Resumo
Objetivo Compreender, na perspectiva de enfermeiros de unidades de terapia intensiva, os desafios à segurança do paciente confrontados neste contexto.
Métodos Pesquisa qualitativa realizada com 20 enfermeiros em dois grupos amostrais de duas unidades de terapia intensiva (UTI) do Norte do Brasil. Os dados foram coletados mediante entrevista semiestruturada. O método adotado foi a Teoria fundamentada nos dados, enfatizando-se neste artigo uma categoria e suas subcategorias no que concerne às condições. O estudo foi aprovado pelos comitês de ética de duas instituições sob os pareceres de número: 2.755.619 e número 2.829.210, no ano de 2018.
Resultados Três subcategorias explicitaram desafios à segurança do paciente, a saber: estando imerso em processos de trabalho não sistematizados; falhando a comunicação entre os profissionais; e constatando lacunas na educação permanente.
Conclusão A desorganização dos processos de trabalho, a comunicação falha e ações de educação permanente insuficientes correspondem aos principais desafios apontados pelos enfermeiros na rotina da UTI, gerando encadeamentos que incidem diretamente na gestão da segurança do paciente.
Segurança do paciente; Teoria fundamentada; Interacionismo simbólico; Unidades de terapia intensiva
Resumen
Objetivo Comprender, bajo la perspectiva de enfermeros de unidades de cuidados intensivos, los desafíos para la seguridad del paciente que enfrentan este contexto.
Métodos Estudio cualitativo realizado con 20 enfermeros en dos grupos de muestras de dos unidades de cuidados intensivos (UCI) del norte de Brasil. Los datos fueron recopilados mediante entrevista semiestructurada. El método adoptado fue la teoría fundamentada en los datos, con énfasis en una categoría y sus subcategorías en lo que respecta a las condiciones. El estudio fue aprobado por los comités de ética de las dos instituciones, con los números de informe 2.755.619 y 2.829.210, en el año 2018.
Resultados Tres subcategorías explicitaron los desafíos para la seguridad del paciente, a saber: estar inmerso en procesos de trabajo no sistematizados, fallar en la comunicación entre los profesionales, y constatar vacíos en la educación permanente.
Conclusión La desorganización de los procesos de trabajo, la comunicación defectuosa y las acciones de educación permanente insuficientes son los principales desafíos indicados por los enfermeros en la rutina de la UCI, lo que genera una serie de eventos que inciden directamente en la gestión de la seguridad del paciente.
Seguridad del paciente; Teoría fundamentada; Interaccionismo simbólico; Unidades de cuidados intensivos
Abstract
Objective To understand, from Intensive Care Unit nurses’ perspective, the challenges to patient safety.
Methods This is qualitative research conducted with 20 nurses in two sample groups of two Intensive Care Units (ICU) in northern Brazil. Data were collected through semi-structured interviews. The method adopted was the Grounded Theory, emphasizing in this article a category and its subcategories with regard to conditions. The study was approved by the Research Ethics Committees of two institutions, under Opinions 2,755,619 and 2,829,210, in 2018.
Results Three subcategories explained challenges to patient safety, namely: Being immersed in non-systematized work processes; Communication failure among professionals; and Finding gaps in continuing education.
Conclusion The disorganization of work processes, faulty communication and insufficient continuing education actions correspond to the main challenges pointed out by nurses in the ICU routine, generating chains that directly affect patient safety management.
Patient safety; Grounded theory; Symbolic interactionism; Intensive care units
Introdução
A segurança do paciente tem suas bases em aspectos desenvolvidos ao longo do tempo, tendo início com os pressupostos de Hipócrates (460-377 A.C.), quando afirmava que a atenção à saúde, antes de tudo, não deve causar danos, perpassando pelas contribuições de Semmelweis, Nightingale, Codman, Donabedian e Cochrane entre outras personalidades.(1)Porém, a temática se estabeleceu como uma preocupação em saúde a nível mundial nos anos 2000, com a publicação do relatório americano Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro.
A partir de então, esforços foram voltados à segurança do paciente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e lideranças de vários países na busca por construir práticas em saúde mais seguras nos diferentes níveis de atenção.(2-4)A segurança do paciente tem como propósito reduzir as falhas evitáveis no exercício da assistência à saúde a um mínimo aceitável, de modo a oferecer ao paciente uma assistência de qualidade e livre de danos com a adoção de “barreiras” para a prevenção dos erros. Deste modo, são indissociáveis a qualidade e a segurança assistencial em saúde.(5)
No Brasil, de 2015 a 2019, segundo dados do Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária (Notivisa), foram notificados 264.033 incidentes em saúde, sendo o ambiente de internação hospitalar o local com maior número de notificações (n=13.4235), e a unidade de terapia intensiva (UTI) sendo responsável por 28,84% (n = 73.825) dos incidentes notificados no período.(6)Salienta-se que os incidentes em saúde se caracterizam como circunstâncias que resultam ou não em dano ao paciente, e quando a assistência resulta em dano, denomina-se evento adverso.(5)
Sendo ainda considerada um desafio em saúde, a segurança do paciente e o cuidado seguro têm sido amplamente discutidos e abordados em diversos tipos de serviços de saúde, em diferentes níveis de complexidade, configurando-se uma questão crítica para a saúde, pois para prevenir erros humanos, faz-se necessário compreender como eles acontecem.(5)
O profissional enfermeiro de unidades de cuidados críticos desenvolve inúmeras e complexas atribuições, sempre permeadas de responsabilidade ética e científica no cuidado humano, buscando promover a qualidade assistencial e o bem-estar dos pacientes.(7)
Nessa conjuntura, é imprescindível considerar a segurança do paciente em sua amplitude e complexidade, visto que compreende caraterísticas além da qualidade assistencial e da adoção de protocolos e pacotes de medidas, abarcando em seu arcabouço atitudes, crenças, valores simbólicos, bem como significados. Realizar cuidados em saúde é um ato complexo, porém, quanto maior for a compreensão acerca das razões para os problemas encontrados, mais “barreiras” podem ser criadas com a atuação da educação permanente para garantir a segurança dos pacientes.
Considerando-se a relação segurança do paciente e ambiente de cuidados, o relatório Keeping Patient Safe: Transforming the work environment of nurses, argumenta que não seria possível manter os pacientes seguros a menos que a qualidade do ambiente de trabalho dos enfermeiros fosse substancialmente melhorado, visto que os cuidados de enfermagem compreendem uma área relevante para a qualidade e a segurança dos cuidados em saúde.(8)
Outrossim, considerando o contexto de trabalho do enfermeiro, deve-se atentar de que este não se limita geograficamente, pois o contexto se configura também como um sistema vivo de conexões, local em que as interações humanas acontecem.(9)Desse modo, abordar a segurança do paciente em instituições de saúde, implica também em descortinar o contexto no qual os profissionais trabalham, evidenciando ainda, os possíveis riscos que este ambiente de cuidados produz.(10)
Este estudo originou-se de uma das categorias resultantes da tese de doutorado intitulada “Os significados atribuídos à segurança do paciente pelos enfermeiros da unidade de terapia intensiva”, que compõe o elemento condições do modelo paradigmático aplicado na TFD Straussiana. Tal categoria foi detalhada no estudo em tela em virtude de expor claramente a influência da organização, do ambiente e do preparo dos profissionais para garantia da segurança do paciente no ambiente de cuidados críticos.
No que tange à melhoria da segurança, é fundamental oportunizar que os profissionais manifestem suas opiniões sobre o fenômeno segurança do paciente, possibilitando dentre outras questões, verificar fragilidades e potencialidades presentes no processo.
Portanto, foi o objetivo deste estudo compreender, na perspectiva de enfermeiros assistenciais de unidades de terapia intensiva, os desafios à segurança do paciente confrontados neste contexto.
Métodos
Trata-se de um recorte da pesquisa que deu origem à tese de doutorado: “Os significados atribuídos à segurança do paciente pelos enfermeiros da unidade de terapia intensiva”. Um estudo qualitativo, ancorado ao referencial metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) sob a perspectiva Straussiana.(11)O interacionismo simbólico, pensado por George Mead e publicado por Herbert Blumer foi o referencial teórico utilizado no estudo.(12)
O interacionismo simbólico, no paradigma interpretativo, tem como foco a compreensão de como as pessoas percebem os fatos ou a realidade à sua volta e como elas agem em relação às suas convicções.(13)Desta forma, à medida que os indivíduos interagem, interpretam ou definem as ações uns dos outros, e não simplesmente reagem às ações uns dos outros, pois suas respostas se baseiam não nas ações observadas, mas nos significados atribuídos a tais ações.(12)
Sua utilização se justifica neste estudo, visto que a enfermagem é reconhecida como uma prática social, tendo em suas características atividades que são desenvolvidas por uma equipe, proporcionando uma teia de relações grupais e interpessoais, de caráter complexo para si e para os demais envolvidos no processo de trabalho.(14)
A TFD originalmente denominada Grounded theory, surgiu na Escola de Chicago em 1967, um método de pesquisa sistematizado, indutivo, comparativo, cíclico e flexível, elaborado pelos sociólogos Barney G. Glaser e Anselm L. Strauss, como uma opção inovadora com regras analíticas voltadas para a pesquisa qualitativa.(15)
Por divergências quanto a compreensão da TFD, essa junção do positivismo com o pragmatismo, gerou tensões no desenvolvimento do método, fazendo com que outras conformações surgissem. Atualmente várias versões da TFD: Clássica ou Glaseriana; Straussiana ou relativista de Corbin e Strauss; Construtivista de Charmaz; de análise situacional pós-moderna de Adele Clarke; e de análise dimensional de Leonard Schatzman.(16)
Participaram do estudo um total de 20 enfermeiros de ambos os sexos, a partir de dois grupos amostrais, com 13 e com sete participantes, respectivamente. Sendo seis enfermeiros do sexo masculino e 14 do sexo feminino, cuja faixa etária variou de 31 a 50 anos; tempo de formação de um a 24 anos e de experiência profissional em UTI de seis meses a 15 anos. Quanto à qualificação profissional, todos possuíam pós-graduação, sendo de 16 deles, a Lato Sensu, enquanto quatro cursaram a Stricto Sensu.
A conformação dos grupos amostrais se deu no decorrer do estudo, quando os enfermeiros foram convidados a participação e diante do aceite, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Um primeiro enfermeiro foi convidado pela pesquisadora, diante do aceite e realização da entrevista, este indicava um colega para a próxima entrevista. Assim, seguiu-se a técnica bola de neve, com a diferença de que a saturação foi teórica. Visto que a seleção dos participantes deste estudo obedeceu ao critério de amostragem teórica da TFD, potencializando oportunidades comparativas de fatos ou incidentes para determinar como uma categoria varia em termos de suas propriedades e dimensões.(16)
Foi critério para inclusão dos participantes na pesquisa: ser enfermeiro assistencial há no mínimo seis meses atuando na UTI. Este critério foi adotado, pensando que neste tempo mínimo de seis meses, o enfermeiro já teria maior domínio das rotinas do setor e, portanto, maior capacidade de responder às perguntas do roteiro da pesquisa. Não participaram do estudo profissionais ausentes dos cenários no período da coleta dos dados, devido férias ou licenças diversas.
A coleta de dados se estendeu a dois cenários distintos na busca por diferentes possibilidades quanto à conformação de categorias e à ampliação das dimensões das categorias geradas no primeiro cenário com o primeiro grupo amostral, a partir das análises dos dados a cada entrevista, buscando tornar a explicação do fenômeno mais densa. O segundo cenário se diferenciou do primeiro, por possuir uma estrutura de Núcleo de Educação Permanente e Núcleo de Segurança do Paciente já estabelecidos e atuantes.
Desta forma, o estudo contemplou dois hospitais públicos, sendo o primeiro de retaguarda para leitos de UTI do pronto-socorro de referência para o estado de Rondônia, especializado no atendimento de urgências e emergências, com aproximadamente 34 leitos de atendimento adulto. Sendo classificado no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como uma UTI tipo II, ou seja, com uma infraestrutura que contempla os critérios minimamente aceitáveis para atendimento a pacientes graves, em conformidade com a Portaria GM nº 3.432/98. O outro hospital é referência no atendimento a doenças infectocontagiosas para o estado de Rondônia e regiões próximas, contendo sete leitos de UTI também do tipo II.
Para a coleta dos dados utilizou-se a entrevista semiestruturada individual, norteada por um roteiro e gravada em mídia eletrônica, além de um instrumento de caracterização dos profissionais elaborado pela pesquisadora. A entrevista semiestruturada, o método cíclico e a possibilidade de retornar ao campo antes da próxima entrevista, favoreceu o preenchimento de lacunas que surgiam no decorrer da análise dos dados, desvelando diferentes nuances do fenômeno estudado.
A coleta de dados foi realizada no local de trabalho dos enfermeiros, geralmente na copa ou no repouso do enfermeiro, em data e horário agendados, no decorrer de 10 meses, entre setembro de 2018 e agosto de 2019, tendo as entrevistas duração média de 45 minutos. Foi finalizada a coleta dos dados ao atingir a saturação teórica, ou seja, quando as categorias apresentaram densidade explicativa capaz de contemplar o objeto de pesquisa.
O procedimento analítico seguiu as etapas próprias da TFD: codificação aberta, codificação axial e a integração dos dados. Em linhas gerais, a análise teve início com a ordenação dos dados, transcrição da entrevista, leitura atenta e análise linha a linha.(11)Realizando-se a codificação aberta dos dados brutos, gerou-se os códigos preliminares já a partir da primeira entrevista e, assim, sucessivamente. Salienta-se que a análise foi manual, sem o auxílio de software para a organização dos dados e conformação das categorias.
Os códigos gerados foram agrupados por similaridades e diferenças na codificação axial, gerando as subcategorias, que ao passar por um refinamento na integração dos dados deu origem à categoria central. A elaboração da categoria central é possível mediante a aplicação do modelo paradigmático, um recurso analítico adotado na perspectiva Straussiana da TFD para ordenamento das categorias em ampla capacidade explicativa.(16)
Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) e da Universidade Federal de Rondônia sob os pareceres de número: 2.755.619 e número 2.829.210 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 91398518.5.3001.5300), no ano de 2018. Foram respeitados os preceitos éticos envolvendo a pesquisa com seres humanos, conforme as Resoluções n°466/12 e n°580/2018 do Conselho Nacional de Saúde. Para garantir o anonimato dos participantes, os depoimentos foram identificados com a letra E (Enfermeiro) e o número cardinal correspondente à sequência das entrevistas. Cabe destacar que a pesquisa teve início após a assinatura do TCLE pelos participantes.
Resultados
Em decorrência da densidade teórica encontrada na tese anteriormente mencionada “Os significados atribuídos à segurança do paciente pelos enfermeiros da unidade de terapia intensiva” este artigo aborda a categoria “Vivenciando processos de trabalho desorganizados”, conformada por três subcategorias: Estando imerso em processos de trabalho que geram sobrecarga; Falhando a comunicação entre os profissionais; e Constatando lacunas na educação permanente, que no emprego do modelo paradigmático, se configura como parte das condições. A aplicação do modelo paradigmático faz parte da etapa de integração dos dados no processo analítico da teoria fundamentada, considerando as condições, aquelas que criam as circunstâncias nas quais os problemas ou eventos relacionados ao fenômeno surgem, ou seja, as explicações que os entrevistados dão para o fenômeno.(11)Estas subcategorias explicitam os principais desafios apontados pelos enfermeiros durante os processos de trabalho na rotina da UTI, impactando o ambiente de cuidados intensivos.
Estando imerso em processos de trabalho que geram sobrecarga
Essa subcategoria revela que, ao longo da vida profissional, os enfermeiros reconhecem que acumularam vivências e que estas contribuem para a melhoria de suas habilidades técnicas no sentido da condução de suas ações e da percepção de situações que se traduzem em riscos ao paciente e ao profissional. Contudo, estando inseridos em um ambiente cujos processos de trabalho são, por vezes, desconexos, situações como número reduzido de funcionários em geral, inclusive do enfermeiro que precisa exercer várias funções e cobrar dos outros o que devem fazer, acabam por gerar sobrecarga e exaustão nos enfermeiros, representando, assim, uma situação complexa para a segurança do paciente crítico.
“A equipe de enfermeiros e técnicos aqui é reduzida. Fisioterapia também muito reduzida. O enfermeiro acaba sendo também fisioterapeuta, fazendo papel também de técnico e, nisso, acaba comprometendo a assistência em vários aspectos” (E7).
“Lógico que tem plantão e plantão, mas, às vezes, a gente fica com muitas coisas à cargo do enfermeiro, e é uma responsabilidade muito grande para a gente. Isso, então, é risco! E isso vira uma sobrecarga de trabalho e a pessoa sai daqui exausta! Às vezes é um plantão exaustivo que poderia não ser, porque as tarefas acabam não sendo bem divididas. Enfermeiros às vezes têm vários procedimentos e ainda tem que ficar preocupados em cobrar do outro profissional o que ele tem que fazer no plantão” (E 11).
“Às vezes, a gente não tem uma quantidade suficiente de profissionais para realizar uma simples mudança de decúbito. Isso é bastante comum ainda! A gente precisaria de uma força de trabalho maior e de uma quantidade de pessoas maior para conseguir mudar os decúbitos de 2/2h” (E17).
“Muitas vezes, quando a equipe está reduzida, acontece o erro, porque acaba sobrecarregando a equipe. Os poucos que têm acabam sobrecarregados. E, por muitas vezes, a equipe está reduzida com a UTI cheia!” (E19).
Embora questões como o quantitativo de profissionais fujam à governabilidade do enfermeiro, na perspectiva de reorganizar os processos de trabalho, os enfermeiros apontam a adoção de protocolos operacionais como uma estratégia válida, desde que devidamente estudados e divulgados para todos os membros da equipe multidisciplinar. No entanto, eles demonstram ressentimento por terem sido excluídos da elaboração desses protocolos, o que não deveria ter acontecido.
“Acerca de procedimentos invasivos, muitos procedimentos são feitos aqui. Se a gente tivesse todo aquele check-list de como tem que ser feito, os cuidados pré-operatório, durante e após os procedimentos, minimizaria a questão do erro. Então a gente poderia melhorar muito a qualidade da nossa assistência, os nossos métodos de trabalho. Acho que falta isso aqui” (E11).
“Temos protocolos de segurança do paciente aqui. Está até impresso, disponível para leitura, para quem quiser estudar. Nós recebemos esses protocolos prontos, tendo uma equipe que os desenvolveu, imprimiu e disponibilizou para a UTI e outros setores. Foi divulgado assim: _ aqui está o protocolo, quem quiser ler e se orientar [...] ou marcaram um curso. Eu não participei desses cursos ou do protocolo. A chefia reuniu uma equipe de fora da UTI para fazer os protocolos, mas seria interessante a opinião de quem está trabalhando no dia a dia, ter essa participação. A gente não foi solicitado. Talvez seria interessante, pois quem vai realizar as ações é quem está trabalhando aqui, quem conhece os problemas, as dificuldades do dia a dia” (E14).
“Faria totalmente a diferença para nós participar da confecção dos protocolos, porque geralmente quem faz os protocolos não é quem está ali ao lado do paciente, não conhece a realidade do serviço. Então se todos os componentes que trabalham no setor participassem da confecção dos protocolos, acho que teríamos protocolos e normas mais condizentes com a nossa realidade” (E19).
Nos dois cenários do estudo, os enfermeiros citaram a adoção de protocolos como medidas que protegem o paciente crítico e favorecem a assistência segura. Porém, no segundo cenário, uma questão levantada trata da necessidade do enfermeiro atuante na UTI ser ouvido, ou mesmo ter a oportunidade de participar da elaboração dos protocolos de cuidados que são utilizados no setor.
Falhando a comunicação entre os profissionais
Esta subcategoria apresenta a comunicação efetiva sendo reconhecida pelos enfermeiros como imprescindível para a segurança dos pacientes e profissionais.
“A boa comunicação interpessoal para mim é a meta mais importante, considerando a segurança do paciente, pois nada vai se resolver caso não tenha essa comunicação. Não adianta eu falar hoje para alguém e não passar adiante a informação, então eu acho que essa segunda meta é a principal” (E 6).
“A boa comunicação é muito importante, porque a nossa assistência é baseada muito de acordo com o que nos é repassado, por meio de uma prescrição ou de um comando. Quando tem traqueostomia, por exemplo, se mostra a importância da boa comunicação. Muitas vezes o paciente está com sangramento, então a gente comunica aos cirurgiões e eles não fazem o procedimento naquele momento” (E9).
Assim, o exercício da comunicação efetiva, baseando-se adequadamente em um instrumento respaldado em evidências científicas, um protocolo, traduz-se nos melhores desfechos para o paciente, o que ainda não está devidamente estabelecido nos dois cenários do estudo, de acordo com os trechos a seguir:
“Muitas vezes, algumas medidas são tomadas de maneira unilateral, que o gerente passa. Só que ele passa apenas para aquele enfermeiro do plantão a informação, que não repassa adiante. Às vezes algumas medidas são tomadas de maneira não homogênea, não são disseminadas entre a equipe” (E5).
“Por meio da comunicação a gente tem que comunicar o que quer e tem que comunicar de forma clara. Infelizmente, eu vejo muitas falhas de comunicação acontecendo ainda” (E9).
“Na nossa realidade de terapia intensiva o que observamos é exatamente isso, a falta de comunicação efetiva, que em minha opinião é o mais agravante” (E17).
“Então, isso é bem complicado, porque aqui mudou toda a equipe do setor. Isso aí acaba abalando a comunicação da equipe de alguma forma, devido esse “rodízio” de pessoal (E20).
Outro ponto de destaque, que emergiu dos dados, ainda considerando os processos de trabalho, pautou-se na educação permanente, principalmente na falta dela, ou na sua execução a partir de estratégias engessadas, que não se preocupam em atender às necessidades reais dos profissionais, ou ainda por não oportunizarem a participação dos profissionais assistenciais nesse processo, o que acaba favorecendo a ausência da maioria destes nas ações educativas.
Constatando lacunas na educação permanente
Tal subcategoria se refere à oferta insuficiente de ações de educação permanente, de ampliar ou mesmo imprimir o conhecimento necessário à assistência segura, que implica diretamente no desempenho dos profissionais que atuam na UTI. A educação permanente, ou mesmo medidas de educação continuada, são reconhecidas como medidas prioritárias e necessárias aos profissionais atuantes na UTI.
“A educação permanente é de suma relevância, muito importante dentro do hospital para a equipe multidisciplinar. Não tem aqui sequer uma educação continuada. De vez em quando é que tem uns minicursos, mas acontecem uma ou duas vezes ao ano. Quando tem educação continuada a equipe trabalha com mais eficácia, tendo conhecimento do que está fazendo [...], percebe no que está errando” (E7).
“A maioria dos temas aqui não são falados. As informações são difundidas algumas vezes, por meio de banners. Tinha um banner que falava sobre segurança do paciente no refeitório, mas ninguém nunca falou sobre o tema. Acho que falta um núcleo de educação permanente aqui, ou que o do hospital X viesse aqui, mas faltam pessoas disponíveis para ver o que é necessário para a equipe” (E9).
“Eu acho que a presença do núcleo de educação permanente aqui no hospital é fundamental, pois apesar de estar trabalhando há algum tempo, vez por outra, a gente precisa de uma educação continuada para melhorar a qualidade daquele conhecimento específico e, também, para corrigir algumas práticas que por falta de conhecimento a gente acaba cometendo dentro do trabalho” (E13).
Porém, mesmo no cenário onde há um Núcleo de Educação Permanente (NEP) estruturado e atuando, ou o conhecimento não tem sido adequadamente divulgado ou, por razões diversas, muitos enfermeiros acabam não participando das capacitações ofertadas pela instituição. Alegou-se que as capacitações ocorrem fora do horário de trabalho, além do mais apresentam protocolos elaborados sem a participação dos profissionais atuantes nos setores mais complexos do hospital.
“Aqui o NEP teve um pouco de afastamento, sendo resgatado há pouco tempo esse trabalho. A coisa ficou um pouco esquecida. Entrou uma equipe nova e eu acho que os protocolos podiam ser apresentados para essa equipe, não só para os enfermeiros. Mostrar: _olha isso existe! Faz parte da assistência. É assim que é devidamente executado tal procedimento. Tinha que ter esse resgate” (E15).
“Infelizmente, a maioria dos funcionários por estarem muito cansados acabam não participando de treinamentos. Geralmente eles têm dois empregos e já estão extremamente cansados para participar de treinamentos” (E17).
“Marcaram um curso, mas não é todo mundo que pode ir porque ninguém se interessa em sair de casa fora do seu horário de trabalho para vir fazer o curso. Eu não participei desses cursos [...], pelo menos não teve nenhuma atividade do NEP durante a minha carga horária de trabalho. Normalmente os cursos são divulgados e feitos lá no auditório, faz um dia ou dois de treinamento” (E14).
“Eu mesmo não gosto de participar dos cursos daqui, porque a maioria que ministra os cursos são pessoas que não estão na assistência. Esses profissionais que fazem os protocolos, são os que participam dos cursos fora de Rondônia sobre segurança do paciente. Coisa que para mim é errônea. Quem deveria fazer parte do protocolo é o profissional que está atuando na assistência, à frente da equipe e não pessoas que só tem teoria, não sabem como funciona a prática. Todos os meses têm vários cursos de capacitação no qual só a metade dos profissionais participa por essa causa. Você não quer ser ensinado por uma pessoa que quando está na assistência não sabe fazer nada. Como você vai ensinar uma coisa na prática sendo que você nunca fez? Você saber fazer no boneco é uma coisa, mas o paciente não é um boneco” (E20).
Outra questão no que tange à educação permanente, como mecanismo de transformação da atuação profissional e contribuição para a segurança do paciente crítico é que alcança resistência por parte dos profissionais quando existe a falta de estrutura e de equipamentos adequados para a implementação do conhecimento apreendido, como nos relatos a seguir:
“Eu já fiz alguns cursos onde foi mostrado as metas de segurança do paciente, mas definir e atuar diariamente no serviço, aqui ainda não consegui “emplacar” isso. Hoje em dia a segurança do paciente é colocada em xeque, por a gente não ter formas de colocar em prática” (E3).
“A gente está focando esse ano na higienização das mãos e na prevenção de úlceras, para tentar alcançar essa parte das metas. A falta de material é um grande problema ainda, não é toda vez que a gente tem disponível material para fazer os cuidados adequadamente” (E4).
“É uma utopia, na minha visão, a segurança do paciente, porque eu ouvi uma colega falar uma vez: ‘eu não vou ao treinamento, porque do que adianta eu ir lá passar quatro horas ouvindo falar sobre segurança do paciente? Aí eu chego aqui no meu serviço para aplicar a segurança do paciente e não tenho condições’. Então eu acho assim, é importante, mas a gente tem que melhorar muita coisa para conseguir se adequar a um modelo do primeiro mundo, não é a nossa realidade” (E12).
Outro ponto que merece destaque por parte das falas dos participantes é que os gestores devem ser conhecedores de boas práticas, de saúde baseada em evidências, devem conhecer o ambiente pelo qual estão responsáveis e reconhecer a relevância da capacitação dos profissionais assistenciais, encontrando meios para atender às demandas necessárias.
“Uma vez, em outro vínculo de trabalho meu, foi oferecido um treinamento, só que devido a carga horária de trabalho e não ter a liberação do plantão, não foi possível participar” (E12).
“Aqui, protocolos e cursos estão bem deficientes, mas, eu mesmo, nunca participei desses cursos aqui. Não sei se alguns outros colegas têm a mesma flexibilidade para estar participando, desconheço. Então é isso, a gente não participa disso, eu mesmo nunca participei” (E8).
A forma como é realizada a gestão de pessoas e recursos materiais implica, desse modo, a encadeamentos que incidem diretamente na gestão da segurança do paciente na UTI segundo os enfermeiros assistenciais.
Discussão
Refletindo sobre a relação das condições do ambiente de terapia intensiva e a segurança do paciente, autores(17,18)destacam que é um setor que por suas características oferece risco aumentado aos pacientes ali assistidos, assim como a ocorrência de eventos adversos prolonga a permanência hospitalar e eleva a taxa de mortalidade dos pacientes críticos. Por outro lado, cabe que, aos profissionais que assistem no ambiente hospitalar a identificação precoce dos riscos presentes a fim de garantir a segurança do paciente, restabelecer sua saúde e evitar ou minimizar as intercorrências durante a internação.(19)
Compreende-se que um ambiente no qual não há definição clara dos papéis de cada membro da equipe, quando os processos de trabalho não são sistematizados e organizados, acabam produzindo sobrecarga e frustração. Do mesmo modo, se o enfermeiro negligencia sua função de supervisão da equipe, se ele não orienta a sua equipe, de alguma forma, também, coopera para a ocorrência de falhas. A organização do trabalho baseia-se na definição clara de normas, protocolos, regras e fluxos, os quais devem ser socializados e respeitados por todos os profissionais, fazendo com que as ações em conjunto atendam aos objetivos propostos pelo serviço de saúde.(20)
Contudo, no contexto da UTI por vezes, o enfermeiro se sente responsável por estimular até mesmo outros membros da equipe multidisciplinar quanto ao cumprimento de suas atribuições em momentos oportunos. Porém, esta preocupação, faz com que os enfermeiros tomem para si a responsabilidade de manter o plantão “em ordem”, produzindo em si a sensação de sobrecarga e cansaço. Esses sentimentos também tendem a aflorar quando se encontram no setor profissionais que se apresentam cansados para o trabalho, gerando tensão e maior desgaste para o enfermeiro, pois a situação requer deste último maior vigilância às ações daqueles profissionais.
Tais constatações vão ao encontro dos achados de estudo publicado em 2017, o qual apresenta que dentre as limitações enfrentadas pela equipe de enfermagem no âmbito assistencial são frequentes: o descompasso no quantitativo de profissionais para o atendimento às demandas dos pacientes, dimensionamento inadequado de pessoal, insuficiência ou condições inadequadas de equipamentos e insumos, acúmulo de funções, carga horária elevada e desvalorização profissional.(21)
Os sentimentos negativos como a frustração e que os enfermeiros vivenciam no contexto da UTI, elevam as chances para o desenvolvimento da síndrome de Burnout, um problema bem documentado na literatura.(22-24)Além disso, a falta sustentada do devido suporte organizacional, que se reflete nos sentimentos negativos supra citados também representam riscos à segurança do paciente no setor de cuidados críticos como a UTI, visto que a saúde psíquica dos profissionais e a segurança do paciente têm relação.(24)
Reforçando o entendimento desta correlação, dados de uma revisão sistemática publicada em 2020, demonstraram que profissionais de saúde, principalmente médicos e enfermeiros atuantes em UTI, enfrentam uma ampla carga de estresse, apresentando sintomas de depressão, que em 14,5% dos casos tem sintomas graves, revelando que intervenções são necessárias no auxílio a esses profissionais no enfrentamento do cenário crítico.(25)
Entre as questões envolvendo as metas de segurança do paciente, a comunicação efetiva foi apontada pelos enfermeiros como essencial para a prevenção de erros, como garantia de uma assistência segura na UTI. Neste intento de evitar que as condições latentes, promotoras dos erros, aconteçam, não permitindo que sejam desencadeadas falhas ativas, ações como a comunicação efetiva entre os membros da equipe de saúde possuem papel fundamental.
A comunicação efetiva como também o trabalho da equipe multiprofissional são compreendidos como determinantes da qualidade e da segurança quando pensamos em cuidados em saúde. As falhas na comunicação entre os profissionais de saúde representam um dos principais fatores contribuintes para a ocorrência de eventos adversos, comprometendo a qualidade assistencial.(26)Aponta-se como principais fatores que dificultam a boa comunicação entre profissionais assistenciais em saúde: a falta de tempo, a escassez de pessoal, a ausência de padronização, imperícia ou desconhecimento da importância da ação comunicativa.(27)
As falas dos participantes expressaram que, por vezes, a ausência de uma comunicação linear, efetiva, em que as informações sejam repassadas uniformemente de forma clara e compreensível para todos os membros da equipe de cuidados, oportuniza a ocorrência de erros. Quando estratégias individuais e grupais focalizadas em habilidades de comunicação e o respeito mútuo no trabalho atuam como barreiras a comportamentos destrutivos e, se adequadamente instituídas, têm impacto positivo na segurança do paciente.(28)Assim, uma comunicação falha também foi apontada como característica do processo de trabalho desorganizado e com fluxos indefinidos pelos enfermeiros do estudo.
Por intermédio da comunicação, principalmente por meio da linguagem verbal, estabelecemos a interação social e um comportamento cooperativo, desde que haja a compreensão adequada do emissor, que envia a mensagem, do receptor, que faz a captação. Comunicação pressupõe reciprocidade e ação com vista a um fim comum. Na enfermagem, utilizamos a comunicação verbal e escrita, denotando uma forma de entendimento entre as pessoas e considerando um instrumento valioso na transmissão de informações.
Igualmente, a comunicação segura é peça fundamental para o exercício do cuidado de enfermagem, no qual o enfermeiro estabelece um diálogo verbal ou não verbal com o paciente e com a equipe multidisciplinar. Diálogo que exige, ao mesmo tempo, clareza e objetividade. É imprescindível para uma comunicação, na perspectiva da segurança do paciente, a adoção de ferramentas do conhecimento de toda a equipe para reduzir a possibilidade de erros na execução do cuidado ou mesmo na transmissão de informações.(28)
Não menos importante, os enfermeiros declararam reconhecer a relevância do Núcleo de Educação Permanente (NEP), das ações educativas e de sua relação para com a qualidade e a segurança na assistência em saúde, que faz toda a diferença diante de um setor que requer uma assistência complexa, específica e com usos de variados recursos tecnológicos na recuperação e na reabilitação de pacientes críticos.
Porém, verifica-se que para se estabelecer uma cultura de segurança, não basta apenas ter um NEP atuante, visto que só isso de forma isolada não resolve a questão, pois assumir a segurança do paciente como prática requer mudança de postura e, principalmente, dos processos de trabalho para alguns enfermeiros. Todavia, medidas educativas possibilitam o desenvolvimento de ações que propiciam ao sujeito tornar-se reflexivo e consciente, refletindo sobre as dinâmicas no espaço que o rodeia, compreendendo sua responsabilidade pelas mudanças que se fazem necessárias.(29)
Recomenda-se a profissionais que executam a assistência em saúde, principalmente a pacientes críticos, capacitações constantes, visando o correto manuseio de equipamentos e dispositivos, a adequada utilização de sedativos, as mudanças de decúbito, prevenção de quedas entre outros aspectos.(17) Além do mais, para a redução dos eventos adversos faz-se necessário o fortalecimento de aspectos como o comprometimento, a responsabilidade e a cooperação entre os membros da equipe, possibilitando uma boa comunicação e um clima agradável no ambiente de trabalho.(10)
É notório que investir nos enfermeiros assistenciais traz bons resultados à segurança do paciente, tendo relevância ações como a permissão de sua participação nos processos de análise permanente das condições do serviço, na identificação dos riscos e na incorporação de práticas seguras e baseadas em evidência na instituição.(30)
Sob a ótica do interacionismo simbólico vem a possibilidade de compreender o mundo das experiências vividas sob o ponto de vista dos agentes sociais em determinado contexto, abarcando que esta perspectiva de interpretação simbólica aborda a sociedade e suas organizações sob uma posição principalmente subjetivista, no intuito de compreender os significados existentes nos diversos contextos sociais.(12)
As subcategorias aqui explicitadas advêm de um fenômeno complexo, que diariamente precisa ser gerenciado pelos enfermeiros da UTI. Exigindo esforço por parte destes para implementar os princípios da segurança do paciente em seu setor de atuação. Percebe-se que a complexidade está exatamente no fato de que o enfermeiro se sente pressionado por gerenciar aspectos que lhe são próprios da profissão, mas, também, aspectos que estão além do seu domínio e governabilidade, ou seja, que necessitam ser considerados, pois interferem diretamente nos desfechos obtidos no cuidado.
Compreende-se que a segurança do paciente é um fenômeno subjetivo permeado por tensões, sendo configurada e reconfigurada mentalmente pelo enfermeiro frente as interações sociais. Outro ponto que merece ser destacado, é que desde os seus primórdios, a enfermagem é uma profissão de luta, pois tem enfrentado desafios de várias ordens no seu contexto social e profissional.
Diante do advento da pandemia do SARS-COV19 muitos desses desafios e obstáculos para o exercício pleno dos cuidados de enfermagem foram descortinados.(31)Assim, no século XXI, os obstáculos continuam presentes, visto que a enfermagem, enquanto ciência, ainda se preocupa em construir e firmar um saber próprio e, enquanto profissão autônoma, busca por valorização e igualdade de condições com as demais profissões de saúde. Portanto, a ideia de luta diária é uma realidade na rotina do enfermeiro.(32)
As condições apontadas quanto ao fenômeno do estudo, à luz do interacionismo simbólico, trouxeram a necessidade de se considerar a dinâmica dos enfermeiros em relação às metas de segurança do paciente em sua multidimensionalidade. Diariamente o enfermeiro trava uma luta no contexto de cuidados críticos, considerando-se que, para planejar a assistência de enfermagem, precisará administrar aspectos relacionados ao ambiente estrutural, material, dos profissionais e dos pacientes.(6)
Não é por menos que a segurança do paciente representa um dos maiores desafios para a excelência da qualidade nos serviços de saúde e a enfermagem tem participação fundamental nos processos que visam garantir essa qualidade na assistência prestada. O envolvimento dos enfermeiros nas questões relacionadas à segurança do paciente tem estreita relação, inclusive, com o quantitativo de profissionais de enfermagem que atuam nas instituições, como também por sua responsabilidade nos cuidados aos pacientes, diuturnamente.(10, 33)
As limitações deste estudo estão relacionadas principalmente ao local da entrevista, o ambiente de trabalho, que pode ter levado os enfermeiros a responderem com alguma pressa as perguntas da pesquisadora. Outra limitação diz respeito a restringir os participantes do estudo a apenas uma categoria profissional, não abordando outros profissionais que pudessem contribuir ou interferir no fenômeno estudado em um setor com atuação multidisciplinar.
Contudo, este estudo corrobora com a ideia de que a enfermagem tem se preocupado em estudar a singularidade e a complexidade humanas e seus reflexos na prática cotidiana do cuidado, possibilitando uma reflexão quanto as questões que fragilizam a segurança do paciente na UTI, fornecendo suporte para ações educativas significativas que promovam mudanças no contexto de cuidados críticos.
Conclusão
Verificou-se que na dimensão gerencial a segurança do paciente é afetada por múltiplos fatores, inerentes as fragilidades dos processos de trabalho, influenciadas pela ausência ou ações incipientes de educação permanente, gerando sentimentos nocivos nos profissionais, interferindo em suas ações e interações, potencializando a ocorrência de eventos adversos. A categoria abordada neste artigo abarca aspectos a partir da vivência dos enfermeiros e suas interações sociais no ambiente de trabalho, e mediante o movimento reflexivo desta interação são expressos fatores relevantes: a desorganização dos processos de trabalho, a comunicação falha entre os profissionais e ações de educação permanente insuficientes, correspondendo a encadeamentos que incidem diretamente na gestão da segurança do paciente no contexto de cuidados críticos.
Agradecimentos
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); bolsa de doutorado para Adriana Tavares Hang.
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Editado por
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Editor Associado (Avaliação pelos pares): Edvane Birelo Lopes De Domenico. https://orcid.org/0000-0001-7455-1727. Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Fev 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
27 Out 2021 -
Aceito
13 Jun 2022