Open-access Suicídio no Espírito Santo e em sua Região Serrana, 1996-2020: análise temporal

Suicidio en Espírito Santo y su Región Serrana, 1996-2020: análisis temporal

Resumo

Objetivo  Analisar a tendência da mortalidade por suicídio no estado do Espírito Santo e em sua Região Serrana no período de 1996 a 2020.

Métodos  Estudo descritivo e analítico de série temporal com dados consolidados dos óbitos por suicídio na população acima de 15 anos de idade obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade. As unidades de análise foram o estado do Espírito Santo e sua Região Serrana. A análise da tendência foi verificada pela regressão de Prais-Winsten e pelo cálculo da variação percentual anual.

Resultados  Foram notificados 3.922 óbitos por suicídio no Espírito Santo e, destes, 525 na Região Serrana. A tendência da mortalidade por suicídio no estado foi crescente na população geral acima de 15 anos (APC= 5,1; IC95%= 0,28-9,92; p=0,039). A tendência da mortalidade se manteve crescente entre a população feminina, tanto em relação ao estado (APC= 6;5; IC95%= 1,55-14,46; p=0,012) como na região serrana (APC= 15,2; IC95%= 1,21-29,20; p=0,035). A mortalidade foi crescente na faixa etária de 30 a 59 anos no estado (APC= 3,4; IC95%= 0,62-6,10; p=0,018) e na Região Serrana (APC= 2,9; IC95%= 2,02-3,86; p <0,001).

Conclusão  A tendência foi crescente na população geral do estado do Espírito Santo e em sua Região Serrana entre adultos jovens e do sexo feminino. A relevância da violência autoprovocada verificada nas taxas analisadas neste estudo aponta para a necessidade do emprego de estratégias preventivas, especialmente entre as mulheres.

Mortalidade; Suicídio; Sistema de informação em saúde; Estudos de séries temporais

Resumen

Objetivo  Analizar la tendencia de la mortalidad por suicidio en el estado de Espírito Santo y en su Región Serrana en el período de 1996 a 2020.

Métodos  Estudio descriptivo y analítico de serie temporal con datos consolidados de las muertes por suicidio en la población mayor de 15 años obtenidos del Sistema de Información sobre Mortalidad. Las unidades de análisis fueron el estado de Espírito Santo y su Región Serrana. El análisis de la tendencia se verificó por regresión de Prais-Winsten y por cálculo de la variación porcentual anual.

Resultados  Se notificaron 3.922 muertes por suicidio en Espírito Santo, de las cuales 525 fueron en la Región Serrana. La tendencia de la mortalidad por suicidio en el estado fue creciente en la población general mayor de 15 años (APC= 5,1; IC95 %= 0,28-9,92; p=0,039). La tendencia de la mortalidad se mantuvo creciente en la población femenina, tanto con relación al estado (APC= 6;5; IC95 %= 1,55-14,46; p=0,012) como en la Región Serrana (APC= 15,2; IC95 %= 1,21-29,20; p=0,035). La mortalidad fue creciente en el grupo de edad de 30 a 59 años en el estado (APC= 3,4; IC95 %= 0,62-6,10; p=0,018) y en la Región Serrana (APC= 2,9; IC95 %= 2,02-3,86; p <0,001).

Conclusión  La tendencia fue creciente en la población general del estado de Espírito Santo y en su Región Serrana en adultos jóvenes y de sexo femenino. La relevancia de la violencia autoprovocada verificada en los índices analizados en este estudio indica la necesidad de emplear estrategias preventivas, específicamente en mujeres.

Mortalidad; Suicidio; Sistema de información de salud; Estudios de series de tiempo

Abstract

Objective  To analyze the trend of suicide mortality in the state of Espirito Santo and its Mountain Region from 1996 to 2020.

Methods  Descriptive and analytical time series study with consolidated data on deaths by suicide in the population over 15 years old obtained from the Mortality Information System. The units of analysis were the state of Espirito Santo and its Mountain Region. The trend analysis was verified by Prais-Winsten regression and by calculating the annual percentage change.

Results  A total of 3922 deaths by suicide were reported in Espirito Santo and of these, 525 in the mountain Region. The trend of suicide mortality in the state was increasing in the general population over 15 years old (APC= 5.1; 95%CI= 0.28-9.92; p=0.039). The mortality rate continued to grow among the female population, both in relation to the state (APC= 6.5; 95%CI= 1.55-14.46; p=0.012) and in the mountain region (APC= 15.2; 95%CI= 1.21-29.20; p=0.035). Mortality increased in the age group from 30 to 59 years old in the state (APC= 3.4; 95%CI= 0.62-6.10; p=0.018) and in the Mountain Region (APC= 2.9; 95%CI= 2.02-3.86; p<0.001).

Conclusion  The suicide trend was growing in the general population of the state of Espirito Santo and its Mountain Region among young and female adults. The relevance of self-inflicted violence verified in the rates analyzed in this study points to the need to use preventive strategies, especially among women.

Mortality; Suicide; Health information system; Time series studies

Introdução

Considerado um problema grave de saúde pública no Brasil e no mundo, o suicídio é a morte resultante de uma ação intencional de matar a si mesmo.( 1 ) A complexidade causal do fenômeno suicida é multifatorial, pois envolve condições de amplo espectro psicológico e socioeconômico. Em 2019, a mortalidade por suicídio, em todo mundo, foi de 700 mil pessoas, superando os óbitos causados por malária, HIV/AIDS, câncer de mama ou mortes violentas por guerras e homicídios.( 1 )

Acompanhando a tendência mundial, o Brasil apresentou tendência crescente da mortalidade por suicídio de adultos jovens entre os anos de 1997-2019. Das regiões brasileiras, a Sul apresentou o maior coeficiente médio de mortalidade (9,18/100 mil habitantes).( 2 ) Estudos indicam que as regiões geográficas brasileiras que apresentam as maiores tendências de crescimento são Norte, Nordeste e Sudeste; a Região Sul possui tendência decrescente, mas permanece com altas taxas; no Centro-Oeste, as taxas de mortalidade são estáveis.( 2 - 6 )

No Espírito Santo, um estudo desenvolvido entre os anos de 1980 e 2006 mostrou que a taxa de mortalidade variou de 3,5 (1980) a 7,3 (2006) por 100.000 habitantes.( 7 ) Nesse período, foram constatadas 2.604 mortes por suicídio, dos quais 77,7% dos indivíduos eram do sexo masculino. Outra pesquisa desenvolvida no mesmo estado analisou o período de 2012 a 2016 e constatou a ocorrência de 888 casos de suicídio, cujas taxas correspondentes por 100 mil habitantes foram: 4,75 (2012), 4,92 (2013), 5,09 (2014), 5,72 (2015) e 6,20 (2016).( 8 ) Embora os números sejam ascendentes, isso significou uma desaceleração da mortalidade por suicídio.

Apesar do crescente interesse dos pesquisadores pelo tema, são poucos os estudos sobre a Região Serrana do Espírito Santo, dentre os quais se destaca o trabalho de Macente, Santos, Zandonade,( 9 ) que explorou as tentativas e mortalidade por suicídio entre a população do município de Santa Maria de Jetibá, pertencente à Região. No período analisado por essas autoras (2001 a 2007), foram encontrados 80 casos de tentativas e 28 de suicídios, o que corresponde a uma mortalidade média de 12,9/100 mil habitantes e média de 11,4 tentativas de suicídio/ano. No que se refere ao coeficiente de mortalidade, foram verificadas oscilações que vão desde a maior taxa em 2002, com 23,38/100 mil, até a menor taxa, em 2005, com 3,10/100 mil habitantes.

Segundo os dados do Instituto Jones Neves (IJN), órgão vinculado à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento (SEP) do Espírito Santo que tem como finalidade produzir conhecimento e subsidiar políticas públicas através da elaboração e implementação de estudos, pesquisas e organização de bases de dados estatísticos e georreferenciados, nas esferas estadual, regional e municipal, voltados ao desenvolvimento socioeconômico, os municípios que compõem a Região Serrana acumulam fatores socioeconômicos e demográficos associados ao crescimento da mortalidade por suicídio já apontados por estudos. Entre esses fatores estão: regiões rurais com predominância de imigrantes europeus protestantes, crescimento populacional desacelerado ou decrescente, baixa cobertura de saúde e de assistência social, maior proporção populacional rural, população idosa crescente e baixa atividade econômica.( 10 , 11 )

A literatura especializada aponta que a mortalidade por suicídio varia de acordo com o espaço, o tempo, o sexo, a idade, a cultura e a etnia.( 12 ) Alguns fatores associados a esse tipo de óbito são a existência de transtornos mentais na população, o histórico de tentativas de suicídio, perda ou separação dos pais ou cônjuges, intoxicação/dependência química de substâncias psicoativas, desemprego e outros eventos estressantes na vida.( 2 )

Portanto, por compartilhar características demográficas e socioeconômicas associadas a taxas crescentes de suicídio destacadas na literatura especializada, a tendência da mortalidade por suicídio no Estado do Espírito Santo e, em especial, a Região Serrana torna-se um objeto relevante de pesquisa. Estudos de tendência temporal possuem significância epidemiológica para compreender o fenômeno, de modo a fornecer subsídios essenciais para as práticas de reorganização das Redes de Atenção em Saúde.( 2 , 3 )Diante disso, este estudo tem como objetivo analisar a tendência da mortalidade por suicídio no estado do Espírito Santo e em sua Região Serrana no período de 1996 a 2020.

Métodos

As unidades de análises para este estudo descritivo e analítico de série temporal sobre a mortalidade por suicídio (1996 a 2020) foram o estado do Espírito Santo e sua Região Serrana. Com área geográfica de aproximadamente 46 mil km2 , o Espírito Santo está organizado em 78 municípios, com estimativa populacional de 4.108.508 habitantes, divididos em dez microrregiões ( Figura 1 ).( 10 )

Figura 1
Divisão regional do estado do Espírito Santo

A Região Serrana, em destaque na figura 1 , é uma região geográfica que possui área de 6.878,19 km2 .( 11 ) Compõe-se de 11 municípios pertencentes a quatro microrregiões geográficas, segundo especificidades da organização do espaço geográfico local: Central Serrana (Santa Teresa, Santa Maria de Jetibá e Santa Leopoldina); Sudoeste Serrana (Afonso Cláudio, Conceição do Castelo, Domingos Martins, Marechal Floriano e Venda Nova do Imigrante); Central Sul (Castelo e Vargem Alta) e Litoral Sul (Alfredo Chaves).( 13 , 14 )

A coleta de dados para este estudo foi feita no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS). Foram coletados números consolidados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Considerou-se como participantes do estudo a população maior de 15 anos. Tomou-se como base a Classificação Internacional de Doenças da 10ª revisão (CID-10) para o registro dos óbitos por suicídio (X-60 a X84).( 15 )Os casos com informações ignoradas não foram incluídos na descrição dos dados.

Os dados demográficos foram obtidos a partir de números censitários e estimativas populacionais registrados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).( 16 )O período do estudo foi determinado por corresponder aos anos disponíveis no Datasus. Os dados foram coletados em 02 de fevereiro de 2022.

Os óbitos por suicídio foram analisados de acordo com as variáveis: município, população geral acima de 15 anos; faixa etária (15 a 29 anos, de 30 a 59 anos e 60 anos ou mais) e sexo (masculino/feminino).

As taxas de mortalidade foram calculadas pela razão do número de óbitos ocorridos no ano, considerando a população em risco do mesmo período por 100 mil habitantes. Primeiramente, calculou-se a taxa de mortalidade bruta; em seguida, empregou-se a padronização pelo método direto por idade para efeito de comparação das taxas ao longo da série histórica. Para isso, foi delimitada uma população padrão de referência para os demais anos da série temporal. A população padrão considerada foi a do censo demográfico do IBGE mais recente, ocorrido em 2010.( 16 )

A tendência foi analisada por meio do modelo de regressão linear de Prais-Winsten. As taxas de mortalidade por suicídio foram empregadas como variáveis dependentes (Y), enquanto os anos sequenciais foram utilizados como variáveis independentes (X). Esse modelo é adotado para corrigir a autocorrelação serial ao longo do tempo. Primeiramente, os valores de Y passaram por transformação logarítmica, em seguida o modelo autorregressivo de Prais-Winsten foi aplicado, para que fossem estimados os valores de ß1. O modelo descrito originalmente proposto foi a equação 1 .( 17 )

Y ^ t = β 0 + β 1 t Equação 1

Nessa equação, ß0 é a constante do modelo; t, o tempo; ß, o coeficiente linear; e Ŷt é o valor estimado da variável em t.( 17 )

Posteriormente, calculou-se a variação percentual anual (do inglês Annual Percent Change - APC) pela equação 2:

A P C = 1 + 10 B 1 100 % Equação 2

Por fim, foram calculados os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), das medidas do estudo ß1 e APC, mediante a aplicação das equações 3 e 4 .

IC95% mínimo = β 1 mínimo 100 % Equação 3
IC95% máximo = β 1 máximo 100 % Equação 4

A tendência foi classificada crescente quando p < 0,05 e coeficiente linear positivo, decrescente quando p < 0,05 e coeficiente linear negativo, e estacionária quando o coeficiente linear não diferiu de zero (p > 0,05).( 18 ) Para a análise, utilizou-se o software estatístico STATA, versão 16.0.

Por se tratar de estudo com dados secundários sem identificação dos participantes, não houve necessidade de submissão desta pesquisa ao Comitê de Ética e Pesquisa. A resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foi respeitada. Os autores declaram não haver conflitos de interesse (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 32646820.2.0000.5060).

Resultados

No período analisado, foram registrados 3.922 óbitos por suicídio no Espírito Santo. Desses, 525 ocorreram na Região Serrana, representando 13,4% do total dos óbitos notificados pelo SIM. A tabela 1 apresenta a distribuição dos óbitos na população geral com idade superior a 15 anos de acordo com sexo e faixa etária. Constatou-se predomínio na população masculina e do grupo etário de 30 a 59 anos em ambas as unidades analisadas. A porcentagem de mortalidade por suicídio na população masculina foi de 76,1% desses óbitos no Espírito Santo; na Região Serrana, o número se eleva para 82,3%. A proporção de óbitos do grupo etário de 30 a 59 anos foi predominante, com 60% dos casos registrados no SIM, em ambas as unidades analisadas.

Tabela 1
Descrição dos óbitos por suicídio segundo a população maior que 15 anos, sexo e faixa etária no Espírito Santo e na Região Serrana

A evolução das taxas de mortalidade e a análise da tendência do suicídio de 1996 a 2020 no estado do Espírito Santo e em sua Região Serrana são apresentadas nas figuras 2 e 3, respectivamente.

Ao longo da série histórica, o estado do Espírito Santo apresentou taxas de mortalidade por suicídio, entre a população acima de 15 anos, que variaram de 5,8/100 mil a 6,6/100 mil, com tendência crescente (APC= 5,1; IC95% 0,28-9,92) ( Figura 2 ) ( Tabela 2 ). Já a Região Serrana apresentou variação de mortalidade de 10,4/100 mil a 8,7/100 mil ( Figura 3 ). Entre a população do sexo masculino, o Espírito Santo e a Região Serrana tiveram tendência estacionária da mortalidade por suicídio com APC= 3,5 e IC95%= -5,69-12,71 e APC= 11,6 e IC95%= -27,87-51,01, respectivamente.

Figura 2
Descrição dos óbitos por suicídio segundo a população maior que 15 anos, sexo e faixa etária

Tabela 2
Análise das tendências de mortalidade por suicídio (100 mil habitantes) segundo população geral, sexo e faixa etária

Figura 3
Descrição dos óbitos por suicídio segundo a população maior que 15 anos, sexo e faixa etária

Entretanto, houve tendência crescente do suicídio em ambas as unidades analisadas entre a população do sexo feminino. Nesse recorte, o estado apresentou taxas de mortalidade que variaram de 2,6/100 mil, em 1996, a 3,0/100 mil, no ano de 2020 (APC= 6,5; IC95%= 1,55-14,46). Na Região Serrana, observaram-se taxas de mortalidade superiores e crescentes (APC= 15,2; IC95%= 1,21-29,2) ( Tabela 2 ).

Em relação ao suicídio estratificado por faixas etárias, foram observados coeficientes estacionários. Somente o grupo etário de 30 a 59 anos apresentou tendência crescente, no Espírito Santo, de 3,3/100 mil para 3,6/100 mil (APC= 3,4; IC95%= 0,62-6,10) ( Figura 2 ) ( Tabela 2 ); na Região Serrana, no período de estudo, a taxa de mortalidade variou de 7,13/100 mil a 4,83/100 mil (APC= 2,9; IC95%= 2,02-3,86) ( Figura 3 ) ( Tabela 2 ).

Discussão

A tendência temporal da taxa de mortalidade por suicídio no Espírito Santo e em sua Região Serrana de 1996 a 2020 foi crescente entre a população geral com idade superior a 15 anos, na população do sexo feminino e na faixa etária de 30 a 59 anos. Entre essas, o crescimento das taxas na população feminina na Região Serrana foi mais acelerada.

Segundo o sistema de classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a mortalidade por suicídio é julgada: baixa quando representa menos de 5 casos/100 mil habitantes; média, entre 5 e 14/100 mil habitantes; alta, entre 15 e 29/100 mil habitantes; e muito alta quando chega a 30/100 mil habitantes.( 1 )Segundo esse critério, a taxa de suicídio no Espírito Santo é apontada como média e com tendência crescente para a população geral acima de 15 anos. Os valores encontrados para a Região Serrana são julgados médios a altos para a população geral, e, para a população masculina, os patamares encontram-se em níveis altos, diante da evidência de valores acima de 15 casos/100 mil habitantes.

De acordo com o relatório de 2019 da OMS, o suicídio continua sendo uma das principais causas de morte em todo o mundo. A média global, em 2019, foi de 9,0/100 mil habitantes para a população geral, de 5,4/100 mil habitantes para a população feminina e de 12,6/100 mil habitantes para a população masculina.( 1 ) Isso indica que a Região Serrana chegou a possuir taxas maiores que as mundiais.

Neste estudo, a análise evidenciou tendência ascendente para o suicídio na população geral do estado do Espírito Santo. Esse resultado se assemelha ao de pesquisas que analisaram esse tipo de óbito no Brasil, que também apresentou aumento das taxas de mortalidade por suicídio em sua população geral.( 2 - 6 , 18 )

Os estudos epidemiológicos apontam que a mortalidade por suicídio é mais incidente entre a população masculina. Esse fato tem se mantido ao longo do tempo em todos os países, de acordo com dados disponibilizados pela OMS, embora no sul da Índia, no Camboja, no Vietnã, na China e em algumas ilhas no Oceano Pacífico, como o arquipélago das Filipinas, a disparidade seja menor.( 5 , 11 , 18 - 20 )A tendência mundial de maior ocorrência na população masculina também foi observada no Espírito Santo e em sua Região Serrana.

Contudo, embora os homens sejam mais propensos a cometer o suicídio, este estudo constatou tendência crescente e acelerada entre a população feminina. Macente e Zandonadi haviam apontado, em pesquisa sobre o período de 1980 a 2006, tendência estacionária em mulheres do Espírito Santo.( 7 ) Entretanto, outra pesquisa apresentou ascendência das taxas de suicídio entre mulheres nos anos de 2007 a 2016 e decrescimento entre os homens.( 21 )Tais observações, somadas aos dados desta pesquisa, indicam que a mortalidade por suicídio entre as mulheres é crescente e recente no estado do Espírito Santo.

O padrão de consistência de suicídio entre o sexo masculino está relacionado historicamente ao maior acesso dos homens aos meios mais letais, como armas de fogo. As mulheres, por sua vez, estão menos expostas a sentimentos de fracasso na vida financeira, de competitividade e de impulsividade, considerados fatores de risco. A menor ocorrência de suicídio entre as mulheres também é atribuída à religiosidade, à baixa prevalência de alcoolismo e, ainda, à assistência psicossocial precoce diante de sinais de risco para depressão e doenças mentais; além disso, elas participam mais de redes de apoio e buscam mais frequentemente por ajuda nos momentos de crise.( 1 , 6 )

A análise da evolução das taxas segundo faixa etária demonstrou aumento da tendência da mortalidade por suicídio no grupo etário de adultos jovens (30 a 59 anos) e do sexo feminino em ambas as unidades analisadas. A população adulta jovem pode estar mais suscetível ao desemprego e ao modelo capitalista adotado no meio rural, como o endividamento. O avanço do processo capitalista de produção no campo acarretou arrendamento e perda das pequenas propriedades rurais, cujas consequências envolvem o endividamento, a concentração da propriedade da terra, o êxodo rural e a dissolução da cultura e dos valores morais. Um estudo realizado no estado do Rio Grande do Sul, em 2006, evidenciou correlação entre trabalho rural feminino e aumento das taxas de suicídio.( 11 )

A Região Serrana é representativa da cultura pomerana no Espírito Santo.( 22 ) A violência autoprovocada entre pomeranos pode ser atribuída à atitude hostil, fechada e desconfiada em relação ao outro, fatores que predispõem os indivíduos à depressão, muitas vezes potencializada pelo uso do álcool. Esse cenário pode ser decorrente de poucas opções de lazer e de uma vida voltada para o trabalho rural.( 23 ) Várias são as situações relacionadas ao trabalho que podem aumentar a incidência da violência contra si. A instabilidade econômica é uma delas, pois acarreta aumento de demissões, desemprego, trabalho precário e falência.( 24 )Portanto, a combinação de fatores culturais e contextuais pode estar envolvida com as altas taxas de suicídio identificadas entre os descendentes pomeranos.( 23 )Pesquisas desenvolvidas em populações de origem pomerana e alemã rurais e em altitudes elevadas apresentam historicamente altas taxas de mortalidade por suicídio, corroborando os resultados encontrados neste estudo sobre a Região Serrana.( 23 , 24 ) Ademais, a associação observada entre suicídio e altitude é consistente com pesquisas anteriores.( 25 , 26 )O processo pode desenvolver hipóxia, que aumenta o risco de sintomas depressivos e suicídio.( 26 )

A série de dados analisados da Região Serrana inaugura os estudos sobre o suicídio nessa região. Marín-León, Oliveira e Botega( 27 ) destacam a contribuição de pequenas regiões para o acréscimo das taxas da mortalidade por suicídio no Brasil, por isso é necessária a realização de pesquisas futuras envolvendo variáveis socioeconômicas regionais.

Como limitações deste estudo, apontamos a utilização de dados secundários a partir do SIM como base de análise. As mortes por suicídio podem ser subestimadas, diante da possibilidade de preenchimento inadequado das declarações de óbito, de modo que os indicadores podem ser ainda maiores do que os descritos. Casos suspeitos podem ter sido registrados como mortes por causas externas, como envenenamento ou acidentes. Outra limitação refere-se a atualizações do SIM. Estudo com o mesmo recorte temporal podem apresentar taxas de mortalidade diferentes. Embora os resultados exibidos nesta pesquisa apresentem limitações próprias do estudo, eles denotam o comportamento das taxas de suicídio no estado do Espírito Santo e em sua Região Serrana, contribuindo para uma compreensão melhor do fenômeno nos cenários analisados.

Conclusão

A tendência observada foi de crescimento na população geral do estado do Espírito Santo e entre adultos jovens e do sexo feminino no Espírito Santo e na Região Serrana. A relevância da violência autoprovocada que se verificou nas taxas analisadas neste estudo aponta para a necessidade do emprego de estratégias preventivas, especialmente entre as mulheres. Considerando sua multicausalidade, a prevenção do suicídio demanda uma articulação intersetorial que alinhe políticas públicas de áreas prioritárias, de modo a desenvolver e ofertar assistência em saúde mental para o público específico, bem como capacitar e qualificar os profissionais de saúde para identificação precoce de transtornos mentais e atuação preventiva no comportamento suicida, com vistas a construir um processo de promoção da saúde mental.

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Editado por

  • Editor Associado (Avaliação pelos pares): Thiago da Silva Domingos ( https://orcid.org/0000-0002-1421-7468 ) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2022
  • Aceito
    5 Abr 2023
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