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Degeneração mucóide da oligodendroglia em um caso de enfermidade do grupo Wilson

Resumos

Recordam-se, no presente trabalho, as alterações da oligodendroglia em particular a degeneração mucóide. Relata-se sinteticamente um caso do grupo Wilson - espasmo de torção - em que havia degeneração mucóide da oligodendroglia predominantemente na substância branca do encéfalo. Na substância cinzenta, a degeneração mucóide era mais intensa no mesencéfalo, nos grupos celulares peri-aqueduto de Sylvius (núcleo intersticial de Cajal e núcleo do III par craneano). Neste ponto assinala-se a presença de substância mucóide dentro de células nervosas, fato que o autor admite ser devido à penetração da oligodendroglia com entumescimento agudo e que posteriormente degenerou. Diz que este fato não quer afirmar se trate de neuronofagia e sugere a possibilidade da oligoglia poder penetrar o corpo celular do neurônio.


In this paper, alterations of the oligodendroglia and particular mucoid degeneration are studied. A brief case report of the Wilson group - spasm of tortion - is made, in which a mucoid degeneration of the oligodendroglia was present and predominating in the white substance of the brain. In the gray matter, mucoid degeneration was prevalent at the mesencephalon, at the cell group about the acquedut of Sylvius (interstitial nucleus of Cajal and nucleus of third cranial nerve). In this region, mucoid degeneration was detected within nervous cells. The Author attributes this fact to penetration of the oligodendroglia with acute edema and posterior degeneration. He also states that this does not imply neuronophagia but suggests the possibility of the oligoglia penetrating into the intracellular space os a neuron cell.


Docente de Clínica Neurológica da Faculdade Nacional de Medicina. Chefe do Serviço de Doenças Nervosas do Hospital S. Francisco de Assis (Rio de Janeiro)

SUMÁRIO

Recordam-se, no presente trabalho, as alterações da oligodendroglia em particular a degeneração mucóide. Relata-se sinteticamente um caso do grupo Wilson - espasmo de torção - em que havia degeneração mucóide da oligodendroglia predominantemente na substância branca do encéfalo. Na substância cinzenta, a degeneração mucóide era mais intensa no mesencéfalo, nos grupos celulares peri-aqueduto de Sylvius (núcleo intersticial de Cajal e núcleo do III par craneano). Neste ponto assinala-se a presença de substância mucóide dentro de células nervosas, fato que o autor admite ser devido à penetração da oligodendroglia com entumescimento agudo e que posteriormente degenerou. Diz que este fato não quer afirmar se trate de neuronofagia e sugere a possibilidade da oligoglia poder penetrar o corpo celular do neurônio.

SUMMARY

In this paper, alterations of the oligodendroglia and particular mucoid degeneration are studied. A brief case report of the Wilson group - spasm of tortion - is made, in which a mucoid degeneration of the oligodendroglia was present and predominating in the white substance of the brain. In the gray matter, mucoid degeneration was prevalent at the mesencephalon, at the cell group about the acquedut of Sylvius (interstitial nucleus of Cajal and nucleus of third cranial nerve). In this region, mucoid degeneration was detected within nervous cells. The Author attributes this fact to penetration of the oligodendroglia with acute edema and posterior degeneration. He also states that this does not imply neuronophagia but suggests the possibility of the oligoglia penetrating into the intracellular space os a neuron cell.

Em 1899 e 1900 Robertson descreveu a oligodendroglia. Propôs o nome de mesoglia. Em 1921, Rio Hortega, redescobriu-a e chamou-a oligodendroglia. Penfield chama-a oligoglia. A. Jakob denominou-a glia de Robertson em homenagem ao cientista inglês.

Embriologicamente, a oligodendroglia deriva do ectoderma. Constituido o epitélio medular pela transformação das células cúbicas em prismáticas, algumas destas entram em mitose (células germinais); outras (células epiteliais), formarão o espongioblasto primitivo. Da transformação daquelas surgirá o neurônio. Admite-se terem as células germinais o poder de produzir as chamadas células indiferentes dos antigos embriologistas, ou meduloblastos dos atuais. Destes poderiam provir, segundo Cushing e Bailey, a oligodendroglia, a célula nervosa e a macroglia. Penfield admite que a oligodendroglia possa também provir dos espongioblastos migradores. Rio Hortega nega a existência do meduloblasto. Admite que o oligodendrócito provenha por transformação direta de células do epitélio medular. Considera, porém, possível que glioblastos, principalmente tumorais, possam transformar-se em oligodendroblastos e vice-versa. O espongioblasto primitivo transformar-se-á em astroglia. Pela emigração de alguns elementos constituir-se-ão as células de Schwann. O oligodendrócito, que não existe no primeiro período da vida intra-uterina, surge na ocasião de mielinização do sistema nervoso (8.° e 9.° meses da vida intra-uterina); reproduz-se rapidamente na época do nascimento. Filogeneticamente, a oligodendroglia aparece nos répteis.

Morfologicamente caracteriza-se por corpo e núcleo pequenos, núcleo redondo, ausência de prolongamento vascular. Possui centrosoma, aparelho de Golgi, grânulos fucsinófilos e gliosomas. Nos métodos comuns, apenas o núcleo se cora. A oligoglia tem citoplasma escasso, prolongamentos pequenos, delicados. O seu aspecto é uniforme em todo o sistema nervoso central (exceto no tronco cerebral) e é encontrada, preferentemente, entre os tubos de mielina (substância branca) ou na vizinhança de células nervosas.

Em torno destas últimas não há somente oligoglia; a microglia, embora em menor número, também existe aí (satélites perineuronais). Há oligodentrócitos satélites de vasos, mas, ao contrário do astrócito, não lhe enviam seus prolongamentos. Na substância branca, entre os tubos nervosos, encontram-se numerosas células de Robertson, maiores, que as da substância cinzenta e, às vezes, tendo mais do dobro do seu volume (oligodendrócitos schwannóides).

HISTOPATOLOGIA DA OLIGODENDROGLIA

A glia de Robertson tem condições inferiores de reação, comparada com as da microglia e da astroglia. Podem ser só de fenômenos regressivos ou progressivos. De acordo com Virchow podemos dividir estes últimos em hiperplásticos e hipertróficos. Nos primeiros, multiplica-se a glia por mitose ou amitose. Na hipertrofia, há, apenas, aumento de volume, tanto do núcleo como do citoplasma. Os fenômenos regressivos podem ser precedidos de hipertrofia transitória ou não. A regressão é verificada pela picnose, pela cariorrexe e pela cariólise.

Entre as alterações da oligodendroglia podemos citar a oligodendrocitose, a oligodendropenia, o entumescimento agudo e a degeneração mucoide de Grynfeltt. A oligodendrocitose caracteriza-se pela proliferação da oligodendroglia, quer na substância cinzenta, quer na branca. Este tipo de alteração pode ser encontrado nas encefalites da infância. Oligodendrocitopenia é a diminuição, em número, de oligodendrocitos, considerando-a Del Rio-Hortega como de real significação histológica na encefalite peri-axil de Schilder. É possivel que, nesta enfermidade, o processo primário seja na oligodendroglia, sendo secundários a degeneração da mielina e do neurônio. O entumecimento agudo pode ser encontrado nos processos degenerativos agudos. Inicialmente, o protoplasma aumenta de volume e o núcleo se cora mais intensamente. É a fase reversível que, nos processos muito agudos, não existe. Segue-se a fase do entumescimento hidrópico progressivo; desaparecem os prolongamentos e os gliosomas se acumulam na periferia do citoplasma. Até aqui o processo ainda é regressivo. Se desaparece o protoplasma e o núcleo está em cariólise, a morte da célula é fatal. Descreve-se o entumescimento amilolítico: discreta hipertrofia, entumescimento hidrópico, que pode ser - segundo Hortega - turvo ou transparente. Aquele é encontrado habitualmente na meningite tuberculosa. A degeneração mucoide foi descrita por Grynfeltt, em 1923, no cérebro de um velho em que havia um coágulo homogêneo que se corou pelo mucicarmin de Mayer e, metacromaticamente, pela tionina. Grynfeltt admitiu a proveniência glial desta substâcia, o que foi confirmado por Pellisier que a relacionou à oligodendroglia. Já em 1920, Buscaino havia descrito cachos de desintegração, com aspecto semelhante à degeneração mucóide, na demência precoce e em enfermidades extrapi rami dais. Mais tarde, Bailey e Schaltenbrand, examinando o encéfalo de um caso de encefalose peri-axil de Schilder, encontraram a mucina nas oligodendroglias com entumescimento agudo e concluíram pela identidade dos processos. A degeneração mucóide foi assinalada na encefalite epidêmica (Lhermitte, Kraus, Bertillon), em intoxicações, etc. é rara. Nosso caso, que mais adiante descreveremos, nos permitirá aproximar os dois tipos, isto é, o entumescimento agudo e a degeneração mucóide.

Admite-se que a substância mucóide seja formada pela ação de uma amina circulante. A mielina, em certas condições, pôde dar reações semelhantes à mucina e dissolver-se e difundir-se nas oligoglias tumefeitas (Hortega). A oligodendroglia pode conter quantidade escassa de ferro (paralisia geral, margens de um foco de hemorragia) e, mais raramente, gotículas de gordura (endógena? provindas da mielina?).

OBSERVAÇÃO

O caso que serviu de motivo à pequena recapitulação sobre a oligodendroglia1 1 . Livros consultados: a) Jakob, A. - Normale und Pathol. Anat. u. Histol. des Gross-hirns F. Deutickf. Viena e Leipzig, 1927. b) Penfield, W. - Cytology and cellular pathology of the Nervous System, Nova York, 1937. c) Spielmeyer, W. - Histopathologie des Nervensystems, J. Springer, Berlin, 1924. d) Nomenclatura y clasificación de los tumores del sistema nervioso. Ed. Arch. Argentinos de Neurologia, Buenos Aires, 1941. f) Rio-Hortega - Anatomia microscópica de los tumores del sistema nervioso Central e Periférico. Madrid, 1933. é dos mais interessantes. Resumiremos os dados a seu respeito, por isso que fará parte de um trabalho sobre afecções do sistema extrapiramidal, que publicaremos oportunamente.

J., sexo feminino, mestiça, brasileira. Faleceu aos 22 anos. Sua doença teve início 4 anos antes, de maneira insidiosa, sem sinais infecciosos, por espasmos musculares progressivamente engravecentes, do tipo da distonia de torção. Nenhum caso semelhante, ou de outra enfermidade nervosa ou mental, foi verificado nos ascendentes ou colaterais. Do exame objetivo assinalou-se distonia muscular (coreo-atetose, espasmo de torção, distúrbios cerebelares) com integridade de psiquismo e distúrbios funcionais discretos do fígado. Trata-se, em síntese, de um caso do grupo extrapiramidal do tipo Wilson. Do exame anatômico, macroscopicamente registrou-se tuberculose pulmonar e cirrose hipertrófica do fígado, o que foi confirmado pela microscopia. Macroscopicamente, o encéfalo e a medula nada apresentavam de especial Microscopicamente havia várias alterações, que serão estudadas em outro trabalho, conforme já dissemos mais acima. Entretanto, existia um tipo de alteração histológica da oligodendroglia que descreveremos a seguir.

Já pelo método rápido de Spielmeyer notamos, na substância branca do cérebro e do cerebelo, a presença de formações arredondadas, ora acumuladas em forma de cacho, ora esparsas, sem regularidade. Eram espaços claros, muito maiores que a astroglia e muitos pareciam conter um núcleo intensamente corado pela hematoxilina; o núcleo algumas vezes era central mas, na maioria, se achava na periferia. Pelos métodos argénticos apropriados, este aspecto permaneceu sempre o mesmo. Impregnados pelo mucicarmin de Meyer, coraram-se intensamente. Desde logo, pudemos identificar como sendo a degeneração mucóide e, como foi possível verificar que se tratava de oligodendroglia com entumescimento, do tipo de entumescimento agudo, tornou-se possível fazer o diagnóstico de degeneração mucóide de Grynfeltt, em muitos pontos com a forma dos chamados cachos de desintegração de Buscaino.

Curioso, entretanto, o que encontramos com o método de Nissl. Na altura do mesencéfalo existiam as formações acima descritas com caracteres particulares. Os grupos de células nervosas próximas ao aqueduto de Sylvius (3.° par craniano e núcleo intersticial de Cajal) eram sede das formações de degeneração mucóide. Sinteticamente, encontramos: 1) células nervosas com o núcleo deslocado para a periferia e, no citoplasma, uma formação do tipo da degeneração mucóide ora sem núcleo, ora com núcleo deformado, ou então fragmentado (não se tratava de degeneração gordurosa); 2) As mesmas formações degenerativas foram vistas junto aos prolongamentos protoplásmicos das células nervosas, precisamente nos lugares em que é habitual encontrar-se as glias satélites e, estas por sua vez, estavam quase totalmente ausentes quando existia o aspecto acima descrito; 3) Excepcionalmente uma só célula nervosa continha duas formações globosas; 4) De regra, o núcleo das oligodendroglias estava em cariorrexe ou já quase totalmente transformado em granulos. Outros aspectos intermediários foram vistos.

COMENTÁRIOS

Do que ficou dito podem-se tirar as seguintes conclusões: 1) trata-se de um caso de enfermidade do grupo Wilson - espasmo de torção - em que a degeneração mucóide de Grynfeltt existia no cérebro, no mesencéfalo, na protuberância, no bulbo e no cerebelo; 2) a degeneração mucóide era mais intensa no mesencéfalo e no cerebelo; 3) no mesencéfalo, a sede principal era em núcleos celulares, próximo ao aqueduto de Sylvius (núcleo intersticial de Cajal e III par craneano); 4) a degeneração mucóide existia, também, dentro de células nervosas, porém, à custa de oligodendroglia; não era, entretanto, frequente. Esta quarta conclusão permite algumas considerações particulares: a substância mucóide seria originária da célula nervosa? Não achamos razoável. A glia satélite teria penetrado a célula nervosa? Alguns aspectos encontrados e reproduzidos nas microfotografias permitem-nos aceitar esta hipótese. Assim, julgamos ser possível, em condições especiais e por motivos desconhecidos, à glia, já em vias de degeneração, penetrar na célula nervosa. Com este fato, não queremos afirmar a neuronofagia, tanto mais que acreditamos que a glia, nas preparações, que examinamos, já estivesse na primeira fase do entumescimento agudo.

Rua Goulart, 62 - Copacabana - Rio de Janeiro

Trabalho do Serviço de Anatomia Patológica do Instituto de Neurobiologia (Chefe do Serviço - prof. Paulo Elejalde).

  • 1. Livros consultados: a) Jakob, A. - Normale und Pathol. Anat. u. Histol. des Gross-hirns F. Deutickf. Viena e Leipzig, 1927.
  • b) Penfield, W. - Cytology and cellular pathology of the Nervous System, Nova York, 1937.
  • c) Spielmeyer, W. - Histopathologie des Nervensystems, J. Springer, Berlin, 1924.
  • d) Nomenclatura y clasificación de los tumores del sistema nervioso. Ed. Arch. Argentinos de Neurologia, Buenos Aires, 1941.
  • f) Rio-Hortega - Anatomia microscópica de los tumores del sistema nervioso Central e Periférico. Madrid, 1933.
  • Degeneração mucóide da oligodendroglia em um caso de enfermidade do grupo Wilson

    A. Austregésilo Filho
  • 1
    . Livros consultados:
    a) Jakob, A. - Normale und Pathol. Anat. u. Histol. des Gross-hirns F. Deutickf. Viena e Leipzig, 1927.
    b) Penfield, W. - Cytology and cellular pathology of the Nervous System, Nova York, 1937.
    c) Spielmeyer, W. - Histopathologie des Nervensystems, J. Springer, Berlin, 1924.
    d) Nomenclatura y clasificación de los tumores del sistema nervioso. Ed. Arch. Argentinos de Neurologia, Buenos Aires, 1941.
    f) Rio-Hortega - Anatomia microscópica de los tumores del sistema nervioso Central e Periférico. Madrid, 1933.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1944
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