Resumo
Objetivo
Analisar a associação entre aleitamento materno exclusivo e experiência de violência obstétrica segundo raça/cor autorreferida.
Métodos
Este foi um estudo observacional, transversal, descritivo e analítico com coleta de dados online de novembro de 2020 a fevereiro de 2021. Para análise dos dados, foi usado o software R (v. 4.0.4) e considerado o nível de significância de 5% (p<0,05).
Resultados
A amostra foi composta por 241 mulheres que atenderam aos critérios de inclusão. A maioria delas (88,8%) sofreu violência obstétrica. Entre elas, 29,0% eram negras e 71,0% não negras. Quando responderam ao questionário, 70,1% daquelas que sofreram violência obstétrica afirmaram estar em aleitamento materno exclusivo. A associação entre violência obstétrica, aleitamento materno exclusivo e variável raça/cor não apresentou resultado estatisticamente significativo (p=0,822).
Conclusão
Não foi encontrada associação estatística comprovando as repercussões de violência obstétrica no processo de amamentação. Sugerimos novas pesquisas sobre o tema que considerem a ótica racial e a interseccionalidade. Sugerimos também educação continuada e permanente aos profissionais para melhorar a prática e ampliar o conhecimento adquirido entre as mulheres.
Violência obstétrica; Aleitamento materno; População negra; Fatores raciais
Resumen
Objetivo
Analizar la relación entre la lactancia materna exclusiva y la experiencia de violencia obstétrica de acuerdo con la raza/color autopercibido.
Métodos
Se trata de un estudio observacional, transversal, descriptivo y analítico, cuya recopilación de datos en línea se realizó de noviembre de 2020 a febrero de 2021. Para el análisis de los datos, se utilizó el software R (v. 4.0.4) y se consideró el nivel de significación de 5 % (p<0,05).
Resultados
La muestra estuvo compuesta por 241 mujeres que cumplieron los criterios de inclusión. La mayoría de ellas (88,8 %) sufrió violencia obstétrica, entre las cuales el 29,0 % era negra y el 71,0 % no era negra. Cuando respondieron el cuestionario, el 70,1 % de las que sufrieron violencia obstétrica afirmó estar en lactancia materna exclusiva. La relación entre violencia obstétrica, lactancia materna exclusiva y la variable raza/color no presentó resultados estadísticamente significativos (p=0,822).
Conclusión
No se encontró relación estadística que compruebe repercusiones de la violencia obstétrica en el proceso de lactancia. Sugerimos nuevos estudios sobre el tema que consideren la óptica racial y la interseccionalidad. También sugerimos educación continua y permanente a los profesionales para mejorar la práctica y ampliar los conocimientos adquiridos entre las mujeres.
Violencia obstétrica; Lactancia materna; Población negra; Racismo; Factores raciales
Abstract
Objective
To analyze the association between exclusive breastfeeding and experience of obstetric violence according to self-reported race/color.
Methods
This was an observational, cross-sectional, descriptive and analytical study with online data collection from November 2020 to February 2021. For data analysis, the R software (v. 4.0.4) was used and a significance level of 5% was considered (p<0.05).
Results
The sample consisted of 241 women who met the inclusion criteria. Most of them (88.8%) suffered obstetric violence. Among them, 29.0% were black and 71.0% were non-black. When they answered the questionnaire, 70.1% of those who suffered obstetric violence stated that they were exclusively breastfeeding. The association between obstetric violence, exclusive breastfeeding and race/color variable did not present a statistically significant result (p=0.822).
Conclusion
No statistical association was found proving the repercussions of obstetric violence on the breastfeeding process. We suggested new research on the topic that considers racial perspectives and intersectionality. We also suggested continued and permanent education for professionals to improve practice and expand the knowledge acquired among women.
Obstetric violence; Breastfeeding; Black people; Race factors
Introdução
A tentativa de impedir que uma mulher seja protagonista em seu próprio ciclo gravídico-puerperal e/ou processo de abortamento é uma forma de violência obstétrica, caracterizada por abuso físico, verbal, emocional, discriminação e supressão de informação.(11. Jardim DM, Modena CM. Obstetric violence in the daily routine of care and its characteristics. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3069. Review.
2. Kopereck CS, Matos GC, Soares MC, Escobal AP, Quadro PP, Cecagno S. Obstetric violence in the multinational context la violencia obstétrica em el contexto multinacional. Rev Enferm UFPE On Line. 2018;12(7):2050-60.
3. Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.
4. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.-55. Mena-Tudela D, Iglesias-Casás S, González-Chordá VM, Cervera-Gasch Á, Andreu-Pejó L, Valero-Chilleron MJ. Obstetric Violence in Spain (Part I): women's perception and interterritorial differences. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(21):7726.) A violência obstétrica pode se manifestar através das situações seguintes: negligência; privação de atendimento e do direito da mulher ao acompanhante na maternidade; procedimentos e intervenções desnecessários; desrespeito à cultura, estigma e discriminação; imposição de procedimentos e posições durante o parto; falta de confidencialidade e privacidade; recusa na aplicação de analgesia e na efetivação do contato pele a pele com bebê nas primeiras horas após o parto.(11. Jardim DM, Modena CM. Obstetric violence in the daily routine of care and its characteristics. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3069. Review.
2. Kopereck CS, Matos GC, Soares MC, Escobal AP, Quadro PP, Cecagno S. Obstetric violence in the multinational context la violencia obstétrica em el contexto multinacional. Rev Enferm UFPE On Line. 2018;12(7):2050-60.
3. Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.
4. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.-55. Mena-Tudela D, Iglesias-Casás S, González-Chordá VM, Cervera-Gasch Á, Andreu-Pejó L, Valero-Chilleron MJ. Obstetric Violence in Spain (Part I): women's perception and interterritorial differences. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(21):7726.)
A violência obstétrica pode também estar presente durante a amamentação, que deveria ser incentivada pelos profissionais de saúde devido aos inúmeros e comprovados benefícios à criança, mulher, família e sociedade. No entanto, esse incentivo nem sempre acontece.(66. Monteiro JC, Guimarães CM, Melo LC, Bonelli MC. Breastfeeding self-efficacy in adult women and its relationship with exclusive maternal breastfeeding. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3364.) Um estudo norte americano analisou o aleitamento materno em mulheres negras e apontou que as mulheres afro-americanas têm maior dificuldade na amamentação, tanto para iniciar quanto para manter o aleitamento durante o tempo recomendado, devido a fatores sociais tais como racismo e desigualdades, fatores individuais relacionados à rede de apoio familiar e crenças, além dos fatores estruturais relacionados à oferta de serviços.(77. Gyamfi A, O'neill B, Henderson WA, Lucas R. Black/African American Breastfeeding Experience: cultural, sociological, and health dimensions through an equity lens. Breastfeed Med. 2021;16(2):103-11.) No Brasil, um estudo mostrou que mulheres negras podem apresentar melhores indicadores de tempo no aleitamento materno, colocando o leite materno como uma importante fonte de nutrição à criança (mesmo após os seis meses de idade) embora os estudos sobre amamentação em mulheres negras ainda sejam escassos.(88. Oliveira JE, Ferrari AP, Tonete VL, Parada CM. Resultados perinatais e do primeiro ano de vida segundo cor da pele materna: estudo de coorte. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03480.)
Este estudo foi desenvolvido com base no referencial teórico da interseccionalidade entre gênero, raça/cor e classe social. Este conceito busca compreender melhor a interação e consequências estruturais de dois ou mais eixos de subordinação, que são as estruturas que levam pessoas a sofrer a violência por estarem em uma posição considerada de menor poder.(99. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estudos Feministas. 2002;10(1):171-188.)
Considerando a pluralidade das mulheres e a necessidade de interseccionar as identidades dos papéis por elas assumidos diante da sociedade (além do que foi exposto acima), este estudo foi justificado pela proposta de analisar a violência obstétrica na assistência ao aleitamento materno sob a ótica racial, pois essa relação ainda não foi identificada na literatura brasileira. Assim, foi questionado o seguinte: a violência obstétrica pode gerar interferências no aleitamento materno? Se isso ocorrer, essas interferências têm relação com a raça/cor autorreferida pelas mulheres?
O objetivo deste estudo foi analisar a possível associação entre aleitamento materno exclusivo e experiência de violência obstétrica segundo raça/cor autorreferida.
Métodos
Este foi um estudo observacional, transversal, descritivo e analítico. As participantes foram recrutadas em grupos das mídias sociais Facebook e WhatsApp.
A população de referência foi constituída por mulheres com período pós-parto de até seis meses. Os critérios de inclusão foram os seguintes: ter mais de 18 anos de idade, estar com até seis meses no período pós-parto e ter acesso às mídias sociais Facebook e/ou WhatsApp. Os critérios de exclusão foram os seguintes: ter bebê que necessitou de cuidados especiais para amamentação e/ou alimentação, ter apresentado impedimento para amamentar e ter deficiência auditiva, visual ou cognitiva.
Este estudo foi realizado com uma amostra de conveniência constituída por 241 mulheres com período pós-parto de até seis meses no momento da coleta de dados.
Foram usados três instrumentos para coleta de dados. O primeiro deles foi elaborado para a presente pesquisa com base em estudos prévios desenvolvidos sobre o tema, contemplando dados de identificação e características sociodemográficas e obstétricas das participantes. O segundo instrumento foi o “Questionário de Avaliação de Violência no Parto”. Sua primeira parte está relacionada ao perfil das mulheres, com nove questões específicas sobre situações de violência vivenciadas durante a internação hospitalar para assistência ao parto e pós-parto imediato.(44. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.)O instrumento também avaliou a mulher quanto às Experiências de Intensidade de Vivência e Sentimentos relativas a situações de desrespeito durante o atendimento dos profissionais da equipe de saúde.(44. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.) Para análise descritiva da frequência dessas informações, todas mulheres que mencionaram algum procedimento, situação ou conduta inadequados ou desrespeitosos foram então consideradas como tendo sofrido tal violência.(44. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.)O terceiro instrumento foi adaptado do questionário desenvolvido por Silva (2007)(1010. Silva IC. Deficiência de ferro em crianças de 3 a 12 meses: compreensão de determinantes biológicos, sociais e suas implicações para o incentivo ao aleitamento materno. São Paulo: Relatório Científico Final FAPESP; 2007.)sobre o tipo de alimentação oferecida à criança no momento da coleta de dados(1111. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2015.) e a percepção materna sobre a amamentação. Os três instrumentos foram transcritos para a plataforma Google Forms.
Para caracterizar os aspectos raciais referidos pelas participantes, foi adotada a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que usa cinco categorias de raça/cor (branca, preta, parda, amarela e indígena). A população negra é constituída pelo conjunto dos sujeitos autodeclarados pretos e pardos.(1212. Petruccelli JL. Autoidentificação, identidade étnico-racial e hetero classificação. In: Petruccelli JL, Saboia AL. (Orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE; 2013. pp. 31-50.)
A coleta de dados foi feita online usando um formulário eletrônico no período de novembro de 2020 a fevereiro de 2021. Esta forma de coletar os dados foi necessária devido ao isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19 e em atendimento à recomendação dos órgãos oficiais de saúde nacionais para a proteção da população.
As participantes foram recrutadas em grupos das mídias sociais Facebook e WhatsApp. Primeiro, os administradores de grupos sobre maternidade (ou voltados a mães) foram contactados para lhes apresentar o projeto de pesquisa e obter permissão para sua divulgação nos grupos. Os grupos eram fechados, com critérios próprios de participação estabelecidos pelos administradores. Após a concordância dos administradores, a primeira autora deste estudo divulgou a pesquisa em forma de mensagens e fez o convite para participação no Facebook (oito grupos). No WhatsApp (dois grupos), a divulgação e o convite foram feitos pelos próprios administradores. As mensagens continham o convite para participar do estudo e um link para a página de apresentação da pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o formulário de coleta dos dados. As mulheres que concordaram com tais termos, expressaram eletronicamente sua concordância pelo TCLE e respostas ao formulário. As mensagens foram enviadas quinzenalmente às páginas das redes sociais ou aos administradores.
Para ampliar a divulgação e o alcance da pesquisa, foi solicitado às participantes que compartilhassem o convite com pessoas conhecidas. Assim, 323 mulheres responderam ao questionário. Entre elas, 82 foram excluídas, uma por estar duplicada e 81 por terem tido partos há mais de seis meses.
A partir da planilha gerada no Google Forms, os dados foram exportados para uma planilha eletrônica no Microsoft Excel e analisados de forma descritiva e inferencial usando o software R (v. 4.0.4). Os testes Qui-Quadrado e Exato de Fisher foram usados para verificar a possível associação entre variáveis. Foi adotado o nível de significância de 5% (α=0,05).
Para análise dos dados, considerando a ótica racial, a variável raça/cor foi condensada nos dois grupos seguintes: negras (incluindo as participantes que se autorreferiram como pretas e pardas) e não-negras (incluindo as participantes que se autorreferiram como brancas e amarelas). Nesta amostra, nenhuma participante se autodeclarou como indígena.
O projeto de pesquisa foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; Universidade de São Paulo, vinculado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CAAE 25950219.3.000.5393) (Parecer: 4.152.952), atendendo às recomendações do Conselho Nacional de Saúde (resolução 466/12) e Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos.(1313. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução Nº466/12. Sobre Pesquisa em Seres Humanos, 2013. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [citado 2024 Fev 10]. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
) Como os temas raciais e de violência são sensíveis e para evitar possíveis danos às participantes, foi oferecida a possibilidade de acolhimento e escuta ampliada às mulheres, com encaminhamento a um psicólogo (se um profissional fosse necessário) e depois ao serviço de saúde com psicólogos e profissionais capacitados para o acolhimento dessas mulheres, conforme a necessidade. Nenhuma participante fez tais solicitações.
Resultados
A amostra final foi composta por 241 mulheres que tiveram parto até seis meses antes da coleta dos dados, com idade média de 32 anos (DP: 5,0 anos; mín.-máx.: 20-45). Elas se autodeclararam como brancas (70,5%), negras (pretas e pardas; 27,4%) e amarelas (2,1%). Quanto à escolaridade, destacamos que 43,6% das participantes cursaram pós-graduação, 34,9% tinham ensino superior (completo ou incompleto) e 21,6% tinham ensino médio (completo ou incompleto). Entre as participantes, 63,1% declararam ter religião, 74,7% declararam exercer um trabalho remunerado fora do lar, 94,6% tinham companheiro e 61,4% tinham casa própria. A maioria delas (61,0%) morava na região Sudeste, e moradoras na região Norte não foram registradas. A maioria delas (59,3%) relatou ter renda de 4-20 salários-mínimos, e 88,0% referiram receber ajuda para os cuidados das crianças.
Quanto à caracterização obstétrica, o número de filhos das participantes variou na faixa de 1-4, sendo que a maioria (64,7%) relatou ter um filho. Entre as participantes, 60,6% relataram ter planejado a última gestação. O início do período pré-natal variou de 4 a 39 semanas; na maioria (93,7%), o início foi até a 12ª semana; o número de consultas variou de 5 a 20. A maioria (68,1%) relatou não ter tido intercorrências durante a gestação e no parto (74,7%) ou no pós-parto (87,1%).
Sobre o tipo de parto, 57,3% foram cesáreas e 42,7% foram vaginais (com ou sem indução). Quanto ao desejo do tipo de parto no início da gestação, a maioria (73,9%) das mulheres afirmou ter desejado parto vaginal. Quando elas foram questionadas sobre este desejo no final da gestação, a maioria (72,6%) relatou ter também desejado parto vaginal. Para as mulheres que tiveram cesárea, a maioria (44,3%) relatou ter desejado parto vaginal mas mudou de opinião durante a gestação (por vontade própria ou indicação médica). Aquelas que tiveram parto vaginal (96,1%) já desejavam esse tipo de parto desde o início da gestação, e somente 3,9% haviam desejado cesárea e mudaram de opinião ao longo da gestação (por vontade própria ou indicação médica). Em relação ao tipo de hospital, a maioria (73,9%) relatou ter tido o parto em hospital privado. A maioria das mulheres que tiveram parto vaginal (91,3%) foram atendidas por médicos obstetras.
As participantes afirmaram ter amamentado o bebê em sua primeira hora de vida (63,5%). A maioria afirmou estar amamentando seus bebês com leite do peito (97,5%) e estavam realizando aleitamento materno exclusivo no momento da coleta de dados (71,4%). Das 235 mulheres que estavam em aleitamento materno, 83,4% consideravam que o bebê ficava satisfeito após a mamada.
Quando elas foram questionadas sobre a produção de leite, 85,9% percebem seu leite como bom, forte e que sustenta seu bebê. Mais da metade das mulheres (56,0%) relatou que o tratamento dado pelos profissionais de saúde influenciou de algum modo sua amamentação. Entre as 135 mulheres que relataram influência do profissional em sua amamentação, somente 123 responderam de que forma; mais da metade (61,8%) relatou ter sido influenciada positivamente.
Os procedimentos realizados no período intraparto são apresentados na tabela 1.
Descrição de procedimentos realizados no período intraparto considerados como violência obstétrica
Entre as 241 mulheres que compuseram a amostra, 214 (88,8%) foram identificadas como tendo sofrido violência obstétrica, ou seja, mencionaram algum procedimento (ou conduta inadequada) considerado como violência. Considerando a raça/cor das mulheres, verificamos que entre as 66 mulheres negras, 62 (93,9%) sofreram violência obstétrica; entre as 175 não-negras, 152 (86,9%) sofreram violência. Apesar do número expressivo de mulheres que sofreram violência obstétrica, não houve associação significativa entre as variáveis violência obstétrica e raça/cor (Teste Exato de Fisher; p=0,8811). Além dessa análise, foi verificado descritivamente que, do total de mulheres que sofreram violência obstétrica (214), 29,0% eram negras e 71,0% eram não-negras. É interessante destacar que seis mulheres (2,5%) relataram ter percebido um tratamento diferenciado de forma negativa devido à cor de sua pele.
Para as 214 mulheres que sofreram violência obstétrica, não foi observada associação entre as variáveis experiência de intensidade de vivência e raça e/ou cor (p=0,103), bem como entre as variáveis experiência de intensidade de sentimentos e raça/cor (p=0,636). Porém, ao analisar as respostas da experiência de intensidade de vivência, destacamos que as mulheres negras vivenciaram mais situações de violência (45,2%) que as mulheres não-negras (32,2%) na experiência de intensidade de sentimentos podemos visualizar o inverso: situações que despertaram sentimentos relativos à violência foram menos vivenciadas por mulheres negras (47,0%) do que por não-negras (51,4%). Estes dados são apresentados na tabela 2.
Para mulheres que sofreram violência obstétrica (n=214), a análise de associação entre aleitamento materno exclusivo e a raça/cor autodeclarada indicou que este resultado não é estatisticamente significativo, ou seja, essas variáveis não estão associadas (p=0,822) considerando os dados desta amostra (Tabela 3).
Discussão
Os resultados do presente estudo mostram a expressiva porcentagem de mulheres que sofreram violência obstétrica na prestação do cuidado em saúde (independente da raça/cor). Sugerimos então que haja educação continuada e permanente aos profissionais que prestam assistência às mulheres na prática clínica. Isto é importante para que eles tenham acesso a informações fidedignas e possam reconhecer as práticas consideradas como violência obstétrica (incluindo violência de gênero, racismo e qualquer outra violência) durante a prestação do cuidado.
A coleta de dados online (devido às restrições impostas pela pandemia da COVID-19 nos anos 2020-2021) foi uma limitação do estudo. A amostra foi então composta por conveniência, incluindo participantes de diferentes regiões do Brasil, mas sem o número representativo por região, podendo dificultar a generalização das conclusões. Além disso, a pesquisa atingiu uma parte da população no Brasil com acesso facilitado à internet, influenciando também o perfil diferenciado da amostra. Apesar dessas limitações, a riqueza dos dados coletados contribuiu para ampliar a discussão sobre esse tema tão importante para a saúde materna.
A amostra apresentou um alto nível de escolaridade e alta renda salarial. Isto confirma a literatura científica, que mostra estar o nível de escolaridade intimamente ligado à renda salarial dos indivíduos.(1414. Barros DS. Escolaridade e distribuição de renda entre empregados na economia brasileira: uma análise comparativa dos setores público e privado dos anos 2001 e 2013. Rev Econ Contemp. 2017;21(3):1-26.) Considerando o perfil demográfico desta amostra e a coleta de dados realizada online, ressaltamos o acesso da população brasileira à internet. Na última pesquisa de Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros (2021), as pessoas sem acesso à internet são aquelas com uma renda salarial mais baixa; foi também constatada uma queda no acesso a computadores nas classes C, D e E, embora o aumento do acesso à internet tenha ocorrido comparado ao ano anterior.(1515. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação BR (Cetic Br). Pesquisa de Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros, TIC Domicílios, 2021. São Paulo: Cetic Br; 2022 [citado 2024 Fev 10]. Disponível em: https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20230825143720/tic_domicilios_2022_livro_eletronico.pdf
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) Então, o perfil de participantes identificado no presente estudo é condizente com os dados da população brasileira mais favorecida economicamente.
Quanto à caracterização obstétrica, os resultados da presente pesquisa confirmam dois estudos nacionais, em que mais da metade das mulheres tiveram seus partos realizados em hospitais privados e o atendimento mais frequente foi realizado por médicos obstetras.(33. Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.,44. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.) Analisando o tipo de parto e o atendimento (público ou privado), entre as mulheres que tiveram partos em hospitais privados, a maioria teve parto cesárea; entre as mulheres atendidas em hospitais públicos, mais da metade delas tiveram parto normal. Embora a maioria dos partos normais tenha sido realizada em hospitais públicos, o número de partos cesárea nesses hospitais excede os 10% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).(1616. Sistema Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS). Declaração da OMS sobre as taxas de cesárea. Brasília (DF): UNA-SUS; 2015 citado 2024 Fev 10]. Disponível em: https://www.unasus.gov.br/noticia/declaracao-da-oms-sobre-taxas-de-cesareas#:~:text=Em%20termos%20populacionais%2C%20a%20OMS,e%20mortalidade%20materna%20e%20neonatal.
https://www.unasus.gov.br/noticia/declar...
) Esses dados confirmam estudos sugerindo que quanto maior a escolaridade e a renda, maior é o acesso ao atendimento privado e maiores as chances de ter parto cesárea.(1717. Nakamura-Pereira M, Leal MC, Esteves-Pereira AP, Domingues RM, Torres JA, Dias MA, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health. 2016;13(Suppl 3):128.)
Ainda sobre os tipos de parto, a maior parte das mulheres no presente estudo desejaram parto normal no início e no final da gestação. Entre as mulheres que tiveram parto cesárea, o desejo inicial era parto normal, mas foram mudando de ideia ao longo da gestação (sozinhas ou por orientação médica). Resultados semelhantes foram obtidos em um estudo nacional e em estudos realizados na Noruega e China onde parto normal foi o desejo da maioria das mulheres.(44. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.,1818. Løvåsmoen EM, Bjørgo MN, Lukasse M, Schei B, Henriksen L. Women's preference for caesarean section and the actual mode of delivery - Comparing five sites in Norway. Sex Reprod Healthc. 2018;16:206-12.,1919. Wu J, Feng L, Zhang H, Guo L, Pérez-Escamilla R, Hu Y. The Inconsistency Between Women's Preference and Actual Mode of Delivery in China: findings from a prospective cohort study. Front Public Health. 2022;10:782784.) O estudo realizado na China afirma que o número de mulheres que preferiram parto normal mas realizaram cesariana foi maior que o número de mulheres que preferiram cesariana mas realizaram parto normal.(1919. Wu J, Feng L, Zhang H, Guo L, Pérez-Escamilla R, Hu Y. The Inconsistency Between Women's Preference and Actual Mode of Delivery in China: findings from a prospective cohort study. Front Public Health. 2022;10:782784.)
Analisando os dados sobre aleitamento materno, 63,5% das participantes amamentaram seus bebês na primeira hora de vida. Isto é semelhante à porcentagem nacional (62,4%) para crianças menores de dois anos (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, ENANI; 2019).(2020. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos. ENANI - 2019. Rio de Janeiro: UFRJ; 2021 [citado 2022 Nov 24]. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/11/Relatorio-4_ENANI-2019_Aleitamento-Materno.pdf
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) Os dados sobre amamentação na primeira hora de vida na presente pesquisa e no Brasil têm porcentagens maiores quando comparados com os dados mundiais (47,0%; 2021).(2121. United Nations Children's Fund (UNICEF). World Health Organization (WHO). Global Breastfeeding Scorecard. Protecting breastfeeding through further investments and policy actions. UNICEF; WHO: 2022 [cited 2022 Nov 24]. Available from: https://www.globalbreastfeedingcollective.org/media/1921/file
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)
Os benefícios da amamentação já estão consolidados na literatura. Entre as participantes do estudo, a maioria estava em aleitamento materno; entre elas, 71,4% estavam em aleitamento materno exclusivo. De acordo com ENANI (2019), a porcentagem nacional de mulheres em aleitamento materno exclusivo foi 59,7% para crianças menores de quatro meses e 45,8% para crianças menores de seis meses; já a porcentagem mundial chegou a 48,0% em 2021.(2020. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos. ENANI - 2019. Rio de Janeiro: UFRJ; 2021 [citado 2022 Nov 24]. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/11/Relatorio-4_ENANI-2019_Aleitamento-Materno.pdf
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,2121. United Nations Children's Fund (UNICEF). World Health Organization (WHO). Global Breastfeeding Scorecard. Protecting breastfeeding through further investments and policy actions. UNICEF; WHO: 2022 [cited 2022 Nov 24]. Available from: https://www.globalbreastfeedingcollective.org/media/1921/file
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)Assim, a porcentagem encontrada no presente estudo foi maior que as médias nacional e mundial para as mulheres que estavam amamentando somente com o leite do peito.
Na presente pesquisa, a coleta abrangente de dados sobre amamentação permitiu identificar que a maioria das mulheres consideraram seu leite positivamente, e a forma como os profissionais de saúde abordam as mulheres durante a orientação para o início do aleitamento materno influenciou na amamentação positivamente. É importante destacar que proteger as mulheres por meio de um atendimento qualificado, evitando complicações no parto e pós-parto, pode resultar na melhora da sua autoconfiança, tornando-as mais positivas em relação a sua capacidade de amamentar, consequentemente influenciando para que o processo do aleitamento materno seja mais eficaz.(66. Monteiro JC, Guimarães CM, Melo LC, Bonelli MC. Breastfeeding self-efficacy in adult women and its relationship with exclusive maternal breastfeeding. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3364.)
Durante o intraparto, as mulheres podem estar expostas a procedimentos considerados como violência obstétrica.(11. Jardim DM, Modena CM. Obstetric violence in the daily routine of care and its characteristics. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3069. Review.
2. Kopereck CS, Matos GC, Soares MC, Escobal AP, Quadro PP, Cecagno S. Obstetric violence in the multinational context la violencia obstétrica em el contexto multinacional. Rev Enferm UFPE On Line. 2018;12(7):2050-60.
3. Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.
4. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.-55. Mena-Tudela D, Iglesias-Casás S, González-Chordá VM, Cervera-Gasch Á, Andreu-Pejó L, Valero-Chilleron MJ. Obstetric Violence in Spain (Part I): women's perception and interterritorial differences. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(21):7726.) Comparando os procedimentos realizados durante o trabalho de parto (normal ou cesárea) no presente estudo com estudos nacionais(33. Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.,44. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.) e internacionais (Guiné, Gana, Mianmar e Nigéria),(2222. Bohren MA, Mehrtash H, Fawole B, Maung TM, Balde MD, Maya E, et al. How women are treated during facility-based childbirth in four countries: a cross-sectional study with labour observations and community-based surveys. Lancet. 2019;394(10210):1750-63.) notamos que os procedimentos considerados violentos (ou realizados sem consentimento das mulheres) ainda são amplamente realizados no presente estudo bem como entre as mulheres nesses países, embora com porcentagens diferentes. Procedimentos caracterizados como violência obstétrica na literatura(11. Jardim DM, Modena CM. Obstetric violence in the daily routine of care and its characteristics. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3069. Review.
2. Kopereck CS, Matos GC, Soares MC, Escobal AP, Quadro PP, Cecagno S. Obstetric violence in the multinational context la violencia obstétrica em el contexto multinacional. Rev Enferm UFPE On Line. 2018;12(7):2050-60.
3. Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.
4. Palma CC, Donelli TM. Violência obstétrica em mulheres brasileiras. Psico Porto Alegre. 2017;48(3):216-30.-55. Mena-Tudela D, Iglesias-Casás S, González-Chordá VM, Cervera-Gasch Á, Andreu-Pejó L, Valero-Chilleron MJ. Obstetric Violence in Spain (Part I): women's perception and interterritorial differences. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(21):7726.) podem ser um agravo à situação de violência vivenciada pela mulher durante o parto, principalmente os que ocorrem durante o parto cesárea, pois este tipo de parto (como citado anteriormente) pode colocar em risco a vida da mãe e do bebê quando realizado sem indicação, configurando por si só um ato violento contra a mulher.
Constatou-se que a violência obstétrica foi a realidade da maioria no presente estudo (88,8%); na literatura, foram encontradas porcentagens variadas de mulheres que relataram ter sofrido violência obstétrica tanto nacionalmente (Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Niterói, Ceilândia e Brasília; (13%), como internacionalmente: Etiópia (75,1%), Holanda (54,4%), países africanos (41,6%), Espanha (38,3%), México (33,3%), e EUA (17,3%).(33. Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.,55. Mena-Tudela D, Iglesias-Casás S, González-Chordá VM, Cervera-Gasch Á, Andreu-Pejó L, Valero-Chilleron MJ. Obstetric Violence in Spain (Part I): women's perception and interterritorial differences. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(21):7726.,2222. Bohren MA, Mehrtash H, Fawole B, Maung TM, Balde MD, Maya E, et al. How women are treated during facility-based childbirth in four countries: a cross-sectional study with labour observations and community-based surveys. Lancet. 2019;394(10210):1750-63.
23. Van der Pijl MS, Verhoeven CJ, Verweij R, van der Linden T, Kingma E, Hollander MH, et al. Disrespect and abuse during labour and birth amongst 12, 239 women in the Netherlands: a national survey. Reprod Health. 2022;19(1):160.
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25. Mihret MS. Obstetric violence and its associated factors among postnatal women in a Specialized Comprehensive Hospital, Amhara Region, Northwest Ethiopia. BMC Res Notes. 2019;12(1):600.-2626. Vedam S, Stoll K, Taiwo TK, Rubashkin N, Cheyney M, Strauss N, Mclemore M, Cadena M, Nethery E, Rushton E, Schummers L, Declercq E; GVTM-US Steering Council. The Giving Voice to Mothers study: inequity and mistreatment during pregnancy and childbirth in the United States. Reprod Health. 2019;16(1):77.)Entre os autores citados, é uma afirmação recorrente que a variação entre as porcentagens é devida ao fato de que não existe um consenso sobre a nomenclatura ou o que exatamente caracteriza a violência obstétrica. Portanto, a forma como os dados são coletados e o momento da coleta podem variar entre os estudos gerando porcentagens diferentes. Além disso, o tamanho da amostra também foi variado entre os estudos, além dos fatores intrínsecos a cada cultura que podem influenciar a ocorrência de violência.(55. Mena-Tudela D, Iglesias-Casás S, González-Chordá VM, Cervera-Gasch Á, Andreu-Pejó L, Valero-Chilleron MJ. Obstetric Violence in Spain (Part I): women's perception and interterritorial differences. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(21):7726.,2222. Bohren MA, Mehrtash H, Fawole B, Maung TM, Balde MD, Maya E, et al. How women are treated during facility-based childbirth in four countries: a cross-sectional study with labour observations and community-based surveys. Lancet. 2019;394(10210):1750-63.
23. Van der Pijl MS, Verhoeven CJ, Verweij R, van der Linden T, Kingma E, Hollander MH, et al. Disrespect and abuse during labour and birth amongst 12, 239 women in the Netherlands: a national survey. Reprod Health. 2022;19(1):160.
24. Castro R, Frías SM. Obstetric Violence in Mexico: Results From a 2016 National Household Survey. Violence Against Women. 2020;26(6-7):555-72.
25. Mihret MS. Obstetric violence and its associated factors among postnatal women in a Specialized Comprehensive Hospital, Amhara Region, Northwest Ethiopia. BMC Res Notes. 2019;12(1):600.-2626. Vedam S, Stoll K, Taiwo TK, Rubashkin N, Cheyney M, Strauss N, Mclemore M, Cadena M, Nethery E, Rushton E, Schummers L, Declercq E; GVTM-US Steering Council. The Giving Voice to Mothers study: inequity and mistreatment during pregnancy and childbirth in the United States. Reprod Health. 2019;16(1):77.)
No presente estudo, a associação entre violência obstétrica e raça/cor das participantes não apresentou resultado estatisticamente significativo. É oportuno lembrar que o perfil da amostra é compatível com o da população economicamente mais favorecida. Porém, a literatura aponta que a violência obstétrica tem maiores chances de acontecer em grupos com mais fatores de vulnerabilidade, p.ex., raça/cor ou etnia.(2626. Vedam S, Stoll K, Taiwo TK, Rubashkin N, Cheyney M, Strauss N, Mclemore M, Cadena M, Nethery E, Rushton E, Schummers L, Declercq E; GVTM-US Steering Council. The Giving Voice to Mothers study: inequity and mistreatment during pregnancy and childbirth in the United States. Reprod Health. 2019;16(1):77.,2727. Taylor JK. Structural racism and maternal health among black women. J Law Med Ethics. 2020;48(3):506-17.)
Conforme o conceito de interseccionalidade apontado por Crenshaw (2002)(99. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estudos Feministas. 2002;10(1):171-188.) ao considerar violência obstétrica como uma violência de gênero, as mulheres que sofrem violência têm outros eixos subordinados que as levam a maiores chances de sofrer e vivenciar a violência obstétrica nos espaços institucionais, p.ex., a raça/cor.(2828. Lima KD, Pimentel C, Lyra TM. Disparidades raciais: uma análise da violência obstétrica em mulheres negras. Cien Saude Colet. 2021;26 suppl 3:4909-18.) Assim, mesmo que a amostra estudada na presente pesquisa não tenha apresentado associação entre violência obstétrica e o aspecto raça/cor, é importante que os profissionais de saúde que assistem as mulheres e suas famílias saibam que isso pode acontecer em outros cenários e em outros segmentos populacionais. Em muitos casos, fatores que podem ser protetivos às mulheres brancas, tais como classe social elevada e maior nível de escolaridade, podem não ter o mesmo papel para as mulheres negras. Isto porque racismo e discriminação podem gerar resultados obstétricos negativos, com maiores chances de morbimortalidade materna para mulheres negras quando comparadas às mulheres brancas, mesmo que as negras tenham essas condições favoráveis.(2727. Taylor JK. Structural racism and maternal health among black women. J Law Med Ethics. 2020;48(3):506-17.)
No presente estudo, a associação entre aleitamento materno exclusivo e raça/cor para mulheres que sofreram violência obstétrica não apresentou associação. Embora estudos semelhantes não tenham sido encontrados na literatura para estabelecer comparações, alguns estudos apontam a violência contra a mulher como um fator que dificulta o início e a continuidade da amamentação.(2929. Normann AK, Bakiewicz A, Kjerulff Madsen F, Khan KS, Rasch V, Linde DS. Intimate partner violence and breastfeeding: a systematic review. BMJ Open. 2020;10(10):e034153.) Dessa forma, a interpretação e compreensão da violência institucional obstétrica é imprescindível para a proposição de um atendimento seguro e benéfico ao binômio mãe e filho,(3030. Silva TM, Sousa KH, Oliveira AD, Amorim FC, Almeida CA. Violência obstétrica: a abordagem da temática na formação de enfermeiros obstétricos. Acta Paul Enferm. 2020;33:eAPE20190146.)pois especialmente quando é considerada a violência obstétrica relacionada à raça/cor, os dados apontam para o fato de que o racismo pode estar fortemente atrelado à saúde das populações, com consequências deletérias no ciclo gravídico-puerperal, aumentando inclusive a morbimortalidade no binômio mãe-filho, dificultando o acesso aos serviços de saúde e o acompanhamento pré-natal adequado.(2727. Taylor JK. Structural racism and maternal health among black women. J Law Med Ethics. 2020;48(3):506-17.,3131. Leal MD, Gama SG, Pereira AP, Pacheco VE, Carmo CN, Santos RV. The color of pain: racial iniquities in prenatal care and childbirth in Brazil. Cad Saude Publica. 2017;33(33 Suppl 1):e00078816.)
Entre os usuários do sistema de saúde, é difícil reconhecer que a discriminação no atendimento pode ocorrer devido à raça, não só por gênero e classe. Isto pode estar relacionado ao racismo velado, mas presente nos atendimentos e atitudes que geram e agravam as desigualdades da população negra, sobretudo das mulheres negras.(88. Oliveira JE, Ferrari AP, Tonete VL, Parada CM. Resultados perinatais e do primeiro ano de vida segundo cor da pele materna: estudo de coorte. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03480.,3131. Leal MD, Gama SG, Pereira AP, Pacheco VE, Carmo CN, Santos RV. The color of pain: racial iniquities in prenatal care and childbirth in Brazil. Cad Saude Publica. 2017;33(33 Suppl 1):e00078816.) As mulheres negras apresentam maiores índices de morbimortalidade e sofrem mais práticas que podem ser caracterizadas como violência obstétrica. No estudo “Nascer no Brasil”, de âmbito nacional, foi identificado que as mulheres pretas e pardas têm maiores chances de ter um pré-natal inadequado, incluindo ausência de orientação básica, recebendo menos analgesia de parto, além da falta de vínculo com a maternidade, não ter a presença de acompanhante e ter bebê pós-termo. Tal estudo ainda destaca que mulheres negras recebem menos intervenções, tais como toques vaginais, episiotomia e partos cesáreas, mas que este indicativo deve ser analisado de forma crítica. No Brasil, a prática obstétrica é marcadamente intervencionista e os procedimentos citados acima são considerados como definidores de um bom atendimento pelo público leigo. O menor número dessas intervenções pode indicar racismo e discriminação às mulheres negras.(3131. Leal MD, Gama SG, Pereira AP, Pacheco VE, Carmo CN, Santos RV. The color of pain: racial iniquities in prenatal care and childbirth in Brazil. Cad Saude Publica. 2017;33(33 Suppl 1):e00078816.)
Conclusão
Associação entre violência obstétrica, aleitamento materno exclusivo e a variável raça/cor não mostrou ser estatisticamente significante. Porém, o aleitamento materno é conhecido como um fator protetivo para mulheres, crianças e a sociedade, e a violência obstétrica observada no presente estudo tem uma influência deletéria na saúde e segurança materna independentemente da raça/cor. Apesar do aumento no número de estudos internacionais, a discriminação, o racismo e suas influências na saúde reprodutiva, materna e aleitamento de mulheres negras são temas que necessitam de maior investigação no Brasil, pois os poucos estudos brasileiros mostram que esta população enfrenta maiores iniquidades no acesso aos serviços de saúde e cuidados durante o ciclo gravídico puerperal.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
Referências
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3Lansky S, Souza KV, Peixoto ER, Oliveira BJ, Diniz CS, Vieira NF, et al. Obstetric violence: influences of the Senses of Birth exhibition in pregnant women childbirth experience. Cien Saude Colet. 2019;24(8):2811-24.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
2 Maio 2023 -
Aceito
20 Mar 2024