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Evolução maligna de um ganglioglioma: relato de caso

Malignant evolution of a ganglioglioma: case report

Resumos

Relatamos o caso de um paciente de oito anos de idade, com quadro clínico de cefaléia, náuseas e vômitos. A angiografia cerebral mostrava massa frontal não vascularizada. O paciente foi submetido a craniotomia, com remoção da lesão cujo estudo anátomo-patológico comprovou o diagnóstico de ganglioglioma. O paciente recebeu radioterapia no pós-operatório. Durante o seguimento, 16 anos após, houve recidiva da lesão, comprovada pela tomografia computadorizada do crânio, sendo submetido a nova cirurgia, cujo exame anátomo-patológico revelou ser glioblastoma multiforme. Gangliogliomas são tumores raros do sistema nervoso central, contendo mescla de células neuronais e gliais. A anaplasia ocorre somente no componente glial, sendo este, portanto, responsável pelo prognóstico desta lesão.

tumor cerebral; ganglioglioma; ganglioglioma anaplásico; glioblastoma multiforme


We present the case of a 8-years-old boy, admitted with a history of headache, nausea and vomiting. Cerebral angiography showed a non-vascular mass on frontal lobe. The patient underwent craniotomy and the lesion was removed. Neuropathological study revealed that the tumor was a ganglioglioma. The patient received pos-operative radiotherapy. On follow-up, 16 years after, a computed tomographic scan showed a recurrence of the tumor, and a second surgery revealed a glioblastoma multiform. Gangliogliomas are rare tumors of the central nervous system containg neoplastic ganglion cells and low grade neoplastic glial cells. The malignant degeneration occurs only in the glial component, so the prognosis of these tumors is related to the grade of that component.

brain neoplasm; ganglioglioma; anaplastic ganglioglioma; glioblastoma multiforme


EVOLUÇÃO MALIGNA DE UM GANGLIOGLIOMA

RELATO DE CASO

JOÃO FLÁVIO MATTOS ARAÚJO* * Departamento de Neuro-Psiquiatria e Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Departamento de Neurologia do Hospital Vera Cruz - Campinas: Departamento de Neuro-Psiquiatria, ** Departamento de Patologia. Aceite: 16-março-1998. , MARCOS ROGÉRIO CAPELLO SOUZA** * Departamento de Neuro-Psiquiatria e Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Departamento de Neurologia do Hospital Vera Cruz - Campinas: Departamento de Neuro-Psiquiatria, ** Departamento de Patologia. Aceite: 16-março-1998. , ALEXANDER SPERLESCU* * Departamento de Neuro-Psiquiatria e Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Departamento de Neurologia do Hospital Vera Cruz - Campinas: Departamento de Neuro-Psiquiatria, ** Departamento de Patologia. Aceite: 16-março-1998. , ROQUE JOSÉ BALBO* * Departamento de Neuro-Psiquiatria e Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Departamento de Neurologia do Hospital Vera Cruz - Campinas: Departamento de Neuro-Psiquiatria, ** Departamento de Patologia. Aceite: 16-março-1998.

RESUMO - Relatamos o caso de um paciente de oito anos de idade, com quadro clínico de cefaléia, náuseas e vômitos. A angiografia cerebral mostrava massa frontal não vascularizada. O paciente foi submetido a craniotomia, com remoção da lesão cujo estudo anátomo-patológico comprovou o diagnóstico de ganglioglioma. O paciente recebeu radioterapia no pós-operatório. Durante o seguimento, 16 anos após, houve recidiva da lesão, comprovada pela tomografia computadorizada do crânio, sendo submetido a nova cirurgia, cujo exame anátomo-patológico revelou ser glioblastoma multiforme. Gangliogliomas são tumores raros do sistema nervoso central, contendo mescla de células neuronais e gliais. A anaplasia ocorre somente no componente glial, sendo este, portanto, responsável pelo prognóstico desta lesão.

PALAVRAS-CHAVE: tumor cerebral, ganglioglioma, ganglioglioma anaplásico, glioblastoma multiforme.

Malignant evolution of a ganglioglioma: case report

ABSTRACT - We present the case of a 8-years-old boy, admitted with a history of headache, nausea and vomiting. Cerebral angiography showed a non-vascular mass on frontal lobe. The patient underwent craniotomy and the lesion was removed. Neuropathological study revealed that the tumor was a ganglioglioma. The patient received pos-operative radiotherapy. On follow-up, 16 years after, a computed tomographic scan showed a recurrence of the tumor, and a second surgery revealed a glioblastoma multiform. Gangliogliomas are rare tumors of the central nervous system containg neoplastic ganglion cells and low grade neoplastic glial cells. The malignant degeneration occurs only in the glial component, so the prognosis of these tumors is related to the grade of that component.

KEY WORDS: brain neoplasm, ganglioglioma, anaplastic ganglioglioma, glioblastoma multiforme.

Gangliogliomas são considerados tumores raros, atingindo principalmente a população infantil1-3, sendo composto por mescla de células gliais e neuronais3-9. Apresenta crescimento lento, cuja sintomatologia resulta do efeito de massa tumoral ou crise convulsiva9. Entretanto a anaplasia do componente glial já foi relatada por alguns autores, podendo ocorrer a indiferenciação para glioblastoma multiforme8-10, fato este que altera significativamente a evolução do caso.

Os autores relatam caso em que um paciente, então com 8 anos de idade, foi submetido a craniotomia frontal esquerda para remoção de processo expansivo, cujo diagnóstico foi ganglioglioma. O paciente foi acompanhado e, 16 anos após o primeiro procedimento, apresentou recidiva da lesão, sendo reoperado e tendo diagnóstico atual de glioblastoma multiforme.

RELATO DE CASO

TAF, 8 anos de idade, branco, admitido em julho-1979, com queixa de cefaléia há 1 ano, com piora há 3 meses, quando surgiram náuseas, vômitos e déficit de atenção. Nenhum antecedente patológico relevante. Seu exame neurológico mostrava um paciente alerta, sem déficits motores ou sensitivos e papiledema bilateral à fundoscopia. Realizou angiografia carotídea, que evidenciou grande massa expansiva frontal esquerda, praticamente não vascularizada. Submetido a craniotomia frontal esquerda, com retirada da massa, situada anteriormente à área motora, não relacionada ao sistema ventricular. O exame anátomo-patológico demonstrou o diagnóstico de ganglioglioma frontal, sendo as lâminas enviadas para o Instituto de Patologia das Forças Armadas dos Estados Unidos da América, que confirmou esse diagnóstico (Fig 1). Realizado tratamento por radioterapia complementar com cobaltoterapia, recebendo 45 Gy entre setembro-1979 e novembro-1979. O paciente apresentou exelente evolução clínica, realizando reavaliações periódicas, nada sendo constatado. Em 1989, realizou controle tomográfico do encéfalo, que não evidenciou recidiva da lesão.


Em 1995, o paciente retornou, referindo progressiva cefaléia frontal, apresentando também náuseas e vômitos. Seu exame neurológico apresentou edema das papilas à fundoscopia. Realizou tomografia do encéfalo (Fig 3), que evidenciou lesão frontal esquerda, recidivada, com importante efeito de massa e captação de contraste em sua periferia. Submetido a nova craniotomia, com remoção da lesão. Esta apresentava áreas de necrose, intenso edema e aparente infiltração do parênquima cerebral vizinho. O exame anátomo-patológico evidenciou glioblastoma multiforme (Fig 2).



O paciente teve boa evolução clínica, apresentando hemiparesia direita de predomínio braquial, estando em acompanhamento ambulatorial, sendo realizado tratamento quimioterápico, três ciclos com vincristina, procarbazina e CCNU.

DISCUSSÃO

Ganglioglioma é tumor composto pela mescla de células neoplásicas gliais e células neuronais, ambas consideradas de baixo grau de malignidade3-6,8. Virchow primeiramente decreveu tumores com origem de elementos neuronais, cabendo a Cushing, em 1927, descrever um ganglioglioma. Em 1930, Courville publicou a primeira casuística, contendo 20 pacientes com diagnóstico de ganglioglioma e extensa revisão sobre o assunto, estabelecendo a partir deste momento esta denominação na literatura1-3.

Considerado tumor raro, com incidência entre 0,4% a 7,6% em séries puramente pediátricas e, considerando-se toda população, a incidência não ultrapassa de 0,5% a 1,5%, entre todos os tumores do sistema nervoso central1-6,10-14. Acomete portanto principalmente jovens, pois a literatura mostra que entre 60% a 80% dos casos apresentavam idade inferior a 30 anos no momento do diagnóstico, não existindo preponderância quanto ao sexo1-3. Clinicamente, gangliogliomas hemisféricos manifestam-se tardiamente em relação a gangliogliomas de linha média, fato este comprovado por Haddad e col.1.

A origem desta neoplasia talvez decorra de "pool" de células precursoras primitivas ou embrionárias e que apresentam característica bipotencial, originando tanto componentes gliais como neuronais3,9,12. Acomete predominantemente os hemisférios cerebrais, principalmente o lobo temporal, podendo tambem atingir os gânglios da base, cerebelo, tronco cerebral, medula espinhal, nervo óptico e glândula pineal1,2,4,9-11,14-17. Russel e Rubinstein8 relatam que 5% dos casos apresentavam outras anomalias congênitas, tais como síndrome de Down e agenesia do corpo caloso. Já na cauística de Haddad e col.1, 24% dos pacientes apresentavam anomalias congênitas.

Clinicamente, estes tumores apresentam lenta evolução, podendo-se passar até 10 anos para se realizar o diagnóstico. Davidson e col.5 relatam um caso em que a história de disfunção neurológica foi de 46 anos, e 10 anos de evolução a partir do diagnóstico da lesão. Geralmente apresenta-se com crises convulsivas, que podem ser generalizadas ou focais, cefaléia de progressivo agravamento e déficits neurológicos. Também pode ocorrer hidrocefalia, com sinais e sintomas inerentes a este quadro1-3,10,12,16.

Os achados tomográficos desta neoplasia demostram que em 40% dos casos existe área hipodensa, que pode estar associada a cistos em 50% dos casos. Ocorre captação de contraste na maioria dos casos e calcificações estão presentes em 25% a 55% dos casos2,6,10,12. O estudo radiológico simples do crânio, demonstra calcificações intracranianas amorfas em 10% dos casos10. A presença de hemorragia intratumoral é incomum, pois raramente é hipervascularizado, existindo na literatura apenas o relato de um caso por Baltuch e col.4, no qual a lesão era extremamente vascularizada. Na maioria absoluta dos casos a lesão é avascular10. A ressonância apresenta maior sensibilidade na identificação desta lesão. Em T1 são hipointensos e hiperintensos em T2, sendo a captação de gadolíneo variável1-3,18.

Macroscopicamente este tumor revela tecido fibroso circunscrito, facilmente distinguível do tecido cerebral adjacente, com áreas de calcificações e áreas císticas, contendo líquido de coloração xantocrômica. Microscopicamente os critérios para o diagnóstico foram dados por Russell e Rubinstein, que são: (a) o tumor é constituído pela mistura de células gliais e neuronais; (b) as células gliais são basicamente astrócitos, mas células com morfologia de oligodendrócitos já foram descritas; (c) colorações específicas demonstrando a substância de Nissl confirmam a presença de células neuronais2,3,8,14. Segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde, feita em 1993, gangliogliomas são graduados como grau I ou II e gangliogliomas anaplásicos como grau III, sendo este último caracterizado pela presença de áreas de hipercelularidade, proliferação vascular, necrose e figuras de mitose19.

O caso por nós relatado mostra a indiferenciação de um ganglioglioma para glioblastoma multiforme 16 anos após a remoção cirúrgica, complementada com radioterapia. Segundo vários autores, a evolução maligna desta neoplasia provavelmente é determinada pelo componente glial e não neuronal1,2,6-10,13,15,20. Russell e Rubinstein8 relataram caso de indiferenciação para glioblastoma 23 anos após a remoção cirúrgica de um ganglioglioma, sendo importante ressaltar que este paciente não havia sido submetido a radioterapia. Isla e col.6 relatam caso em que ocorreu indiferenciação para astrocitoma grau II, após ressecção cirúrgica, sem radioterapia prévia. Outros autores, como Kalyan-Raman e Olivero7, Haddad e col.1, confirmam que a degeneração maligna é atribuída ao componente glial, determinando o prognóstico desta neoplasia. Estudos imuno-histoquímicos, utilizando índices de proliferação celular, como o PCNA ou Ki-67, realizados por Wolf e col.21, indicaram que a proliferação está restrita ao componente celular astrocitário, sugerindo-se que o componente neuronal não apresente natureza neoplásica. Esta afirmação, entretanto, é contestada por Jay e col.22, que relatam caso em que há anaplasia tanto astrocitária como neuronal.

O tratamento proposto para estas lesões é sua remoção cirúrgica integral, ficando a radioterapia para casos em que a remoção foi subtotal1-3,6-8,10,12,16. O efeito da quimioterapia neste tumor não está totalmente estabelecido, mas até o momento considera-se que não traz qualquer benefício para o paciente10. Também aspectos genéticos devem estar envolvidos na gênese desta neoplasia, pois Wacker e col. mostraram perda da sequencia de DNA do cromossomo 17p, tratando-se provavelmente de gene supressor para tumores9. Estudos futuros de genética molecular poderão contribuir para o diagnóstico e tratamento destes tumores.

Dr. João Flávio M. Araújo - Departamento de Neurologia do Hospital Vera Cruz - Avenida Andrade Neves 402 - 13013-900 Campinas SP - Brasil.

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  • *
    Departamento de Neuro-Psiquiatria e Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Departamento de Neurologia do Hospital Vera Cruz - Campinas:
    Departamento de Neuro-Psiquiatria,
    **
    Departamento de Patologia. Aceite: 16-março-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Set 1998

    Histórico

    • Aceito
      16 Mar 1998
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