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The Psycho-Analytical Treatment of Children. Anna Freud

ANÁLISES DE LIVROS

The Psycho-Analytical Treatment of Children. Anna Freud. Imago Publishing Company, Ltd., London, 1946

Ana Freud, filha de Sigmund Freud, logo no início de sua carreira dedicou-se à psicanálise de crianças. Como membro da Sociedade Psicanalítica de Viena, também desempenhou vários trabalhos orientando clínicas de crianças, fazendo conferências a professoras e com o fim de aplicar os conhecimentos da psicanálise à educação. Em 1938, quando a Áustria caiu sob o poder nazista, seguiu para Londres com seu pai, onde até hoje continua o seu trabalho.

A 1.a parte deste livro compõe-se de quatro conferências, realizadas em 1926, no Instituto de Psicanálise de Viena. Nelas, a autora explica o seu método e técnica de trabalhar com crianças, observa as diferenças entre neurose de adulto e de crianças, e ressalta as mudanças resultantes no tratamento. A 2.ª parte, na qual amplia levemente o material das conferências anteriores, é um trabalho que foi apresentado no Décimo Congresso Internacional de Psicanálise, em Innsbruck, em 1927. A 3.ª parte mostra o progresso das mudanças feitas nos últimos 19 anos na avaliação da neurose infantil e explica quando a análise deve ser indicada.

No início, a psicanálise infantil encontrou resistência geral ao reconhecimento da vida sexual infantil e do seu papel na origem da neurose, da mesma forma que a psicanálise de adultos. Encontrou, também, mesmo entre analistas, o medo de que, nas crianças, as tendências instintivas livres de repressão pudessem chegar a expansão desenfreada. Contudo, o trabalho contínuo com crianças veio demonstrar, de forma irrefutável, a existência da vida sexual infantil e seu papel na origem das neuroses, e provar que o medo da imoralidade não tinha fundamento.

As análises de crianças muito cedo evidenciaram ser diferentes das de adultos, por vários motivos. O adulto vai procurar a análise por vontade própria, porque está sofrendo, porque tem confiança na análise e sente que o analista poderá ajudá-lo. A criança é geralmente levada pelos pais. quase não tem consciência de sua doença e o ambiente sofre mais com a sua conduta do que ela própria. Para uma cura ser bem sucedida, é preciso dar à criança compreensão, inspirar confiança e despertar o desejo de curar-se, como no adulto. Ana Freud faz isso antes de começar pròpriamente a análise, numa fase de introdução, tornando-se para a criança uma pessoa interessante, poderosa e da qual a criança sente que necessita. Sabendo que a criança progride somente nos momentos de transferência positiva, ela se esforça para estabelecer, no início, uma relação emocional definida com a criança. Desde que se torna uma exigência esperar que a criança colabore com um estranho, ela, primeiramente, promete uma cura, aliando-se com a criança contra o ambiente.

Dos meios usados em análises de adultos (lembranças de fatos importantes, interpretação de sonhos, livre associação de idéias, transferência), apenas a interpretação de sonhos pode ser usada com a criança, porque: 1) a criança está tão interessada no presente, que a sua memória, sem auxílio, não poderá voltar-se para o passado; 2) a criança não sabe avaliar comparativamente a sua conduta, não sabe quando começa a diferenciar-se dos outros e não sente a imposição de tarefas a si própria; assim, não tem critério para julgar suas falhas; 3) a criança recusa-se a fazer a associação; 4) a criança não pode, no sentido do termo, fornecer uma neurose de transferência; primeiro, porque os seus objetos de amor primitivo ainda existem e continuam atuando, de modo que o analista terá que participar do amor e do ódio da criança para com eles: segundo, porque o analista não é uma sombra nebulosa ou um espêlho, como é para o adulto, mas uma pessoa de interêsse e utilidade; também, pelo fato de que o analista age como educador e serve de ideal do ego quando as tendências recalcadas da criança ficam livres de repressão, havendo, aí, o problema do que fazer com elas. As interpretações dos sonhos torna-se, contudo, importante instrumento. As crianças gostam de seguir os elementos do sonho e parecem apreender fàcilmente a técnica da formação do sonho e sua significação. A interpretação dos devaneios, que se encontra em todas as crianças, é de grande auxílio. Como técnica auxiliar, Ana Freud usa a interpretação de desenhos feitos durante a sessão analítica.

A diferença mais importante entre análise de adultos e de crianças está no fato de que o mundo exterior afeta o mecanismo das neuroses e análises infantis mais do que no adulto. A neurose de adulto é questão interna e na análise só há duas pessoas envolvidas, o analista e ele próprio. Na criança, apesar da neurose ser uma parte interna, a compreensão da doença vem através dos pais e, na situação de transferência, o analista precisa compartilhar das reações de amor e ódio com os objetos dêsses sentimentos que são os pais. O mundo exterior age, ainda, em constante relação com o super-ego infantil e com os objetos dos quais se origina. O super-ego do adulto já está bem formado; deve sua origem à identificação com os pais e à introjeção de suas ordens; é inacessível à razão e não é afetado pelo mundo exterior. Nas crianças, o super-ego não está estabelecido independentemente: age sòmente por causa dos pais e oscila com as alterações das relações da criança com eles ou quando eles mesmos mudam de atitude. Como conseq&uumlência, o trabalho do analista torna-se, não só análise, mas educação, file modifica a relação com os pais, cria novas impressões e revê as exigências feitas pelo mundo exterior sobre a criança. Deve também orientar os instintos emancipados, à medida que se tornam livres de repressão, e chamar a si o direito de orientar; em outras palavras, torna-se o ideal do ego.

Dessa grande diferença entre análises de adultos e de crianças surgem idéias diferentes sobre técnica. Melanie Klein, primeiro em Berlim, atualmente em Londres, tem procurado substituir a incapacidade da criança de associar, pela interpretação simbólica de sua atividade nos brinquedos fornecidos pelo analista durante a sessão analítica, considera a atividade da criança nos brinquedos equivalente à livre associação do adulto e acompanha-a com interpretações que, por sua vez, influenciam a criança. Também considera as reações da criança em relação a ela durante a hora analítica, como material simbólico. Com êsse seu método é capaz de trabalhar com crianças desde tenra idade, mesmo antes de começarem a falar. Ana Freud concentra sua atenção nas neuroses dos períodos do Édino e de latência. Acha que as interpretações de Melanie Klein não são válidas, desde que não entrem em colaboração com a criança, e que são rígidas, como toda interpretação simbólica. Não considera que a atividade nos brinquedos seja eq&uumlivalente à associação livre do adulto, pois que a criança não está sujeita à finalidade de tornar-se curada pela análise, como o adulto; nem são também válidas as interpretações de suas reações pelo analista, desde que a criança não se acha numa situação de transferência.

Outra grande diferença entre ambas gira em torno do problema de quando a análise é indicada à criança. Melanie Klein e os analistas inglêses de crianças consideram que todas as crianças passam por fases de conduta anormal e que o seu desenvolvimento normal futuro pode ser protegido pela análise, e esta torna-se uma parte de sua educação. Ana Freud acha nue a análise deve ser restrita aos casos graves. Nos outros casos, pensa que a aplicação dos conhecimentos de psicanálise à educação e implantação de hábitos seja suficiente. No adulto, a escolha depende do grau de sofrimento infligido pelos sintomas neuróticos, de sua capacidade de amor ao objeto, de sua habilidade para o trabalho. Na criança, o sofrimento neurótico não é fator decisivo, desde que a criança geralmente sofre através das reações de seus pais. A sua capacidade de amar o objeto pode ser medida apenas pelos impulsos libidinosos dirigidos ao mundo exterior contra suas tendências narcísicas e, na criança, a capacidade de trabalho do adulto não encontra eq&uumlivalente. A neurose infantil, portanto, não pode ser julgada pelos danos causados à sua atividade e atitude, mas só pelo estado de desenvolvimento da libido.

Os limites da idade para organização pré-genital da libido são hoje mais ou menos conhecidos. Há amplas variações e há transvariações extensas, mas, se a grandeza da libido atinge a organização apropriada à idade, se todos os componentes dos instintos estão presentes, a normalidade pode ser assumida. Muitas vezes há uma fixação transitória da libido, que desaparece com a próxima etapa da mesma. Somente quando a libido aparece retardada e rígida é que o tratamento é indicado.

É também possível avaliar a gravidade da neurose infantil pelos danos causados ao ego. A neurose infantil pode afetar o ego, quantitativamente, por exemplo, em referência aos instintos que tornam fixa e rígida, em vez de fluida - o que permite o bom desenvolvimento da personalidade - a relação entre ego e id. Pode afetar o ego, qualitativamente, pelo uso excessivo de um ou mais mecanismos de ego-defesa: negação, repressão, reação de formação, fantasias, projeção, introjeção. Êsse método de diagnóstico, nota Ana Freud, significa que o psicanalista de criança precisa estar familiarizado com o desenvolvimento normal, como também com o anormal, da criança. Acha que não se obtém muito auxílio dos vários testes mentais na prática atual, devido às lacunas dos dados obtidos por eles. Tem mais confiança no método trabalhoso, demorado, tacteante, da abordagem individual.

Um livro da pena de um Freud é, naturalmente, uma contribuição bem recebida pela literatura psicanalítica, mas, ao lado do nome da autora, esse livro tem muito para ser recomendado. A informação é pormenorizada, ilustrada com histórias de casos da própria experiência da autora e apresentada em estilo simples e claro, que permite a compreensão suave do material.

Margaret Jones Gill

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1949
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