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Cognitive debriefing e fidedignidade do NOPPAIN-Br

Cognitive debriefing y fiabilidad del NOPPAIN-Br

Resumo

Objetivos

Realizar o cognitive debriefing e testar a fidedignidade do Non-Communicative Patient’s Pain Instrument (NOPPAIN).

Métodos

Estudo metodológico de verificação do NOPPAIN (versão brasileira) adaptado à cultura brasileira. Cognitive debriefing: participaram 56 profissionais de saúde e cuidadores; sua tarefa foi avaliar e fazer sugestões sobre a equivalência e adequação do NOPPAIN-Br. A versão final, intitulada “NOPPAIN-Versão brasileira” foi submetida a um Comitê de Especialistas (n=8). Foi calculado o Índice de Validade de Conteúdo. Para testar a fidedignidade três observadores aplicaram a nova versão do NOPPAIN em uma amostra (n=171) de pessoas idosas com demência e comunicação prejudicada onde foi calculada a concordância interobservadores - KAPPA.

Resultados

O NOPPAIN-Br foi alterado em palavras tais como: “não comunicativo”, “enfermeiro”, “deve fazer” e “paciente”. A equivalência da nova versão com o instrumento original foi reforçada (IVC>0,80). A concordância entre observadores foi quase perfeita para a “Lista de Verificação de Atividades I” (Kappa>0,80), “Comportamentos de dor II: Presença” (Kappa>0,80) e “Comportamentos de dor III: Intensidade” (Kappa>0,80; ICCsingle>0,75). Foi observada evidência de alta confiabilidade (ICC single>0,75) para todas subescalas do instrumento e pontuação total. A melhor concordância foi para intensidade geral da dor (ICCsingle 0,97).

Conclusão

O NOPPAIN-Br é equivalente ao instrumento original e fidedigno, podendo ser disponibilizado para novas pesquisas e avaliação da dor em brasileiros com demência e comunicação prejudicada.

Dor; Medição da dor; Idoso; Demência

Resumen

Objetivos

Realizar el cognitive debriefing y verificar la fiabilidad del Non-Communicative Patient’s Pain Instrument (NOPPAIN).

Métodos

Estudio metodológico de verificación del NOPPAIN (versión brasileña) adaptado a la cultura brasileña. Cognitive debriefing: participaron 56 profesionales de la salud y cuidadores, cuya función fue evaluar y realizar sugerencias sobre la equivalencia y la adaptación del NOPPAIN-Br. La versión final, titulada “NOPPAIN-Versión brasileña”, fue sometida a un Comité de Especialistas (n=8). Se calculó el Índice de Validez de Contenido. Para verificar la fiabilidad, tres observadores aplicaron la nueva versión del NOPPAIN en una muestra (n=171) de personas mayores con demencia y deterioro de la comunicación, donde se calculó la concordancia entre observadores - KAPPA.

Resultados

Se modificaron algunas palabras en el NOPPAIN-Br, tales como “no comunicativo”, “enfermero”, “debe hacer” y “paciente”. La equivalencia entre la nueva versión y el instrumento original fue reforzada (IVC>0,80). La concordancia entre observadores fue casi perfecta en la “Lista de verificación de actividades I” (Kappa>0,80), “Comportamientos de dolor II: presencia” (Kappa>0,80) y “Comportamientos de dolor III: intensidad” (Kappa>0,80; ICCsingle>0,75). Se observó evidencia de alta fiabilidad (ICC single>0,75) en todas las subescalas del instrumento y en el puntaje total. La mejor concordancia fue en la intensidad general del dolor (ICCsingle 0,97).

Conclusión

El NOPPAIN-Br es equivalente al instrumento original y fidedigno y puede ponerse a disposición para nuevos estudios y para la evaluación del dolor en brasileños con demencia y deterioro de la comunicación.

Dolor; Dimensión del dolor; Anciano; Demencia

Abstract

Objectives

To perform cognitive debriefing and test the Non-Communicative Patient’s Pain Instrument (NOPPAIN) reliability.

Methods

This is a methodological study to verify NOPPAIN adapted to the Brazilian culture. Cognitive debriefing: 56 healthcare professionals and caregivers participated; its task was to assess and make suggestions about NOPPAIN-Br equivalence and adequacy. The final version entitled “NOPPAIN-Versão brasileira” was submitted to a committee of experts (n=8). The Content Validity Index was calculated. To test reliability, three observers applied the new version of NOPPAIN to a sample (n=171) of older adults with dementia and impaired communication where interobserver agreement was calculated - KAPPA.

Results

NOPPAIN-Br was changed in words such as “não comunicativo”, “enfermeiro”, “deve fazer” and “paciente”. The equivalence of the new version with the original instrument was reinforced (CVI>0.80). Interobserver agreement was almost perfect for “Activity Checklist I” (Kappa>0.80), “Pain Behaviors II: Presence” (Kappa>0.80) and “Pain Behaviors III: Intensity” (Kappa>0.80; ICCsingle>0.75). Evidence of high reliability (ICCsingle>0.75) was observed for all subscales of the instrument and total score. The best agreement was for general pain intensity (ICCsingle 0.97).

Conclusion

NOPPAIN-Br is equivalent to the original and reliable instrument and can be made available for further research and assessment of pain in Brazilians with dementia and impaired communication.

Pain; Pain measurement; Aged; Dementia

Introdução

A avaliação da dor em pessoas com perda da capacidade de definir sensações e comunicá-las verbalmente vem desafiando profissionais de saúde e cuidadores no cenário mundial, mas ainda é difícil avaliar a dor dessas pessoas. No cenário mundial, instrumentos têm sido disponibilizados para mensurar a experiência dolorosa com base na observação de comportamentos de dor.(11. Snow AL, Weber JB, O'Malley KJ, Cody M, Beck C, Bruera E, et al. NOPPAIN: a nursing assistant-administered pain assessment instrument for use in dementia. Dement Geriatr Cogn Disord. 2004;17(3):240-6.

2. Kunz M, Meixner D, Lautenbacher S. Facial muscle movements encoding pain-a systematic review. Pain. 2019;160(3):535-49.
-33. Herr K, Zwakhalen S, Swafford K. Observation of pain in dementia. Curr Alzheimer Res. 2017;14(5):486-500.)

Um desses instrumentos é o Non-Communicative Patient’s Pain Instrument (NOPPAIN), que contém indicadores comportamentais tais como: expressão facial, verbalizações e vocalizações, movimentos corporais e mudanças nas interações interpessoais, atividades e rotinas e estado mental.(44. AGS Panel on Persistent Pain in Older Persons. The management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2002;50(6 Suppl):S205-24. Review.)

O NOPPAIN apresenta várias gravuras que representam procedimentos de enfermagem que podem ser realizados pelos profissionais de enfermagem e cuidadores. Nelas, o observador deve assinalar (em caselas identificadas com SIM e NÃO) o(s) procedimento(s) que foram ou não realizados e então as observações de dor (SIM e NÃO). Em seguida, são apresentadas seis figuras representando comportamentos de dor tais como faces de dor, palavras de dor, ruídos de dor, esfregação, autoproteção e inquietação. O observador deve indicar a “Presença” do(s) comportamento(s) de dor (SIM ou NÃO); em caso afirmativo, ele deve mensurar a “Intensidade” do comportamento usando uma escala numérica de 6 pontos (0-5) desenhada abaixo da figura, em que 0=menor intensidade possível e 5=maior intensidade possível. Depois, o observador deverá anotar a intensidade subjetiva global da dor percebida usando uma escala numérica de mensuração (0-10) em que 0=sem dor e 10=a pior dor. Finalmente, ele deverá anotar a média de cada pontuação anterior em cada uma das caselas, terminando com a soma da pontuação total do instrumento. Escores iguais ou maiores que 3 (três) indicam dor e requerem avaliação mais abrangente.

Sobre os instrumentos elaborados em outros idiomas, a recomendação geral dos estudiosos no campo de medida é que eles sejam adaptados, validados e aperfeiçoados para adequá-los à cultura-alvo.(55. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. Review.

6. Souza AC, Alexandre NM, Guirardello EB. Psychometric properties in instruments evaluation of reliability and validity. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):649-59.
-77. Ma LL, Wang YY, Yang ZH, Huang D, Weng H, Zeng XT. Methodological quality (risk of bias) assessment tools for primary and secondary medical studies: what are they and which is better? Mil Med Res. 2020;7(1):7-18.)Além disso, recomenda-se que o número de indicadores seja adequado (nem mais nem menos); um número muito pequeno pode causar falhas na detecção da dor em indivíduos que estão manifestando comportamentos de dor menos comuns; números elevados e abrangentes podem ser cansativos, identificando dor em situações em que ela realmente não existe.(33. Herr K, Zwakhalen S, Swafford K. Observation of pain in dementia. Curr Alzheimer Res. 2017;14(5):486-500.,88. Achterberg W, Lautenbacher S, Husebo B, Erdal A, Herr K. Pain in dementia. Pain Rep. 2019;5(1):e803.)

No Brasil, o NOPPAIN foi adaptado transculturalmente(99. Araujo RS, Pereira LV. Versão brasileira do Instrumento de Avaliação da Dor em Paciente Não Comunicativo (NOPPAIN): equivalência conceitual, de itens e semântica. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1985-92.) tendo alcançado equivalência conceitual de itens e semântica. Porém, o último critério contido nas diretrizes usadas (cognitive debriefing)(1010. Beaton DE. Understanding the relevance of measured change through studies of responsiveness. Spine. 2000;25(24):3192-9.) foi realizado com número insuficiente de participantes. Isto deverá ser otimizado para refinar a versão brasileira antes de submetê-la a novas pesquisas.(1111. Epstein J, Santo RM, Guillemin F. A review of guidelines for cross-cultural adaptation of questionnaires could not bring out a consensus. J Clin Epidemiol. 2015;68(4):435-41. Review.)Além disso, ele não foi testado para verificar a fidedignidade.

O cognitive debriefing é uma etapa importante para verificar a equivalência entre as versões adaptada e original. Ela pode ser realizada usando a técnica de verificação que inclui um interrogatório, em que os participantes respondem às perguntas do instrumento para detectar possíveis erros e desvios cometidos durante a tradução.(88. Achterberg W, Lautenbacher S, Husebo B, Erdal A, Herr K. Pain in dementia. Pain Rep. 2019;5(1):e803.)A versão final surge do processo de revisão e consenso por pesquisadores, especialistas no assunto e indivíduos da população-alvo.(1010. Beaton DE. Understanding the relevance of measured change through studies of responsiveness. Spine. 2000;25(24):3192-9.)

Portanto, o objetivo do presente estudo foi realizar o cognitive debriefing e testar a fidedignidade do Non-Communicative Patient’s Pain Instrument-Br.

Métodos

Estudo metodológico de verificação do NOPPAIN-Br (Araújo e Pereira, 2012)(99. Araujo RS, Pereira LV. Versão brasileira do Instrumento de Avaliação da Dor em Paciente Não Comunicativo (NOPPAIN): equivalência conceitual, de itens e semântica. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1985-92.) e teste da fidedignidade da versão brasileira.

Participaram do cognitive debriefing 56 profissionais e cuidadores de pessoas idosas: enfermeiros (14), técnicos de enfermagem (10), médicos (11) e fisioterapeutas (11) que trabalhavam em um hospital de ensino federal e cuidadores (10) de adultos idosos residentes em quatro Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI; Goiânia-Goiás, Brasil). Todos eles tinham experiência no tratamento da dor em pessoas idosas com demência e comprometimento na comunicação verbal.

Foram excluídos aqueles que não mostraram disponibilidade para o treinamento sobre avaliação da dor em pessoas com demência e identificação de comportamentos indicativos de dor.

Todos os participantes receberam treinamento para verificação do instrumento. Inicialmente, eles receberam um texto curto impresso sobre dor em pessoas com demência, comportamentos de dor, conceitos e diretrizes para avaliação da dor. O texto foi lido e discutido em conjunto com o pesquisador principal. Em seguida, eles assistiram a seis vídeos (série NOPPAIN) para identificar comportamentos de dor e pareá-los à intensidade da dor expressa. Os vídeos NOPPAIN foram produzidos para treinamento e estudo de comportamentos indicativos de dor em pessoas com demência e comunicação prejudicada e foram cedidos pela proponente do instrumento original.(11. Snow AL, Weber JB, O'Malley KJ, Cody M, Beck C, Bruera E, et al. NOPPAIN: a nursing assistant-administered pain assessment instrument for use in dementia. Dement Geriatr Cogn Disord. 2004;17(3):240-6.) Esses vídeos foram gravados em cenários de simulação realística, com a participação de uma atriz no papel de uma paciente com demência e comunicação prejudicada, acamada, recebendo cuidados de enfermagem. Uma série contínua de níveis de intensidade de dor foi representada pela atriz nos vídeos. Abordagens padronizadas e realísticas (nas quais as respostas “corretas” são conhecidas) favorecem a avaliação do resultado de muitas medidas e são amplamente usadas em pesquisa e educação.(1212. Amarijo CL, Silva CD, Mota MS, Figueira AB, Acosta DF, Silva JH. New horizons in higher education: Realistic simulation as a teaching method. Res Soc Dev. 2021;10(4):e18710414057.)

Após os participantes sanarem suas dúvidas, eles assistiram a um vídeo com uma paciente expressando dor “moderada”. Em seguida, preencheram a versão NOPPAIN-Br e emitiram suas opiniões sobre o instrumento. Após análise dos dados, uma nova versão foi gerada e enviada on-line a oito especialistas (quatro doutores em enfermagem, pesquisadores e experts em medidas de fenômenos subjetivos em saúde e dor; um doutor em medicina, neurologista, pesquisador e expert em dor; uma médica especialista em reumatologia e expert em dor; uma médica com língua nativa em inglês e graduada no Brasil; e uma doutora em Letras e Linguística, revisora de textos) para avaliar a equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual.

Os especialistas foram orientados sobre a possibilidade de concordar ou discordar dos itens, bem como de modificar e/ou eliminar os que eles julgassem irrelevantes, inadequados e/ou ambíguos, podendo propor substitutos aplicáveis à cultura-alvo. Após a avaliação dos especialistas, foi disponibilizada nova versão (Anexo 1 Anexo 1 NOPPAIN – Versão Brasileira ).

A nova versão foi aplicada independentemente e concomitantemente por três observadores treinados (enfermeiros mestrandos e doutorandos) após 5 min de observação de procedimentos básicos de enfermagem, para teste da fidedignidade. Participaram 171 de idosos com demência e comunicação verbal prejudicada que residiam em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) registradas no Conselho de Idosos (Goiânia, GO, Brasil). A coleta de dados foi autorizada pelos responsáveis pelas ILPI e o TCLE foi assinado em duas vias, respeitando a Legislação vigente.

Os testes estatísticos foram feitos no software R (v.3.6.1). As variáveis categóricas foram representadas por frequências absoluta e relativa. Para validação da tradução e pertinência do instrumento NOPPAIN, foi usado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC)(1313. Polit DF. Assessing measurement in health: beyond reliability and validity. Int J Nurs Stud. 2015;52(11):1746-53,1414. Hyrkäs K, Appelqvist-Schmidlechner K, Oksa L. Validating an instrument for clinical supervision using an expert panel. Int J Nurs Stud. 2003;40(6):619-25.)que mede a porcentagem de juízes que concordam sobre determinados aspectos do instrumento e seus itens. A concordância dos juízes em relação aos itens do instrumento foi medida por meio de uma escala Likert com pontuação na faixa de 1- 4 (1=não equivalente; 2=necessita de uma grande revisão para avaliar equivalência; 3=equivalente com alterações e 4=equivalente), sendo aceita a recomendação de índice não inferior a 0,80.(1515. Polit DF, Beck CT, Owen SV. Is the CVI an acceptable indicator of content validity? Appraisal and recommendations. Res Nurs Health. 2007;30(4):459-67.) Para calcular o IVC, foi usada a fórmula: IVC = Nº de respostas 3 e 4/Nº total de respostas.(1616. Yusoff MS. ABC of content validation and content validity index calculation. Educ Med J. 2019;11(2):49-54.) Para avaliar a concordância entre avaliadores sobre os itens dicotômicos, foi usado o coeficiente de concordância de Kappa.(1717. Cohen J. A coefficient of agreement for nominal scales. Educ Psychol Meas. 1960;20(1):37-46.) Valores de Kappa <0 indicam concordância insignificante; valores maiores indicam concordâncias fraca (0-0,20), razoável (0,20-0,40), moderada (0,40-0,60), forte (0,60-0,80) e quase perfeita (0,80-1,00). Quanto à concordância entre avaliadores sobre os totais e itens medidos em escala tipo Likert, foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse (ICC)(1818. Shrout PE, Fleiss JL. Intraclass correlations: uses in assessing rater reliability. Psychol Bull. 1979;86(2):420-8.) que permite avaliar a consistência e confiabilidade das medidas para diferentes avaliadores; valores de ICC>0,75 evidenciam uma alta confiabilidade.

O estudo respeitou a Declaração de Helsinki de 1975 (revisada em 2000) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2017 (Parecer: 2.4539542; CAAE 80079817.10000.5078). O uso do instrumento original no estudo de adaptação transcultural e pré-teste foi autorizado pelo autor principal do NOPPAIN.

Resultados

Entre os participaram do Cognitive Debriefing, 75,0% eram mulheres. A média de idade foi de 36,7 anos (DP=10,9; mín.-máx.=18-65). Quanto à escolaridade, 43 deles referiram nível superior completo e pós-graduação (14 enfermeiros, 11 fisioterapeutas, 11 médicos, 10 técnicos de enfermagem e 10 cuidadores formais; destes, 13 eram especialistas, 14 mestres, 5 doutores e 13 de nível médio).

Todos os participantes concordaram com 74% dos itens contidos no NOPPAIN-Br. Uma parte (23,0%) dos itens alcançou concordância de 92-98% e só um (3,0%) obteve concordância de 73,2%, relacionado às instruções do instrumento.

Uma das principais alterações foi feita no título do instrumento, onde o termo “não comunicativo” foi substituído por “comunicação prejudicada”. Nas instruções, o termo “enfermeiro” foi substituído por “profissional de saúde”; o termo “deve fazer” foi substituído por “deve fazer/observar” e a palavra “paciente” foi substituída por “paciente/residente”.

No geral, 80,4% das opiniões positivas destacaram a clareza, pertinência, facilidade de compreensão, rápido preenchimento e praticidade do instrumento, mas apontaram que o tempo disponível para treinamento era reduzido.

Na opinião dos juízes, a validade de conteúdo do NOPPAIN-Br foi excelente (IVC=1,00). Assim, o NOPPAIN-Br foi disponibilizado para uso no Brasil em pessoas idosas com déficit cognitivo.

Quanto à fidedignidade, entre os 171 participantes, a maioria era do sexo feminino (65,5%), viúvos (38,0%) e com escolaridade média de 5,7 anos (DP: 4,9). A média de idade foi de 81,8 anos (DP: 9,53; min.-máx.: 60-108). No Mini Exame do Estado Mental (MEEM), o escore médio foi de 2,89 (DP: 4,02). Em geral, os participantes estavam acamados (10,6%), confinados a uma cadeira de rodas (43,9%) e eram capazes de andar (45,5%). Os registros médicos mostraram que eles foram diagnosticados com doença de Alzheimer (57,9%) e demência inespecífica (30,4%), ao passo que alguns apresentavam outros tipos de demência (vascular, demência com corpos de Lewy e demência alcoólica; 11,0%). As doenças crônicas mais comuns foram hipertensão arterial sistêmica (64,3%), diabetes mellitus (25,1%) e sequelas em pacientes que sobreviveram a acidente vascular cerebral (24,6%).

O teste para verificação da concordância entre observadores mostrou uma concordância quase perfeita (Kappa>0,80) quanto aos itens da “Lista de Verificação de Atividades I”, exceto quanto ao item “Ajudou a caminhar”, que alcançou uma concordância forte (0,60<Kappa<0,80). Em relação aos “Comportamentos de dor II, Presença” teve uma concordância quase perfeita (Kappa>0,80) quanto aos itens “Palavras de dor” e “Faces de dor”; quanto ao item “Ruídos de dor” a concordância foi forte (0,60<Kappa<0,80). Quanto aos demais itens (03), a concordância foi razoável ou moderada. Sobre os “Comportamentos de dor III, Intensidade” teve uma evidência de alta confiabilidade (Kappa>0,80; ICCsingle>0,75) em relação aos itens “Palavras de dor”, “Ruídos de dor” e “Faces de dor”; a maior concordância foi observada quanto ao item “Palavras de dor” (ICCsingle=0,87. De acordo com a comparação entre ICCAverage e Alfa de Cronbach (A.C.)(1919. Cronbach LJ. Coefficient alpha and the internal structure of tests. Psychometrika. 1951;16(3):297-334.) admitimos que não houve viés em qualquer dos itens, pois os valores das duas medidas foram muito próximos.

Quanto ao total das seis subescalas e pontuação geral de dor do NOPPAIN-Br, foi obtida uma alta confiabilidade (ICCsingle>0,75) entre avaliadores em todas subescalas (escores 0-5) e pontuação final do NOPPAIN-Br; a maior concordância foi observada na Intensidade Geral de Dor, avaliada em uma escala de 0-10 (ICCsingle=0,97).

Discussão

Os resultados do Cognitive Debriefing confirmaram a importância dessa etapa na adaptação transcultural do NOPPAIN-Br pois ela permitiu fazer alterações que tornaram o instrumento de medida mais claro e devidamente adaptado à cultura brasileira.

Identificar e avaliar comportamentos indicativos de dor não são tarefas simples, mas o uso dos vídeos NOPPAIN (que simulam a realidade) possibilitou otimizar essa tarefa. Foi também importante verificar que os comportamentos de dor mais aceitos por brasileiros são aqueles aceitos por pesquisadores de outras culturas.(11. Snow AL, Weber JB, O'Malley KJ, Cody M, Beck C, Bruera E, et al. NOPPAIN: a nursing assistant-administered pain assessment instrument for use in dementia. Dement Geriatr Cogn Disord. 2004;17(3):240-6.,22. Kunz M, Meixner D, Lautenbacher S. Facial muscle movements encoding pain-a systematic review. Pain. 2019;160(3):535-49.) Isto favorece a padronização transcultural de comportamentos que expressam dor na população de idosos com demência e comunicação prejudicada no cenário mundial.

No processo de verificação do NOPPAIN-Br, o relato de enfermeiros e cuidadores foi importante para ajudar a denominar as pessoas idosas como “paciente/residente” e não só como “paciente”, pois nem sempre eles são “pacientes” nas ILPI e no ambiente domiciliar; apesar de sua demência, eles geralmente são só residentes. Sobre o uso de palavras e termos em instrumentos de avaliação de dor em pessoas com demência, um estudo apresentou uma lista de recomendações para uso (in)adequado. Nesta lista, a palavra “paciente” pode ser entendida como uma vida em tratamento médico contínuo quando ela é usada em circunstâncias não relacionadas a tratamento de saúde, o que é estigmatizante. É necessário refletir e moldar percepções e atitudes em relação à demência e às pessoas que vivem com ela(2020. Xu W. The stigma of dementia and the media: an analysis of reality shows about older people with dementia running a pop-up restaurant. J Aging Stud. 2021;59:100967.,2121. Oliveira D, da Mata F, Mateus E, Musyimi CW, Farina N, Ferri CP, et al. Experiences of stigma and discrimination among people living with dementia and family carers in Brazil: qualitative study. Ageing Soc. 2023;43(2 Supl):447-68.) (incluindo seus familiares)(2222. Van den Bossche P, Schoenmakers B. The Impact of Dementia's Affiliate Stigma on the Mental Health of Relatives: a cross section survey. Front Psychol. 2022;12(12):789105.) para conscientizar e desafiar o estigma de demência e talvez outras condições que afetam as pessoas idosas.

O termo “não comunicativo” (parte do título do instrumento; tradução de “non-communicative”) foi questionado por ser contraditório em relação ao próprio construto, pois os comportamentos indicando dor são um meio de comunicação da dor efetiva. Entretanto, ele é defendido por estudiosos e recomendado em diretrizes.(44. AGS Panel on Persistent Pain in Older Persons. The management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2002;50(6 Suppl):S205-24. Review.,2323. Fordyce WE, Lansky D, Calsyn DA, Shelton JL, Stolov WC, Rock DL. Pain measurement and pain behavior. Pain. 1984;18(1):53-69.,2424. American Nurses Association (ANS). American Nurses Association Center for Ethics and Human Rights: The Ethical Responsibility to Manage Pain and the Suffering It Causes. Georgia: ANA; 2018 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://www.nursingworld.org/~495e9b/globalassets/docs/ana/ethics/theethicalresponsibilitytomanagepainandthesufferingitcauses2018.pdf
https://www.nursingworld.org/~495e9b/glo...
)Além disso, o reconhecimento da dor é um processo interativo, comunicativo, baseado em expressões verbais e não verbais.(2424. American Nurses Association (ANS). American Nurses Association Center for Ethics and Human Rights: The Ethical Responsibility to Manage Pain and the Suffering It Causes. Georgia: ANA; 2018 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://www.nursingworld.org/~495e9b/globalassets/docs/ana/ethics/theethicalresponsibilitytomanagepainandthesufferingitcauses2018.pdf
https://www.nursingworld.org/~495e9b/glo...
,2525. Tsai YI, Browne G, Inder KJ. Documented nursing practices of pain assessment and management when communicating about pain in dementia care. J Adv Nurs. 2022;78(10):3174-86.)O termo “comunicação verbal prejudicada” pareceu adequado ao verificar a proposta Taxonômica II da Nanda. De acordo com o Diagnóstico de Enfermagem proposto pela Taxonomia dos Diagnósticos de Enfermagem (Taxonomia II da NANDA-I, domínio 5; Percepção/Cognição, Classe 5: Comunicação), comunicação prejudicada é uma “Capacidade diminuída, atrasada ou ausente de receber, processar, transmitir e/ou usar um sistema de símbolos”. Isto é um dos aspectos da comunicação, não sendo necessariamente ausência total dessa habilidade.(2626. Diagnósticos de enfermagem da NANDA-I: definições e classificação 2021-2023. Artmed; 2021. pp. 335-6.)

Embora os comportamentos não verbais automáticos de interesse não sejam necessariamente manifestados por deliberação consciente, eles podem ter funções comunicativas com um sucesso considerável.(22. Kunz M, Meixner D, Lautenbacher S. Facial muscle movements encoding pain-a systematic review. Pain. 2019;160(3):535-49.)Os comportamentos não verbais (tais como contrações, caretas, posturas corporais e esfregação) são usados intencionalmente para comunicar dor.(22. Kunz M, Meixner D, Lautenbacher S. Facial muscle movements encoding pain-a systematic review. Pain. 2019;160(3):535-49.,44. AGS Panel on Persistent Pain in Older Persons. The management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2002;50(6 Suppl):S205-24. Review.)

Por meio do NOPPAIN-Br, os profissionais puderam medir a intensidade de cada comportamento de dor identificado (faces, ruídos e palavras de dor, esfregação, inquietação e posições de autoproteção). Isto amplia a possibilidade de investigar a intensidade da experiência dolorosa por meio de comportamentos de dor. Este é um resultado desejado e ainda pouco investigado em pessoas que não conseguem comunicar verbalmente o que elas estão sentindo.

Em relação à fidedignidade do instrumento, os resultados do presente estudo confirmaram um estudo anterior(2727. Novello C, Ferrari R, Scacco C, Visentin M. [The Italian version of NOPPAIN Scale: validation during education]. Assist Inferm Ric. 2009;28(4):198-205. Italian.) que testou a fidedignidade do NOPPAIN na Itália (com amostra de enfermeiros) durante um treinamento usando a coleção de vídeos NOPPAIN. Houve concordância significativa entre os avaliadores (W de Kendall = 0,89; p<0,01) indicando confiabilidade entre observadores. Outro estudo foi realizado com pacientes internados (avaliados por enfermeiros); os resultados reforçaram a confiabilidade do instrumento na avaliação de dor em pessoas com demência avançada (presença de dor: r=0,71, p<0.01; intensidade do comportamento: r=0,71, p<0,01).(2828. Ferrari R, Martini M, Mondini S, Novello C, Palomba D, Scacco C, et al. Pain assessment in non-communicative patients: the Italian version of the Non-Communicative Patient's Pain Assessment Instrument (NOPPAIN). Aging Clin Exp Res. 2009;21(4-5):298-306. Italian.) As evidências colocam o NOPPAIN entre os instrumentos fidedignos para avaliar dor em pessoas com demência e comunicação prejudicada.

Limitações do estudo: O Brasil é um país de diversidades culturais devido ao processo de colonização; assim, tais diferenças podem requerer novas pesquisas para adequar a linguagem da dor nos diferentes estados brasileiros. Apesar disso, o NOPPAIN-Br mostrou um avanço na mensuração da dor em pessoas com demência e comunicação prejudicada.

Conclusão

O NOPPAIN-Br tem uma excelente equivalência com o instrumento original e a fidedignidade do instrumento foi reforçada na cultura brasileira. Sua nova versão está sendo disponibilizada para outras pesquisas, visando aperfeiçoamento e validação.

Referências

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Anexo 1


NOPPAIN – Versão Brasileira

Editado por

Editor Associado: Edvane Birelo Lopes De Domenico (https://orcid.org/0000-0001-7455-1727) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Aceito
    21 Mar 2024
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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