Resumos
A carcinomatose leptomeníngea é uma complicação neurológica de alguns tumores sistêmicos caracterizada por invasão multifocal das leptomeninges por células neoplásicas. Estima-se que 5% de todos os pacientes com câncer apresentem carcinomatose leptomeníngea. As manifestações clínicas são heterogêneas e caracterizam-se por sinais e sintomas relacionados a comprometimento de múltiplas áreas do sistema nervoso, particularmente nervos cranianos e raízes nervosas. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos, exame do líquido cefalorraqueano (LCR) e exames de neuroimagem. O estudo mais informativo para o diagnóstico de metástase meníngea é o exame do LCR através do qual o achado de células neoplásicas é definitivo para o diagnóstico. O intuito deste trabalho é realizar revisão da literatura a partir de descrição de um caso clínico, de um homem de 42 anos de idade, em que a primeira manifestação de neoplasia pulmonar consistiu de sintomas e sinais sugestivos de comprometimento neoplásico das leptomeninges.
carcinomatose leptomeníngea; meningite carcinomatosa; neoplasia pulmonar; líquido cefalorraqueano
Leptomeningeal carcinomatosis is a neurological complication of several systemic tumors and is characterized by multifocal invasion of the meninges by neoplastic cells. It is estimated that 5% of all patients with cancer will present leptomeningeal carcinomatosis at some time during the course of the illness. Clinical manifestations are heterogeneous and present with signs and symptoms related to involvement of multiple areas of the nervous system, particularly cranial nerves and spinal roots. The diagnosis is based on suggestive clinical findings, cerebrospinal fluid (CSF) testing and imaging studies. The most informative findings come from CSF where the presence of neoplastic cells is definitive for the diagnosis. The purpose of this report is to describe, along with a review of the literature, a clinical case of a 42 years old man in whom the first clinical signs of a lung cancer manifested with symptoms suggestive of meningeal involvement.
leptomeningeal carcinomatosis; carcinomatous meningitis; lung neoplasm; cerebrospinal fluid
Carcinomatose leptomeníngea como primeira manifestação de adenocarcinoma pulmonar
Relato de caso
Leptomeningeal carcinomatosis as the first clinical manifestation of lung adenocarcinoma:
Case report
Andréa GimenezI, 1; João Carlos Papaterra LimongiII, 2; Anna Carolina Tavares ValenteIII, 3; Cristiane GimenezIV, 4; Jair Urbano da SilvaV, 5
IMédica Residente de Clínica Médica do Hospital Ipiranga, São Paulo SP, Brasil (HIp)
IIDoutor em Neurologia e Professor-colaborador do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil (FMUSP)
IIIMédica Colaboradora do HIp
IVMédica Preceptora do Hospital Santa Marcelina, São Paulo SP, Brasil
VChefe do Serviço de Neurologia do HIp
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. João Carlos Papaterra Limongi Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da FMUSP Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 255 05403-000 São Paulo SP, Brasil E-mail: limongi@uol.com.br
RESUMO
A carcinomatose leptomeníngea é uma complicação neurológica de alguns tumores sistêmicos caracterizada por invasão multifocal das leptomeninges por células neoplásicas. Estima-se que 5% de todos os pacientes com câncer apresentem carcinomatose leptomeníngea. As manifestações clínicas são heterogêneas e caracterizam-se por sinais e sintomas relacionados a comprometimento de múltiplas áreas do sistema nervoso, particularmente nervos cranianos e raízes nervosas. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos, exame do líquido cefalorraqueano (LCR) e exames de neuroimagem. O estudo mais informativo para o diagnóstico de metástase meníngea é o exame do LCR através do qual o achado de células neoplásicas é definitivo para o diagnóstico. O intuito deste trabalho é realizar revisão da literatura a partir de descrição de um caso clínico, de um homem de 42 anos de idade, em que a primeira manifestação de neoplasia pulmonar consistiu de sintomas e sinais sugestivos de comprometimento neoplásico das leptomeninges.
Palavras-chave: carcinomatose leptomeníngea, meningite carcinomatosa, neoplasia pulmonar, líquido cefalorraqueano.
ABSTRACT
Leptomeningeal carcinomatosis is a neurological complication of several systemic tumors and is characterized by multifocal invasion of the meninges by neoplastic cells. It is estimated that 5% of all patients with cancer will present leptomeningeal carcinomatosis at some time during the course of the illness. Clinical manifestations are heterogeneous and present with signs and symptoms related to involvement of multiple areas of the nervous system, particularly cranial nerves and spinal roots. The diagnosis is based on suggestive clinical findings, cerebrospinal fluid (CSF) testing and imaging studies. The most informative findings come from CSF where the presence of neoplastic cells is definitive for the diagnosis. The purpose of this report is to describe, along with a review of the literature, a clinical case of a 42 years old man in whom the first clinical signs of a lung cancer manifested with symptoms suggestive of meningeal involvement.
Keywords: leptomeningeal carcinomatosis, carcinomatous meningitis, lung neoplasm, cerebrospinal fluid.
A carcinomatose leptomeníngea é uma complicação neurológica de alguns tumores sistêmicos caracterizada por invasão multifocal das leptomeninges por células neoplásicas. Ocorre em doenças malignas linfoproliferativas (5 a 15% das leucemias e 7 a 15% dos linfomas) e em tumores sólidos (4 a 15%)1. Dos tumores sólidos, os adenocarcinomas são os mais frequentes, seguidos pelos carcinomas epidermóides e sarcomas2. Estima-se que 5% de todos os pacientes com câncer apresentem carcinomatose leptomeníngea3. Essa condição vem sendo reconhecida com maior frequência nos últimos anos devido a uma série de fatores: aumento na sobrevida decorrente da melhoria na terapia das doenças malignas sistêmicas, desenvolvimento de procedimentos de neuroimagem não invasivos e maior atenção para essa possibilidade diagnóstica. As manifestações clínicas da carcinomatose leptomeníngea são heterogêneas e caracterizam-se por sinais e sintomas relacionados a múltiplas áreas do sistema nervoso, particularmente nervos cranianos e raízes nervosas4,5.
O intuito deste registro é apresentar um caso clínico no qual a primeira manifestação da neoplasia pulmonar se dá através de sintomas e sinais neurológicos de comprometimento neoplásico das leptomeninges. Alguns elementos pertinentes da literatura são revistos.
CASO
Homem de 42 anos de idade, procurou atendimento médico com queixa de cefaléia fronto-temporal direita de caráter progressivo e inicio há 4 meses. Não apresentava antecedentes mórbidos relevantes ou história de tabagismo. O exame neurológico revelou hemiparesia esquerda (4/5), paralisia facial periférica à esquerda, paresia do VI nervo craniano à direita, meningismo, sinais de liberação piramidal e "performance status" (Karnofsky) de 90. O exame físico dos demais sistemas não mostrou outras alterações. A tomografia computadorizada (TC) contrastada de crânio foi normal. O exame do líquido cefalorraqueano (LCR) mostrava 6 células por mm³ (84% de linfócitos e 16% de polimorfonucleares) e níveis normais de proteínorraquia e glicorraquia. Trinta dias após o primeiro exame de neuroimagem, a TC sem contraste mantinha-se inalterada. Novo exame do LCR apresentava 71 células por mm³ (45% de linfócitos, 13% de monócitos e 42% de polimorfonucleares), citologia oncótica negativa, hiperproteínorraquia e hipoglicorraquia. A radiografia de tórax era normal.
Após cinco meses do início dos sintomas, evoluiu com queda do estado geral, emagrecimento, dor torácica, ausculta respiratória com murmúrio vesicular abolido em base de hemitórax direito e Karnofsky de 60. O exame neurológico revelava disfonia, disfagia, limitações da abertura da boca, proptose bilateral, diminuição da acuidade visual, paralisia facial bilateral, paresia do VI nervo craniano bilateralmente e marcha pareto- espástica à esquerda. Novo exame do LCR mostrava 80 células por mm³ (79% de linfócitos, 17% de monócitos e 4% de células atípicas) e proteinoirraquia de 179 mg/100 ml. As células atípicas apresentavam as seguintes características: tamanho aumentado, grau acentuado de anaplasia e tendêcia em formar agrupamentos; citoplasma com basofilia acentuada, numerosos vacúolos e expansões de formas diversas com características de células secretoras; núcleo com limites nítidos, cromatina desorganizada e nucléolos múltiplos (Fig 1).
A ressonância magnética revelou área com hipersinal em T2/DP e tênue redução de sinal em T1 em ponte à direita sem efeito de massa significativo. A radiografia de tórax revelou de derrame pleural. Biópsias da pleura e exame de secreção transbrônquica confirmaram diagnóstico de adenocarcinoma tubular pouco diferenciado. No dia seguinte foi iniciada radioterapia do neuroeixo e quimioterapia intratecal. Após um mês de terapia e seis meses de evolução clinica o paciente faleceu.
DISCUSSÃO
A carcinomatose leptomeníngea, como complicação metastática de tumores sólidos, ocorre em neoplasias primárias de pulmão (24%), melanoma (23%), carcinoma gastrointestinal (13%), mama (2,5 a 5%) e neoplasias cerebrais primárias (1 a 2%)1,6. Embora não mais que 5% dos adenocarcinomas de mama resultem em carcinomatose leptomeníngea, em virtude de sua alta incidência, o carcinoma de mama é responsável por 22 a 64% de todos os casos de invasão leptomeníngea. Em seguida, as neoplasias mais encontradas são: carcinoma pulmonar (10 a 26%), melanoma (17 a 25%) e tumores gastrointestinais (4 a 14%)1.
Dentre os tumores pulmonares, estima-se que a ocorrência da meningite neoplásica seja de 5% no câncer não-pequenas células e de 9 a 25% no câncer de pequenas células4,6,7. O adenocarcinoma de pulmão é o tipo histológico que mais frequentemente acomete as meninges quando se refere ao câncer não-pequenas células.
Usualmente, a carcinomatose leptomeníngea manifesta-se pelo acometimento de nervos cranianos (redução da acuidade visual, diplopia, paresia/parestesia facial, hipoacusia, vertigem e sinais de comprometimento de nervos cranianos bulbares), raízes espinais (sindrome do neurônio motor inferior, hipoestesias, parestesias, assimetria de reflexos, dor radicular, disfunção esfincteriana, síndrome da cauda equina, rigidez de nuca) e sinais e sintomas de sofrimento cerebral (cefaléia, síndrome de hipertensão intracraniana, convulsões, déficits focais, alterações mentais, dificuldade à marcha, diabetes insipido)5,6,8,9.
O diagnóstico é baseado nos achados clínicos, exame do LCR e exames de neuroimagem. O estudo mais informativo para o diagnóstico de metástase meníngea é o exame do LCR no qual o achado de células neoplásicas é definitivo para o diagnóstico. A citologia oncótica inicial é positiva em 55% dos casos e em 90% após a terceira punção1,3,4,10-12. Embora a ausência de células neoplásicas no LCR não exclua o diagnóstico, a presença de citologia oncótica positiva parece correlacionar-se com a extensão da doença. Em 10% dos casos, a citologia do LCR é persistentemente negativa3. As principais causas de exames falso-negativos são: pequena quantidade de amostra examinada (em geral não mais que 3-4 ml) que não reflete necessariamente o conteúdo celular do volume total de LCR (cerca de 150 ml); e a frequente aderência de células na superfície do encéfalo ou da medula espinal, principalmente na região da emergência das raízes espinais ou dos nervos cranianos. Dessa forma, metástases leptomeníngeas maciças e identificadas através de exames de ressonância magnética podem, ocasionalmente, não ser identificadas pelo exame do LCR. Recentemente, têm sido testadas técnicas para identificação de DNA tumoral em células do LCR em determinados tipos de linfomas (linfoma primário do sistema nervoso central e alguns linfomas secundários)13. O aperfeiçoamento de técnicas de biologia molecular deverá, nos próximos anos, reduzir significativamente o índice de exames falso-negativos e facilitar o diagnóstico precoce de carcinomatose leptomeníngea. Alterações inespecíficas, como hiperproteinorraquia, hipoglicorraquia e pleocitose linfocitária, podem sugerir a presença de carcinomatose leptomeníngea mas não são suficientes para o diagnóstico pois tais alterações podem estar presentes em outras condições clínicas.
Exames de neuroimagem podem auxiliar o diagnóstico e incluem tomografia computadorizada contrastada do cérebro e da medula espinal, ressonância magnética com gadolínio e estudo do fluxo do LCR. Os achados na tomografia da cabeça sugestivos de carcinomatose leptomeníngea incluem: redução de volume do parênquima, contraste ependimal ou subependimal, metástase no parênquima cerebral, contraste em nódulos subaracnóides ou intraventriculares, contraste em sulco cisternal, obliteração de sulcos ou cisternas, hidrocefalia e contrastação irregular do tentório. A ressonância magnética com gadolínio pode demonstrar retenção de contraste na dura-aracnóide, pia-aracnóide e superfície subependimária ou hidrocefalia14. Aproximadamente 50% dos pacientes com carcinomatose leptomeníngea e sintomas radiculares espinhais têm estudos de neuroimagem anormais3.
O tratamento da carcinomatose leptomeníngea baseia-se na combinação de radioterapia focal nas áreas de maior disfunção neurológica e em quimioterapia intratecal. O tratamento visa a estabilização do quadro neurológico ou, eventualmente, a obtenção de alguma melhora e consequente aumento da sobrevida. Pacientes que respondem mal à terapia são aqueles com índice de Karnofsky baixo, comprometimento neurológico múltiplo e fixo, doença sistêmica extensa e com poucas opções de tratamento. Tais pacientes podem se beneficiar com radioterapia nos sítios sintomáticos e com medidas de suporte.
Pacientes com "performance status" elevado, câncer sistêmico indolente potencialmente sensível ao tratamento, doença sistêmica mínima ou com comprometimento neurológico leve são os que mais se beneficiam de abordagem terapêutica intensiva (quimioterapia intratecal, radioterapia para doença volumosa e/ou sítios sintomáticos). Nestes pacientes, recomenda-se o estudo do fluxo do LCR com a finalidade de detectar anormalidades que possam afetar a distribuição do quimioterápico no espaço intratecal e comprometer a eficácia terapêutica. Na presença de anormalidade no fluxo do LCR, recomenda-se inicialmente radioterapia do sítio de obstrução. Se a anormalidade de fluxo persistir, a terapia intratecal dificilmente trará algum benefício e o tratamento deverá se restringir a radioterapia e a medidas de suporte.
O prognóstico de pacientes com carcinomatose leptomeníngea é reservado. A sobrevida é de três a seis meses em pacientes tratados e de três a quatro semanas em pacientes não tratados 1,6,7,11,15,16.
O presente caso clínico é incomum não somente pela baixa incidência de carcinomatose leptomeníngea no câncer não-pequenas células mas também pela ocorrência de manifestações neurológicas na ausência de diagnóstico prévio de neoplasia sistêmica. Diferentemente do presente caso, a carcinomatose leptomeníngea manifesta-se, usualmente, em pacientes com neoplasia sistêmica avançada ou quando há recorrência da doença e na falha de um ou mais regimes quimioterápicos. No caso em questão, a ausência de sinais óbvios de neoplasia sistêmica associada aos exames de neuroimagem e citologia oncótica negativos em duas amostras no LCR foram fatores que dificultaram o diagnóstico precoce.
A análise do caso relatado corrobora a idéia de que em pacientes com múltiplos distúrbios neurológicos deve-se considerar o diagnóstico de metástase leptomeníngea a despeito da presença de exames de neuroimagem normais e da ausência de sinais e sintomas de neoplasia primária.
Recebido 6 Maio 2002, recebido na forma final 2 Agosto 2002.
Aceito 23 Agosto 2002.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Abr 2003 -
Data do Fascículo
Mar 2003
Histórico
-
Recebido
06 Maio 2002 -
Aceito
23 Ago 2002