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Avaliação da qualidade do sono em profissionais de saúde da emergência

Evaluación de la calidad del sueño en profesionales de la salud de emergencia

Resumo

Objetivo

Avaliar a qualidade do sono de profissionais dos serviços de emergência e sua associação com o nível de fadiga e qualidade de vida.

Métodos

Estudo descritivo, transversal e correlacional, realizado nas unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), no ano de 2021, com 108 participantes. Para avaliação da qualidade do sono, foi utilizado o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh versão Brasileira (PSQI-BR); para avaliação da Fadiga, foi utilizada a Escala de Fadiga de Chalder, em conjunto com a Escala de Necessidade de Descanso (ENEDE); e para avaliação da qualidade de vida, foi utilizado o World Health Organization Quality of Life Brief Version (WHOQOL-bref), sendo que os instrumentos utilizados foram adaptados para a língua portuguesa em estudos anteriores. Foram aplicados testes de associação para a análise estatística, tendo sido utilizados o Teste Qui-Quadrado de Pearson, o Teste U Mann-Whitney ou Kruskal Wallis e a correlação de Spearman. Valores de p <0,05 foram considerados como significativos.

Resultados

Foi identificado que 72,2% dos participantes apresentaram má qualidade do sono e 75,9% estavam fadigados. Foi observada associação significativa entre a qualidade do sono e a fadiga, a necessidade de descanso e a qualidade de vida.

Conclusão

Foi identificado que os profissionais de saúde que trabalham em serviço de urgência e emergência apresentam má qualidade do sono e de vida e níveis elevados de fadiga e necessidade de descanso, o que pode impactar diretamente suas atividades pessoais e profissionais.

Transtornos do sono-vigília; Jornada de trabalho em turnos; Fadiga; Pessoal de saúde; Serviços médicos de emergência; Qualidade de vida; Descanso

Resumen

Objetivo

Evaluar la calidad del sueño de profesionales de los servicios de emergencia y su relación con el nivel de fatiga y calidad de vida.

Métodos

Estudio descriptivo, transversal y correlacional, realizado en las unidades del Servicio de Atención Móbil de Urgencia (SAMU) y en la Unidad de Pronta Atención (UPA), en el año 2021, con 108 participantes. Para evaluar la calidad del sueño, se utilizó el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh, versión brasileña (PSQI-BR). Para evaluar la fatiga, se utilizó la Escala de Fatiga de Chalder, junto con la Escala de Necesidad de Descanso (ENEDE). Para evaluar la calidad de vida, se utilizó el World Health Organization Quality of Life Brief Version (WHOQOL-bref). Los instrumentos utilizados fueron adaptados al idioma portugués en estudios anteriores. Se aplicaron pruebas de asociación para el análisis estadístico, para lo cual se utilizó la Prueba χ2 de Pearson, la Prueba U de Mann-Whitney o la prueba de Kruskal-Wallis y la correlación de Spearman. Se consideraron valores de p<0,05 como significativos.

Resultados

Se identificó que el 72,2 % de los participantes presentó una mala calidad de sueño y el 75,9 % tenía fatiga. Se observó una asociación significativa entre la calidad del sueño y la fatiga, la necesidad de descanso y la calidad de vida.

Conclusión

Se identificó que los profesionales de la salud que trabajan en servicios de urgencia y emergencia presentaron mala calidad de sueño y de vida y niveles elevados de fatiga y necesidad de descanso, lo que puede impactar directamente en sus actividades personales y profesionales.

Trastornos del sueño-vigilia; Horario de trabajo por turnos; Fadiga; Personal de salud; Servicios médicos de urgencia; Calidad de vida; Descanso

Abstract

Objective

To assess emergency service professionals’ sleep quality and its association with the level of fatigue and quality of life.

Methods

A descriptive, cross-sectional and correlational study, carried out in the units of the Mobile Emergency Care Service (SAMU) and in the Emergency Care Unit (ECU), in 2021, with 108 participants. To assess sleep quality, the Pittsburgh Sleep Quality Index, Brazilian version (PSQI-BR), was used; to assess fatigue, the Chalder Fatigue Scale was used, together with the Need for Recovery Scale (NFR); and to assess quality of life, the World Health Organization Quality of Life Brief Version (WHOQOL-bref) was used, and the instruments used were adapted to Portuguese in previous studies. Association tests were applied for statistical analysis, using Pearson’s chi-square test, Mann-Whitney U test or Kruskal Wallis and Spearman’s correlation. P-values <0.05 were considered significant.

Results

It was identified that 72.2% of participants had poor sleep quality and 75.9% were fatigued. A significant association was observed between sleep quality and fatigue, the need for recovery and quality of life.

Conclusion

It was identified that health professionals working in emergency services have poor sleep quality and life, and high levels of fatigue and need for recovery, which can directly impact their personal and professional activities.

Sleep wake disorders; Shift work schedule; Fatigue; Health personnel; Emergency medical services; Quality of life; Rest

Introdução

Os serviços de saúde com atendimento em situações críticas revelam os ambientes de trabalho mais estressantes, uma vez que os usuários atendidos se encontram em situações de risco iminente de morte ou sofrimento intenso. Os profissionais que atuam nessa área estão mais vulneráveis ao estresse ocupacional e ao adoecimento, devido às características do trabalho, além de estarem expostos a condições precárias de trabalho, como escassez de recursos humanos e materiais, sobrecarga de trabalho, espaço físico inapropriado, superlotação e falta de reconhecimento por gestores.(11. Oliveira AP, Oliveira AL, Prado RM, Vasconcelos AM, Silva JC, Oliveira JC. O esgotamento físico dos enfermeiros no setor de urgência e emergência: revisão integrativa. Nursing (São Paulo). 2019;22(251):2839–43. Review.,22. Teixeira GS, Silveira RC, Mininel VA, Moraes JT, Ribeiro IK. Quality of life at work and occupational stress of nursing in an emergency care unit. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180298.)

Nesses ambientes de trabalho estressantes, há relatos de que mais da metade dos profissionais possui queixas de algum distúrbio para dormir, classificando o sono como insatisfatório e/ou de má qualidade, não suficientemente reparador entre os turnos, portanto, tornando-se uma questão de saúde pública.(33. Mountfort S, Wilson J. EMS Provider Health And Wellness. [Updated 2022 Sep 26]. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 [cited 2023 June10]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493236/
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)

O sono é um processo fisiológico e vital para o ser humano que repara, conserva energia e protege o organismo. A privação do sono interfere na saúde física e mental do indivíduo, sendo que esse prejuízo pode afetar gravemente as relações interpessoais. Cada vez mais frequente na população, os transtornos do sono podem se manifestar por uma má qualidade, insônia, sonolência diurna excessiva, entre outros.(44. Siegel JM. Sleep function: an evolutionary perspective. Lancet Neurol. 2022;21(10):937–46.)

Nesse sentido, à medida que as atividades laborais afetam o sono, ocorre um desalinhamento do ciclo sono-vigília, contribuindo para um estado maior de fadiga e esgotamento.(55. Kancherla BS, Upender R, Collen JF, Rishi MA, Sullivan SS, Ahmed O, et al. Sleep, fatigue and burnout among physicians: an American Academy of Sleep Medicine position statement. J Clin Sleep Med. 2020;16(5):803–5.) Portanto, os profissionais de saúde podem estar sujeitos a esse desalinhamento com maior frequência, devido às características desses serviços, evidenciado pelos altos índices de relato de cansaço e sono insatisfatório.(33. Mountfort S, Wilson J. EMS Provider Health And Wellness. [Updated 2022 Sep 26]. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 [cited 2023 June10]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493236/
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) O gerenciamento desse estado inclui programas de educação para conscientização da saúde do sono que visam à maior segurança e saúde do trabalhador.(66. Barger LK, Runyon MS, Renn ML, Moore CG, Weiss PM, Condle JP, et al. Effect of Fatigue Training on Safety, Fatigue, and Sleep in Emergency Medical Services Personnel and Other Shift Workers: a Systematic Review and Meta-Analysis. Prehosp Emerg Care. 2018;22(Sup1):58-68. Review.,77. Carvalho VP, Barcelos KA, Oliveira EP, Marins SN, Rocha IB, Sousa DF, et al. Poor Sleep Quality and Daytime Sleepiness in Health Professionals: Prevalence and Associated Factors. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(13):6864.)

Durante a pandemia do coronavírus (SARS-CoV), em 2019 (COVID-19), a saúde da população em geral sofreu impacto negativo, percebido principalmente entre os profissionais de saúde dos setores de emergência que trabalhavam diante de uma doença desconhecida. Esse impacto demonstrou consequências severas na qualidade de vida desses profissionais. O sofrimento emocional, a ansiedade e a má qualidade do sono, associados ao estresse laboral relatados por eles, têm acarretado sintomas que incluem desde desatenção, sonolência, fadiga até comprometimento no desempenho do trabalho e má qualidade de vida.(88. Zhan YX, Zhao SY, Yuan J, Liu H, Liu YF, Gui LL, et al. Prevalence and Influencing Factors on Fatigue of First-line Nurses Combating with COVID-19 in China: a descriptive cross-sectional study. Curr Med Sci. 2020;40(4):625–35.,1010. Sahebi A, Abdi K, Moayedi S, Torres M, Golitaleb M. The prevalence of insomnia among health care workers amid the COVID-19 pandemic: an umbrella review of meta-analyses. J Psychosom Res. 2021;149:110597. Review.)

Com base nos dados apontados, torna-se importante identificar os distúrbios de sono em profissionais de saúde, principalmente aqueles que atuam em situações críticas, para que intervenções efetivas possam ser implementadas visando uma melhoria na saúde dessa população. Partindo dessa premissa, esta pesquisa objetivou avaliar a qualidade do sono dos profissionais dos serviços de emergência e sua associação com o nível de fadiga e qualidade de vida.

Métodos

Estudo descritivo, transversal, de caráter exploratório e correlacional, baseado na ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(1111. Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MM, Silva CM. STROBE initiative: guidelines on reporting observational studies. Rev Saude Publica. 2010;44(3):559–65.) para sua descrição. Foi desenvolvido nas unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), do município de Três Lagoas, do estado do Mato Grosso do Sul, durante o ano de 2021. O município conta com uma unidade para cada serviço e ambas integram a rede de atenção às urgências.

A população do estudo foi constituída por profissionais da equipe de enfermagem e médicos, que atuam diretamente nos atendimentos às vítimas de emergência clínica e traumática nesses serviços e trabalham em turnos de revezamento, com carga horária semanal acima de 36 horas. Foram excluídos aqueles que já estavam em tratamento para distúrbios do sono, com uso de indutores para o mesmo, bem como aqueles em uso de benzodiazepínicos.

O cálculo amostral foi realizado com base em uma amostra finita de profissionais atuantes nos locais de coleta de dados. Considerando uma população finita de 163 profissionais de saúde, um nível de significância de 5% e um poder do teste de 95%, foi obtido um número mínimo necessário para o estudo de 104 participantes, sendo incluídos 108.

Para a coleta de dados, foram utilizados cinco questionários. Primeiramente, foi utilizado um instrumento sociodemográfico e de saúde, elaborado pelos pesquisadores do estudo. Para análise do sono, foi utilizado o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh versão Brasileira (PSQI-BR),(1212. Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo IC, Barba ME, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12(1):70–5.) um instrumento dividido em 7 componentes que avaliam diferentes facetas do sono, como qualidade subjetiva, latência, duração, eficiência habitual, alterações, uso de medicamentos para dormir e disfunção diurna. O cálculo final resultou em um escore global do sono (1 e 21 pontos), no qual escores ≥ 5 pontos indicam má qualidade do sono, e <5, boa qualidade do sono.

Para análise da fadiga, foram utilizadas a Escala de Fadiga de Chalder versão Brasileira,(1313. Cho HJ, Costa E, Menezes PR, Chalder T, Bhugra D, Wessely S. Cross-cultural validation of the Chalder Fatigue Questionnaire in Brazilian primary care. J Psychosom Res. 2007;62(3):301-4. doi: 10.1016/j.jpsychores.2006.10.018
https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.200...
) que mensura o nível de fadiga do profissional no âmbito físico e mental, e a Escala de Necessidade de Descanso Brasileira (ENEDE),(1414. Moriguchi CS, Alem ME, van Veldhoven M, Coury HJ. Cultural adaptation and psychometric properties of Brazilian Need for Recovery Scale. Rev Saude Publica. 2010;44(1):131–9.)que avalia a fadiga induzida pelo trabalho junto à qualidade de tempo de recuperação do trabalhador, indicando uma alta ou baixa necessidade de descanso. Ambas as escalas são compostas por 11 questões cada uma, pontuadas por meio de uma escala do tipo Likert.

Para avaliar a qualidade de vida, utilizou-se o questionário WHOQOL-bref versão Brasileira ,(1515. Fleck MP, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref”. Rev Saude Publica. 2000;34(2):178-83.) que visa avaliar a qualidade de vida dos indivíduos. O instrumento é dividido em quatro domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente), constituído de 26 perguntas com respostas por meio de uma escala Likert, sendo duas questões avaliadas separadamente, pois indicam questões gerais de qualidade de vida, enquanto as outras 24 avaliam questões específicas.(1515. Fleck MP, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref”. Rev Saude Publica. 2000;34(2):178-83.)

O estudo atendeu à Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa. Foi realizada uma entrevista pelo pesquisador principal, presencialmente, com cada participante, em sala privativa, respeitando as normas de biossegurança, devido à pandemia, com duração média de 30 minutos cada entrevista. Inicialmente, foi aplicado um questionário pré-teste para cada categoria de profissional, a fim de alinhar as possíveis dificuldades na pesquisa e aumentar sua eficácia.

Os dados foram digitados em planilha do Microsoft Excel®, sendo realizada dupla digitação para evitar falhas e erros nos resultados da pesquisa. Após, os dados foram transferidos para o programa Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS 25.0), para as análises estatísticas.

Para análise das associações entre a qualidade do sono, fadiga e qualidade de vida, foram realizados o Teste do Qui-Quadrado de Pearson, entre as variáveis qualitativas, e os Testes Não Paramétricos de U Mann-Whitney e Kruskal Wallis, entre as variáveis qualitativas e quantitativas, além da correlação de Spearman entre as variáveis quantitativas. Foram considerados valores de correlação acima de 0,9 como muito forte, de 0,7 a 0,9, como forte, de 0,5 a 0,7, como correlação moderada, de 0,3 a 0,5, como fraca, e menor que 0,3, como desprezível.(1616. Mukaka MM. Statistics corner: A guide to appropriate use of correlation coefficient in medical research. Malawi Med J. 2012;24(3):69–71.) Foi considerado um valor de significância de 5%.

Os instrumentos utilizados neste estudo foram submetidos à análise de consistência interna, pelo coeficiente alfa de Cronbach, tendo sido alcançados valores superiores a 0,70, considerado como valor ideal de referência para esse coeficiente de confiabilidade.(1717. Purim KS, Guimarães AT, Titski AC, Leite N. Sleep deprivation and drowsiness of medical residents and medical students. Rev Col Bras Cir. 2016;43(6):438-444.)

Resultados

Foram incluídos 108 participantes no estudo. A maioria dos profissionais era do sexo feminino, e a metade da amostra era composta por técnicos de enfermagem, dos quais 53,7% tinham dois ou mais vínculos empregatícios e 47,2% trabalhavam nas unidades de serviços de urgência e emergência há mais de 10 anos, conforme tabela 1. Na avaliação da qualidade do sono, foi identificado que 72,2% apresentavam má qualidade do sono (Tabela 1), 75,9% foram classificados como fadigados e 67,6% apresentavam alta necessidade de descanso (Tabela 2). Em relação à qualidade de vida, todos os domínios da escala apresentavam escores medianos de 3,6 a 3,9, conforme constata-se na tabela 3.

Tabela 1
Características sociodemográficas e outras variáveis
Tabela 2
Fadiga, Escala de Necessidade de Descanso e suas variáveis
Tabela 3
Avaliação do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh e suas variáveis

Avaliando a associação entre as características sociodemográficas e a qualidade do sono e fadiga, não foi identificada nenhuma associação significativa, conforme tabelas 1 e 2, porém, ao analisar a associação com a necessidade de descanso, foi identificado que os técnicos de enfermagem apresentam baixa necessidade (p. 0,013) e que aqueles classificados como fadigados apresentam maior necessidade de descanso (p. 0,028).

Foi observado entre os componentes analisados do instrumento PSQI-BR que 29,63% apresentam maior grau de dificuldade em iniciar o sono e tal componente avalia o período de latência do sono. Outra observação foi que 44,44% possuem dificuldade moderada na duração do sono e esses sinais persistem em uma ou duas vezes na semana. Foi identificado que os pacientes classificados com má qualidade do sono apresentaram associação significativa com a fadiga, alta necessidade de descanso e menores medianos nos domínios de qualidade de vida avaliados pelo WHOQOL-bref (Tabela 3). Na avaliação entre o escore do PSQI e os escores dos domínios de qualidade de vida, foi identificada uma correlação moderada com o domínio “físico” (r -0,510; p<0,001), fraca, com o domínio “psicológico” (r-0,352; <0,001), fraca, com o domínio “relações sociais” (r -0,236; p=0,014), e fraca, com o domínio “meio ambiente” (r-0,495; p<0,001). Em relação à avaliação da qualidade de vida, realizada através do instrumento WHOQOL-bref, as questões 01 e 02 foram analisadas separadamente e dizem respeito à avaliação geral da qualidade de vida e da saúde. As duas questões gerais do instrumento demonstraram que 56,48% consideram ter uma boa qualidade de vida e 39,81% estão satisfeitos com sua saúde.

Discussão

Os ambientes dos serviços de emergência apresentam altos níveis de estresse. Portanto, os trabalhadores desses lugares experimentam alto estresse físico, mental e emocional, já que atividades realizadas nesses ambientes exigem alto grau de concentração e rápida tomada de decisão, além de os usuários desse tipo de serviço estarem em risco iminente de morte ou sofrimento intenso. Assim, é frequente que a rotina desses profissionais resulte em um sono de má qualidade e, consequentemente, maior nível de fadiga e alta necessidade de descanso.(33. Mountfort S, Wilson J. EMS Provider Health And Wellness. [Updated 2022 Sep 26]. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 [cited 2023 June10]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493236/
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)

Os distúrbios do sono afetam um considerável número de indivíduos em todo o mundo, sendo de extrema preocupação pelas suas consequências diretas e indiretas à saúde pessoal e coletiva.(1818. Ganesan S, Magee M, Stone JE, Mulhall MD, Collins A, Howard ME, et al. The Impact of Shift Work on Sleep, Alertness and Performance in Healthcare Workers. Sci Rep. 2019;9(1):4635.) É sabido que mais da metade dos profissionais de saúde queixa de sono insatisfatório ou de má qualidade e/ou pobre recuperação entre os turnos, sendo que, nos últimos anos, esta temática se tornou uma questão de saúde pública, devido ao grande número de trabalhadores afetados.(1919. Weaver MD, Vetter C, Rajaratnam SM, O’Brien CS, Qadri S, Benca RM, et al. Sleep disorders, depression and anxiety are associated with adverse safety outcomes in healthcare workers: A prospective cohort study. J Sleep Res. 2018;27(6):e12722.)Juan-García e colaboradores avaliaram o sono, a qualidade de vida e o humor de profissionais de enfermagem de Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica, demonstrando que os trabalhadores que exerciam suas atividades laborais em plantões noturnos apresentaram alterações no sono, com diversas repercussões negativas, como quadros de depressão, irritabilidade, diminuição da autoestima e labilidade de humor.(2020. Juan-García C, Plaza-Carmona M, Fernández-Martínez N. Análise do sono no setor de enfermagem de emergência. Rev Assoc Med. 2021;67(6):862–7.)

Diante dos resultados do presente estudo, não podemos inferir que o cenário de atuação profissional seja o causador da alteração da qualidade do sono, necessitando de outros estudos que comparem os diversos cenários da prática profissional, para podermos estabelecer um nexo causal, embora alguns estudos retratem haver relação entre o trabalho que desenvolvem, sua situação de saúde e sua qualidade do sono.(2121. Lajoie P, Aronson KJ, Day A, Tranmer J. A cross-sectional study of shift work, sleep quality and cardiometabolic risk in female hospital employees. BMJ Open. 2015;5(3):e007327.)

Foi possível observar que os enfermeiros possuem qualidade do sono ruim, independentemente do turno em que trabalham. Ambos os grupos, trabalhadores em turnos rotativos e em turnos fixos, obtiveram pontuações totais no escore de sono superior a cinco, valor que demonstra que ambos os grupos são considerados maus dormidores.

Profissionais de saúde do sexo feminino apresentam maior risco de aumento na tensão no trabalho e na presença de distúrbio do sono no trabalho, em comparação com o sexo masculino, segundo estudo realizado,(2222. D’Ettorre G, Pellicani V, Greco M, Mazzotta M, Vullo A. Assessing and managing the shift work disorder in healthcare workers. Med Lav. 2018;109(2):144–50.) entretanto, no presente estudo, essa associação não apresentou significância estatística com a qualidade do sono.

Estudos demonstram que mulheres trabalhadoras apresentam pior qualidade do sono, quando comparada ao homem, em decorrência dos fatores hormonais, maiores responsabilidades domiciliares e preocupações profissionais e financeiras.(2323. Lee KA. Self-reported sleep disturbances in employed women. Sleep. 1992;15(6):493–8.,2424. Anvekar AP, Nathan EA, Doherty DA, Patole SK. Effect of shift work on fatigue and sleep in neonatal registrars. PLoS One. 2021;16(1):e0245428.) Estudo observou uma piora na fadiga em profissionais de saúde que exercem plantões noturnos em serviço de urgência e emergência, bem como uma diminuição na qualidade do sono.(2424. Anvekar AP, Nathan EA, Doherty DA, Patole SK. Effect of shift work on fatigue and sleep in neonatal registrars. PLoS One. 2021;16(1):e0245428.)Essa realidade, percebida no cotidiano desses profissionais, apesar dos intervalos durante a jornada em turnos, mantém um descanso com horários irregulares, não estabelecendo, assim, uma rotina saudável para dormir, prejudicando o ciclo do sono-vigília e todas as funções a que competem a ele.

A maioria dos pacientes se encontrava fadigada e com necessidade de descanso, e esses dados são corroborados por um estudo, realizado para avaliar a prevalência de fadiga entre enfermeiros que trabalhavam com pacientes com COVID-19 na China. Nesse estudo, verificou-se que os participantes apresentaram maiores escores em fadiga física e mental, sendo observada correlação negativa estatisticamente significativa entre a fadiga dos enfermeiros e a frequência do plantão noturno semanal.(88. Zhan YX, Zhao SY, Yuan J, Liu H, Liu YF, Gui LL, et al. Prevalence and Influencing Factors on Fatigue of First-line Nurses Combating with COVID-19 in China: a descriptive cross-sectional study. Curr Med Sci. 2020;40(4):625–35.)

A fadiga apresenta consequências negativas em uma ampla gama de domínios da vida: de 50 a 60% dos profissionais relataram efeitos negativos da fadiga em sua vida fora do trabalho em relação ao humor em casa, à saúde física, à vida familiar, aos hobbies, aos interesses e à vida social; mais de 40% relatou impacto negativo na saúde mental e impactos negativos no trabalho, incluindo queda na produtividade, satisfação e qualidade; 25% dos profissionais relataram impacto negativo na segurança em ir ou voltar do trabalho; e 15% estavam preocupados com sua segurança no trabalho. A diferença entre os sexos foi percebida na saúde física, sendo as mulheres mais propensas a relatar um efeito negativo da fadiga na saúde física (59,3%).(2525. Dahlgren A, Tucker P, Gustavsson P, Rudman A. Quick returns and night work as predictors of sleep quality, fatigue, work-family balance and satisfaction with work hours. Chronobiol Int. 2016;33(6):759–67.

26. Rosado IV, Russo GH, Maia EM. Produzir saúde suscita adoecimento? As contradições do trabalho em hospitais públicos de urgência e emergência. Cien Saude Colet. 2015;20(10):3021-32.
-2727. Barger LK, Runyon MS, Renn ML, Moore CG, Weiss PM, Condle JP, et al. Effect of fatigue training on safety, fatigue, and sleep in emergency medical services personnel and other shift workers: a systematic review and meta-analysis. Prehosp Emerg Care. 2018;22(Suppl 1):58-68. Review.)

O presente estudo verificou uma associação entre a qualidade do sono, fadiga e necessidade de descanso, ou seja, que a má qualidade do sono desencadeia quadros de fadiga e sonolência, o que pode repercutir em falhas no desempenho de suas funções com eficiência e no resultado da produtividade do trabalho.(1717. Purim KS, Guimarães AT, Titski AC, Leite N. Sleep deprivation and drowsiness of medical residents and medical students. Rev Col Bras Cir. 2016;43(6):438-444.) Tais dados condizem com estudo, que aponta que o elevado nível de fadiga no trabalho se destaca como um dos grandes vilões no que se refere à saúde.(2626. Rosado IV, Russo GH, Maia EM. Produzir saúde suscita adoecimento? As contradições do trabalho em hospitais públicos de urgência e emergência. Cien Saude Colet. 2015;20(10):3021-32.) A fadiga ocupacional deprecia a qualidade de vida e, por conseguinte, a situação de saúde dos trabalhadores, sendo reconhecida sua significância, por exemplo, no desencadeamento de distúrbios do sono.

Foi identificado, neste estudo, que, quanto pior a qualidade do sono, menor a qualidade de vida nos domínios avaliados, ou seja, a qualidade do sono pode impactar diretamente a qualidade de vida em vários aspectos da vida, principalmente pela falta de descanso, acarretando em elevados níveis de fadiga. Pesquisa realizada com profissionais de urgência e emergência sugere que a qualidade de vida desses profissionais de saúde é menor, pois a rotina do trabalho leva ao surgimento de distúrbios do sono, aumento do estado de alerta, alterações no ciclo vigília-sono e aumento da sonolência diurna.(2727. Barger LK, Runyon MS, Renn ML, Moore CG, Weiss PM, Condle JP, et al. Effect of fatigue training on safety, fatigue, and sleep in emergency medical services personnel and other shift workers: a systematic review and meta-analysis. Prehosp Emerg Care. 2018;22(Suppl 1):58-68. Review.) Além disso, esses profissionais estão sujeitos a um considerável estresse psicológico e fadiga, o que gera um grande impacto em todos os aspectos de suas vidas, incluindo efeitos prejudiciais no aprendizado e no desempenho clínico, o que é um risco para a segurança tanto do profissional como do paciente.(2828. Gómez-García T, Ruzafa-Martínez M, Fuentelsaz-Gallego C, Madrid JA, Rol MA, Martínez-Madrid MJ, Moreno-Casbas T; SYCE and RETICEF Group. Nurses’ sleep quality, work environment and quality of care in the Spanish National Health System: observational study among different shifts. BMJ Open. 2016;6(8):e012073.

29. Skinner N, Dorrian J. A work-life perspective on sleep and fatigue--looking beyond shift workers. Ind Health. 2015;53(5):417-26.
-3030. Silva DF, Cobucci RN, Soares-Rachetti VP, Lima SC, Andrade FB. Prevalência de ansiedade em profissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sistemática com metanálise. Cien Saude Colet. 2021;26(2):693-710.)

O presente estudo foi realizado no contexto da pandemia de COVID-19, e, apesar dos avanços no tratamento e da cobertura vacinal durante a coleta de dados, os profissionais de saúde estavam sob alto nível de estresse laboral, acarretando em maiores níveis de ansiedade e medo, conforme identificado em revisão sistemática com metanálise que incluiu 35 estudos, identificando alto nível de ansiedade nos profissionais de saúde, principalmente da categoria da enfermagem e do sexo feminino.(2828. Gómez-García T, Ruzafa-Martínez M, Fuentelsaz-Gallego C, Madrid JA, Rol MA, Martínez-Madrid MJ, Moreno-Casbas T; SYCE and RETICEF Group. Nurses’ sleep quality, work environment and quality of care in the Spanish National Health System: observational study among different shifts. BMJ Open. 2016;6(8):e012073.)

É sabido que a utilização de práticas integrativas e complementares melhora significativamente a qualidade do sono.(3131. Retzer L, Feil M, Reindl R, Richter K, Lehmann R, Stemmler M, et al. Anonymous online cognitive behavioral therapy for sleep disorders in shift workers-a study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2021;22(1):539.)Assim, constatado um padrão ruim de sono, sugere-se a adesão de tais práticas, para a melhora da qualidade do sono entre os profissionais de saúde. Outro estudo observou que a intervenção online para seguimento de um programa de Terapia Cognitiva Comportamental obteve êxito para problemas com o sono. Os autores afirmam que tal resultado se deve ao fato dos trabalhadores, em turnos, conseguirem participar, independentemente do horário e do local de trabalho. Tal recurso pode ser bastante utilizado, já que a irregularidade nos horários reflete essa população.(2929. Skinner N, Dorrian J. A work-life perspective on sleep and fatigue--looking beyond shift workers. Ind Health. 2015;53(5):417-26.

30. Silva DF, Cobucci RN, Soares-Rachetti VP, Lima SC, Andrade FB. Prevalência de ansiedade em profissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sistemática com metanálise. Cien Saude Colet. 2021;26(2):693-710.
-3131. Retzer L, Feil M, Reindl R, Richter K, Lehmann R, Stemmler M, et al. Anonymous online cognitive behavioral therapy for sleep disorders in shift workers-a study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2021;22(1):539.)

Quanto às limitações do estudo, durante a coleta de dados, observou-se que o número de questões tornou a entrevista longa para os participantes, os quais estavam em período de trabalho, sendo considerado como uma limitação. Outra limitação importante foi a irregularidade dos horários para dormir, relatada pelos participantes, dificultando o preenchimento do instrumento do sono. Além disso, algumas associações, identificadas como a categoria profissional de enfermagem, não apresentam uma estreita explicação, necessitando de outros estudos de investigação, principalmente em relação ao nível de estresse, burnout e outras variáveis.

Entretanto, mesmo com as limitações e dificuldades, foi possível proporcionar aos participantes reflexão de imediato sobre a qualidade do sono de cada um, e, em longo prazo, os resultados poderão produzir informações que contribuam positivamente na vida dos profissionais de emergência.

Conclusão

Os profissionais de saúde, que trabalham em serviços de urgência e emergência, ambientes que podem ser altamente estressores, apresentavam-se com má qualidade do sono, fadigados, com alta necessidade de descanso e má qualidade de vida. A mensuração do sono e qualidade de vida desses profissionais é relevante para subsidiar a implementação de ações de fácil acesso e baixo custo, como as práticas integrativas de saúde, medidas benéficas à essa população.

Agradecimentos

Ao “Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais – IFSULDEMINAS”.

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Editado por

Editora Associada Ana Lucia de Moraes Horta (https://orcid.org/0000-0001-5643-3321) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    1 Jun 2022
  • Aceito
    31 Jul 2023
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