Open-access Tratamento cirúrgico da fratura-avulsão da inserção tibial do L.C.P. do joelho: experiência de 21 casos

Resumos

Avaliamos 21 pacientes, sendo 16 pacientes do sexo masculino e 5 do feminino, com idade média de 30 anos, foram submetidos à tratamento cirúrgico da fratura-avulsão do LCP. Em 57% dos casos a lesão foi secundária a acidente motociclístico e 19% a acidente automobilístico. Em 72% dos casos foi identificada uma lesão na face anterior do joelho. O tratamento cirúrgico consistiu na abordagem posterior do joelho e fixação do fragmento ósseo com parafuso e arruela em 18 casos; e amarrilhas trans-ósseas em 3 casos, onde o fragmento ósseo era muito pequeno. Em 91% dos casos, a cirurgia foi realizada dentro dos primeiros 15 dias apos a lesão. Os pacientes foram avaliados objetivamente (teste de gaveta posterior) e subjetivamente (Escala de Lysholm), apos um seguimento pós-operatório mínimo de 12 meses. A análise estatística não mostrou diferença significativa, ao nível de 5%, entre as avaliações objetiva e subjetiva. A ausência de lesão ligamentar periférica pode ter contribuído para que os resultados clínicos pós-operatórios tenham avaliação subjetiva satisfatória; entretanto, a presença de uma posteriorização tibial residual sugere que a fratura-avulsão do ligamento cruzado posterior deve ser abordada não como uma lesão óssea pura, mas sim, como uma lesão ósteo-ligamentar.

Ligamento cruzado posterior; Reconstrução; Fraturas ósseas


We assessed 21 patients (16 males and 5 females), with mean age of 30 years who underwent surgical treatment for PCL avulsion fracture. In 57% of the cases, injuries were secondary to motorcycle accidents and 19% resulted from car accidents. Injuries on knee's anterior surface were detected in 72% of the cases. The surgical procedure involved posterior approach and bone fragment fixation using nut and screw in 18 cases, the trans-bone suture loop fixation in 3 cases with small bone fragments. In 91% of the cases, surgery was performed within the first two weeks following injury. The patients were objectively (posterior drawer test) and subjectively (Lysholm scale) re-evaluated after a minimum follow-up period of 12 postoperative months. The statistical analysis of objective and subjective assessments did not demonstrate any significant difference (p = 0.05). The satisfactory results of the subjective clinical postoperative evaluation may have been due to the absence of peripheral ligament injury. However, the presence of residual tibial posteriorization suggests that the avulsion fracture of the PCL should be treated as bone-ligament injury, and not just as a bone lesion.

Knee; Posterior cruciate ligament; Reconstruction; Bone fractures


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da fratura-avulsão da inserção tibial do L.C.P. do joelho: experiência de 21 casos

Sérgio Rocha PiedadeI; Martha Maria MischanII

IProfessor, Doutor em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

IIProfessora, Doutora do Departamento de Bioestatística da Unesp-Botucatu

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Dr.Carlos Guimarães, 248, apto 114. Cambuí - Campinas CEP 13024-200 São Paulo E-mail: piedade@unicamp.br

RESUMO

Avaliamos 21 pacientes, sendo 16 pacientes do sexo masculino e 5 do feminino, com idade média de 30 anos, foram submetidos à tratamento cirúrgico da fratura-avulsão do LCP. Em 57% dos casos a lesão foi secundária a acidente motociclístico e 19% a acidente automobilístico. Em 72% dos casos foi identificada uma lesão na face anterior do joelho. O tratamento cirúrgico consistiu na abordagem posterior do joelho e fixação do fragmento ósseo com parafuso e arruela em 18 casos; e amarrilhas trans-ósseas em 3 casos, onde o fragmento ósseo era muito pequeno. Em 91% dos casos, a cirurgia foi realizada dentro dos primeiros 15 dias apos a lesão. Os pacientes foram avaliados objetivamente (teste de gaveta posterior) e subjetivamente (Escala de Lysholm), apos um seguimento pós-operatório mínimo de 12 meses. A análise estatística não mostrou diferença significativa, ao nível de 5%, entre as avaliações objetiva e subjetiva. A ausência de lesão ligamentar periférica pode ter contribuído para que os resultados clínicos pós-operatórios tenham avaliação subjetiva satisfatória; entretanto, a presença de uma posteriorização tibial residual sugere que a fratura-avulsão do ligamento cruzado posterior deve ser abordada não como uma lesão óssea pura, mas sim, como uma lesão ósteo-ligamentar.

Descritores: Joelho: Ligamento cruzado posterior; Reconstrução; Fraturas ósseas.

INTRODUÇÃO

Na literatura, as lesões ligamentares do joelho constituem-se num tema freqüente em grande numero de publicações cientificas, particularmente a lesão do ligamento cruzado anterior (LCA). Entretanto, nos últimos anos, a lesão do ligamento cruzado posterior do joelho (LCP) tem recebido atenção especial, confirmado pelo aumento de artigos científicos abordando este ligamento(1, 2).

Do ponto de vista anatômico, o ligamento cruzado posterior do joelho (LCP) encontra-se fixado na metade anterior da face axial do côndilo interno femoral, projetando-se caudal e medialmente, pela incisura intercondiliana em direção a sua inserção tibial localizada posterior, inferior e justa-lateralmente à linha média do planalto tibial. Ele atua como o principal estabilizador posterior do joelho, restringindo a translação tibial posterior em relação ao fêmur(3-5).

Estima-se que a lesão do LCP corresponda a 20% das lesões ligamentares do joelho. Esta incidência aumenta principalmente nos casos decorrentes de trauma de alta energia, como nos acidentes motociclísticos e automobilísticos. Enquanto, na população atlética, a lesão esta intimamente relacionada a esportes de contato(1, 2).

No tratamento da lesão do LCP, a opção de enxerto de tendão, sistema de fixação, técnica cirúrgica ainda não representam uma unanimidade de conduta. Entretanto, na presença de avulsão óssea do LCP na sua inserção tibial existe consenso quanto à intervenção cirúrgica, sendo considerada a forma mais favorável do ponto de vista cirúrgico e cicatrização secundária(6, 7,8).

A técnica cirúrgica empregada consiste na abordagem posterior do joelho, re-inserção e fixação do fragmento ósseo do LCP no seu leito anatômico localizado na face posterior da tíbia. Na literatura, este procedimento é definido como suficiente para o restabelecimento da integridade e função ligamentar(6, 8, 9).

Este artigo visa analisar vinte e um casos de fratura-avulsão do LCP tratados cirurgicamente e confrontar os resultados clínicos obtidos nas avaliações objetiva (teste de gaveta posterior) e subjetiva (escala de Lysholm).

Casuística

De janeiro de 1997 a dezembro de 2005, 21 pacientes com fratura-avulsão do ligamento cruzado posterior do joelho, na sua inserção tibial, foram submetidos a tratamento cirúrgico. 16 pacientes eram do sexo masculino e 05 pacientes eram do sexo feminino. A idade dos pacientes variou de 15 a 53 anos, média foi de 30 anos e 57% das lesões foram secundária a acidentes motociclísticos. (Quadro 1).


O diagnóstico da lesão foi feito através de radiografias do joelho nas incidências de AP e Perfil e exame físico realizado durante o atendimento inicial no pronto-socorro e durante o ato operatório. Na Figura 2-A observa-se, na radiografia de perfil do joelho, a avulsão do fragmento osseo do LCP na sua inserção tibial. Nesta casuística não foram identificadas lesões ligamentares periféricas que necessitassem de correção cirúrgica.


Descrição da técnica cirúrgica

Paciente anestesiado era posicionado em decúbito ventral horizontal e membro inferior a ser operado era mantido com garrote pneumático durante o procedimento. Em 6 casos, foi utilizada a via de acesso de Trickey(5) ("S") e em 15 casos, uma incisão simplificada descrita por Burks(1) ("L" invertido) (Figuras 1A e 1B).


Após a incisão da pele, a porção medial do músculo gastrocnêmio era rebatida lateralmente, e a seguir realizada artrotomia medial e identificação do fragmento ósseo do LCP avulsionado do seu leito tibial. (Figuras 2-B e 2-C).

A fixação do fragmento ósseo foi realizada sempre que possível com síntese rígida (parafusos e arruela), conforme apresentado na Figura 2-B e C. Entretanto, em um caso, onde o fragmento ósseo era muito pequeno, e outros 2 pacientes onde a placa epifisária estava aberta foi utilizada a fixação através de amarrilha trans-óssea com fio de Ethibond nº 5 (Figura 3-A e B).


Em 91% dos casos a cirurgia foi realizada dentro das primeiras 2 semanas de lesão. Durante o procedimento cirúrgico, o tempo médio de garroteamento foi inferior a 30 minutos. No seguimento pós-operatório, o membro operado foi mantido numa perneira gessada ou órtese com o joelho em extensão neutra durante 6 semanas, sendo iniciada a descarga parcial de peso ao termino da 3° semana de pós-operatório. A seguir, foi instituído um programa de reabilitação fisioterápica para ganho gradativo do arco de movimento e fortalecimento muscular.

Com um seguimento mínimo de 6 a 12 meses, os pacientes foram reavaliados através do teste de gaveta posterior em rotação neutra comparando lado operado e controle, escala de Lysholm e exame radiológico simples nas incidências de AP e Perfil.

RESULTADOS

As Figuras 4 e 5 apresentam respectivamente a distribuição do numero de casos em relação ao grupo etário e ao sexo do paciente; a avaliação clinica pós-operatória pela escala de Lysholm e sua correlação com o teste de gaveta posterior em posição neutra nos 21 casos estudados.



Em 95% dos casos o teste de gaveta posterior não se negativou, evidenciando-se uma gaveta residual de + (0,5 cm) a ++ (1 cm). Os resultados obtidos nas duas avaliações, objetiva e subjetiva, foram submetidos à análise estatística pelo teste exato de Fisher.

DISCUSSÃO

As lesões do ligamento cruzado posterior do joelho (LCP) representam cerca de 20% das lesões do ligamentares do joelho, dentro deste espectro, a fratura-avulsão do LCP constitui um pequeno subgrupo das lesões deste ligamento, mantendo prevalência para o sexo masculino e adultos jovens 2.

Torisu(9) avaliou 21 pacientes com fratura-avulsão da inserção tibial do LCP, onde 62% dos casos eram do sexo masculino. Seitz et al.(10) em estudo retrospectivo com 26 pacientes observaram que 73% eram do sexo masculino e com idade media de 23 anos. Neste trabalho, a idade dos pacientes variou de 15 a 53 anos, média de 30 anos e 76% eram do sexo masculino.

O mecanismo mais freqüente para a lesão isolada do LCP com ou sem fratura-avulsão e classicamente chamado de "trauma do painel". Na grande maioria dos casos, a lesão e secundária a um acidente motociclístico ou automobilístico, onde uma forca de posteriorização da tíbia atua com o joelho em flexão. Nestes casos, a presença de equimose e abrasões na face anterior do terço proximal da perna são achados sugestivos do mecanismo de lesão, entretanto o edema, o derrame articular e o espasmo muscular podem mascarar a posteriorização tibial e o teste de gaveta posterior(2, 6, 9, 11).

Em estudo realizado com 36 pacientes com avulsão óssea do LCP na sua inserção tibial, Torisu(8) identificou em 47% dos casos que a lesão foi secundaria a acidente motociclistico e a presença de lesao na face anterior da tibia em 47% dos pacientes. Seitz et al.(10) analisaram retrospectivamente 26 pacientes e observaram mecanismo de lesão semelhante em 87% dos casos e a lesão na face anterior da perna em 100%. Na nossa casuística, 57% das lesões foram decorrentes de acidentes motociclísticos e 17% automobilísticos, enquanto, a presença de ferimento superficial na face anterior da perna foi identificado em 62% dos casos.

Na literatura, as indicações cirúrgicas para o tratamento das lesões do LCP ainda são controvérsias, mas, a fratura-avulsão do LCP a re-inserção cirúrgica do fragmento avulsionado e o procedimento indicado(1, 2, 11).

Trickey(12) descreveu técnica de via de acesso posterior do joelho, redução aberta e fixação do fragmento. Posteriormente, Burks e Schaffer(13) adotaram acesso simplificado para a abordagem posterior do joelho. Neste trabalho, o acesso descrito por Trickey(12) foi empregado nos primeiros 6 casos. Com a familiarização da via foi adotado o acesso simplificado nos demais 16 casos, refletindo no menor trauma cirúrgico.

Diversos autores têm enfatizado que a re-inserção cirúrgica do fragmento do LCP produz melhores resultados quando comparados ao tratamento conservador. A cirurgia permite que medidas como o aprofundamento do sítio de inserção tibial do LCP, a fixação rígida do fragmento ósseo, feita através de parafusos e arruelas, auxiliem no retensionamento do LCP, e consequentemente, melhor evolução clínica(9,10, 12, 14, 15). Alem disso, o tempo decorrido entre a lesão e o ato cirúrgico e importante fator a ser considerado. A cirurgia quando realizada dentro das primeiras duas semanas de lesão favorece a redução e fixação do fragmento, conferindo menor dificuldade a este procedimento. Nesta casuística, em 95% dos casos, a cirurgia foi instituída com ate 15 dias de lesão e o tempo médio de cirurgia foi de 30 minutos. Nos últimos anos, algumas publicações tem avaliado opções de fixação do fragmento ósseo, assim como novas propostas para a abordagem cirúrgica desta lesão, como o controle da redução sob visão artroscópica(2, 10, 16, 17).

Inoue et al.(18) realizam um estudo prospectivo com objetivo de avaliar o prognostico clínico da redução aberta e fixação da fratura-avulsão do LCP. Este estudo mostra que aproximadamente 60% dos 31 pacientes estudados apresentavam certo grau de instabilidade posterior do joelho operado comparado ao joelho sem lesão, mesmo após redução anatômica e fixação rígida do fragmento ósseo.

Na nossa causística, todos os casos foram classificados como bom e excelente na avaliação subjetiva (Lysholm), em 43% e 57% dos casos, respectivamente. O teste de gaveta posterior em rotação neutra mostrou uma posteriorização residual de + (0,5 cm) e ++ (1 cm) em 57% e 38% dos casos, respectivamente. No caso n°3, o paciente apresentava-se com fratura de fêmur ipslateral e foi tratado com fixador externo. Na avaliação clinica pós-operatória, não foi identificada a posteriorização da tíbia, sendo classificada como negativa. Entretanto, evoluiu com restrição do arco de movimento (0º- 95º). Os demais casos, não cursaram com lesões associadas e não apresentaram restrição do arco de movimento no seguimento pós-operatório.

A análise estatística não mostrou diferença significativa, ao nível de 5%, entre as avaliações. A ausência de lesão ligamentar periférica pode ter contribuído para que os resultados clínicos pós-operatórios tenham avaliação subjetiva satisfatória; entretanto, a presença de uma posteriorização tibial residual sugere que a fratura-avulsão do ligamento cruzado posterior deve ser abordada não como uma lesão óssea pura, mas sim, como uma lesão ósteo-ligamentar.

CONCLUSÕES

1 O tratamento cirúrgico da fratura-avulsão do ligamento cruzado posterior do joelho proporciona resultados satisfatórios, na avaliação subjetiva (Lysholm);

2. Os resultados clínicos obtidos na avaliação objetiva sugerem que esta lesão deve ser interpretada não somente como uma lesão óssea pura, mas sim uma lesão ósteo-ligamentar.

Trabalho recebido em 8/01/07

aprovado em 19/03/07

Trabalho realizado pelo Grupo de Cirurgia do Joelho no Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas da UNICAMP.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      19 Mar 2007
    • Recebido
      08 Jan 2007
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