Resumos
Vários materiais são utilizados para ocluir os orifícios de trepanação em neurocirurgia, por motivos variados: para evitar fístula liquórica após trepanações, para auxiliar a fixação do "flap" ósseo e por motivos estéticos, na região frontal. Dentre estes materiais citamos os heterólogos (botões de silicone, miniplacas de metal, cera de osso, metilmetacrilato, gelfoam, cimento de polímero vegetal, cerâmica de hidroxiapatita), e os autólogos (pó de osso originado da trepanação, gordura, músculo, aponeurose). Os materiais heterólogos ou sintéticos podem provocar reação de corpo estranho com erosão da pele e exposição do material, tornando necessária sua retirada, em tempo variável no pós-operatório. Há cerca de três anos, o autor vem utilizando um botão ou "plug" ósseo autólogo, feito com surgicel e o pó de osso proveniente da trepanação, com bom resultado estético eliminando as desconfortáveis depressões cranianas pós-trepanação. Apresentamos a técnica de confecção deste prático `plug ósseo autólogo'. Nas neuroendoscopias, praticamente sanou-se o problema da fístula liquórica e reação de corpo estranho. Encorajamos a utilização deste botão ósseo autólogo em nosso meio, como método eficiente, econômico e biologicamente aceitável para ocluir orifícios cranianos de trepanação.
trepanação; fístula liquórica; reação tipo corpo estranho; botão ósseo autólogo
Many neurosurgical procedures can be performed by a single burr hole: neuroendoscopy, microvascular decompression, stereotactic procedures, chronic subdural haematomas. It is technically difficult to suture and close the dura, located at the bottom of such holes, which can lately lead to CSF leakage. On the other hand, the surgical material used to seal the burr holes can be divided in heterogenic (metal screws, silicon plugs, gelfoam, bone wax, metilmetacrilate, hidroxiapatite), and autogenic (fat, aponeurosis, muscle, and bone dust from trephination). The heterogenic group always brings the possibility of foreign body reaction, which can complicate the procedure lately, ensuing a new surgical procedure to clean up the area. It also favors infection. We present a simple, economic, and biologically compatible "autogenic bone plug" to seal burr holes using the bone dust from the original trephination packed with surgicel. The incidence of CSF fistulae on that procedures performed by a single burr hole lowered to almost zero, and foreign body reaction was not observed to present.
trephination; CSF fistulae; foreign body reaction; autogenic bone plug
JOSUÉ GUIMARÃES GRANHA VIALOGO*
RESUMO - Vários materiais são utilizados para ocluir os orifícios de trepanação em neurocirurgia, por motivos variados: para evitar fístula liquórica após trepanações, para auxiliar a fixação do "flap" ósseo e por motivos estéticos, na região frontal. Dentre estes materiais citamos os heterólogos (botões de silicone, miniplacas de metal, cera de osso, metilmetacrilato, gelfoam, cimento de polímero vegetal, cerâmica de hidroxiapatita), e os autólogos (pó de osso originado da trepanação, gordura, músculo, aponeurose). Os materiais heterólogos ou sintéticos podem provocar reação de corpo estranho com erosão da pele e exposição do material, tornando necessária sua retirada, em tempo variável no pós-operatório. Há cerca de três anos, o autor vem utilizando um botão ou "plug" ósseo autólogo, feito com surgicel e o pó de osso proveniente da trepanação, com bom resultado estético eliminando as desconfortáveis depressões cranianas pós-trepanação. Apresentamos a técnica de confecção deste prático `plug ósseo autólogo'. Nas neuroendoscopias, praticamente sanou-se o problema da fístula liquórica e reação de corpo estranho. Encorajamos a utilização deste botão ósseo autólogo em nosso meio, como método eficiente, econômico e biologicamente aceitável para ocluir orifícios cranianos de trepanação.
PALAVRAS-CHAVES: trepanação, fístula liquórica, reação tipo corpo estranho, botão ósseo autólogo.
Autogenic bone plug to seal burr holes: technical note.
ABSTRACT - Many neurosurgical procedures can be performed by a single burr hole: neuroendoscopy, microvascular decompression, stereotactic procedures, chronic subdural haematomas. It is technically difficult to suture and close the dura, located at the bottom of such holes, which can lately lead to CSF leakage. On the other hand, the surgical material used to seal the burr holes can be divided in heterogenic (metal screws, silicon plugs, gelfoam, bone wax, metilmetacrilate, hidroxiapatite), and autogenic (fat, aponeurosis, muscle, and bone dust from trephination). The heterogenic group always brings the possibility of foreign body reaction, which can complicate the procedure lately, ensuing a new surgical procedure to clean up the area. It also favors infection. We present a simple, economic, and biologically compatible "autogenic bone plug" to seal burr holes using the bone dust from the original trephination packed with surgicel. The incidence of CSF fistulae on that procedures performed by a single burr hole lowered to almost zero, and foreign body reaction was not observed to present.
KEY WORDS: trephination, CSF fistulae, foreign body reaction, autogenic bone plug.
Muitos procedimentos neurocirúrgicos podem ser realizados através de orifício de trepanação (terceiro ventriculostomia endoscópica, drenagem de hematoma subdurais, propedêutica neurocirúrgica, descompressão microvascular, cirurgias estereotáticas). Nas craniotomias frontais, a retração cicatricial do couro cabeludo pode provocar deformidade aparente na fronte (`buraco na testa', literalmente), levando a desconforto estético tanto ao paciente e como ao próprio neurocirurgião.
Nas trepanações isoladas, tecnicamente existe dificuldade para suturar e fechar a dura-máter., localizada no fundo de um orifício pequeno, o que favorece o escape de líquido cefalorraquidiano LCR e fistula liquórica1,2. Várias técnincas e materiais são utilizados para ocluir este orifícios de trepanação2,3. Os materiais podem ser divididos em autólogos e heterólogos.
Dentre os heterólogos, citamos: miniplacas e parafusos de metal, cera para osso, gelfoam, metilmetacrilato, botão de silicone, cerâmica de hidroxiapatita2, entre outros, fornecidos por diversos fabricantes. Na experiência do autor, houve reação de corpo estranho ao gelfoam, ao metilmetacrilato e até aos botões de silicone, que exigiram desde a utilização de corticóides até reintervenção para limpeza e retirada deles, em tempo variável no pós-operatório.
Dentre os autólogos, podemos citar: músculo, aponeurose, periosteo, gordura, e a própria apara ou pó de osso, recolhido no início do procedimento. Há cerca de três anos passamos a utilizar o pó de osso, proveniente da trepanação, envolto e moldado em tirar de surgicel, fazendo um "plug" ou botão, que a seguir é introduzido no orifício.
Utilizamos esse botão para vedar orifício de trepanação em geral, como os de craniotomias em região frontal, e os orifícios para neuroendoscopias, hematomas subdurais, descompressão vascular do trigêmeo, entre outras. Utilizamos o método praticamente em todas as nossas cirurgias, substituindo a utilização dos materiais autólogos e heterólogos supracitados. Até o momento, não observamos reações adversas. Nas craniotomias frontais, o resultado estético foi bastante satisfatório, reduzindo a retração cicatricial dos orifícios.
Funcionalmente, oclusão total do orifício foi obtida e o índice de fistula liquórica nas endoscopias, e outros procedimentos feitos por apenas um orifício de trepanação, foi reduzido a zero. Relatamos essa técnica.
TÉCNICA
Durante a trepanação, utilizamos soro fisiológico para esfriar a ponta da broca, pneumática ou elétrica, e para umidificar o pó de osso, de modo a torná-lo facilmente recolhido do local. A irrigação deve ser adequada: se for insuficiente, haverá liberação de calor, provocando necrose óssea e perda da vitalidade e viabilidade do material. O super aquecimento pode ser prontamente reconhecido pelo cheiro característico durante a brocagem e pelo aspecto amarelo ou enegrecido do pó de osso.
A utilização desse material ósseo, desvitalizado pelo aquecimento, para tentar ocluir os orifícios, é que pode predispor a infecção e/ou reabsorção no pós-oepratório (Centro de Treinamento de Mídas Rex, Fort Worth, TX, USA, 1995 - comunicação pessoal).
O excesso de irrigação também deve ser evitado, pois os fragmentos escorrem junto com o soro para fora da área, muito diluído, dificultando o recolhimento, além de entrar em contato com o couro cabeludo, potencialmente contaminado.
O pó de osso, devidamente irrigado, torna-se umidificado e com "ponto de pasta", e é cuidadosamente recolhido em uma cuba separada. A seguir, acrescentamos um antibiótico (gentamicina 80mg, amicacina 250mg, ou rifocina 150mg) e deixamos em local separado até ser reutilizado.
No final da cirurgia, rapidamente, utilizamos o pó de osso e tiras de surgicel para fazer o botão ósseo autólogo. A quantidade de pó de osso e o tamanho de surgicel variam de caso para caso. Geralmente, utilizamos o tamanho 5x7 cm, mas peças de surgicel 12mm x 10mm dispostas em cruz, também são adequadas. O botão ósseo é preparado sobre uma compressa pequena que ajuda a absorver o excesso de líquido, tornando o "plug" mais compacto e com uma consistência mais fácil de trabalhar.
Primeiramente, o surgicel é estendido inteiro sobre a compressa e, a seguir, de acordo com a estimativa do neurocirurgião, uma quantidade adequada de pó de osso é colocada no centro. Com o dissector de Davis, molda-se um "plug" cilindríco (1,5 cm de largura x 1,5 cm de altura), suficiente para caber no orifício. É possível fazer mais de um "plug", dependendo da necessidade do cirurgião e da quantidade de pó de osso disponível (Fig 1).
A seguir, o surgicel é cuidadosamente dobrado sobre o pó de osso, aproximando-se as pontas, formando o botão ósseo. O excesso de surgicel pode ser cortado e reutilizado para forrar previamente o fundo do orifício.
No final, o pó de osso estará compactado, envolto por surgicel, com formato cilíndrico e deve ser aposto diretamente dentro do orifício de trepanação (Fig 2). Neste tempo, o botão é delicadamente empurrado para dentro do orifício pelas laterais, com o dissector de Davis. Geralmente, faz-se um botão ligeiramente maior que as medidas do orifício de trépano, para que se encaixe sob pressão.
O periósteo e/ou a gálea aponeurótica devem ser cuidadosa e sistematicamente suturados sobre o plug e o orifício, com fio absorvível (Vycril 3-0 ou 4-0), garantindo um fechamento o mais hermético possível do local. O fechamento da gálea é um tempo cirúrgico importante e deve ser sistematizado em todo procedimento neurocirúrgico. Nestes casos, ajuda também a manter o botão ósseo no orifício.
DISCUSSÃO
Utilizando este botão ósseo autólogo para ocluir orifícios de trepanação, o autor tem obtido bom resultado estético nas craniotomias frontais, e vedação satisfatória nas trepanações isoladas em outras áreas para outros procedimentos menores (Figs 3 e 4).
No caso das neuroendoscopias, e outros procedimentos realizados apenas com um orifício de trepanação, em que a sutura da dura-máter é difícil, a utilização deste método, reduziu praticamente a zero a incidência de fístulas pós-operatórias e não se observou, até o momento, reação de corpo estranho. O surgicel tem excelente tolerabilidade pelo organismo, sendo facilmente reabsorvido. Para fazer este botão, uma quantidade mínima deste material é utilizada, sendo mais facilmente reabosorvido do que se utilizarmos um pacote inteiro exclusivamente para fechar o orifício.
Um ou mais botões podem ser feitos rapidamente no final da cirurgia, de acordo com a estimativa do neurocirurgião e a quantidade de pó de osso disponível. O surgicel pode ser redobrado sobre o botão ósseo aumentando sua superfície para melhor oclusão, ou o excesso pode ser cortado e utilizado para forrar o fundo do orifício antes da aposição definitiva de toda peça.
Deve-se fazer o botão ósseo um pouco maior do que o diâmetro do orifício de trépano, introduzi-lo e posicioná-lo cuidadosamente, com ajuda do dissector, encaixando-o com ligeira pressão. Caso o plug esteja muito grande, este pode ser aberto e o excesso de pó de osso retirado, promovendo remodelação adequada. Após o posicionamento do botão ósseo, recomendamos o fechamento sistemático do periósteo ou gálea sobre o orifício onde está o plug, com fio absorvível adequado.
Encorajamos a utilização deste prático plug ósseo autólogo em nosso meio, como método eficiente, econômico e biologicamente aceitável para ocluir orifícios cranianos de trepanação. Esta técnica é fácil, simples e econômica, reduzindo a incidência de escape de LCR após trepanações cranianas e evitando reação de corpo estranho a longo prazo, por utilizar predominantemente, material autólogo.
REFERÊNCIAS
1. Azevedo HRC Filho. Terceiro ventriculostomia endoscópica no tratamento das hidrocefalias não comunicantes. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1997.
2. Kasyua H, Shimizu T. Using hidroxylapatite ceramic buttons covered with periosteum to prevent cerbrospinal fluid leakage: technical note, Neurosurgery, 1999;44:422-423.
3. Spetzler RF, Wilson CB. Dural fístulae and their repair: In Youman JR (ed): Neurological Surgery, Philadelphia: WB Saunders, 1982:2209-2227.
Dr. Josué G. G. Vialogo - Rua Rio Grande do Sul 1713 - 79020-011 Campo Grande MS - Brasil. E-mail: jvialogo@alanet.com.br
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Abr 2000 -
Data do Fascículo
Dez 1999
Histórico
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Aceito
22 Set 1999