrome do lobo parietal. Apraxia isolada do membro superior esquerdo, (com apresentação de filme e da doente). Prof. Paulino Longo e Dr. Paulo Pinto Pupo.

A relativa raridade dos casos de apraxia unilateral constitui o interesse principal do caso apresentado. Por coincidência feliz, a paciente era anteriormente adestrada em relação ao membro superior esquerdo, pois tocava piano regularmente e já estava iniciando satisfatoriamente o estudo de violino. Trata-se de uma menina de 10 anos de idade, anteriormente sadia, que apresentou de maio de 1939 a novembro de 1943, 8 convulsões epilépticas de tipo bravais-jacksoniano no membro superior e hemiface esquerdos como sede de início da crise. Não se apurou, talvez por deficiência de informação da paciente, aura sensitiva. Depois da última crise, que foi anormalmente intensa e duradoura, restou hemiparesia esquerda, predominante no membro superior e anosognosia do membro superior esquerdo, cedendo tudo em 12 dias. Passados os fenômenos agudos (inclusive a hemiparesia e anosognosia) os pais notaram que a paciente tinha incapacidade quase absoluta para utilização do membro superior esquerdo. A mão esquerda não cooperava nem mesmo para os atos quotidianos de vestir e de calçar. Examinada 20 dias depois, apresentava apraxia motora isolada do membro superior esquerdo, principalmente da mão, comprovada pelas provas de Liepmann. É interessante, também, que todo movimento intencional da mão esquerda é executado concomitantemente pela mão direita (ecopraxia). Os exames de sensibilidade elementar não revelaram qualquer distúrbio, exceto o de discriminação táctil, cujos resultados não puderem ser obtidos devido à insuficiência de atenção da paciente. Quanto à morfo e hilognosia, mostrou ligeiro retardo nas respostas relativas à mão esquerda, contrastando com as da mão direita. Não havia outra perturbação neurológica. Foi instituída, além de tratamento geral e barbitúrico para prevenir recidiva das crises convulsivas, a reeducação da mão esquerda. Os resultados têm sido satisfatórios.

Nos meses que se sucederam, exames neurológicos completos foram repetidos. Não foram evidenciados distúrbios de sensibilidade, de gnosia próprio-ceptiva ou visual, e a apraxia isolada do membro superior esquerdo regrediu paulatina e progressivamente. A paciente já utiliza a mão esquerda para a maioria dos atos a que é chamada a executar, e mesmo o estudo do piano já foi reiniciado com satisfatória colaboração desse segmento. Persiste, se bem que menos intensa, a ecopraxia da mão direita. Inicialmente houve nítida alteração psíquica caraterizada principalmente por puerilismo de comportamento, deficiência de atenção e de memória de fixação. Tais distúrbios também têm-se corrigido progressivamente.

Diante de todos estes elementos foi feito o diagnóstico sindrômico de apraxia motora isolada do membro superior esquerdo. Sob o ponto de vista etiopatogênico a lesão foi interpretada como consequente a distúrbios circulatórios cerebrais secundários à crise convulsiva. Em relação à topografia lesional, foi diagnosticada lesão em foco parietal direito, córtico-subcortical. Esta lesão explica perfeitamente a hemiparesia consequente à crise (fenômenos iniciais muito mais extensos que os do verdadeiro foco lesional), a anosognosia e também a apraxia isolada do membro superior esquerdo (interrupção de fibras comissurais calosas). A coexistência de uma síndrome mental de puerilismo, desatenção e distúrbios da memória talvez possa ser explicada pela extensão da lesão a fibras da metade anterior do corpo caloso (síndrome do corpo caloso). A apresentação do caso foi documentada com provas gráficas da paciente em meses sucessivos, com a projeção de filme cinematográfico que mostra a apraxia e a ecopraxia em abril de 1944 e com a apresentação da paciente, evidenciando recuperação das funções práxicas.

  • Associação Paulista de Medicina.

    Secção de neuro-psiquiatria
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1944
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