Resumos
A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória, autoimune, desmielinizante e degenerativa do sistema nervoso central. Estudos epidemiológicos têm identificado associações de hipovitaminose D com doenças autoimunes. O principal objetivo desta revisão é responder se há evidências que indiquem o uso terapêutico de vitamina D em monoterapia para pacientes com EM. Por meio dos sites PUBMED, EMBASE, LILACS e Scielo foram realizadas buscas usando os descritores “vitamin D”, e “multiple sclerosis” até 12/09/2013. Estudos clínicos randomizados, controlados e duplo-cegos foram selecionados para avaliar a resposta terapêutica da vitamina D na EM. Não foram encontradas evidências científicas que justifiquem o uso da vitamina D em monoterapia no tratamento da EM, na prática clínica.
Vitamina D; esclerose múltipla; encefalite autoimune experimental
Multiple sclerosis (MS) is an inflammatory, autoimmune, demyelinating, and degenerative central nervous system disease. Even though the etiology of MS has not yet been fully elucidated, there is evidence that genetic and environmental factors interact to cause the disease. Among the main environmental factors studied, those more likely associated with MS include certain viruses, smoking, and hypovitaminosis D. This review aimed to determine whether there is evidence to recommend the use of vitamin D as monotherapy or as adjunct therapy in patients with MS. We searched PUBMED, EMBASE, COCHRANNE, and LILACS databases for studies published until September 9 th , 2013, using the keywords “multiple sclerosis”, “vitamin D”, and “clinical trial”. There is no scientific evidence up to the production of this consensus for the use of vitamin D as monotherapy for MS in clinical practice.
vitamin D; multiple sclerosis; experimental autoimmune encephalitis
O uso terapêutico da vitamina D para tratamento da esclerose múltipla (EM) é assunto polêmico que interessa aos médicos, pesquisadores e pacientes. O Departamento Científico de Neuroimunologia (DCNI) da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) promoveu reunião no dia 12/09/2013, na qual foram discutidos os aspectos básicos do metabolismo da vitamina D, resultados de estudos in vitro e experimentais na encefalomielite autoimune experimental (EAE), e estudos clínicos controlados com vitamina D na EM. Os neurologistas e pesquisadores participantes da reunião desenvolveram e aprovaram consenso acerca de normas para orientar os neurologistas brasileiros no cuidado de pacientes com EM.
VITAMINA D, EM E EAE
A vitamina D é um importante hormônio para a homeostase do cálcio e o metabolismo ósseo 11 . Grant WB, Holick MF. Benefits and requirements of vitamin D for optimal health: a review. Altern Med Rev 2005;10:94-111. . Em adição a essa ação no tecido ósseo, há evidências de que a vitamina D tenha papel na diferenciação celular, inibição do crescimento celular e modulação do sistema imune 22 . Bikle DD. Vitamin D regulation of immune function. Vitam Horm 2011;86:1-21. . A principal fonte de vitamina D é a exposição à radiação ultravioleta B (R-UV) (95%). Ainda não há consenso entre as várias sociedades científicas sobre os níveis séricos de vitamina D ideais para as necessidades do metabolismo humano 33 . Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, et al. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metabl 2011;96:1911-1930. , 44 . Rosen CJ, Abrams SA, Aloia JF, et al. IOM committee members respond to Endocrine Society vitamin D guideline. J Clin Endocrinol Metab 2012;97:1146-1152. . Nos últimos anos, têm sido identificadas associações da vitamina D com doenças autoimunes e neoplasias 55 . Holick MF. Vitamin D: important for prevention of osteoporosis, cardiovascular heart disease, type 1 diabetes, autoimmune diseases, and some cancers. South Med J 2005;98:1024-1027. , porém essas ainda não foram totalmente elucidadas.
A EM é uma doença inflamatória, autoimune, desmielinizante e degenerativa do sistema nervoso central (SNC), que apresenta distribuição geográfica e étnica caracterizada por prevalência maior nos países do hemisfério norte, particularmente na população de origem caucasiana 66 . Kurtzke J. A reassessment of the distribution of multiple sclerosis. Acta Neurol Scand 1975;51:137-157. .
Considerando o clima predominantemente temperado no hemisfério norte, com períodos de pouca radiação solar e prevalência relativamente alta de hipovitaminose D, constatada em estudos populacionais 77 . Hossein-nezhad A, Holick MF. Vitamin D for health: a global perspective. Mayo Clin Proc 2013;88:720-755. , a hipótese é de que essa deficiência poderia explicar a distribuição geográfica da EM. Adicionalmente, postulou-se que concentração sérica adequada de vitamina D poderia contribuir para a redução de risco de desenvolvimento da EM 88 . Goldberg P, Fleming MC, Picard EH. Multiple sclerosis: decreased relapse rate through dietary supplementation with calcium, magnesium and vitamin D. Med Hypotheses 1986;21:193-200. , 99 . Martinelli V, Dalla Costa G, Colombo B, et al. Vitamin D levels and risk of multiple sclerosis in patients with clinically isolated syndromes. Mult Scler 2013, Epub Ahead of Print .
A etiologia da EM ainda não foi completamente elucidada, embora existam evidências de que fatores genéticos 1010 . Ebers GC, Bulman DE, Sadovnick AD, et al. A population-based study of multiple sclerosis in twins. N Engl J Med 1986;315:1638-1642. , 1111 . Sawcer S, Hellenthal G, Pirinen M, et al. Genetic risk and a primary role for cell-mediated immune mechanisms in multiple sclerosis. Nature 2011;476:214-219. e ambientais 1212 . Cantorna MT, Mahon BD. Mounting evidence for vitamin D as an environmental factor affecting autoimmune disease prevalence. Exp Biol Med (Maywood) 2004;229:1136-1142. interajam para o desenvolvimento da doença. Entre os principais fatores ambientais estudados, os que apresentam mais forte evidência de associação com a EM incluem determinados vírus 1313 . Lucas RM, Ponsonby AL, Dear K, et al. Current and past Epstein-Barr virus infection in risk of initial CNS demyelination. Neurology 2011;77:371-379. , tabagismo 1414 . Hedström AK, Sundqvist E, Bäärnhielm M, et al. Smoking and two human leukocyte antigen genes interact to increase the risk for multiple sclerosis. Brain 2011;134:653-664. e hipovitaminose D 1515 . Ascherio A, Munger K. Epidemiology of multiple sclerosis: from risk factors to prevention. Semin Neurol 2008;28:17-28. , 1616 . Munger KL, Levin LI, Hollis BW, Howard NS, Ascherio A. Serum 25-hydroxyvitamin D levels and risk of multiple sclerosis. JAMA 2006;296:2832-2838. . Esse último, particularmente, é importante no hemisfério norte onde ocorre uma nítida variação sazonal, com queda da radiação ultravioleta B no inverno, podendo acarretar maior prevalência de hipovitaminose D 77 . Hossein-nezhad A, Holick MF. Vitamin D for health: a global perspective. Mayo Clin Proc 2013;88:720-755. . Algumas condições representam risco de desenvolver hipovitaminose D para a população geral, como longo tempo de permanência em ambiente interno, uso de filtro solar e pigmentação da pele 1717 . Maeda SS, Saraiva GL, Kunii IS, et al. Factors affecting vitamin D status in different populations in the city of Sao Paulo, Brazil: the Sao PAulo vitamin D Evaluation Study (SPADES). BMC Endocr Disord 2013;13:14. , 1818 . Libon F, Cavalier E, Nikkels AF. Skin color is relevant to vitamin D synthesis. Dermatology 2013;227:250-254. . As limitações motoras associadas a fase mais tardia da EM podem contribuir para a ocorrência de hipovitaminose D nesse grupo de pacientes 1919 . Smolders J, Menheere P, Kessels A, Damoiseaux J, Hupperts R. Association of vitamin D metabolite levels with relapse rate and disability in multiple sclerosis. Mult Scler 2008;14:1220-1224. .
No Brasil, diferente dos países do hemisfério norte, temos grande disponibilidade de radiação solar em quase todas as estações do ano e em todas as regiões. Essa condição pode ser suficiente para evitar hipovitaminose D em indivíduos saudáveis e expostos por intervalos de tempo relativamente curtos. Não temos estudos que comparem as diferentes regiões do Brasil, em termos de concentração sérica de vitamina D na população saudável. Foram realizados poucos estudos, em grupos de risco selecionados, que verificaram a concentração sérica de vitamina D. 1818 . Libon F, Cavalier E, Nikkels AF. Skin color is relevant to vitamin D synthesis. Dermatology 2013;227:250-254. , 2020 . Arantes HP, Kulak CA, Fernandes CE, et al. Erratum to: correlation between 25-hydroxyvitamin D levels and latitude in Brazilian postmenopausal women: from the Arzoxifene Generations Trial. Osteoporos Int 2013;24:2899-2900.
Estudos experimentais iniciais evidenciaram papel imunomodulador da vitamina D sobre as células do sistema imune humano in vitro 2121 . Kimball S, Vieth R, Dosch HM, et al. Cholecalciferol plus calcium suppresses abnormal PBMC reactivity in patients with multiple sclerosis. J Clin Endocrinol Metab 2011;96:2826-2834. , 2222 . Allen AC, Kelly S, Basdeo SA, et al. A pilot study of the immunological effects of high-dose vitamin D in healthy volunteers. Mult Scler 2012;18:1797-1800. e no modelo experimental animal, a EAE 2323 . Farias AS, Spagnol GS, Bordeaux-Rego P, et al. Vitamin D3 induces IDO(+) tolerogenic DCs and enhances Treg, reducing the severity of EAE. CNS Neurosci Ther 2013;19:269-277. , 2424 . Correale J, Ysrraelit MC, Gaitán MI. Vitamin D-mediated immune regulation in multiple sclerosis. J Neurol Sci 2011;311:23-31. . Estudo in vitro com células do sangue periférico de pacientes em uso de vitamina D evidenciou que níveis séricos acima de 40 ng/mL podem provocar ação moduladora nas células do sistema imune 2121 . Kimball S, Vieth R, Dosch HM, et al. Cholecalciferol plus calcium suppresses abnormal PBMC reactivity in patients with multiple sclerosis. J Clin Endocrinol Metab 2011;96:2826-2834. . Novos estudos estão em andamento para melhor compreensão desse efeito imunomodulador nas doenças autoimunes.
O principal objetivo desta revisão é responder se há evidências que indiquem o uso de vitamina D como monoterapia ou como adjuvante em pacientes com EM. Foram realizadas buscas para estudos publicados até 12 de setembro de 2013 nas bases de dados PUBMED , EMBASE , COCHRANNE E LILACS , utilizando os descritores “multiple sclerosis”, “vitamin D” e “clinical trial”. Foram incluídos nesta análise estudos clínicos randomizados e controlados com vitamina D em pacientes com EM.
ESTUDOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS E CONTROLADOS COM VITAMINA D NO TRATAMENTO DA EM
Nesta revisão para avaliar a resposta terapêutica da vitamina D em pacientes com EM,
foram selecionados estudos clínicos randomizados, controlados e duplo-cegos 2525 . Soilu-Hänninen M, Aivo J, Lindström BM, et al. A randomised, double blind,
placebo controlled trial with vitamin D3 as an add on treatment to interferon β-1b in
patients with multiple sclerosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry
2012;83:565-571.
,
2626 . Kampman MT, Steffensen LH, Mellgren SI, Jørgensen L. Effect of vitamin D3
supplementation on relapses, disease progression, and measures of function in persons with
multiple sclerosis: exploratory outcomes from a double-blind randomised controlled trial.
Mult Sclerg 2012;18:1144-1151.
27 . Shaygannejad V, Janghorbani M, Ashtari F, Dehghan H. Effects of adjunct
low-dose vitamin d on relapsing-remitting multiple sclerosis progression: preliminary
findings of a randomized placebo-controlled trial. Mult Scler Int
2012;2012:452-541.
-
2828 . Stein MS, Liu Y, Gray OM, et al. A randomized trial of high-dose vitamin
D2 in relapsing-remitting multiple sclerosis. Neurology
2011;77:1611-1618. . Esses ainda são escassos na literatura científica mundial, e a maioria deles não
foi delineada para avaliar a resposta terapêutica. Novos estudos sobre esse tema estão em
andamento e poderão contribuir para melhor definição do papel da vitamina D na EM. A
seguir, abordaremos os estudos atuais mais relevantes.
Um estudo clínico desenvolvido na Finlândia, em 66 pacientes com EM remitente recorrente (EMRR), comparou dois grupos: um com 34 pacientes que usaram 20.000 UI/semana de vitamina D e mais o imunomodulador betainterferona 1B (IFNβ-1b), e o outro com 32 pacientes que usaram exclusivamente IFNβ-1b 2525 . Soilu-Hänninen M, Aivo J, Lindström BM, et al. A randomised, double blind, placebo controlled trial with vitamin D3 as an add on treatment to interferon β-1b in patients with multiple sclerosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2012;83:565-571. . Nesse estudo, os desfechos primários avaliados foram segurança, tolerância e o número de lesões captantes de gadolínio e de lesões novas em sequência ponderada T2 à ressonância magnética (RM). Desfechos secundários incluíram parâmetros clínicos - taxa anual de surtos e alterações no EDSS ( Expanded Disability Scale Score ), além de outros parâmetros de imagem. Ao final do estudo, não foram evidenciadas diferenças nos parâmetros clínicos entre os dois grupos após 12 meses. Houve, entretanto, redução significativa das lesões captantes de gadolínio no grupo de pacientes que usou betainterferona e vitamina D.
Outro estudo, conduzido na Noruega, comparou os parâmetros de densidade mineral óssea, frequência de surtos, progressão da doença e medidas da função motora em 70 pacientes com EM. Trinta e cinco pacientes usaram 20.000 UI de vitamina D3 (colecalciferol) por semana associado a 500 mg/dia de cálcio, enquanto o outro grupo usou apenas 500 mg/dia de cálcio durante dois anos 2626 . Kampman MT, Steffensen LH, Mellgren SI, Jørgensen L. Effect of vitamin D3 supplementation on relapses, disease progression, and measures of function in persons with multiple sclerosis: exploratory outcomes from a double-blind randomised controlled trial. Mult Sclerg 2012;18:1144-1151. . Os pacientes de ambos os grupos já faziam uso de imunomoduladores, acetato de glatiramer ou betainterferona, por tempo semelhante. Não foram observadas diferenças entre o grupo que recebeu vitamina D e o que não recebeu, quanto à taxa anual de surtos ou à modificação da capacidade funcional medida pelo EDSS. O estudo não apresentou poder estatístico adequado para detectar desfechos clínicos 1212 . Cantorna MT, Mahon BD. Mounting evidence for vitamin D as an environmental factor affecting autoimmune disease prevalence. Exp Biol Med (Maywood) 2004;229:1136-1142. .
Um estudo fase II realizado no Irã comparou 25 pacientes com EMRR que receberam vitamina D na forma ativa (calcitriol ou 1,25(OH)D3) na dose de 0,25 µg/dia com pacientes que receberam placebo 2727 . Shaygannejad V, Janghorbani M, Ashtari F, Dehghan H. Effects of adjunct low-dose vitamin d on relapsing-remitting multiple sclerosis progression: preliminary findings of a randomized placebo-controlled trial. Mult Scler Int 2012;2012:452-541. . Ambos os grupos faziam uso de imunomoduladores convencionais. A comparação entre o grupo tratado e o grupo não tratado com vitamina D ativa não apresentou diferença quanto ao EDSS alcançado após 12 meses de seguimento 1313 . Lucas RM, Ponsonby AL, Dear K, et al. Current and past Epstein-Barr virus infection in risk of initial CNS demyelination. Neurology 2011;77:371-379. . Destaca-se a pequena casuística e o fato de que era critério de entrada no estudo ter níveis maiores que 40 ng/mL de vitamina D3
Na Austrália, em estudo randomizado, 11 pacientes com EMRR foram tratados com vitamina D2 na dose de 6.000 UI duas vezes ao dia, acrescida de mais uma dose de 1.000 UI/dia, e comparados a 12 pacientes que receberam somente a dose de 1.000 UI/dia 2828 . Stein MS, Liu Y, Gray OM, et al. A randomized trial of high-dose vitamin D2 in relapsing-remitting multiple sclerosis. Neurology 2011;77:1611-1618. . O índice de atividade inflamatória na RM do neuroeixo foi comparado entre os grupos de pacientes tratados com dose alta versus dose baixa. Não foram evidenciadas diferenças significantes entre os grupos.
A meta-análise dos trabalhos acima citados não evidenciou diferença entre os grupos em relação ao número de surtos 2929 . James E, Dobson R, Kuhle J, Baker D, Giovannoni G, Ramagopalan SV. The effect of vitamin D-related interventions on multiple sclerosis relapses: a meta-analysis. Mult Scler 2013;19:1571-1579. . O número de lesões novas e de lesões captantes de gadolínio foram comparadas às concentrações séricas de vitamina D em dois outros estudos, e os achados foram conflitantes 2828 . Stein MS, Liu Y, Gray OM, et al. A randomized trial of high-dose vitamin D2 in relapsing-remitting multiple sclerosis. Neurology 2011;77:1611-1618. , 3030 . Mowry EM, Waubant E, McCulloch CE, et al. Vitamin D status predicts new brain magnetic resonance imaging activity in multiple sclerosis. Ann Neurol 2012;72:234-240. . Limitações dos estudos incluem diferentes posologias utilizadas e diferentes formas moleculares da vitamina D administradas.
Em contraste aos estudos epidemiológicos e experimentais, os estudos randomizados 2525 . Soilu-Hänninen M, Aivo J, Lindström BM, et al. A randomised, double blind,
placebo controlled trial with vitamin D3 as an add on treatment to interferon β-1b in
patients with multiple sclerosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry
2012;83:565-571.
26 . Kampman MT, Steffensen LH, Mellgren SI, Jørgensen L. Effect of vitamin D3
supplementation on relapses, disease progression, and measures of function in persons with
multiple sclerosis: exploratory outcomes from a double-blind randomised controlled trial.
Mult Sclerg 2012;18:1144-1151.
27 . Shaygannejad V, Janghorbani M, Ashtari F, Dehghan H. Effects of adjunct
low-dose vitamin d on relapsing-remitting multiple sclerosis progression: preliminary
findings of a randomized placebo-controlled trial. Mult Scler Int
2012;2012:452-541.
-
2828 . Stein MS, Liu Y, Gray OM, et al. A randomized trial of high-dose vitamin
D2 in relapsing-remitting multiple sclerosis. Neurology
2011;77:1611-1618. acerca do uso de vitamina D na EM não evidenciaram diferença significativa nos
parâmetros de atividade da doença. Essas diferenças e contradições indicam a necessidade
de realização de estudos randomizados, controlados e duplo-cegos, em grandes grupos de
pacientes. Esses devem considerar as diferenças entre variáveis clínicas, de neuroimagem e
imunológicas com poder estatístico para estimar com precisão a eficácia terapêutica e
efeitos colaterais.
VITAMINA D E TÓPICOS DIVERSOS
Faixa de normalidade
O Institute of Medicine ( IOM ) e The Endocrine Society (ES) defendem diferentes níveis de vitamina D necessários para a manutenção da saúde óssea, respectivamente ≥20ng/mL e ≥30ng/mL 33 . Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, et al. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metabl 2011;96:1911-1930. , 44 . Rosen CJ, Abrams SA, Aloia JF, et al. IOM committee members respond to Endocrine Society vitamin D guideline. J Clin Endocrinol Metab 2012;97:1146-1152. . Não está definido se as células ósseas e as do sistema imune requerem concentrações diferentes ou similares de vitamina D. Em adição à ausência de consenso quanto aos valores da faixa de normalidade da vitamina D, há também conflito quanto à concentração sérica considerada tóxica, e a dose que alcança essa condição. No adulto, doses maiores ou iguais a 10.000UI/dia estão associadas à hipercalcemia 3131 . Gallo S, Comeau K, Vanstone C, et al. Effect of different dosages of oral vitamin D supplementation on vitamin D status in healthy, breastfed infants: a randomized trial. JAMA 2013;309:1785-1792. , 3232 . Burton JM, Kimball S, Vieth R, et al. A phase I/II dose-escalation trial of vitamin D3 and calcium in multiple sclerosis. Neurology 2010;74:1852-1859. .
O método considerado padrão ouro para dosagem da concentração sérica de 25-OH vitamina D é a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) seguida de espectrometria de massa. Porém, a técnica é laboriosa e de custo elevado. Outros métodos, como quimiluminescência, imunoensaio enzimático e radioimunoensaio, também são utilizados. Pode ocorrer variabilidade dos resultados conforme o método utilizado 3333 . Roth HJ, Schmidt-Gayk H, Weber H, Niederau C. Accuracy and clinical implications of seven 25-hydroxyvitamin D methods compared with liquid chromatography-tandem mass spectrometry as a reference. Ann Clin Biochem 2008;45:153-159. . Determinados medicamentos como anticonvulsivantes e corticosteroides podem influenciar a redução da concentração sérica de vitamina D. A título de informação adicional, considerando a alta frequência de conversão entre as taxas utilizadas para referir-se à concentração de vitamina D, 1ng/mL equivale a 2,496 nmol/ml.
Perfil de Segurança
O perfil de segurança de diferentes níveis séricos de vitamina D foi avaliado em um estudo que usou doses elevadas. Trata-se de um estudo aberto e randomizado, conduzido no Canadá 3232 . Burton JM, Kimball S, Vieth R, et al. A phase I/II dose-escalation trial of vitamin D3 and calcium in multiple sclerosis. Neurology 2010;74:1852-1859. no qual um grupo de 25 pacientes com EM usou doses escalonadas de até 40.000 UI/dia de vitamina D3, enquanto o outro usou 4.000 UI/dia. Pacientes de ambos os grupos faziam uso concomitante de imunomoduladores (betainterferonas e acetato de glatiramer). A dose máxima de 40.000 UI/dia foi usada por até seis meses, seguida de 10.000 UI/dia por três meses e suspensão gradativa em três meses. Os dois grupos receberam 1200 mg de cálcio por dia, e as dosagens séricas de cálcio foram medidas. A concentração de vitamina D (25-OH-vitamina D) alcançou níveis superiores a 250 nmol/L ou 100 ng/mL, durante o período em que foram ministradas doses de 40.000 UI/dia. Durante o período do uso de 10.000 UI/dia de vitamina D, não foram detectados níveis de vitamina D ≥100 ng/mL ou hipercalcemia, o que sugere ser esta uma dose segura (nível de evidência classe II). Os pacientes foram acompanhados com ultrassonografia renal e não foi evidenciada nefrolitíase. Tampouco os níveis de cálcio sérico e urinário e paratormônio se alteraram mesmo em períodos de concentração sérica mais elevada. Outros estudos são necessários para confirmar esses achados.
Vitamina D - Efeitos Colaterais
O quadro clínico de intoxicação por vitamina D pode apresentar sinais e sintomas
diversos: náusea e vômito, anorexia, dor abdominal, obstipação; polidipsia, poliúria,
desidratação, nefrolitíase, nefrocalcinose, diabetes insipidus
nefrogênico, nefrite intersticial crônica, insuficiência renal aguda e crônica;
hipotonia, parestesias, confusão mental, crise convulsiva, apatia, coma; arritmia,
bradicardia, hipertensão, cardiomiopatia; fraqueza muscular, calcificação, osteoporose;
calcificação conjuntival 3434 . Koul PA, Ahmad SH, Ahmad F, Jan RA, Shah SU, Khan UH. Vitamin d toxicity
in adults: a case series from an area with endemic hypovitaminosis d. Oman Med J
2011;26:201-204.
35 . Zittermann A, Prokop S, Gummert JF, Börgermann J. Safety issues of vitamin
D supplementation. Anticancer Agents Med Chem 2013;13:4-10.
-
3636 . Ashizawa N, Arakawa S, Koide Y, Toda G, Seto S, Yano K. Hypercalcemia due
to vitamin D intoxication with clinical features mimicking acute myocardial infarction.
Intern Med 2003;42:340-344. . Hipercalcemia é o mais importante efeito colateral e quando observado
laboratorialmente sugere intoxicação 77 . Hossein-nezhad A, Holick MF. Vitamin D for health: a global perspective.
Mayo Clin Proc 2013;88:720-755.
,
3737 . Bell DA, Crooke MJ, Hay N, Glendenning P. Prolonged vitamin D
intoxication: presentation, pathogenesis and progress. Intern Med J
2013;43:1148-1150. .
Durante o uso de vitamina D, além do cálcio sérico, o cálcio urinário pode ser dosado periodicamente. A concentração sérica do paratormônio ( PTH) também deve ser verificada e não deve ultrapassar os valores inferiores de referência da normalidade, o que indicaria supressão, uma condição não recomendável 3535 . Zittermann A, Prokop S, Gummert JF, Börgermann J. Safety issues of vitamin D supplementation. Anticancer Agents Med Chem 2013;13:4-10. .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o conjunto de informações aqui apresentadas, o DCNI/ABN assume em consenso o seguinte:
-
É recomendado realizar dosagem de vitamina D nos pacientes com síndrome clinicamente isolada e EM, independentemente da fase da doença, sobretudo em pacientes que fazem uso frequente de corticosteroides ou anticonvulsivantes.
-
Níveis da vitamina D abaixo de 30 ng/mL no sangue periférico devem ser corrigidos nos pacientes com EM, em qualquer fase, ou em pacientes com síndrome desmielinizante isolada (grau de recomendação D).
-
Níveis de vitamina D acima de 100 ng/mL no sangue periférico devem ser evitados até que novas definições sejam estabelecidas (grau de recomendação D).
-
Até a publicação deste consenso, não existem evidências científicas que justifiquem o uso da vitamina D em monoterapia no tratamento da EM, na prática clínica . Portanto, atualmente, o uso de vitamina D como monoterapia na EM é considerado experimental. O uso em estudos clínicos requer aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos regulamentado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e aprovado por um Conselho Regional de Medicina, além de exigir consentimento esclarecido assinado pelos pacientes.
-
De acordo com dados de um estudo in vitro com células do sangue periférico de pacientes em uso de vitamina D, níveis séricos acima de 40 ng/mL são passíveis de provocar ação moduladora nas células do sistema imune 2121 . Kimball S, Vieth R, Dosch HM, et al. Cholecalciferol plus calcium suppresses abnormal PBMC reactivity in patients with multiple sclerosis. J Clin Endocrinol Metab 2011;96:2826-2834. . Com base nessa evidência, pode-se recomendar o uso de suplementação de vitamina D em doses capazes de manter os níveis séricos dos pacientes entre 40 ng/mL e 100 ng/mL, pois estes são considerados não tóxicos (grau de recomendação D).
-
Considerando: i) as diferenças individuais de necessidades de reposição e níveis séricos de vitamina D; ii) que um estudo realizado em indivíduos saudáveis demonstrou que o uso de 5.000 UI de vitamina D por dia, durante 15 semanas, aumentou os níveis até 60 ng/mL ; iii) doses até 10.000 UI dia foram consideradas seguras, sugerimos doses individualizadas até alcançar níveis entre 40 ng/mL e 100 ng/mL (grau de recomendação D).
-
Considerando que em pacientes com síndrome desmielinizante isolada baixas concentrações séricas de vitamina D poderiam influenciar o risco relativo de conversão para EM 1616 . Munger KL, Levin LI, Hollis BW, Howard NS, Ascherio A. Serum 25-hydroxyvitamin D levels and risk of multiple sclerosis. JAMA 2006;296:2832-2838. , sugerimos a pesquisa do nível sérico dessa vitamina nesses pacientes e correção, se necessária (grau de recomendação D).
-
Sendo a vitamina D3 um hormônio secoesteroide, consideramos que doses devam ser administradas de modo escalonado. Seria ainda de extrema importância o monitoramento da 25-hidroxi-vitamina D sérica antes do aumento das doses, a fim de avaliar se a suplementação está realmente sendo efetiva para o paciente em questão. (grau de recomendação D).
Este consenso será revisto com regularidade na medida em que novos conhecimentos forem sendo adicionados aos atualmente existentes.
Agradecimentos
Agradecemos aos pesquisadores Alessandro Farias (Pesquisador), Eduardo Antônio Donadi (Imunologista) e aos demais colaboradores que realizaram revisão crítica do manuscrito: Amilton Antunes Barreira, Danilo Lima Varela, Denis B. Bichuetti, Felipe von Glehn Silva, Gutemberg Augusto Cruz dos Santos, Marcos Papais-Alvarenga, Maria Fernanda Mendes, Maria Cecilia Vecino, Maria Lúcia Vellutini Pimentel, Paulo Pereira Christo, Thiago Faria Junqueira, Soniza Vieira Alvez Leon e Yara Dadalti Fragoso. Agradecemos também a valiosa assistência especializada de Paulo S. Moraes Júnior no suporte à reunião online utilizando Microsoft Lync.
References
-
1Grant WB, Holick MF. Benefits and requirements of vitamin D for optimal health: a review. Altern Med Rev 2005;10:94-111.
-
2Bikle DD. Vitamin D regulation of immune function. Vitam Horm 2011;86:1-21.
-
3Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, et al. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metabl 2011;96:1911-1930.
-
4Rosen CJ, Abrams SA, Aloia JF, et al. IOM committee members respond to Endocrine Society vitamin D guideline. J Clin Endocrinol Metab 2012;97:1146-1152.
-
5Holick MF. Vitamin D: important for prevention of osteoporosis, cardiovascular heart disease, type 1 diabetes, autoimmune diseases, and some cancers. South Med J 2005;98:1024-1027.
-
6Kurtzke J. A reassessment of the distribution of multiple sclerosis. Acta Neurol Scand 1975;51:137-157.
-
7Hossein-nezhad A, Holick MF. Vitamin D for health: a global perspective. Mayo Clin Proc 2013;88:720-755.
-
8Goldberg P, Fleming MC, Picard EH. Multiple sclerosis: decreased relapse rate through dietary supplementation with calcium, magnesium and vitamin D. Med Hypotheses 1986;21:193-200.
-
9Martinelli V, Dalla Costa G, Colombo B, et al. Vitamin D levels and risk of multiple sclerosis in patients with clinically isolated syndromes. Mult Scler 2013, Epub Ahead of Print
-
10Ebers GC, Bulman DE, Sadovnick AD, et al. A population-based study of multiple sclerosis in twins. N Engl J Med 1986;315:1638-1642.
-
11Sawcer S, Hellenthal G, Pirinen M, et al. Genetic risk and a primary role for cell-mediated immune mechanisms in multiple sclerosis. Nature 2011;476:214-219.
-
12Cantorna MT, Mahon BD. Mounting evidence for vitamin D as an environmental factor affecting autoimmune disease prevalence. Exp Biol Med (Maywood) 2004;229:1136-1142.
-
13Lucas RM, Ponsonby AL, Dear K, et al. Current and past Epstein-Barr virus infection in risk of initial CNS demyelination. Neurology 2011;77:371-379.
-
14Hedström AK, Sundqvist E, Bäärnhielm M, et al. Smoking and two human leukocyte antigen genes interact to increase the risk for multiple sclerosis. Brain 2011;134:653-664.
-
15Ascherio A, Munger K. Epidemiology of multiple sclerosis: from risk factors to prevention. Semin Neurol 2008;28:17-28.
-
16Munger KL, Levin LI, Hollis BW, Howard NS, Ascherio A. Serum 25-hydroxyvitamin D levels and risk of multiple sclerosis. JAMA 2006;296:2832-2838.
-
17Maeda SS, Saraiva GL, Kunii IS, et al. Factors affecting vitamin D status in different populations in the city of Sao Paulo, Brazil: the Sao PAulo vitamin D Evaluation Study (SPADES). BMC Endocr Disord 2013;13:14.
-
18Libon F, Cavalier E, Nikkels AF. Skin color is relevant to vitamin D synthesis. Dermatology 2013;227:250-254.
-
19Smolders J, Menheere P, Kessels A, Damoiseaux J, Hupperts R. Association of vitamin D metabolite levels with relapse rate and disability in multiple sclerosis. Mult Scler 2008;14:1220-1224.
-
20Arantes HP, Kulak CA, Fernandes CE, et al. Erratum to: correlation between 25-hydroxyvitamin D levels and latitude in Brazilian postmenopausal women: from the Arzoxifene Generations Trial. Osteoporos Int 2013;24:2899-2900.
-
21Kimball S, Vieth R, Dosch HM, et al. Cholecalciferol plus calcium suppresses abnormal PBMC reactivity in patients with multiple sclerosis. J Clin Endocrinol Metab 2011;96:2826-2834.
-
22Allen AC, Kelly S, Basdeo SA, et al. A pilot study of the immunological effects of high-dose vitamin D in healthy volunteers. Mult Scler 2012;18:1797-1800.
-
23Farias AS, Spagnol GS, Bordeaux-Rego P, et al. Vitamin D3 induces IDO(+) tolerogenic DCs and enhances Treg, reducing the severity of EAE. CNS Neurosci Ther 2013;19:269-277.
-
24Correale J, Ysrraelit MC, Gaitán MI. Vitamin D-mediated immune regulation in multiple sclerosis. J Neurol Sci 2011;311:23-31.
-
25Soilu-Hänninen M, Aivo J, Lindström BM, et al. A randomised, double blind, placebo controlled trial with vitamin D3 as an add on treatment to interferon β-1b in patients with multiple sclerosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2012;83:565-571.
-
26Kampman MT, Steffensen LH, Mellgren SI, Jørgensen L. Effect of vitamin D3 supplementation on relapses, disease progression, and measures of function in persons with multiple sclerosis: exploratory outcomes from a double-blind randomised controlled trial. Mult Sclerg 2012;18:1144-1151.
-
27Shaygannejad V, Janghorbani M, Ashtari F, Dehghan H. Effects of adjunct low-dose vitamin d on relapsing-remitting multiple sclerosis progression: preliminary findings of a randomized placebo-controlled trial. Mult Scler Int 2012;2012:452-541.
-
28Stein MS, Liu Y, Gray OM, et al. A randomized trial of high-dose vitamin D2 in relapsing-remitting multiple sclerosis. Neurology 2011;77:1611-1618.
-
29James E, Dobson R, Kuhle J, Baker D, Giovannoni G, Ramagopalan SV. The effect of vitamin D-related interventions on multiple sclerosis relapses: a meta-analysis. Mult Scler 2013;19:1571-1579.
-
30Mowry EM, Waubant E, McCulloch CE, et al. Vitamin D status predicts new brain magnetic resonance imaging activity in multiple sclerosis. Ann Neurol 2012;72:234-240.
-
31Gallo S, Comeau K, Vanstone C, et al. Effect of different dosages of oral vitamin D supplementation on vitamin D status in healthy, breastfed infants: a randomized trial. JAMA 2013;309:1785-1792.
-
32Burton JM, Kimball S, Vieth R, et al. A phase I/II dose-escalation trial of vitamin D3 and calcium in multiple sclerosis. Neurology 2010;74:1852-1859.
-
33Roth HJ, Schmidt-Gayk H, Weber H, Niederau C. Accuracy and clinical implications of seven 25-hydroxyvitamin D methods compared with liquid chromatography-tandem mass spectrometry as a reference. Ann Clin Biochem 2008;45:153-159.
-
34Koul PA, Ahmad SH, Ahmad F, Jan RA, Shah SU, Khan UH. Vitamin d toxicity in adults: a case series from an area with endemic hypovitaminosis d. Oman Med J 2011;26:201-204.
-
35Zittermann A, Prokop S, Gummert JF, Börgermann J. Safety issues of vitamin D supplementation. Anticancer Agents Med Chem 2013;13:4-10.
-
36Ashizawa N, Arakawa S, Koide Y, Toda G, Seto S, Yano K. Hypercalcemia due to vitamin D intoxication with clinical features mimicking acute myocardial infarction. Intern Med 2003;42:340-344.
-
37Bell DA, Crooke MJ, Hay N, Glendenning P. Prolonged vitamin D intoxication: presentation, pathogenesis and progress. Intern Med J 2013;43:1148-1150.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Fev 2014
Histórico
-
Recebido
10 Jan 2014 -
Aceito
20 Jan 2014