Ação de medicamentos sôbre a irrigação e metabolismo cerebrais: resultados de determinações quantitativas no homem
Effect of drugs on cerebral metabolism and blood supply: results of quantitative determinations in man
Hartwig Heyck
Docente da Clínica Psiquiátrica e Neurológica da Universidade Livre de Berlim (Alemanha)
RESUMO
Utilizando o método do óxido nitroso, com o qual estudou os valôres de fluxo sangüíneo cerebral, a resistência cerebrovascular, o consumo de oxigênio e de glicose, o autor demonstra que certos medicamentos têm ação estatisticamente significativa no sentido de aumentar o afluxo de sangue ao cérebro e o metabolismo cerebral. Foi estudada, mediante administração intensa (dose única) e lenta (doses terapêuticas em tratamento prolongado), em sêres humanos, a ação do ácido nicotínico, da aminofilina (Eufilin), de um derivado da difenil-propilamina (Segontin) e da hidergina. Em todos os casos estudados os níveis de partida do fluxo sangüíneo cerebral estavam nitidamente diminuídos; segundo o autor é somente em tais circunstâncias que a ação dos mencionados medicamentos é eficiente.
ABSTRACT
Using the nitrous oxide method to study the cerebral blood flow, the cerebrovascular resistance, and the oxygen and glucose consumption, the author shows that some drugs display a statistically significant action on the increase of cerebral metabolism and blood supply. The effects of nicotinic acid, aminophylline (Eufilin), diphenyl-propylamine derivative (Segontin), and hydergine were studied in human beings through an administration both massive (one dosis only) and fractioned (therapeutic doses in prolonged schemes). In every case the starting levels of cerebral blood flow were markedly low; the author believes that only in such a circumstance the mentioned drugs are effective.
A farmacodinâmica da irrigação cerebral tem a mesma importância que a da irrigação pelas artérias coronárias, pois alterações destes dois sistemas vasculares incidem com freqüência aproximadamente igual. Entretanto, se é certo que os vasos coronários podem ser influenciados por numerosos medicamentos, existem dúvidas sôbre os efeitos dos medicamentos preconizados para atuar sobre os vasos cerebrais.
Muitos autores, especialmente fisiologistas, admitem que a irrigação cerebral é regulada somente pela circulação geral, em especial pela pressão sangüínea ou pelo volume do débito cardíaco; os vasos cerebrais constituiriam, fisiologicamente, um sistema passivo. Embora admitindo a ação do tono dos vasos cerebrais e a das modificações quantitativas do fluxo sangüíneo cerebral provocadas por agentes químicos, especialmente o teor do CO2 e do 02 no sangue, muitos autores (Opits, Schneider) rejeitam o conceito de que, em circunstâncias normais, elementos neurais locais participem da regulação da irrigação cerebral, a despeito da existência de fibras nervosas nas paredes dos vasos cerebrais, inclusive nos pré-capilares. Baseiam-se estas opiniões, em geral, em determinações do fluxo sangüíneo cerebral feitas em animais mediante processos nos quais a narcose e traumatismos neurocirúrgicos alteram profundamente as regulações fisiológicas, disso resultando dados bastante contraditórios. Além disso, é preciso considerar que reações cerebrovasculares, mesmo sob condições experimentais idênticas, são diversas em diferentes espécies de animais; assim, não é possível aplicar indiscriminadamente ao homem os resultados obtidos em animais. Por isso, muitos estudiosos preferem apoiar-se em observações clínicas e não em experiências em animais, para julgar quanto à eficácia de medicamentos usados no tratamento de distúrbios cerebrovasculares.
Em 1945, Kety e Schmidt apresentaram método que permite melhor determinação quantitativa da irrigação cerebral e que pode ser feita sem narcose (introdução de cânula no bulbo da veia jugular interna e de outra em artéria calibrosa). Baseia-se o método na aplicação do princípio de Fick para a determinação do volume-minuto, após inalação de óxido nitroso à concentração de 15%, juntamente com 21% de oxigênio e 64% de nitrogênio. Punções simultâneas de sangue arterial e de sangue venoso cerebral, feitas desde o início da inalação até a obtenção do equilíbrio de saturação, o que ocorre em 10 minutos aproximadamente, dão curvas das diferenças de concentração de óxido nitroso entre sangue arterial e venoso; desses dados e da concentração final do óxido nitroso no sangue arterial é deduzida a velocidade do fluxo sangüíneo através do cérebro. O processo foi simplificado por Scheinberg e Stead, colhendo sangue arterial e venoso continuamente e com rigoroso sincronismo, durante 10 minutos; para os cálculos são utilizados o valor médio do conteúdo de gas nas duas seringas, isto é, a diferença dos valores médios. Bernsmeier e Siemons aperfeiçoaram o método de Scheinberg e Stead, usando seringa de punção a motor, possibilitando grande exatidão. É este o método que estamos utilizando desde 1954.
Evidentemente, a segurança do método depende da inexistência de qualquer espécie de "shunt", seja devido a processos patológicos ou a anomalias anastomóticas artério-venosas. Visto tratar-se de determinações comparativas, não importa a exatidão absoluta dos teores obtidos.
O método indica a irrigação para cada 100 g de parênquima cerebral, valor deduzido da troca total de gas no cérebro inteiro. Isso significa que o método indica apenas as condições globais, não informando sobre desvios circulatórios focais, que desempenham papel importante em certos processos patológicos, especialmente em casos de icto cerebral. É por isso que, visando a estudar os distúrbios da irrigação cerebrovascular, não utilizamos pacientes com apoplexia e sim pacientes com lesões difusas dos vasos cerebrais.
Valores normais fornecidos pelo método - Indivíduos adultos e no estado hígido têm, conforme Kety, um fluxo de 54 cm3 de sangue por 100 g de parênquima cerebral por minuto. Resultados obtidos por outros pesquisadores são superponíveis. Nossas investigações, realizadas em 20 indivíduos normais, deram o valor de 54,7 cml Em crianças de 3 a 8 anos encontram-se valores médios de cerca de 100 cm3 por minuto. A partir de 55 anos de idade, a irrigação cerebral diminui aos poucos; entretanto, pessoas de 70 anos ou mais podem apresentar valores normais. Sendo de 1.400 g o peso médio do cérebro de um adulto, isso eqüivale a uma irrigação total de 750 g de sangue por minuto, o que corresponde a cerca de 17% da quantidade total do sangue fornecido pelo coração. Desde que o peso do cérebro representa apenas 2% do peso do corpo, vê-se que o cérebro é 8 vezes mais irrigado do que a média de todas as demais partes do corpo. A velocidade do fluxo sangüíneo nos capilares cerebrais é, portanto, muito grande, sendo maior nas crianças do que nos adultos.
Outro valor hemodinâmico determinável por esse método é a resistência cerebrovascular cerebral, isto é, a pressão em mm de mercúrio necessária para impulsionar 1 cm3 de sangue, por minuto, através de 100 g de tecido cerebral; esse dado é obtido pela divisão da diferença das pressões arterial e venosa pelo volume da irrigação cerebral.
Significativa é a possibilidade de utilização do método para a determinação de valores quantitativos no metabolismo cerebral. Medindo a diferença artério-venosa de 02, de CO2 e de glicose e sabendo o total da irrigação cerebral, é possivel determinar que quantidades dessas substâncias são consumidas pelo cérebro. O valor médio normal da diferença artério-venosa cerebral de 02 é de 6,1 a 6,4% do volume total; os valores médios normais da diferença de glicose situam-se, segundo alguns autores, entre 9,6 e 9,8 mg%; segundo nossas pesquisas o valor médio normal da diferença de glicose é de cerca de 8,4 mg%. O consumo cerebral de 02, conforme nossas pesquisas, é, em média, de cerca de 3,3 cm3, ao passo que o de glicose é de cerca de 4,5 mg por 100 g de tecido cerebral e por minuto.
Homeostase da circulação cerebral - A irrigação cerebral se mantém em nível constante, especialmente se comparada com a circulação em outros órgãos. Essa homeostase é da maior importância no que respeita aos efeitos de medicamentos sobre a irrigação cerebral, pois, no indivíduo normal, a regulação própria do tono dos vasos cerebrais é tão estável que se opõe a um efeito nítido e mensurável da maioria dos medicamentos. A homeostase cerebrovascular se mantém mesmo na vigência de hipertensão arterial, salvo nos casos em que esta é aguda e intensa; a queda da pressão sangüínea é, entretanto, fator de desequilíbrio, diminuindo a irrigação cerebral. Em estados hipóxicos aumenta o volume do fluxo sangüíneo a fim de assegurar o abastecimento de 02 ao cérebro. Cabe ao CO2 o maior efeito no sentido de aumentar a irrigação cerebral. Com tensão supernormal de 02 no sangue, por exemplo quando há hiperventilação pulmonar, diminui a irrigação cerebral.
O volume da irrigação cerebral ajusta-se a condições que reduzem ou aumentam o metabolismo cerebral. Este diminui sob o efeito de narcose com barbitúricos, condições em que a irrigação cerebral cai abaixo do normal; ao contrário, sob a influência de medicamentos convulsionantes, o fluxo sangüíneo cerebral aumenta.
É importante o fato de que a alteração do tono vascular se limita ao cérebro, seja como resposta às modificações da pressão sangüínea, seja por necessidades metabólicas, demonstrando que os vasos cerebrais reagem a esses estímulos de maneira diversa dos restantes vasos do organismo. Não sabemos, por exemplo, qual a razão pela qual o CO2 dilata exclusivamente os vasos cerebrais; trata-se, obviamente, de ação direta sobre a parede vascular, não transmitida por quimiorreceptores. Também deve-se levar em consideração que alguns medicamentos têm efeito puramente local sobre os vasos cerebrais, embora ainda seja desconhecido seu modo de ação. A este respeito os estudos estão em fase inicial. Desejo chamar apenas a atenção para algumas descobertas mais recentes como, por exemplo, a relativa à ação da bradicinina, demonstrada por Rocha e Silva, de São Paulo. Com essas pesquisas abrem-se perspectivas inteiramente novas no estudo da regulação da vasomotricidade cerebral.
Resultados obtidos com o método do óxido nitroso, com relação à influência de medicamentos sobre a irrigação cerebral - Tem sido demonstrado que a maioria dos medicamentos habitualmente utilizados em clínica para corrigir déficits da irrigação cerebral não parece poder aumentar o fluxo sangüíneo cerebral; pelo contrário, alguns até provocam diminuição do fluxo sangüíneo cerebrovascular. É verdade que alguns destes medicamentos diminuem a resistência cerebrovascular, mas isso só significa que, apesar de eventual queda da pressão sangüínea, o valor da irrigação cerebral permanece inalterado em virtude dos mecanismos que regem a homeostase, pois, quando há queda da pressão sangüínea, ocorre dilatação correspondente dos vasos cerebrais.
Além do CO2, foi somente com a papaverina que se pôde obter aumento significativo da irrigação cerebral. Esses achados experimentais nem sempre correspondem aos resultados clínicos, pois, em casos patológicos nos quais a irrigação cerebral é deficiente, os resultados obtidos com a inalação de CO2 nem sempre são nítidos; a papaverina também nem sempre é eficaz nestas circunstâncias.
Numerosos estudos visaram a apreciar o efeito, sobre o volume do fluxo sangüíneo cerebral, dos medicamentos aos quais, de acordo com aplicações clínicas satisfatórias, é atribuído efeito significante no sentido de aumentar a irrigação cerebral. Em geral os resultados foram negativos. Nos trabalhos que compulsamos - entre outros os de Scheinberg (ácido nicotínico), de Wechsler e col. (aminofilina), de Mayer e col. (aminofilina), de McCall e col. (hidergina), de Schenkin e col. (histamina) - não foi assinalado aumento estatisticamente significativo do fluxo sangüíneo cerebral após a administração, sob forma aguda, dos medicamentos relacionados. É preciso salientar, entretanto, que essas provas foram feitas em pacientes normais sob o ponto de vista circulatório cerebral ou, quando muito, em pacientes com hipertensão arterial ou insuficiência cardíaca compensada. É necessário também frisar que em todos esses casos o fluxo sangüíneo cerebral era normal antes de serem feitos os testes, com exceção de um grupo de pacientes com insuficiência cardíaca, nos quais foi testado o efeito da aminofilina (Mayer e col.); estes estudos mostraram que, com a aminofilina, ocorre até diminuição do fluxo sangüíneo cerebral, tanto em indivíduos normais como em pacientes com insuficiência cardíaca.
Não é preciso referir resultados de pesquisas realizadas com outros medicamentos. Dos medicamentos até hoje estudados, sob este ponto de vista e em pacientes normais, somente a adrenalina constitui exceção interessante, pois provoca aumento da irrigação cerebral secundária a grande elevação da pressão arterial; o efeito é explicado pelo fato de que a constrição dos vasos extracerebrais é mais intensa do que a constrição dos vasos cerebrais, o que faz com que passe mais sangue para o cérebro; entretanto, devido a seus efeitos secundarios, éste medicamento não pode ser usado em casos de afecções cerebrovasculares. O aumento da irrigação cerebral provocado pela papaverina é explicado pela paralisação da musculatura, efeito que é mais intenso sobre os vasos cerebrais do que sobre os demais vasos; de outro modo não seria possível explicar porque, sob ação deste medicamento, um único órgão recebe maior quantidade de sangue.
De acordo com pesquisas já antigas, quase nunca foi verificado aumento do metabolismo cerebral sob a ação de medicamentos. Com a elevação da irrigação cerebral pelo efeito do CO2, diminui correspondentemente apenas a diferença artério-venosa de 02, permanecendo inalterado o consumo de 02 pelo cérebro. Uma queda da diferença artério-venosa de 02 sem alteração do metabolismo é, assim, também indicadora de aumento da irrigação cerebral. Isso pode ser de valor prático como controle dos resultados obtidos pelo método do óxido nitroso.
É necessário acentuar, mais uma vez, que os resultados das ações medicamentosas têm sido obtidos, em geral, em indivíduos considerados normais do ponto de vista cerebrovascular, sendo poucos os dados relativos aos efeitos de tais medicamentos na vigência de doenças vasculares cerebrais difusas. Além disso, essas pesquisas visam, quase exclusivamente, aos efeitos agudos. Além dos colaboradores de Kety, foram sobretudo Scheinberg e Sokolof, nos Estados Unidos, e Bernsmeier, na Alemanha, que fizeram tais investigações. Nós mesmos realizamos, de seis anos para cá, pesquisas com uma série de medicamentos, na Clínica Neurocirúrgica de Zurique e, mais tarde, em Berlim.
CONTRIBUIÇÃO PESSOAL
Utilizamos pacientes apresentando distúrbios manifestos da irrigação cerebral, preponderantemente arteriosclerose cerebral, paralisia geral progressiva e angiite cerebral tipo Winiwarter-Buerger. Os resultados das medições que fizemos nos convenceram de que é possível obter, pela ação de medicamentos, considerável aumento da irrigação cerebral e, não raramente, também do metabolismo cerebral. Ao lado de testes de caráter agudo, fizemos também determinações após tratamento prolongado usando doses terapêuticas. O fato de nossos resultados serem diferentes dos de outros pesquisadores explica-se pela seleção dos doentes, pois utilizamos somente os que apresentavam, em conseqüência da doença e antes da medicamentação, diminuição nítida do fluxo sangüíneo e do metabolismo cerebrais. Fizemos as medições também em número suficientemente elevado de casos, de forma a poderem os resultados ser considerados estatisticamente seguros. Além disso, em algumas séries fizemos também determinações do consumo cerebral em glicose.
O gráfico 1 mostra os resultados do teste agudo com ácido nicotínico. Após determinação do fluxo sangüíneo, foi feita injeção intravenosa de 100 mg de Ronicol, sendo a medição repetida 20 a 30 minutos depois. O gráfico mostra as alterações da média da pressão sangüínea arterial, do fluxo sangüíneo cerebral, da resistência cerebrovascular, da diferença artério-venosa cerebral de oxigênio e de glicose, bem como do consumo cerebral de oxigênio e glicose. Nos 14 casos, em conseqüência da doença, a irrigação cerebral estava diminuída e a resistência cerebrovascular bastante aumentada; diminuído estava também o consumo cerebral de oxigênio e de glicose. Sob a ação do medicamento o fluxo sangüíneo cerebral aumentou de 42,2 para 62,6 cm5 e a resistência cerebrovascular diminuiu de 3 para 2 mm de mercúrio, em média; estes dados têm significância estatística. Houve também queda da diferença artério-venosa de oxigênio e glicose demonstrando aumento do consumo de oxigênio e glicose; entretanto, essas alterações não são estatisticamente significativas.
O gráfico 2 mostra as, alterações dos mesmos dados analisados no gráfico 1, depois de tratamento pelo mesmo medicamento (Ronicol), durante 12 a 48 dias em 11 pacientes. Tratava-se de doentes em que o fluxo sangüíneo cerebral estava nitidamente diminuído e a resistência cerebrovascular aumentada. Após o tratamento foi registrado, também nesta série de pacientes, aumento do fluxo sangüíneo cerebral de 35,7 para 50,1 cm' e diminuição da resistência vascular cerebral de 3,7 para 2,4 mm de mercúrio, em média, modificação também com significação estatística. Os aumentos do consumo de oxigênio e glicose assinalados no gráfico não são de significação estatística.
A mesma metódica e os mesmos critérios para a seleção dos casos foram seguidos para obter e registrar os resultados com a utilização de um preparado com aminofilina (Eufilina) em 10 pacientes. Com este medicamento o fluxo sangüíneo cerebral aumentou de 37,1 para 48,5 cm3 por 100 g de tecido cerebral por minuto, ao passo que a resistência cerebrovascular diminuiu de 3,2 para 2,5 mm de mercúrio e que o consumo de oxigênio aumentou de 2,2 para 2,5 cm3. Observando os diferentes valores obtidos, verificamos que os efeitos são regulares, isto é, de mesma intensidade em cada caso. Em cada caso isolado houve aumento do fluxo sangüíneo cerebral sem que a pressão sangüínea fosse alterada.
Fizemos experiências com uma nova substância vasodilatadora derivada da difenil-propilamina (Segontin). O gráfico 3 mostra as alterações encontradas após injeção intravenosa de 25 mg de Segontin em 12 pacientes. Houve nítido aumento da irrigação cerebral, nítida diminuição da resistência cerebrovascular, diminuição da diferença artério-venosa de 02 e aumento do consumo de 02, de significação estatística; não foram significantes as alterações da pressão sangüínea, a queda da diferença artério-venosa de glicose e o aumento do consumo de glicose. Nos casos utilizados nesta série os valores de partida da irrigação cerebral estavam bastante diminuídos e os da resistência cerebrovascular grandemente aumentados.
O gráfico 4 mostra os resultados de medições feitas em 14 pacientes após tratamento com Segontin (1 comprimido de 15 mg, 3 vezes ao dia) durante 24 dias, em média. Houve também aumento significativo do volume da irrigação cerebral, diminuição da resistência cerebrovascular e elevação do consumo de oxigênio e, ao contrário do que aconteceu no teste agudo, também aumento do consumo de glicose.
Medicamento de interesse é a hidergina, que exerce influência simpaticolítica sobre a circulação e cuja aplicação, em casos com distúrbios da irrigação cerebral, desde há muito vem sendo recomendada pelos clínicos. Empregamos esse medicamento em duas séries de pacientes: em 10 casos foram injetados 10 cm3 e em 6 casos injetamos 30 cm3, sempre por via intravenosa. Verificamos que a hidergina provoca aumento do fluxo sangüíneo cerebral em pacientes nos quais os valores de partida estavam diminuídos; a irrigação cerebral não se altera em pacientes cujo fluxo sangüíneo cerebral era normal e diminui em pacientes em que o fluxo sangüíneo era maior que o normal. Foram verificadas correlações semelhantes com os valores de partida com respeito à resistência cerebrovascular e ao consumo cerebral de oxigênio. Isso pode ser demonstrado pelos resultados de determinações feitas em 30 doentes mediante o teste agudo (injeção de 0,3 a 0,6 mg de hidergina, na maior parte dos casos por via intravenosa) assinalados no gráfico 5. Os valores médios foram alterados nestes doentes: queda da média da pressão arterial de 132 para 118 mm de mercúrio, aumento do fluxo sangüíneo cerebral de 45,6 para 58,6 cm3 e queda da resistência cerebrovascular de 3,2 para 2,3 mm de mercúrio. Na média de todos os casos, o consumo de oxigênio de 3,1 cmª se manteve inalterado.
Analisando os resultados quanto ao consumo de oxigênio, vê-se que, utilizando-se a hidergina, existe também dependência da alteração desse consumo em relação aos valores de partida individuais. Conforme os valores de partida relativos ao consumo de 02, estabelecemos três grupos em uma série de 5 pacientes: os casos com elevado consumo de oxigênio reagem à hidergina diminuindo a assimilação de oxigênio; em doentes com consumo de oxigênio mais ou menos normal, não há praticamente alteração; em pacientes cujo consumo de oxigênio esteja acentuadamente diminuído, a assimilação de 02 é nitidamente aumentada após a administração de hidergina. Verificamos esta dependência em relação aos valores de partida também ao fazer o estudo estatístico das correlações (gráfico 6). Os cálculos mostraram que a relação entre os valores de partida e os efeitos do medicamento é significativa, da mesma forma que o mostraram também os cálculos da dependência das alterações do fluxo sangüíneo cerebral aos valores de partida. A mesma dependência em relação aos valores de partida ficou patente quando foram analisadas, estatisticamente, as alterações da resistência cerebrovascular sob influência da hidergina: na abscissa do gráfico 7 estão consignados os valores da determinação da resistência cerebrovascular antes da prova e, na ordenada, as alterações desta resistência, em cada caso, sob o efeito da hidergina. O limite superior dos valores normais da resistência cerebrovascular (x) é de 2 mm de mercúrio. Quanto mais elevado fôr o valor de partida da resistência cerebrovascular, tanto maior será sua diminuição sob influência da hidergina; essas relações também foram confirmadas pelos cálculos de correlação.
Relações semelhantes verificaram-se também no teste crônico com hidergina, isto é, mediante determinações feitas após tratamento prolongado, em 13 casos, todos com fluxo sangüíneo cerebral deficiente; também aqui houve aumento significante do fluxo sangüíneo cerebral e, além disso, aumento do valor médio do consumo cerebral de oxigênio.
COMENTÁRIOS
Nossos resultados permitem admitir que, quando existam alterações orgânicas do sistema vascular, há aumento do tono dos vasos cerebrais. Em tais condições é possível modificar, com medicamentos vasodilatadores, muito mais facilmente o tono dos vasos cerebrais do que em indivíduos normais ou em doentes cuja afecção não atinja os vasos cerebrais. Nestes últimos casos a homeostase da irrigação cerebral é tão estável que não pode ser alterada por medicamentos.
Pesquisas para avaliar o efeito de medicamentos vasodilatadores sobre a circulação cerebral devem ser realizadas somente em indivíduos com doença cerebrovascular difusa, que altere os níveis de partida, da mesma forma que, por exemplo, o efeito da estrofantina deve ser testado em pacientes cardíacos e não em indivíduos normais do ponto de vista cardiológico. Investigações de outros autores mostram que a mesma lei é válida também para a apreciação dos efeitos do bloqueio do gânglio estrelado. Scheinberg e Harmel e col. verificaram que, em pessoas normais ou com hipertensão arterial compensada e com fluxo cerebral normal, o bloqueio do gânglio estrelado não altera a circulação cerebral. Por outro lado, Shenkin e col. demonstraram que, em pacientes com arteriosclerose cerebral e valôres de partida da irrigação cerebral diminuídos, o bloqueio do gânglio estrelado provoca nítido aumento de fluxo sangüíneo cerebral. Linden realizou, neste terreno, pesquisas muito diferenciadas e confirmou essa dependência. Dependência muito semelhante mostraram Patterson e col. que, em pacientes com paralisia geral progressiva, examinaram a influência da hipertermia sobre a irrigação e sôbre o metabolismo cerebrais; nesses pacientes, todos com níveis de partida baixos, a hipertermia provocou aumento do fluxo sangüíneo cerebral de cerca de 30% e do consumo de oxigênio de cerca de 24%.
Êstes poucos exemplos confirmam nossos achados, contrários à opinião geral de que a irrigação cerebral não pode ser melhorada pela ação de medicamentos. Nossas pesquisas mostram que a administração de medicamentos vasodilatadores em casos em que haja deficiência da irrigação cerebral se fundamenta em resultados experimentais que confirmam os resultados favoráveis obtidos com seu emprêgo na clínica.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Nov 2013 -
Data do Fascículo
Jun 1962