Resumo
Objetivo Descrever o cuidado da enfermagem forense ao idoso em situação de violência.
Métodos Trata-se de uma scoping review com base nas recomendações do Joanna Briggs Institute. As buscas ocorreram em 15 bases de dados, tendo como inclusão estudos publicados entre os anos de 1990 a 2019, nas línguas: inglesa, francesa, espanhola e portuguesa. Para seleção dos estudos foi utilizado o diagrama de fluxo Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews. Foram encontrados 17.378 estudos, destes, 19 artigos foram elegíveis para a revisão.
Resultados O cuidado da enfermagem ao idoso em situações de violência é dinâmico e varia entre os continentes. Os enfermeiros investigam o caso por meio de avaliação clínica, denunciam as autoridades, registram, notificam e acionam a equipe multidisciplinar.
Conclusão Lançando mão de estratégias diversificadas, os enfermeiros atuam com objetivo de solucionar o problema da violência contra o idoso, ainda que, encontrem dificuldades.
Cuidados de enfermagem; Enfermagem forense; Idoso; Maus-tratos ao idoso; Violência
Resumen
Objetivo Describir los cuidados de enfermería forense a adultos mayores en situación de violencia.
Métodos Se trata de un scoping review basado en las recomendaciones del Joanna Briggs Institute. Las búsquedas se llevaron a cabo en 15 bases de datos e incluyeron estudios publicados entre los años 1990 y 2019, en idioma inglés, francés, español y portugués. Para la selección de los estudios se utilizó el diagrama de flujo Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews. Se encontraron 17.378 estudios, de los cuales 19 fueron elegibles para la revisión.
Resultados Los cuidados de enfermería a los adultos mayores en situación de violencia son dinámicos y varían entre continentes. Los enfermeros investigan el caso mediante evaluación clínica, denuncian ante las autoridades, registran, notifican y llaman al equipo multidisciplinario.
Conclusión Utilizando estrategias diversificadas, los enfermeros actúan con el objetivo de solucionar el problema de la violencia contra los adultos mayores, aunque enfrenten dificultades.
Anciano; Atención de enfermeira; Enfermería forense; Maltrato al anciano; Violencia
Abstract
Objective To describe forensic nursing care for older adults in situations of violence.
Methods This is a scoping review based on the Joanna Briggs Institute recommendations. The searches took place in 15 databases, including studies published between 1990 and 2019 in English, French, Spanish, and Brazilian Portuguese. For study selection, the flow diagram Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyzes extension for Scoping Reviews was used; 17,378 studies were found, of which 19 articles were eligible for review.
Results Nursing care for older adults in situations of violence is dynamic and varies across continents. Nurses investigate the case through clinical assessment, denounce the authorities, register, notify and activate the multidisciplinary team.
Conclusion Using diversified strategies, nurses work with the objective of solving the problem of elder abuse, even if they encounter difficulties.
Aged; Elder abuse; Forensic nursing; Nursing care; Violence
Introdução
A enfermagem forense (EF) é uma área recentemente consolidada no Brasil. Trata-se da aplicação da ciência da enfermagem aos aspectos forenses do cuidado à saúde.(1)Em outros países, a EF é bem mais desenvolvida quando comparada ao contexto brasileiro, a exemplo dos EUA onde foi fundada a International Association of Forensic Nursing (IAFN), em 1992, por enfermeiros que atuavam como examinadores de abuso sexual e, em 1995, a American Nurses Association (ANA) reconheceu a EF como uma especialidade.(2) No Brasil, esse reconhecimento só ocorreu no ano de 2011, porém apenas em 2017 o Conselho Federal de Enfermagem emite uma resolução com as áreas de atuação desse profissional.(1)
A EF tem um papel social relevante e traz novas possibilidades para a prática de enfermagem, possibilitando o desenvolvimento de habilidades adicionais que permitam que o enfermeiro intervenha em situações de violência no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e no contexto da privação de liberdade.(3)
O Enfermeiro Forense pode atuar em casos de violência em diferentes áreas e ciclos de vida. Dentre as áreas de atuação pode-se citar os casos de maus tratos, trauma, investigação de morte, consultoria, violência sexual, situações carcerárias, psiquiátricas, preservação de vestígios e desastres de massa.(2)
Sua área de atuação é ampla e se torna indispensável para a prestação de cuidados às vítimas de violência uma vez que, o profissional enfermeiro, muitas vezes, é o primeiro a atender a pessoa vítima de violência no serviço de saúde.(4) Além disso, a violência é um problema crescente ao longo dos anos e envolve questões sociais, econômicas, políticas e culturais.(5) Por se tratar de um fenômeno sistêmico, a violência tem impacto direto nos sistemas de saúde, segurança e previdenciário, interferindo de forma negativa na qualidade de vida das pessoas, e por isto, o desenvolvimento da EF no país pode contribuir para melhoria da qualidade de vida das vítimas, além de prevenir situações de violência.(6)
A EF pode auxiliar também na promoção da cultura de paz e na prevenção de casos de violência, por meio do planejamento de ações educativas, direcionadas aos profissionais, mas também a comunidade em geral, que pode incluir vítimas e agressores, com objetivo de disseminar o conhecimento sobre a identificação de sinais e sintomas de violência, fortalecimento de vínculos familiares, estabelecimento de relacionamentos saudáveis, fortalecimento da intergeracionalidade, disponibilização de informações sobre a rede de atendimento a vítimas de violência com respectivos contatos telefônicos e sites, mecanismos de denúncia, assim como o atendimento adequado às vítimas e condução dos casos com os devidos encaminhamentos.
Outro aspecto importante para apoiar a ascensão da prática da EF no Brasil é o fato de que a população do país tem envelhecido de forma acelerada; concomitantemente a isto, ocorre o aumento da violência na faixa etária de pessoas com 60 anos ou mais, e em algum momento estas pessoas precisarão ser atendidas em algum serviço de saúde.(3) A Organização Mundial de Saúde (OMS), destaca que o número de idosos que sofre algum tipo de violência é preocupante, sendo um a cada seis idosos em todo o mundo, além disso, a violência contra a pessoa idosa (VCPI) é pouco diagnosticada e notificada.(7) Isso pode estar relacionado a falta de capacitação profissional, ao medo e a complexidade em identificar os casos de VCPI.(8)
Na suspeita ou confirmação de violência, o caso deverá ser obrigatoriamente notificado, devendo o profissional de saúde encaminhar os casos ao Ministério Público, autoridade policial, ou Conselho do Idoso.(9) A identificação da VCPI tem caráter emergencial, ao considerar que, cada vez que o idoso frequenta o serviço de saúde, pode ser a única chance de identificar uma situação de violência.(10) A violência resulta em problemas físicos, psicológicos, financeiros, sócias, incapacidade funcional e até mesmo a morte.(11)
Assim, o enfermeiro se torna um intermediador na identificação da VCPI por ser de difícil detecção, necessitando de um olhar acurado para perceber os sinais de alerta. Estes, muitas vezes, camuflados em acidentes ou dores recorrentes.(5) Autores ressaltam que, para identificar situações de violência, deve-se lançar mão de estratégias para a sua detecção, utilizando instrumentos validados, escuta qualificada nas consultas de enfermagem, e atuação na disseminação de informações sobre a violência.(6)
O comprometimento do profissional enfermeiro que faz uso do conhecimento da EF para detecção de violência pode contribuir para o cuidado humanizado na medida em que as intervenções podem romper o ciclo de violência. Essas intervenções devem ser individualizadas e pautadas em evidências científicas, de forma planejada, conforme legislação vigente, políticas públicas de saúde e instrumentos de enfermagem básicos no intuito de mitigar os agravos perpetrados às vítimas de violência.(5)
Não foi identificado nenhuma revisão semelhante em andamento no PROSPERO, no MEDLINE, no banco de dados Cochrane Systematic Reviews e no Systematic Reviews Database and Implementation Reports do Joanna Briggs Institute , o presente estudo se justifica e objetiva descrever o cuidado da enfermagem forense ao idoso em situação de violência.
Métodos
Trata-se de um estudo de Scoping Review, guiado pelas diretrizes metodológicas propostas pelo Joanna Briggs Institute (JBI) e, atendendo a iniciativa PRISMA-ScR.(12) A revisão de escopo (scoping review ou scoping study) objetiva o mapeamento dos principais conceitos utilizados em determinada área do conhecimento, e a identificação de lacunas nas evidências existentes.(13)
Para construção da questão norteadora utilizou-se a estratégia PCC, sendo “P” para População – enfermeiros, “C” Conceito – o cuidado ao idoso, e “C” Contexto – violência, com base nessas informações foi estabelecida a seguinte pergunta: quais os cuidados de EF ao idoso em situações de violência? Este cuidado foi avaliado pela descrição da prática apontada nos estudos e realizada por estes profissionais, verificando se estão relacionadas as práticas consideradas forenses.
Foram elegíveis estudos que abordaram o cuidado a pessoa idosa em situação de violência realizado por enfermeiros de modo geral, com o cuidado de selecionar aquelas ações que poderiam/deveriam ser realizadas com maior esmero e competência técnica pelo enfermeiro forense, nos idiomas em inglês, espanhol, português e francês, disponíveis na íntegra entre os anos de 1990 a 2019, esse intervalo de tempo se justifica por se tratar do período de fundação da International Association of Forensic Nursing em 1990. Ressalta-se que, foram considerados estudos que incluíram enfermeiros na amostra, ainda que, também tenha sido incluído outros profissionais no estudo. No entanto, apenas os dados referentes as respostas dos enfermeiros foram caracterizados como resultados para esta revisão.
O levantamento dos estudos na literatura foi feito entre fevereiro e abril de 2020, por dois pesquisadores de forma independente. Inicialmente foi realizada uma pesquisa usando as palavras-chave elderly, nursing care e violence em duas bases de dados: MEDLINE via PubMed e CINAHL via EBSCO. Neste momento, foram analisadas as palavras componentes de títulos, resumos e descritores. Os estudos que atendiam ao objetivo foram lidos na íntegra e tiveram suas referências analisadas. Através dessa primeira investigação foram elaboradas as estratégias de busca implementadas para rastreio dos documentos que atendessem ao objetivo da revisão.
Utilizou-se as seguintes palavras-chave e descritores combinados pelos operadores boolenos AND e OR: ((“Nurses” OR “Forensic nursing” OR “Nurse examiner” OR “Forensic examination” OR “Nurse’s role” OR “Nursing Role” OR “Care nurse” OR “Nursing care” OR “Forensic nurse” OR “Investigating forensic nursing” OR “Sexual assault nurse examiners”) AND (“Elder” OR “Aged” OR “Elderly” OR “Older” OR “Older adults”) AND (“Abuse” OR “Violence” OR “Sexual violence” OR “Mistreatment” OR “Sexual assault” OR “Abused” OR “Traumatic injuries” OR “Victims of violence” OR “Domestic violence” OR “Neglect” OR “Crime victims” OR “Strangulation” OR “Exploitation” OR “Interpersonal violence” OR “Intimidation” OR “Financial abuse”)).
A estratégia supracitada foi utilizada nas seguintes bases de dados: MEDLINE via PubMed, CINAHL via EBSCO e plataforma Web of Science. Para as demais bases de dados e plataformas, foi aplicada as seguintes táticas de busca: Nurse Care AND Elderly AND abuse e ((“Nurse” OR “Forensic nursing” OR “Nursing care”) AND (“Elder” OR “Aged” OR “Elderly”) AND (“Abuse” OR “violence”)). Em bases que necessitavam alguma adequação, foram utilizados também os Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), principalmente em bases da língua portuguesa, implementando a seguinte estratégia: cuidado de enfermagem AND idoso AND violência.
Foram incluídos nesta scoping review as seguintes bases de dados: MEDLINE via PubMed, CINAHL via EBSCO, LILACS, Embase, Scopus, PsycINFO, Banco de Dados JBI de Revisões Sistemáticas e Relatórios de Implementação, das plataformas Cochrane (ensaios controlados e revisões sistemáticas), e Web of Science. A pesquisa na literatura cinzenta incluiu: MedNar, Portal de Teses e Dissertações da CAPES, DART Portal Europeu de E-Teses, Theses Canadá, Google Acadêmico e Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem – CEPEN.
Nas bases de dados inicialmente identificou-se 17.378 estudos, após a leitura de títulos, 140 foram selecionados por sugerir discutir o cuidado do enfermeiro em casos de VCPI, e seguiram para a etapa de avaliação exaustiva dos resumos, 29 realmente abordaram a atuação do enfermeiro a pessoa idosa em situação de violência, e passaram para etapa de leitura do texto completo, desses 18 atendiam ao objetivo da revisão. Após a análise das referências um estudo foi incluído, totalizando 19 documentos, conforme apresentado na adaptação do Fluxograma PRISMA-ScR(12) (Figura 1).
Os dados foram extraídos utilizando um instrumento de extração de dados desenvolvido pelos revisores, que incluiu detalhes específicos sobre o cuidado do enfermeiro ao idoso em situações de violência, dificuldades relatadas pelos enfermeiros, além dos metadados (autoria, abordagem metodológica, nível de atenção à saúde, país, ano de publicação, base de dados e tipo de publicação).
O cuidado realizado pelos enfermeiros foi categorizado em medidas de prevenção, recursos utilizados, intervenções, encaminhamentos, denúncias e as dificuldades relatadas pelos enfermeiros para prestar o cuidado ao idoso em situação de violência. Estas, foram categorizadas em problemas organizacionais, capacitação profissional e, questões pessoais.
Resultados
Características dos estudos
O tipo de publicação foi predominantemente de artigos na língua inglesa (73,7%). Cinco artigos estavam na língua portuguesa. Destaca-se a prevalência de estudos com abordagem qualitativa (73,7%), seguida de estudos quantitativos (26,3%).
Em relação ao país de origem da publicação, a maioria foi no Brasil (26,3%), seguido da Austrália e Estados Unidos da América (EUA), com (15,8%) respectivamente, Israel com (10,5%) das publicações, Irlanda, Coreia do Sul, Irã, Suíça, Japão, Canadá com (5,2%) das publicações respectivamente. No que concerne ao nível de atenção à saúde em que os enfermeiros atuam, predominou Atenção Primária (36,8%) seguido da atenção hospitalar e domiciliar (31,6%) respectivamente. O tipo de violência mais abordada nos estudos foi a violência geral (84,2%). Os metadados dos estudos estão apresentados no quadro 1.
Cuidado de enfermagem forense
O cuidado à pessoa idosa em situação de violência realizado por enfermeiros em todo o mundo varia entre os continentes e foi separado por categoria para melhor compreensão e encontra-se descrito no quadro 2.
Dificuldades relatadas pelos enfermeiros para prestar o cuidado
Na maioria dos estudos elegíveis para esta revisão, (n=18; 90%), os enfermeiros relataram dificuldades para prestar o cuidado ao idoso em situação de violência (Quadro 3).
Discussão
Entre os estudos selecionados para esta revisão, alguns expuseram as medidas de prevenção da VCPI relatadas pelos enfermeiros que participaram das respectivas pesquisas. Na Austrália, os enfermeiros monitoram o agressor para prevenir que novos casos de VCPI aconteçam.(14) Na Noruega e Austrália, os enfermeiros acompanham o idoso para prevenir que ocorra a VCPI.(23) Além disso, na Noruega e Austrália, os enfermeiros supervisionam o cuidador no seu dia-a-dia, e quando não há melhora no processo do cuidar, sugerem que o cuidador seja afastado da função e solicita cuidados residências para o idoso. Além disso, os enfermeiros protegem o idoso contra influências que o influenciem a impedir sair do ciclo da violência e elaboram planos de segurança para prevenir abusos.(23)
Uma revisão sistemática sobre os fatores associados à VCPI, demonstrou que, quando o idoso é dependente para as atividades de vida diária; e instrumentais, o cuidador se sobrecarrega, e, consequentemente aumenta a possibilidade do idoso sofrer violência geral e financeira.(32)
Na Noruega, as visitas diárias ao cliente é uma estratégia utilizada para reduzir o estresse e a carga de trabalho do cuidador ou reduzir a dependência do cliente mais velho do agressor. Além disso, eles transferem a vítima para Instituições de Longa Permanência (ILPIs), quando necessário. Enfermeiros da Suíça e Japão também realizam visitas domiciliares para avaliar o ambiente doméstico como medida de prevenção da violência. Essas estratégias são relevantes ao se considerar o número de casos de violência doméstica contra o idoso. Estudo realizado no município de Recife, Pernambuco, Brasil, com o objetivo de investigar a prevalência de violência doméstica contra idosos, demonstra que 78,7% dos idosos, dentre os 169 investigados, relatam ter sofrido algum tipo de violência, sendo prevalente a negligência, seguido da violência psicológica e financeira.(33)
Muitos idosos necessitam de cuidados de terceiros, e caso sofram algum tipo de violência em domicílio, a visita pode ser a única oportunidade de prevenir ou identificar situações de violência. Uma vez que, a vulnerabilidade aumenta com a sobrecarga e despreparo dos familiares e dos cuidadores.(15)
No Irã e no Brasil, os enfermeiros lançam mão de ações educativas para a instrução de idosos e familiares no intuito de prevenir e combater os casos de violência praticados contra os idosos como evidenciado nos resultados desta scoping review. Essas ações e as supracitadas são consideradas práticas da enfermagem forense conforme descrito na Resolução COFEN 0556/2017.(34)
Quando se trata dos recursos para identificar os casos de VCPI, os enfermeiros da Noruega lançam mão de técnicas aplicadas pela enfermagem forense, como: entrevista, avaliação clínica e visita domiciliar.(22) Na Suíça, Japão, Canadá e Austrália, a entrevista também é um recurso utilizado pelos enfermeiros.(29,31) A anamnese, e o exame físico também é uma estratégia aplicada pelos enfermeiros do Brasil.(16) Nos EUA, é utilizado formulário de avaliação da violência e investigação clínica.(19,25)
A observação do comportamento do idoso, a comunicação postural, expressão facial, aliado a uma escuta qualificada, pode permitir a identificação de situações vulneráveis, e a partir disso, ser possível elaborar estratégias adequadas para enfrentar a VCPI.(6)
Todos estes recursos são ferramentas primordiais para identificar situações de violência, todavia, tem suas particularidades a depender da singularidade de cada caso. Pode-se citar como exemplo, a entrevista (parte do processo de enfermagem), pode não ser aplicada em um idoso que não se comunica, por outro lado, o exame físico, pode ser eficaz para identificar sinais sugestivos de violência. Quando se trata de violência física, o exame físico pode ser a melhor estratégia para a identificação, principalmente quando há hematomas e traumas evidentes. Nesse sentido, muitos idosos buscam a urgência com sinais de queimaduras, fraturas, e outros danos físicos.(35) Sendo importante realizar uma anamnese de qualidade para identificar as causas dos ferimentos
No que se refere as intervenções realizadas pelos enfermeiros, no Brasil, estas intervenções são direcionadas a investigação dos casos, assim como no Canadá e Austrália. O acolhimento das vítimas de violência e diálogo com a família do agressor são realizados pelos enfermeiros do Brasil, Austrália, Noruega, Irã, Suíça e Japão.(14,17,23,26,29)
No Brasil, o enfermeiro discute o caso de VCPI com a equipe, com o serviço social e coordenador de saúde do idoso, e também, registra o caso no prontuário. Nos EUA, os recursos emocionais e profissionais são uma estratégia adotada pelos enfermeiros para tentar resolver o caso. Medidas corretivas são utilizadas por enfermeiros na Austrália e Noruega, mas os estudos não as especificam. Nos estudos; realizados em Israel e Irã, respectivamente, revelam atitudes neutras dos enfermeiros em relação a intervir nos casos de VCPI.(16,18) O que caracteriza uma abordagem não condizente com a função do enfermeiro enquanto atuante do processo saúde e doença. No Brasil, caso isso ocorra, o enfermeiro pode ser punido na forma da lei, por ser “dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso” conforme lei nº 10.741/2003.(36)
Nesse sentido, identificar situações de vulnerabilidade em que o idoso se encontra é uma tarefa complexa, e por isso, deve-se considerar uma abordagem holística e singular. Um estudo realizado no município do Recife-PE, com 169 idosos, revelou que, a negligência contra o idoso foi o tipo de violência mais prevalente, representando 58,5% dos casos, seguida da violência financeira 21,5% e psicológica 14,0%.(33) Todas estas, podendo ocorrer no ambiente familiar, o que dificulta a identificação e prevenção dos casos. Desse modo, a visita domiciliar pode ser um recurso aplicável para auxiliar na identificação de casos de VCPI.
No que tange o encaminhamento dos casos de VCPI, os enfermeiros encaminham para os diferentes profissionais que componham a equipe multidisciplinar e, quando necessário, direcionam a hospitais e instâncias competentes. Encaminhar para o serviço social foi relatado em cinco estudos, realizados no Brasil, EUA, Noruega, Irã.17,19,23
O encaminhamento dos casos de violência para outras instâncias é elementar para dar continuidade a resolução do caso. No entanto, um estudo realizado no município de Goiânia-GO, com objetivo de analisar o perfil da pessoa idosa vítima de violência atendida em um hospital de urgência, no período de um ano, revelou que não havia articulação e comunicação entre as instituições especializadas para onde os idosos foram encaminhados, desse modo, interrompendo a assistência.(37)
No tocante as denúncias e notificações dos casos de VCPI, no Brasil, os enfermeiros denunciam as instâncias competentes, como Conselho do idoso, Secretaria de Direitos Humanos e polícia. Além disso, notificam no SINAN. A denúncia aos órgãos competentes foi relatada em um único estudo realizado nos EUA,(19)a denúncia especificamente a polícia também foi relatada nos estudos realizados na Noruega, Austrália e Irã.(23,24,26)
Nos últimos anos, o Brasil tem investido em políticas que visam combater a violência. Em 2001, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Redução a Morbimortalidade por Acidentes e Violências, além disso, foi publicado um manual instrutivo orientando o preenchimento da ficha de notificação dos casos de violência.(38) Em 2011, com a Lei nº 12.461, a notificação compulsória dos casos de VCPI, passou a ser obrigatória por todos os profissionais de saúde que trabalham em serviços públicos ou privados no Brasil.(39) Ademais, essa mesma lei traz a obrigatoriedade da comunicação dos casos de VCPI, “a quaisquer dos seguintes órgãos: autoridade policial, Ministério Público, Conselho Municipal do Idoso, Conselho Estadual do Idoso, e/ou Conselho Nacional do Idoso”.
Os enfermeiros relatam as dificuldades diante da atuação em situações de VCPI, sejam pessoais, profissionais e até mesmo de infraestrutura para prevenir casos e/ou atender as vítimas perpetradas. E, soma-se a isso, a ausência de programas educacionais nos serviços para melhorar o desempenho dos enfermeiros em diferentes níveis de prevenção de VCPI.(26,27)
Os enfermeiros, ficam inseguros ao manejar situações de VCPI por falta de orientação clara sobre como definir e gerenciar o abuso dentro das relações de confiança, e por sentir fragilidade na legislação.(8) Além disso, a falta de apoio da secretaria de saúde e outros departamentos municipais, a ausência de cooperação profissional, responsabilidade, falta de treinamento, ausência de capacidade para agir em alguns casos, os trâmites de notificação, detecção e intervenção são obstáculos que impactam o enfrentamento da VCPI.(15)
Do mesmo modo, os diversos fatores intrínsecos ao idoso contribuem para dificultar a identificação da violência pelos enfermeiros, como medo, vergonha e omissão por medo do agressor ou por não querer denunciá-los por questões de afinidades parentais.(17) E assim surge o dilema que se refere ao direito dos idosos de escolher como viver suas vidas versus o desejo e obrigação do enfermeiro de ajudar e desempenhar suas funções profissionais.(20)
Destaca-se que as ações dos enfermeiros generalistas, evidenciadas no presente estudo vão de encontro com às práticas da enfermagem forense, preconizadas pela Resolução COFEN nº 556/2017, que envolvem: denunciar os casos de violência a autoridades, planejar entrevistas, a necessidade de envolver outros profissionais e familiares, identificar vestígios de relevância criminal, identificar indicadores de suspeita de violência, documentar todas as informações relevantes, coordenar a transição da vítima entre os cenários de cuidados, orientar o acesso a recursos jurídicos, envolver outros profissionais para garantir a continuidade do cuidado, utilizar técnicas de entrevistas, observar comportamentos da vítima e demais envolvidos, dentre outros.(34)
Os desafios ao lidar com situações de violência são inúmeros, por isso a expansão da EF deve ser incentivada em todo o mundo. Por permitir uma assistência completa às vítimas, perpetradores e familiares, utilizando ferramentas de rastreamento como supracitado para detecção precoce e implementação de cuidados sistematizados de enfermagem,(2) permitindo manter um registro de todas as informações, pois elas podem ser consideradas como prova em processos judiciais e respaldo legal do profissional de saúde.
Ressalta-se como limitação do estudo, a ausência de publicações envolvendo especificamente o enfermeiro especialista em enfermagem forense.
Conclusão
Os enfermeiros lançam mão de estratégias diversificadas dependendo do contexto da violência e do país que atuam. É possível perceber o cuidado forense nas ações dos enfermeiros generalistas, ainda que não necessariamente detenham o conhecimento de que estão utilizando estratégias que fazem parte da especialidade. Os estudos revelam que os enfermeiros apoiam os idosos vítima de violência, investigam os casos através de avaliação clínica, denunciam às autoridades e acionam a equipe multiprofissional na tentativa de solucionar o problema. No entanto, estes profissionais encontram barreiras para identificar e manejar o idoso em situação de violência, uma vez, que se trata de um fenômeno complexo de difícil detecção. Entre estas barreiras, estão a falta de apoio da gestão, a incapacidade para identificar as situações de violência, a falta de treinamentos e, a ausência de políticas públicas. Nesse sentido, os resultados encontrados poderão dar subsídios para se planejar a ascensão da enfermagem forense, e qualificação dos profissionais generalistas, a partir deste conhecimento. Consequentemente, promover assistência eficiente a essas vítimas, melhorando sua qualidade de vida.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq através da Chamada Universal MCTIC/CNPq 2018 e, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Nov 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
29 Ago 2020 -
Aceito
16 Mar 2021