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Aspectos práticos da psiquiatria norte-americana

CONFERÊNCIAS

Assistente de Clínica Psiquiátrica da Fac. Med. Univ. São Paulo (Prof. A. C. Pacheco e Silva). Assistente de Neuropsiquiatria da Casa de Saúde do Instituto Paulista (Prof. Paulino Longo). Fellow in Psychiatry do The Neuro-Psychiatric Institute of the Hartford Retreat (Hartford)

Pretendemos focalizar aspectos práticos da viagem de estudos que realizamos aos Estados Unidos sob os auspicios do "The Neuro-Psychiatric Institute of the Hartford Retreat", do Instituto Internacional de Educação de New York e da Divisão Cultural do Departamento de Estado de Washington. Tendo o Dr. Cecil Charles Burlingame, diretor do Instituto Neuropsiquiátrico de Hartford, oferecido ao Professor Pacheco e Silva uma bolsa de estudos para um de seus assistentes, coube-nos recebê-la. Foi, portanto, o nome de Pacheco e Silva e o justo prestígio que desfruta nos meios científicos dos Estados Unidos e, particularmente, entre os mais renomados psiquiatras daquele país, que nos levaram a Hartford, a fim de aperfeiçoar conhecimentos aqui adquiridos com aquele Mestre e com Paulino Longo, eminente catedrático da Escola Paulista de Medicina.

No "Institute of Living", nome pelo qual é também conhecido o Instituto de Hartford, permanecemos 14 meses. Estabelecimento de renome universal, bem merece considerações a respeito de sua organização e finalidades. Trata-se de instituição particular e de fins não lucrativos, estabelecida em 1822. Sua fundação deve-se à personalidade dinâmica de um expoente da cultura médica daquela época, o Dr. Eli Eodd, cujos discípulos e sucessores, dentre os quais podemos citar Butler, Brigham, Fuller, Thompson e Ives, continuaram-lhe a obra, hoje modelo para organizações congêneres.

Desde 1931, vem ocupando sua direção o Dr. Charles Burlingame, figura que se destaca não só pela sua contribuição à especialidade, como pelo papel desempenhado na orientação da construção do Medical Center de New York e do Hospital das Clínicas de Montevideo. Espírito humanitário, dinâmico e realizador, teve sempre sua atenção voltada para a melhoria das condições de assistência aos doentes mentais. Sob sua direção, grandes melhoramentos foram introduzidos no Instituto de Hartford; aumentou para 400 leitos a capacidade hospitalar; elevou para 20 o número de especialistas, estabelecendo regime de tempo integral; criou o Departamento de Pesquisas, entregando sua direção a Wladimir Liberson, professor da Sorbonne; adquiriu uma biblioteca com mais de 20.000 volumes, estabelecendo intercâmbio com as revistas de todas as partes do globo; instituiu uma escola de enfermagem psiquiátrica que registra uma freqüência de 700 alunas; ofereceu amplas facilidades aos médicos, abrindo-lhes as portas do hospital para estágio obrigatório de 1 ano; dedicou especial atenção à psiquiatria preventiva, criando um Departamento de Higiene Mental; estabeleceu, para melhor aproveitamento do corpo clínico, uma série anual de conferências, a cargo dos nomes mais ilustres da psiquiatria americana; fundou o "Digest of Neurology and Psychiatry", publicação mensal de larga tiragem, que divulga as mais recentes aquisições da neurologia e da patologia mental.

Situado num soberbo parque de vários alqueires, o "Institute of Living" acha-se a 2 quilômetros do centro da cidade de Hartford. Um monobloco de 3 andares é destinado aos psicóticos, enquanto os psiconeuróticos, os alcoólatras, as personalidades psicopáticas, os casos de debilidade mental e de deordens da conduta são alojados em "cottages" espalhados pelo parque. As acomodações são representadas por quartos com banho, pequenos apartamentos e residências individuais. Os pacientes, lá chamados "hóspedes são alojados de acordo com o estado mental e com o nível social e intelectual. Burlingame faz questão que eles se sintam inteiramente à vontade, procurando fazer com que a vida no Instituto seja uma continuação da vida no lar, com todos os afazeres de uma vida normal.

A "Retreat", pelos recursos diagnósticos e terapêuticos de que dispõe, acha-se aparelhada para prestar assistência eficiente a qualquer problema psiquiátrico. O doente, imediatamente depois da admissão, é submetido a uma série de exames especializados psiquiátrico, psicológico, neurológico, oftalmológico - seguidos de radiografias, determinações metabólicas, eletrocardiograma, eletrencefalograma, análises completas do sangue e urina. É de se lamentar, entretanto, que nesta série enorme não se inclua também, como prática rotineira, a punção raquidiana que, na generalidade dos hospitais americanos, se reserva para os casos de indicação comprovada. Em seguida, em reunião de médicos e enfermeiros, o caso clínico é discutido a fim de estabelecer a orientação terapêutica. Esta, além de tratamento de valor indiscutível como a psicoterapia individual e em grupo, a narcoanálise, os métodos de choque, a hidroterapia, a eletroterapia. a mecanoterapia, consta de adequado programa de reabilitação. Os pacientes, distribuídos em 10 grupos, segundo o estado mental, o nível cultural e social, entregam-se a atividades educativas, sociais, recreativas e esportivas que contribuem, de modo indiscutível, para acelerar a reabilitação social.

"Hartford Retreat" é uma pequena comunidade cujos componentes encontram todos os afazeres de uma vida normal. No parque, alinham-se lojas onde podem ser adquiridos objetos de uso, roupas, flores, guloseimas e os mais finos presentes. Romances modernos e as melhores revistas são encontrado no "Ye Rovale Book". No "Huntington Club" os pacientes se reúnem para partidas de bridge, bilhar, xadrez e "bowling". Dois salões de beleza oferecem a ambos os sexos o maior conforto. O hospital dispõe, para passeios aos arredores, de uma frota de 12 "Clippers". Bailes são realizados quinzenalmente. Algum dos hóspedes não sabendo dançar, tal dificuldade é logo remediada com aulas individuais. Competições de bridge, torneios de xadrez, concursos hípicos, desfiles de modas têm lugar todos os meses. As fitas mais modernas são exibidas no "Ives Hall", onde igualmente são realizados concertos musicais, conferências literárias e representações teatrais, estas a cargo de profissionais ou de amadores recrutados entre os nacientes. O hospital encarrega-se, também, da aquisição de bilhetes para espetáculos líricos e concertos sinfônicos na ópera da cidade, o "Bushnell Memorial". Piqueniques nos arredores são realizados aos domingos. Outros se entregam a atividades esportivas, como natação, golfe, patinação, tênis, bola-ao-cesto, equitação, ginástica e baseball, para o que o hospital conta com excelentes instrutores. Como é natural, a participação nesse programa social e esportivo obedece a orientação médica.

Não param aí as atividades a que se acham obrigados os doentes. Logo que suas condições mentais o permitam, entregam-se a tarefas educativas e reeducativas, que consultam as aptidões, os interesses e as necessidades de cada um. Com o objetivo de oferecer ao indivíduo maiores possibilidades ao retornar à vida normal, cursos de extensão universitária e aulas individuais, versando os mais diversos assuntos, são ministrados por mais de 80 instrutores. Havendo inclinação para qualquer forma de trabalho manual, o paciente passa a freqüentar as oficinas de ourivesaria, de carpintaria, de fiação, de encadernação, de material plástico ou de vidro. Apreciando a costura ou a jardinagem, encontrará no "Le Costume par la main" ou no "Garden Studio" ambientes adequados para a prática desses trabalhos. As tendências artísticas são desenvolvidas nos "ateliers" de pintura e escultura ou em aulas de apreciação musical. As atividades posuem um fim definido. Entretanto, cada um poderá adquirir um "hobby", um passatempo qualquer ou dedicar-se à vocação seguida na vida quotidiana. Aulas de datilografia, de estenografía, também são ministradas. Uma revista semanal, "Chatterbox", além de colaboração de interesse para os doentes, publica o plano de atividades diárias, que se estendem de 8,30 da manhã às 8 da noite. Com esse programa terapêutico, cada um poderá aproveitar o tempo de hospitalização pata ampliar velhos conhecimentos ou adquirir novos, regressando ao convívio social com novas aptidões. Hartford é, pois, como o diz Burlingame, um hospital, uma universidade e um clube, um lugar ideal de reabilitação física e mental, onde a arte de viver é ensinada em ambiente atraente e agradável. No "Instituto da Vida" um paciente nunca se encontrará entregue aos próprios pensamentos. Ele sempre terá alguma cousa que fazer e alguém para estimulá-lo. Durante o ano de 1945, 852 pacientes foram admitidos ao hospital, dos quais 508 foram declarados clinicamente curados, 213 melhorados, 96 não apresentaram modificações e 12 faleceram. Tais resultados justificam o alto e elevado conceito em que é tido o "Institute of Living", considerado uma das mais modelares organizações psiquiátricas americanas e das que mais se projetam no cenário médico mundial.

Terminado o estágio em Hartford, realizamos durante 4 meses uma viagem compreendendo as cidades de New Haven, Mansfield, Worcester, Boston, Detroit, Ann Arbor, Eloise, Chicago, Cincinatti, Washington, Baltimore, Philadelphia e New York. Durante estas visitas, verificamos a eficiencia do ensino de Clínica Psiquiátrica em universidades como as de Harvard, Michigan, Cincinatti, Illinois, Chicago, Northwestern, George Washington, Johns Hopkins, Pennsylvania, Columbia, Cornell e New York; observamos a excelência do aparelhamento de instituições como o Worcester State Hospital, o Boston Psychopathic Hospital, a Walter Fernald State School, a Judge Baker Guidance Foundation, o Henry Ford Hospital, o Instituto Neuropsiquiátrico de Illinois, o Wesley Memorial Hospital, o Saint Elizabeth's Hospital, o Instituto de Psicanálise de Chicago, a Phipps Clinic, o Pennsylvania Hospital, o Instituto Psiquiátrico de New York, o Centro de Reabilitação dos Veteranos de Chicago, além de tantas outras; travamos conhecimento com figuras líderes da psiquiatria americana, como Malamud, Strecker, Alexander, Von Meduna, Slight, Neymann, Appel, Bond, Whitehorn, Hughes, Katzenelbogen, Nolan Lewis, Romano, Overholzer e muitos outros, inteirando-nos das atuais diretrizes da psiquiatria americana; observamos o elevado grau de desenvolvimento da Higiene Mental, cujo Comitê Nacional dispôs, durante o ano de 1945, da vultosa soma de 1 milhão e meio de dólares para a divulgação dos métodos de tratamento e de prevenção das doenças mentais. Não poderemos, entretanto, alongar-nos em considerações sobre tais pontos, porquanto desejamos nos ocupar de assunto mais interessante e proveitoso, como o dos métodos terapêuticos utilizados pelos americanos.

Grande é o entusiasmo dos norte-americanos pelos chamados tratamentos de choque. É interessante assinalar a tendência dominante em certos meios de substituir a palavra choque, que incute sempre temor, pelo vocábulo sono. Muitos especialistas preferem a denominação "sleep treatment" a "shock treatment". Assim, teríamos: sono elétrico, sono cardiazólico, sono insulínico, ao invés de eletrochoque, choque cardiazólico e choque insulínico. A choqueterapia ocupa lugar definitivo na prática psiquiátrica americana, sendo sua aceitação cada vez maior em todos os centros da especialidade que visitamos. À quantidade sempre crescente de pesquisas realizadas por especialistas de renome, juntam-se trabalhos não menos valiosos de psicólogos, clínicos, fisiologistas, biologistas, patologistas, bioquímicos e físicos, o que bem demonstra o interesse despertado pela matéria. Havendo muito que contar sobre capítulo tão atraente, procuraremos nos cingir, tanto quanto possível, à descrição dos aspectos práticos da aplicação dos vários processos terapêuticos.

Insulinoterapia: Esta terapêutica desfruta elevado prestígio, sendo considerada como método de escolha no tratamento das esquizofrenias. As estatísticas americanas não diferem das publicadas em nosso meio ao afirmarem que os melhores resultados são aqueles obtidos nas formas catatônicas, seguidas das formas paranoides, hebefrênicas e simples. Ao lado de especialistas que limitam sua aplicação aos casos de síndromes esquizofrênicas, outros, como Lewis, Heidt, Romano Polatin e Gottesfeld, preconizam seu emprego nos casos agudos e crônicos de outras formas de desordens mentais, de preferência aos métodos convulsoterápicos. Ultimamente, o método de Sakel vem sendo utilizado no tratamento das neuroses, em combinação com adequada psicoterapia. Segundo nos informaram Strecker, Bond e Appel, doses subcomatosas têm acelerado a cura da ansiedade, da histeria e das depressões simples.

Praticando-a durante mais de um ano no "Institute of Living", sob a direção de Ben Harvey Gottesfeld, não verificamos diferenças ponderáveis entre a técnica lá utilizada e a adotada entre nós. Desejamos, todavia, assinalar o fato de que os choques são terminados, na quase totalidade dos casos, pela administração de uma solução açucarada por via oral ou por "gavage", segundo as circunstâncias, sendo a injeção intravenosa de glicose hipertónica reservada para casos especiais. Terminado o tratamento, é servido farto "breakfast", constante de um copo de suco de fruta, 2 ovos estalados com "bacon" ou presunto, chá ou café com torradas, geléia e manteiga, além de uma compota de fruta. Obedecendo à orientação de Katzenelbogen, nos casos em que a excitação dominava o quadro sintomatológico ou naqueles de esquizofrenia com mutismo, usávamos terminar o tratamento antes do indivíduo atingir o coma, confirmando a experiência o acerto desta conduta. Gottesfeld, observando as modificações mentais durante o tratamento, verifica o tipo de reação ao qual o paciente melhor reage, adotando, então, este tipo de reação como o momento oportuno para interrupção do choque. Quanto ao número de tratamentos, depende ele, naturalmente, da rapidez e da estabilidade da melhora observada. No "Institute of Living", nunca aplicamos mais de 50 tratamentos nem menos de 25. Sendo as terapêuticas de choque consideradas pelo Dr. Burlingame de valor limitado quando aplicadas isoladamente, constituem atribuições de seus auxiliares submeterem os pacientes sob tratamento de Sakel, ou outro qualquer método de choque, a sessões diárias de psicoterapia. Esta, ao lado do concurso valioso de atividades vocacionais, paravocacionais, recreativas, sociais e esportivas, contribui para que os resultados colhidos com a insulinoterapia no tratamento das esquizofrenias sejam bastante favoráveis. As estatísticas de Hartford dão uma percentagem de cura de 55%, resultados que, segundo nos informou Karl Bond, diretor clínico do Pennsylvania Hospital, coincidem com os observados em seu departamento.

Eletrochoque: Este método continua sendo aceito com considerável entusiasmo em todos os meios psiquiátricos americanos. Embora muitos especialistas se mostrem desapontados com os resultados observados em certas psicoses, particularmente esquizofrenias, impôs-se ele como terapêutica preferencial dos estados depressivos. Não menos valioso é o seu concurso no tratamento dos estados de excitação maníaca e episódios agudos da catatonia. São estas as suas indicações no "Institute of Living" e na generalidade dos hospitais americanos. Com relação às psiconeuroses, existe unanimidade de opinião em considerar sua aplicação pouco satisfatória, excepção feita para as depressões psiconeuróticas e neuroses compulsivas e obcessivas, severas e resistentes. Nestes casos, o eletrochoque contribuiria para tornar os pacientes mais acessíveis à psicoterapia.

Em diversos estabelecimentos, vimo-lo aplicado nas síndromes comidáis. Os americanos são acordes em afirmar uma redução na freqüência das crises convulsivas, que se tornam também menos severas. Além disso, os pacientes ficam menos irritadiços, menos violentos, menos confusos, cooperando mais facilmente com a rotina hospitalar e mostrando-se mais interessados no trabalho. Tais observações vieram confirmar as de Paulino Longo e colaboradores, não só com o uso do eletrochoque, como com o da cardiazoloterapia. Em diversas instituições, vimos este método utilizado como meio de modificar a conduta de pacientes que representam problemas de enfermagem, nos casos de manifestas tendências homicidas e suicidas, na sitofobia e no estupor.

Apesar de sua larga difusão e das inúmeras pesquisas realizadas, há, ainda, muitos pontos controvertidos. Existem, entretanto, pelo que nos foi dado observar, certos pontos em que reina a mais absoluta identidade de opinião. Primeiramente, no que diz respeito à necessidade das convulsões para resultados apreciáveis, é negado valor terapêutico às "mised convulsions" ou equivalentes. Nolan Lewis afirma que o efeito terapêutico do eletrochoque não depende da intensidade da corrente, mas sim da convulsão resultante. Tivemos ocasião de acompanhar trabalhos de Gottesfeld, em que ficou cabalmente demonstrada a inutilidade dos equivalentes nas psicoses afetivas e esquizofrênicas. Em suas observações, este autor demonstrou que os pacientes não só não melhoraram, como muitos se tornaram apreensivos e temerosos do tratamento. Em Hartford, como em todos os hospitais onde vimo-lo aplicado, uma corrente suficientemente forte é empregada desde a primeira aplicação e, no caso de não ser provocada a convulsão, um duplo estímulo é aplicado ou um segundo com maior voltagem, e mesmo um terceiro ou quarto, se necessário. Os estímulos são desencadeados com voltagem de 90 a 120 volts num tempo de 2,5 a 5 décimos de segundo. Nolan Lewis é de opinião que a aplicação de repetidos estímulos não determina efeitos desastrosos, nem aumenta a intensidade da convulsão. No St. Elizabeth's Hospital, em Washington, Katzenelbogen recomenda repetir a aplicação somente depois de decorridos 5 minutos da aplicação anterior. É interessante relatar que este pesquisador verificou que as condições atmosféricas influem de modo decisivo no resultado da aplicação da corrente; num dia seco e claro, a convulsão só é obtida com uma corrente muito mais alta do que a necessária para produzir idêntico efeito num dia escuro e úmido. Citamos, de passagem, esta observação sobre a influência dos fatores meteorológicos na aplicação do eletrochoque, em reverência ao espírito inteligente e prático de Paulino Longo, que, há mais de 3 anos, insistiu conosco para comprovarmos observação idêntica que vinha fazendo.

No que diz respeito ao número de convulsões necessárias para resultados favoráveis, acha-se perfeitamente estabelecido que um mínimo de 15 a 20 são requeridas. Naturalmente, este número depende da natureza da moléstia, da duração desta, e também do fato de seu início ter sido súbito ou insidioso. No Institute of Living, no Worcester State Hospital, no Henry Ford Hospital, no Illinois Neuropsychiatric Institute, no New York Psychiatric Institute e outros, são recomendadas 8 a 20 aplicações para as depressões; 20 a 30 para as psicoses de involução com colorido paranoide, esquizofrenias e excitações maníacas. Polatin e Lewis já se utilizaram até de 50 choques em casos de esquizofrenia. Kalinowsky, também grande autoridade no assunto, é de opinião que, se um esquizofrênico não responder favoravelmente a 15 aplicações, será inútil insistir. Foster-Kennedy, ao contrário, julga que não se pode fixar número de tratamentos, devendo estes ser interrompidos somente quando ocorrer melhora apreciável e duradoura; em trabalho recente, cita um caso em que mais de 100 tratamentos foram aplicados. Em visita que fizemos ao Wesley Memorial Hospital, em Chicago, acompanhados pelo Dr. Clarence Neymann, professor da Northwestern University, observamos vários pacientes de sua clínica particular, que haviam sido submetidos a aplicações diárias de eletrochoque, num total de 60 a 70 tratamentos. Neymann acha-se firmemente convencido de que somente com aplicações diárias de eletrochoque e em número suficiente para levar o indivíduo a um estado confuisonal duradouro é que são conseguidos resultados satisfatórios e fica afastada a possibilidade de recidivas. Trata-se, entretanto, de opiniões isoladas e combatidas e que citamos para salientar a relativa segurança do tratamento. Ainda quanto à freqüência, o eletrochoque é administrado usualmente em dias alternados. Nos casos agudos de esquizofrenia ou de psicose maníaco-depressiva, constitui norma do Institute of Living e de outros hospitais aplicar, inicialmente, choques diários por 4 ou 5 dias, seguidos de aplicações tri-semanais. Kalinowsky recomenda, nos casos de exagerada atividade psicomotora, que os primeiros tratamentos sejam aplicados cada 8 horas, seguidos de 2 tratamentos com intervalos de 12 horas, continuando-se, então, com aplicações tri-semanais. É mais ou menos idêntica a técnica de sua aplicação nos diversos hospitais americanos. Os aparelhos utilizados são, em sua maioria, da marca Raham ou Hoffner, ou mesmo de fabricação particular.

No Institute of Living, indicado o eletrochoque e obtida a autorização escrita da família, que é plenamente informada dos riscos inerentes ao tratamento, o paciente é submetido a uma série de exames complementares, como o EEG, o ECG, a radiografia da coluna, exames de urina e de sangue. O tratamento é aplicado num leito comum de ferro esmaltado, colocando-se entre o colchão e o estrado uma tábua de madeira. O paciente é envolto no próprio lençol que cobre o leito. Uma almofada de borracha esponjosa é colocada sob a curvatura fisiológica da coluna. Auxiliares, um de cada lado do leito, com um joelho apoiado na cama, contém as cinturas escapular e pélvica. Um terceiro mantém, firmemente, entre as arcadas dentárias, um protetor de língua, feito de borracha. Somente depois dos auxiliares estarem em seus postos é o estímulo desencadeado, de modo que a contensão é praticada antes do choque; salientamos este detalhe, porquanto era nossa prática conter o paciente só depois de deflagrada a corrente, medida que diziam dever ser adotada para evitar a passagem elétrica pelo coração. Acreditamos não haver razão para este temor, porquanto, durante os 14 meses de permanência no Institute of Living, em que foi aplicada a média diária de 20 choques, num total de quase 7.000 tratamentos, não observando aquela ocorrência. Devemos assinalar também o fato de que apenas dois acidentes de pequena monta, uma fratura linear de vértebra torácica e uma luxação do húmero, foram anotados, com esse tipo de contensão, sendo que o controle de todos os casos se fazia sistematicamente após a conclusão do tratamento, por meio de radiografia da coluna e completo exame ortopédico.

Concluída a série de aplicações, constitui norma da instituição de Hartford observar o paciente por um período de 30 dias, durante o qual é êle submetido a intensa psicoterapia, recebendo também conselhos de higiene mental e tomando parte saliente em inúmeras atividades recreativas, sociais e esportivas. As estatísticas de Hartford assinalam 90% de cura nas formas depressivas da psicose maníaco-depressiva e psicose involutiva. Na forma paranoide desta última entidade, os resultados são muito inferiores. Nas esquizofrenias de início súbito e de duração não maior que 6 meses, os resultados têm sido bastante favoráveis. Os dados fornecidos pelas esquizofrenias, de forma paranoide e outras condições mentais do mesmo colorido, não são de molde a indicar este processo terapêutico. Em tais casos, a preferência recai sobre a insulinoterapia.

Cardiasoloterapia: Trouxemos a impressão de que, ultimamente, este processo terapêutico vem cedendo muito terreno ao eletrochoque. Dentre os 47 hospitais que visitamos, somente em alguns vimos utilizado o método de von Meduna, o que nos leva a pensar que, se não se trata de terapêutica fadada ao desaparecimento, suas indicações têm-se restringido. Mesmo no Instituto Neuropsiquiátrico da Universidade de Illinois, onde pontifica von Meduna, a aplicação do cardiazol parece estar reservada para casos resistentes a outras modalidades terapêuticas. Comentando com von Meduna a pequena aceitação de seu método nos hospitais que havíamos visitado, ao contrário do que assistíamos em nosso meio, onde continuava se mostrando altamente eficaz no tratamento de várias entidades nosográficas, informou-nos aquele professor que, de fato, o cardiazol vinha cedendo terreno ao eletrochoque, mas que tal decorria sobretudo do fato deste último tratamento ser muito mais econômico e de administração muito mais simples. No Institute of Living, entretanto, a cardiazoloterapia continua sendo ainda bastante aplcada, principalmente nas esquizofrenias, nos quadros com colorido paranoide e em certas depressões com tendência à cronicidade. Quanto à contensão, ela é em tudo semelhante à adotada com o eletrochoque. Há, a assinalar, o fato de ser o cardiazol administrado 3 vezes por semana, e não 2, como é de uso corrente em nossos hospitais, as séries variando de 15 a 20 aplicações.

Curare em choqueterapia: Muitos processos têm sido aconselhados para diminuir a incidência de fraturas e de lesões traumáticas resultantes da violenta convulsão induzida pelos tratamentos de choque. Dentre eles, foi o uso do curare o que ofereceu resultados mais satisfatórios. As indicações de seu emprêero são, em geral, limitadas aos casos em que haja evidente comprometimento da estrutura óssea e que, por isso mesmo, têm contra-indicada a convulsoterapia. Entretanto, em dois estabelecimentos. o Henry Ford Hospital (Detroit) e o Pennsylvania Hospital (Philadelphia), vimo-lo usado rotineiramente, antes de todas as aolicacões e em todos os casos, fato que citamos para salientar a segurança de seu emprego, quando aplicado com técnica e dosagem adequadas. No Instituto de Hartford, sen uso é limitado aos casos de portadores de condições ostearticulares que contra-indiquem os métodos convulsivantes. Com Gottesfeld e Deleado nublicamos, no "Digest of Neurology and Psychiatry" de setembro de 1944. um trabalho em que relatamos os resultados de nossa experiência em perto de 300 casos, representando 5.200 tratamentos. Os indivíduos tratados eram portadores de Osteoporose generalizada ou localizada, fraturas consolidadas, escolióse da coluna e osteartrites. Sem atenuar-se a violência da convulsão pelo curare, diminuindo, assim, os efeitos dela resultantes sobre um arcabouço ósseo frágil ou já comprometido, não se teria podido oferecer a tais doentes os benefícios da terapêutica convulsivante.

A técnica que adotávamos é a seguinte: a preparação usada, o "Intocostrin Squibb", é injetada lentamente por via intravenosa. Dentro de 2 minutos, mais ou menos, instalam-se ptose palpebral bilateral e obscurecimento da visão, observando-se, logo em seguida, movimentos nistagmóides dos globos oculares e relaxamento dos músculos da nuca; ocorre, depois, relaxamento dos masseteres. A palavra se torna arrastada, há dificuldade na movimentação dos membros superiores e, finalmente, da musculatura espinal. O aparecimento de dificuldades respiratórias é sinal de evidente comprometimento da musculatura intercostal e diafragmática. O sinal indicativo do momento para a aplicação do choque varia segundo o critério do terapeuta. Muito embora os melhores efeitos da curarização apareçam, geralmente, 2 minutos após a injeção, utilizamo-nos sempre do sinal da nuca, isto é, a impossibilidade do indivíduo levantar a cabeça, como o momento ótimo para desencadear-se o estímulo elétrico ou injetar o cardiazol. A dificuldade em erguer os membros inferiores indica curarização mais profunda.

Os mais dramáticos efeitos da aplicação do curare são representados pela dificuldade respiratória que se segue à convulsão provocada por um dos agentes convulsivos, o que, evidentemente, resulta da ação curarizante sobre a musculatura diafragmática e intercostal. Nestes casos, a administração intravenosa de uma solução 1: 2000 de metilsulfato de prostigmina resolve prontamente a dificuldade.

Em alguns casos, o emprego da respiração artificial se fez necessário, mas nunca houve necessidade de inalações de oxigênio. Em outros, foi necessário manter a língua segura por pinça especial, tão pronunciado era o relaxamento da musculatura lingual.

A dosagem do curare depende não só do peso como do desenvolvimento muscular. A dose geralmente utilizada é de 1 mgr. ou 1 unidade por quilo (cada cc. da solução de Intocostrin é equivalente a 20 mgrs. ou 20 unidades). Gottesfeld recomenda, entretanto, que a dose inicial seja 20 mgrs. menor que a dose requerida. Para obter-se uma curarização gradual e eficaz, o curare deve ser injetado lentamente, em um minuto e meio. Nunca se tornou necessário repetir a administração do Intocostrin quando uma injeção de cardiazol não era seguida de crise convulsiva. Os efeitos da curarização têm duração suficiente para permitir o uso de uma segunda injeção de cardiazol.

Amital sádico ou pentotal sódico em eletrochoqueterapia: Interessante demonstração do emprego do amital sódico e do pentotal sódico foi realizada por Wortis, professor da New York University, e diretor do Departamento de Psiquiatria do Bellevue Hospital. Trata-se da administração intravenosa desses medicamentos 5 a 15 minutos antes da aplicação do eletrochoque, com a finalidade de prevenir a agitação pós-convulsiva e de reduzir a apreensão pelo tratamento, fenômenos não raras vezes observados. Apesar deste processo contar com regular número de adeptos, outros preferem administrar o barbitúrico imediatamente depois do eletrochoque. Assim, evitar-se-á a interferência da droga na provocação da crise convulsiva. Além disto, o paciente, dormindo de meia a uma hora, acordará sem acusar os desagradáveis efeitos resultantes da aplicação. Com Gottesfeld, tivemos ocasião de observar resultados bastante satisfatórios com esta última modalidade de administração.

Desejamos nos referir também aos trabalhos de Matthew Brody, que, levando em conta a resistência e a apreensão pelo tratamento, a difciuldade no controle da agitação pós-convulsiva, assim como os riscos do tratamento, recomenda modificar a crise convulsiva provocada pelo eletrochoque com a administração intravenosa de amital sódico e de curare, minutos antes da aplicação. Primeiramente, uma solução a 2,5% de amital sódico ou de pentotal sódico é administrada durante 30 segundos. Em seguida, sem retirar-se a agulha, é o curare injetado, na dose de 1 mgr. ou 1 unidade por quilo de peso; 2 a 4 minutos depois, é aplicado o eletrochoque. É evidente que tais cuidados, além de eliminarem os inconvenientes acima, oferecem a grande vantagem de simplificar a aplicação do eletrochoque, exigindo um mínimo de assistência e de contensão.

Eletrochoque e Piretoterapia: Outra variante da aplicação do método de Cerletti e Bini, utilizada em alguns hospitais públicos, é a piretoeletrochoqueterapia, que consiste em induzir, por meio do estímulo elétrico, uma convulsão em pacientes com elevação térmica de 39 a 40°C, provocada por um agente piretógeno. Suas indicações são as graves síndromes esquizofrênicas e outros quadros mentais crônicos, nos quais outros métodos terapêuticos tenham agido de modo insatisfatório.

Eletronarcose: Não poderíamos deixar de referir a eletronarcose, novo processo que vem sendo objeto de cuidadosa observação e que consiste na aplicação prolongada da corrente elétrica com o fim de provocar narcose, precedida de crise convulsiva modificada. O aparelho utilizado possui um engenho eletrônico que liberta uma corrente alternada. Por meio de estímulos de intensidade variável, aplicados repetidas cezes, durante 30 a 60 segundos, mantém-se o paciente em narcose durante 7 minutos, recuperando êle a consciência alguns minutos após a interrupção da corrente. A série consta de 15 a 20 tratamentos.

Tratando-se de processo de uso relativamente recente, é cedo ainda para avaliar seus efeitos. Entretanto, dadas as dificuldades de aplicação e os riscos que oferece, acreditâmo-lo fadado a pequena divulgação. Convém ainda referir que estudos experimentais em animais realizados em Worcester mostraram que a eletronarcose provoca modificações na atividade secretora da glândula pituitaria, com hipertrofia da tireóide, das suprarrenais e gônadas.

Narcoanálise: Embora conhecido na Inglaterra desde 1936, quando Horsley apresentou os resultados de suas primeiras observações com o Evipan, foi durante a última guerra, pela necessidade de um meio terapêutico rápido para fazer face ao número crescente de neuroses civis e multares, que este método ganhou toros de cidade. Na Inglaterra, durante a "blitz-krieg" aérea de Londres, Brown utilizou o Evipan para remover estados de ansiedade e analisar amnésias apresentadas por civis. Dois competentes psiquiatras americanos, Roy Grinker e John Spiegel, o empregaram com sucesso; nas monografias "War Neuroses in North Africa" e "Men under stress", descreveram minuciosamente a técnica do emprego do pentotal sódico, fazendo completo relato dos resultados obtidos nas mais variadas formas de neurose. Data dessa época a divulgação do método e a entusiástica aceitação pelas mais ilustres figuras da psiquiatria civil americana. No "Institute of Living", a introdução da narcoanálise deve-se a Gottesfeld, com quem tivemos oportunidade de publicar um trabalho versando seu emprego na anorexia nervosa, ao lado de doses subcomatosas de insulina; este trabalho foi republicado em Arquivos de Neuro-Psiquiatría (S. Paulo), 3: 448, dezembro, 1945.

Quanto à técnica, sabêmo-la do conhecimento de todos os psiquiatras brasileiros, mormente após sua introdução em nosso meio por Joy Arruda e Fernando Bastos, razão suficiente para não nos determos neste ponto. Desejamos, entretanto, tecer ligeiros comentários a respeito da droga de escolha. Grinker e Spiegel são partidários do pentotal sódico, mas a maioria se inclina pelo amital sódico. Durante nossa permanencia nos Estados Unidos, praticâmo-la sempre com a última preparação. Entretanto, aqui chegando, não a encontramos registrada em nosso meio, passando, por tal razão, a nos utilizar do pentotal sódico. Tivemos, assim, oportunidade de estabelecer comparação entre ambas, chegando à conclusão de que o amital oferece sensíveis vantagens sobre o pentotal. Parece-nos aquele menos tóxico e de eliminação mais rápida, uma vez que os pacientes saem do estado narcótico muito mais rapidamente. Além disso, e esta se nos afigura a maior vantagem, sob a ação do amital, o estado hipnagógico se instala gradualmente, ao passo que com o pentotal êle tem lugar abruptamente. Alguns décimos de centímetro cúbico além da dose usual bastam para provocar profundo estado de narcose. Ora, o que temos em mira não é provocar pura e simplesmente o sono, mas sim dilatar ao máximo aquela fase intermediária entre a vigília e o sono, pois é nela que o "rapport" com o paciente é estabelecido, devido a passageiro afrouxamento dos processos inibitórios. Além disso, é nesta fase que se pratica a análise dos conflitos e que os pacientes se mostram em excepcional estado de receptividade, aceitando facilmente as sugestões terapêuticas.

Adeptos entusiastas deste original e interessante método, vimos continuando a praticá-lo. Do que nos tem sido dado observar, julgâmo-lo eficaz no tratamento das neuroses latentes ou ativas, sobretudo daquelas acompanhadas de marcada dependência emocional; das ansiedades com mutismo, estupor ou sintomas regressivos; das amnésias histéricas e acidentes pitiáticos; de neuróticos altamente narcisistas e aparentemente indiferentes a qualquer contacto emocional e que, sob a influência do tratamento, tornam-se expansivos e emocionalmente receptivos. Tê-mo-lo também aplicado em psicóticos resistentes, agressivos ou sitofóbicos que, após a administração do barbitúrico, se mostram mais facilmente controláveis, alimentando-se espontaneamente. Em esquizofrênicos com mutismo ou excitados, a narcoanálise permite analisar o conteúdo alucinatório e delirante, assim como interpretar incoerências, associações bizarras, ecolalias, etc.

Hipnotismo: Nos Estados Unidos, o hipnotismo, que desempenhou relevante papel na medicina do século passado, voltou a ocupar importante lugar entre os demais métodos terapêuticos. Durante a última conflagração, muitos psiquiatras norte-americanos se utilizaram desse processo para o tratamento dos mais variados quadros mórbidos manifestados nas frentes de batalha e na retaguarda. Atualmente, são inúmeros os seus cultores e numerosos os trabalhos publicados anualmente.

Em nosso meio, onde já teve grande voga, volta a ser objeto de estudos do Professor Pacheco e Silva que, reconhecendo seu benéfico efeito em muitos quadros psiquiátricos, tornou-se um de seus mais ardorosos praticantes, conseguindo magníficos resultados na reabilitação de grande número de neuróticos e de etilistas.

Entre os psicanalistas americanos, o hipnotismo desfruta também de muito prestígio. Numa das conferências promovidas pelo Dr. Burlingame, para o corpo médico de seu hospital, Sandor Lorand, professor de psicanálise do New York Psychoanalytical Institute, analisou a posição da hipnose no campo da terapêutica psiquiátrica; como é natural, êle empresta à hipnose interpretação puramente psicanalista.

Penicilina e neurolues: Embora não ignoremos estar o uso da penicilina em neurolues já bastante difundido entre nós, desejamos fazer breves referências a certos trabalhos americanos que tivemos ocasião de acompanhar. Durante a guerra, foram muito estimulados os estudos sobre o emprego da penicilina em neurolues, tendo sido vários os hospitais subvencionados para tal fim pelo Committee on Medical Research of the Office of the Scientific Research and Development. Dentre estes, visitamos o Boston Psychopathic Hospital e o Saint Elizabeth's Hospital (Washington), onde os trabalhos foram entregues às mãos competentes de Harry Solomon e Katzenelbogen, respectivamente.

Solomon repartia seus doentes em três grupos: a um primeiro, administrava penicilina, por via intramuscular, em doses de 50.000 unidades cada 3 horas, durante 15 dias, perfazendo um total de 6 milhões de unidades; um segundo grupo recebia as mesmas doses em combinação com 4 ou 5 acessos febris da malária; um terceiro, em combinação com 20 horas de febre artificial a 40°C. Em todos cs casos, a penicilina era administrada durante os acessos febris, uma vez estar comprovado não exercer ação sobre o plasmódio. Reputamos bastante interessantes as conclusões a que chegou Solomon, para o qual a penicilina, quando administrada isoladamente, somente é eficaz nas manifestações recentes de paralisia geral. Em outros casos desta entidade e na lues cerebral, melhores resultados são obtidos quando sua administração é feita em combinação com a hipertermia pela inoculação da malária ou pela indutotermia. Concluiu, também, que os resultados obtidos com a penicilina em combinação com 4 ou 5 acessos maláricos ou com 20 horas de febre artificial são melhores que os observados com a hipertermia seguida da quimioterapia arsenical. Com relação ao quadro liquórico, Solomon observou redução dos elementos celulares, rápida queda das proteínas ao normal e tendência gradual à negatividade da reação de Wassermann.

Estrogenoterapia: Apenas algumas palavras sobre esta modalidade terapêutica, da qual Burlingame é entusiasta, sobretudo no tratamento das formas depressivas das psicoses de involução. Tratando-se de processo bastante difundido no Institute of Living, tivemos ocasião de praticá-lo em inúmeros casos. Entretanto, a percentagem de cura observada alcançou apenas 60%, bastante inferior à obtida no mesmo hohspital em casos dessa natureza tratados pelo eletrochoque. Por esta razão, e por tratar-se de terapêutica demorada e dispendiosa, não formamos entre seus adeptos.

Ãcido glutâmico e epilepsia: O problema da epilepsia assume nos Estados Unidos enormes proporções, uma vez que existem no país cerca de 700.000 comiciais. Esta cifra talvez justifique o grande interesse dos pesquisadores que, desde 1937, vêm empreendendo árduos e cuidadosos estudos em busca de novos agentes antiepilépticos. Epelin foi o primeiro fruto dessas pesquisas e, mais recentemente, o ácido glutâmico. Após exaustivos trabalhos em busca de um meio de combate ào pequeno mal, Price, Putnam e Waeisch, do Neurological Institute de New York, verificaram que o ácido glutâmico reduz a freqüência dos ataques. No " Institute of Living" não tivemos oportunidade de empregá-lo, porquanto suas normas hospitalares não permitem a admissão de comiciais. Entretanto, especialistas do Instituto Neuropsiquiátrico da Universidade de Illinois e do Instituto Neurológico de New York, onde esta preparação tem seu uso bastante vulgarizado, afirmaram-nos que a administração do ácido glutâmico em combinação com o Epelin, além de promover acentuada melhora na conduta, beneficia altamente 70% dos portadores do pequeno mal, fato, aliás, já confirmado entre nós. Segundo Putnam, esta substância não exerce efeito sobre o grande mal epiléptico, podendo mesmo provocar a crise quando administrada isoladamente. Os novos métodos de investigação desenvolvidos durante as pesquisas sobre o Epelin e o ácido glutâmico deram em resultado um outro grupo de substâncias muito promissoras, que se acham ainda na fase clínica experimental. Dentre estas, podemos citar a Tridione, já conhecida em nosso meio, composto organossintético que parece exercer destacado efeito sobre os casos de pequeno mal, quando administrado na dose de 1,5 a 3,0 gramas diárias.

Epelin nas psicoses não epilépticas: Kalinowsky e Putnam advogam o uso de Epelin em psicóticos refratários a outras terapêuticas. Em diversos estabelecimentos hospitalares, tivemos ooprtunidade de observar numerosos esquizofrênicos, paralíticos gerais, maníacos e senis, nos quais a dose de 3 a 7 cápsulas diárias promoveu acentuada modificação na conduta, tornando-se mais facilmente controláveis e mais ajustados à rotina hospitalar. Segundo Polatin, o Epelin é absolutamente ineficaz nas formas depressivas da psicose involutiva, nas condições paranóides e nas desordens mentais oriundas da arteriosclerose cerebral.

Leucotomia: O método de Egas Moniz é bastante difundido nos Estados Unidos, em sua técnica modificada por Freeman e Watts. O critério para a seleção de casos, além de levar em conta a duração da moléstia e o insucesso obtido com outros métodos, reside em persistente tensão emotiva traduzida por irritabilidade, fúria ou medo, ou presença de insônia, inquietude, agressividade, destrutibilidade e conduta impulsiva. É opinião geral que esquizofrênicos excitados, resistentes, destruidores ou agressivos são, geralmente, mais beneficiados que os apáticos e dotados de exagerada passividade. O, "Institute of Living" foi o primeiro hospital de seu gênero a oferecer ampla assistência pós-operatória a pacientes submetidos à lobotomia de Freeman-Watts. Após a intervenção, um completo programa de reducação e de ressocialização é executado, graças ao admirável aparelhamento de que dispõe, ocorrendo, não raras vezes, satisfatória reabilitação. Através do treinamento vocacoinal, da vida em uma comunidade plena de atividades sociais e recreativas, o doente vai, gradualmente, aprendendo a resolver seus problemas individuais e a controlar suas emoções.

O Problema dos agitados: Chama a atenção de quem visita os hospitais americanos, a conduta nos casos de agitação psicomotora. Embora tenhamos observado em alguns estabelecimentos, felizmente poucos, o aspecto desagradável, anacrônico e condenável da camisa de força, métodos fisioterápicos são adotados pela maioria. Pouco dados à prática de injeções, somente em casos excepcionais lançam mão de administração parenteral de barbitúricos ou de piretógenos, dando preferência aos processos fisioterápicos, como os banhos contínuos e os "wet sheet packs". Quase todos os hospitais que visitamos dispõem de amplas e confortáveis instalações para a administração dos banhos contínuos, à temperatura de 32 a 36°C e que se prolongam por 8 a 12 horas. Quanto aos "wet sheet packs", envoltórios úmidos considerados por muitos como o ideal no controle de agitados, não apreciamos sua prática, por considerá-la uma modalidade de contensão.

Psicoterapia em grupo: Com quase um terço de seus profissionais habilitados chamados a atender às exigências da última guerra, os hospitais psiquiátricos americanos, diante da escassez de pessoal habilitado e do número sempre crescente de admissões, viram-se na contingência de pôr de lado o tratamento individual, para substituí-lo pelo tratamento em grupo, que, permitindo o emprego de uma psicoterapia racional a grande número de pacientes, resulta em apreciável economia de tempo. Em estabelecimentos civis e militares tivemos oportunidade de vê-la entusiasticamente adotada entre psiconeuróticos e convalescentes de psicoses. Verificando tratar-se de processo altamente eficaz, de técnica simples e que merece ser divulgada, julgamos proveitoso descrever rapidamente o que observamos em várias sessões a que comparecemos.

São organizados grupos de 20 a 30 doentes, que se reúnem 3 vezes por semana, pelo espaço de 1 hora, durante 1 ou 2 meses. As sessões nos pareceram despidas de qualquer formalidade, envidando o psiquiatra todos os esforços para que os participantes do grupo sintam-se inteiramente à vontade, para poderem tratar livremente de seus problemas. Nas primeiras reuniões, cada elemento do grupo é convidado a fazer minucioso relato das circunstâncias que acomnanharam a instalação dos sintomas. Os extrovertidos são argüidos em primeiro lugar, seguindo-se-lhes os mais tímidos e retraídos. Depois, em linguagem muito simples, o terapeuta analisa noções elementares de anatomia e fisiología do sistema nervoso, e, por meio de pranchas e diapostiivos. considera as relações entre este sistema e os diversos órgãos da economia. São igualmente objeto de sua atenção o aspecto psicossomático das doenças, salientando-se também o papel desempenhado pelas emoções. Em reuniões posteriores, novas noções elementares dos princípios que regem a psicodinâmica e a psicoterapia são administradas. Terminada a exposição, é estimulada a discussão sobre os vários pontos abordados, procurando-se dar respostas claras a todas as perguntas. Antes de terminar a sessão, cada paciente relata os progressos clínicos observados. Encerrando a reunião, o psiquiatra recomenda princípios de higiene mental, a necessidade do desenvolvimento do interesse pelas atividades hospitalares, ensinando-lhes, ainda, como planejar as atividades diárias e como combater a fadiga. Tivemos a impressão de que, além de contribuir para o desenvolvimento da sociabilidade, de fortalecer a unidade do grupo, estabelecendo mesmo certo grau de competência entre os vários agrupamentos, este método concorre sensivelmente para atenuar sentimentos de inferioridade e de insegurança, desenvolvendo também a autoconfiança, o otimismo e o espírito de cooperação.

A introdução e a aplicação intensiva da psicoterapia em grupo em hospitais mantidos pelo Estado, deve-se a Ira Altschuler, que desempenhou o cargo de psicoterapeuta do Eloise Hospital (Michigan), uma das maiores organizações hospitalares públicas dos Estados Unidos. Em 1938, rebelando-se contra as normas até então adotadas nos hospitais públicos e pondo de lado a terapêutica individual, impraticável num hospital de Estado, onde cada médico tem, habitualmente, sob seus cuidados 150 a 200 doentes, Altschuler iniciou a prática da psicoterapia em grupo. Seu método consiste na organização de pequenos grupos de 35 a 40 doentes, que se reúnem diariamente. Vários fatores são considerados na organização do grupo, como a idade, o tempo de hospitalização, o quociente intelectual, o nível cultural, assim como as percentagens das várias psicoses e das nacionalidades representadas. Na aplicação do método, Altschuler, que há muito se dedica à psicanálise, emprega normas psicanalíticas, afirmando tratar-se de uma psicanálise em grupo, onde a catarse mental, a transferencia e a substituição desempenham papel preponderante. Assistimos a algumas sessões, que têm lugar nas enfermarias e são dirigidas pelo próprio Altschuler, com a colaboração de enfermeiras, educadoras sociais, psicólogos e instrutores de música.

Inicialmente, cada participante recebe um par de pequenos pedaços de madeira. Uma marcha é executada ao piano, enquanto o instrutor, batendo um no outro os dois pedaços de madeira, segue o compasso da música, convidando todos os pacientes a imitá-lo. Os mais indiferentes são assistidos por enfermeiros e, assim, algum tempo depois, reunem-se à maioria. Este primeiro passo tem por finalidade, como explicou Altschuler, despertar e manter desperta a atenção. Em seguida, é o Hino Nacional executado e entoado por vários participantes do grupo. Um deles, em seguida, é convidado a cantar uma canção popular. Outro, encorajado pelo exemplo, a êle se junta. Após 30 minutos de música, em que a esfera emocional é estimulada, seguem-se outros tantos dispendidos em atividades intelectuais. Tendo em mira conservá-los em contacto com a realidade, um dos instrutores lê um sumário das notícias diárias sobre acontecimentos mundiais e outros fatos de interesse geral. Problemas com relação à vida dos presentes são abordados, assim como as altas e transferências para enfermarias de convalescentes. Em seguida, tem lugar o que Altschuler chama de "treinamento moral e ético". Sob a orientação do psicoterapeuta, é lido um trecho de história cuidadosamente selecionado e que contenha uma idéia que possa ser objeto de discussão.

O propósito de abrir a sessão com música é estabelecer o bom humor e tornar o ambiente mais alegre e menos retraído. Os convalescentes se reúnem cada dois dias, em grupos de 10 a 15, para discussão de seus problemas e buscar para eles uma solução. O terapeuta ministra, então, a adequada psicoterapia. A discussão de cada caso tem por fim fazer com que cada um aprenda a dar valor aos problemas alheios e verificar que existem outros similares ou mais sérios, como também fazer com que cada um se sugestione com a melhora relatada pelo companheiro. Altschuler obriga o comparecimento dos enfermeiros a todas as sessões, para que se coloquem ao par das dificuldades de seus pacientes e para que sejam possíveis continuadores da psicoterapia iniciada pelo médico. Do que nos foi dado observar, concluímos serem bastante apreciáveis os resultados obtidos por Altschuler. Seu método pareceu-nos estabelecer, de fato, um ambiente de cordialidade entre os componentes do grupo, encorajando os retraídos a participarem de suas atividades, combatendo-se, portanto, a tendência ao isolamento de muitos. Além diso, observa-se acentuada modificação na atitude, com desenvolvimentos da confiança própria e do hábito do trabalho.

Reabilitação do ex-combatente portador de distúrbios psíquicos: Não poderemos deixar de lado este problema, pois, em múltiplos aspectos, êle se tornou de interesse universal. Foi dos mais relevantes o papel desempenhado pela psiquiatria americana durante a última conflagração. Ao iniciar-se a mobiilzação geral americana, mais de 1.000 especialistas foram chamados a colaborar no serviço de seleção de recrutas, enquanto outros tantos foram incumbidos de estudar os diferentes problemas clínicos, terapêuticos, psicológicos e sociais relacionados com a guerra.

Diante da alta incidência de rejeições e de baixas motivadas por distúrbios mentais, o problema de reabilitação dos portadores de tais desordens assumiu importância considerável. Se, na verdade, poucos foram os casos de neurose e de psicose devidas unicamente à guerra, notável foi, entretanto, o número de observações dessa natureza manifestados nos campos de batalha. Segundo estimativas do Exército e da Marinha dos Estados Unidos, tais casos representaram 40% do total geral das baixas, calculando-se, aproximadamente, em 1 milhão o número de militares portadores de problemas psiquiátricos, cifra que veio representar, sem dúvida alguma, enorme sobrecarga para os 4.000 médicos que praticam a psiquiatria na terra americana.

Dentre as organizações americanas estabelecidas com a finalidade de reabilitar veteranos, a mais conhecida e que mais se tem distinguido é a Veterans Administration, possuindo centros de reabilitação disseminados por todo o país. São seus propósitos, além da internação de indivíduos necessitados de cuidados hospitalares, prestar assistência adequada a todos aqueles que manifestem dificuldades na transição da vida militar para a civil e que, por isso mesmo, se mostrem incapacitados de retornar ao convívio social. Ao lado desta grande instituição, muitos estabelecimentos hospitalares, gerais e psiquiátricos, têm tomado a si a tarefa de estabelecer centros de reabilitação, entregando sua direção a especialistas de renome. Tais clínicas, tendo em vista suas altas finalidades, não se limitam a préster cuidados puramente médicos, sendo, antes, a um tempo, hospitais, clubes e verdadeiras escolas de reeducação. Além de psiquiatras, empenha-se na reabilitação física e psicológica, número não pequeno de psicólogos, educadores sociais, fisioterapeutas, instrutores de esporte e de orientação profissional. Concluída a tarefa de reabilitação social, o problema do reemprêgo passa a ser encarado. Cabe ao U. S. Employment a maior responsabilidade na recolocação de ex-combatentes. Com o fim de conseguir colocação para todos os veteranos, excepção daqueles que desejem reassumir suas antigas funções, cada unidade do U. S. Employment conta com a colaboração de um agente da Veterans Employment Service, secção da Veterans Administration. A lei faculta aos ex-combatentes absoluta prioridade. Completando tão magna tarefa, educadoras sociais encarregam-se de investigar as condições de trabalho, acompanhando por certo tempo o reajustamento na vida civil.

Ficamos particularmente impressionados pelo Veterans Administration Center de Chicago, sob a direção de Albert Solomon, professor-adjunto da Universidade de Illinois, que nos pôs inteiramente ao par da orientação terapêutica do estabelecimento que dirige. Dispondo de inegualável aparelhamento, seu programa de assistência compõe-se de trabalhos educativos e ocupacionais os mais diversos, ao lado de intensa atividade social, recreativa e esportiva, elementos que, desejamos mais uma vez repetir, encontramos extraordinariamente desenvolvidos nas instituições psiquiátricas americanas, o que bem atesta a importância que se lhes atribui no tratamento das desordens mentais.

Solomon utiliza-se também da psicoterapia em grupo; há muitos anos membro do Instituto de Psicanálise de Chicago, emprestando-lhe orientação psicanalítica. Além disso, com a finalidade de uma análise mais profunda da psicodinâmica das neuroses, faz realizar, na presença de todo o grupo, o psicodrama, método de investigação também usado em Washington, no Saint Elizabeth's Hospital. Consiste êle na representação dramática de certos fatos colhidos na história clínica, como dificuldades de ajustamento, sonhos e manifestações de distúrbios da conduta, que se afigurem de importância na psicodinâmica da neurose em análise. No psicodrama. o paciente, desempenhando o papel de ator principal, adquire melhor compreensão de seus problemas, ao viver, por assim dizer, suas próprias dificuldades. No fim da sessão, Solomon dá interpretação psicanalítica a tudo quanto foi representado, procedendo também à adequada psicoterapia. É interessante notar o concurso gracioso de profissionais do teatro e do rádio, no desempenho dos diversos papéis relacionados com o representado pelo paciente.

Forçoso é convir na dificuldade de um relato, embora resumido, de impressões de um estágio de 18 meses, colhidas num país onde nossa especialidade se encontra, sob todos os prismas, tão desenvolvida. Limitamo-nos, nesta palestra, a transmitir alguns dos aspectos que mais nos impressionaram. Não é necessário ressaltar a importância do intercâmbio científico entre nossos países. Uma visita, pois, a uma nação onde a psiquiatria impressiona pelo elevado nível científico, é oportunidade magnífica que a todos desejamos.

Conferência pronunciada na Secção de Neuropsiquiatria da Associação Paulista de Medicina, a 5 novembro 1946. Entregue para publicação em 10 janeiro 1947.

R. Albuquerque Lins, 1170 - São Paulo

  • Aspectos práticos da psiquiatria norte-americana

    Amando Caiuby Novaes
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1947
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