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Breve histórico do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo durante o período 1939-1969

Breve histórico do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo durante o período 1939-1969

Horacio M. Canelas

Professor Associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

A história do atual Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo inicia-se em março de 1925, com a contratação do Professor Enjolras Vampré para a regencia da Cadeira de Clínica Psiquiátrica e de Moléstias Nervosas, que somente em 1935 viria a ser desdobrada em Clínica Neurológica e Clínica Psiquiátrica. O período que mediou até dezembro de 1938, quando o Professor Adherbal Tolosa conquistou, por concurso, a Cátedra de Clínica Neurológica, foi analisado pormenorizadamente por Oswaldo Lange, em artigo1 no qual se evidencia a visão crítica dos acontecimentos e a plena vivência dos episódios relatados.

É nosso objetivo dar seqüência a esse "compte rendu", reabrindo o cenário histórico em janeiro de 1939, logo após a posse do Professor Adherbal Tolosa na chefia da Cátedra.

Não obstante 31 anos tenham decorrido desde então e apesar da profunda evolução verificada, esse longo período sempre se caracterizou por uma linha inflexível de orientação didática e científica, uma religiosa obediência aos princípios hipocráticos e aos ditames éticos, e uma inabalável harmonia no convívio diário dos membros da clínica. É de justiça registrar que para essa invulnerabilidade estrutural e espiritual da Clínica contribuiu decisivamente a feliz integração das virtudes pessoais do catedrático e de seu chefe de Clínica, o Dr. Oswaldo Lange.

Durante esses seis lustros alguns fatos ocorridos constituem importantes marcos históricos: a) transferência da Clínica Neurológica, em princípios de 1945, da Santa Casa de Misericórdia para o Hospital das Clínicas da FMUSP, instalando-se a enfermaria e a biblioteca no 2.° pavimento e o ambulatório e o anfiteatro de aula no 6.°; b) a mudança, em fins de 1952, de todo o Serviço para o 5.° andar, com o que se conseguiu unir em ampla área contínua os vários setores da Clínica, além de se efetivar a integração da Neurocirurgia no bloco neurológico; c) em fins de 1959, o ingresso do chefe de Clínica e do 3.° assistente da Cadeira no regime de tempo integral, determinando a implantação das atividades do Serviço no período da tarde; entre elas sobressaem a criação do Setor de Epilepsia e do Ambulatório Didático, e o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação.

A consideração destes marcos históricos levou-nos a dividir o período em quatro fases: 1939-1944 (período analisado pelo Professor Adherbal Tolosa2), 1945-1952, 1953-1959 e 1960-1969. Dada a diversidade de duração destas fases, os dados estatísticos devem ser julgados de acordo com as médias anuais.

Passaremos a descrever a evolução do Departamento de Neurologia nos setores de pesquisa, de ensino e assistencial.

SETOR DE PESQUISA

As pesquisas, de início, visaram quase exclusivamente aos aspectos semiológicos e clínicos e às correlações anátomo-clínicas. Ulteriormente, surgiram as investigações nos campos da Neuropediatria, da Neurocirurgia e da Neurorradiologia, assim como no setor da Electrencefalografia. Importantes estudos passaram a ser realizados nos campos das afecções musculares, das doenças desmielinizantes e das epilepsias.

As pesquisas laboratoriais, a princípio adstritas ao estudo químico e biológico do líquido cefalorraqueano, progrediram com as investigações relacionadas com a electroforese e imunelectroforese. Ultimamente têm-se desenvolvido os estudos sobre a bioquímica de numerosas afecções do sistema nervoso. As atividades neurocirúrgicas ampliaram-se com a implantação da cirurgia estereotáxica dos gânglios da base visando ao tratamento de afecções do sistema extrapiramidal.

O progresso neste setor é retratado no gráfico 1, onde se verifica que, da média anual de 10,3 trabalhos na fase 1939-1944, passou-se a 27,0, em 1959-1969. No período todo foram publicados 560 trabalhos em revistas nacionais ou estrangeiras (vide Apêndice, Lista A).


Releva salientar, a este propósito, a importância que teve a fundação, em 1943, da revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria. Ela possibilitou, através do conceito que logo grangeou nos centros especializados, ampla divulgação dos estudos realizados no Departamento de Neurologia. Além disso, seu Editor contribuiu decisivamente para o aprimoramento do nível dos trabalhos publicados, graças à incansável dedicação, ao elevado espírito crítico e à inquebrantável energia que o caracterizam. Dos 560 trabalhos publicados no período, 352 vieram a lume nessa revista.

Dos restantes, 21 foram publicados em conceituadas revistas estrangeiras: Acta neurológica scandinavica, Anesthésie et Analgésie, Clinica chimica Acta, Journal of Neurochemistry, Journal of Neurology Neurosurgery and Psychiatry, Journal of Neurosurgery, Le Sang, Medicina clínica (Barcelona), Neurology (Minneapolis), Revista neurológica de Buenos Aires, Revue neurologique, World Neurology, Zeitschrift für Zellforschung.

Dezessete trabalhos foram laureados por Sociedades médicas.

Na fronteira entre o setor de pesquisa e o de ensino inclui-se a colaboração em livros de medicina. No período 1939-1969 foram editados pelo Departamento de Neurologia quatro livros. Os integrantes do Serviço colaboraram com a redação de 167 capítulos nesses e em outros 13 livros e 3 monografias ou publicações didáticas (vide Apêndice, Listas C e D).

Nesses três decênios foram defendidas 15 teses de doutoramento, 13 teses para concurso à docência-livre e uma tese para concurso a cátedra de Neurologia (vide Apêndice, Lista B). Foram realizados dois concursos para Professor Associado e três para Professor de Disciplina.

O Departamento de Neurologia participou na constituição de Comissões Julgadoras dos seguintes concursos ou provas universitários: 7 para professor catedrático (três na Faculdade de Medicina da USP, e um na Escola Paulista de Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP), dois para Professor Associado (Faculdade de Medicina da USP), 4 para Professor de Disciplina (três na Faculdade de Medicina da USP e um na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP), 37 para Docência-livre (30 na Faculdade de Medicina da USP, 4 na Escola Paulista de Medicina e 3 na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) e 28 para Doutoramento em Medicina (25 na Faculdade de Medicina da USP e três na Escola Paulista de Medicina).

Integrantes do Departamento de Neurologia organizaram 4 filmes cinematográficos de caráter didático, dirigidos pelo Dr. B. J. Duarte, sendo dois com o patrocínio do Instituto Nacional do Cinema Educativo (Ministério da Educação e Cultura) e dois com a colaboração do Departamento Científico da Cario Erba do Brasil.

Por outro lado, membros do Departamento de Neurologia compareceram a 84 Congressos médicos realizados no Brasil ou no Exterior. Somente na última fase participaram de 56 Congressos, nos quais fizeram 191 comunicações.

SETOR DE ENSINO

A evolução no curso de graduaçãoda Faculdade de Medicina da USP caracterizou-se por profundas modificações. A par de acentuado incremento do número de horas de aula por aluno (27 na primeira fase e 67 na última), como se observa no gráfico 2 e tabela 3, houve também progressivo decréscimo do número de aulas teóricas convencionais. Estas foram totalmente abolidas no ano letivo de 1968, e substituídas por seminários em que tomam parte um ou mais docentes e um número limitado de alunos (16 em 1968, e 8 em 1969, quando foi instituído o regime de internato ou estágio em tempo integral no Departamento de Neurologia, durante quatro semanas).


Em 1969, após um período de cerca de 40 horas dedicado à fisiopatologia e à semiotécnica neurológicas, passava o aluno a receber doentes para exame, a participar das discussões de casos e de outras atividades desenvolvidas nos períodos da manhã e da tarde, bem como a rodiziar pelas secções de Neurorradiologia e Electrencefalografia. O número de horas de aula por aluno atingiu 120.

O melhor rendimento desse sistema ficou demonstrado nos testes de aproveitamento. Por outro lado, as respostas dos alunos aos questionários sobre o desenrolar do curso evidenciaram o agrado da grande maioria, que se traduziu, em 1969, por um elevado número de sextoanistas que optaram pelo internato em Neurologia, fato absolutamente inédito.

O ensino pós-graduado também reflete e acompanha os progressos obtidos no curso de graduação. O Departamento de Neurologia, que vinha recebendo, em média, um a dois residentes do Hospital das Clínicas da FMUSP, passou a ter, em 1967, 4 residentes, e em 1969, 9.

O afluxo de estagiários voluntários ou bolsistas tem crescido continuamente, como se verifica no gráfico 3 e tabela 3. Em 1967 tivemos 7 estagiários voluntários e em 1969, 10. Note-se que é exigido o regime de dedicação plena, com plantões obrigatórios, e que a duração mínima dos estágios é de um ano.


A proveniência dos estagiários que passaram pelo Departamento de Neurologia foi a seguinte: São Paulo, SP (29), Sorocaba, SP (7), Ribeirão Preto, SP (3), Botucatu, SP (1), Estado do Paraná (19), Pernambuco (16), Minas Gerais (13), Rio Grande do Sul (12), Guanabara (5), Bahia (4), Pará (4), Paraíba (3), Rio Grande do Norte (3), Rio de Janeiro (3), Ceará (2), Goiás (1), Alagoas (1), Venezuela (4), Espanha (2), Bolívia (2), Romênia (1), Coréia do Sul (1), Argentina (1), Costa Rica (1) e El Salvador (1).

Atualmente, muitos dos ex-residentes e ex-estagiários se encontram regendo ou detêm cargos universitários nas seguintes instituições: Faculdades de Medicina das Universidades do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco, da Bahia, da Guanabara, do Triângulo Mineiro, do Paraná, do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria), de Campinas, Botucatu, Ribeirão Preto, Santos, Sorocaba, São José dos Campos, Moji das Cruzes, do Hospital Municipal de São Paulo e do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Um dos ex-residentes é Professor Associado na Faculdade de Medicina da Universidade de Memphis, E.U.A.

A tabela 3 demonstra o incremento das aulas extracurriculares dadas em cursos de atualização ou aperfeiçoamento, realizados em São Paulo e em vários outros Estados.

SETOR ASSISTENCIAL

O atendimento no ambulatório e enfermarias, nas secções de Líquido Cefalorraqueano, Neurorradiologia e Electrencefalografia, e o número de intervenções neurocirúrgicas (gráficos 4, 5, 6 e tabela 4) sofreu acentuado impulso no período 1939-1969. Pode-se, entretanto, entrever uma tendência à saturação nos últimos anos, motivada pela estabilização das disponibilidades de espaço destinado às atividades assistenciais.




Deve-se ressaltar que a Neurorradiologia só foi implantada em 1947, a Electrencefalografia em 1948, e a Neurocirurgia, que começara a existir já em 1929, só obteve plena autonomia em 1952, data em que foi criado o Pronto Socorro de Traumatizados do Crânio.

Deixamos de analisar o desenvolvimento havido nos setores de cirurgia estereotáxica, de radioisótopos e de electromiografia, por terem sido instituídos ainda há pouco tempo.

  • 1. LANGE, O. Dados biográficos sobre o Prof. Enjolras Vampré. An. Fac. Med. Săo Paulo 15:7-33, 1938.
  • 2. TOLOSA, A. Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de Săo Paulo: breve notícia de suas atividades durante o período 1938-1943. Arq. Neuro-psiquiat. (Săo Paulo) 2:203-210, 1944.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1969
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