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Esterilização pelo vapor dos instrumentos laparoscópicos previamente montados

Resumos

A vídeo-laparoscopia representa um dos maiores avanços na área da cirurgia nos últimos tempos. Os instrumentos laparoscópicos reprocessáveis são artigos complexos, que se esterilizados totalmente desmontados trazem transtornos às equipes cirúrgicas no momento da sua utilização no campo operatório. O método de escolha para a esterilização desses instrumentos é o vapor saturado sob pressão. O objetivo dessa revisão foi descrever o estado da arte em busca dos resultados da segurança na autoclavação do instrumental laparoscópico reprocessável, previamente montado, tendo em vista as dificuldades de montagem deles no momento da cirurgia. Foi consultada a base de dados PUBMED, usando vocábulos controlados, livres e a combinação deles, sem restrição de tempo e idioma. Foram localizados apenas dois artigos que permitiram conclusões favoráveis para a prática de autoclavar os instrumentos laparoscópicos previamente montados. O estudo que investigou exatamente a questão da pesquisa encontrou contaminação após a esterilização, tanto em instrumentos montados (1/24) como nos desmontados (1/30), demonstrando equivalência do risco. Frente aos resultados, e considerando a escassez de trabalhos sobre o assunto, recomenda-se um novo estudo experimental laboratorial randomizado utilizando contaminação desafio.

Esterilização; Transferência de calor; Instrumentos Cirúrgicos; Laparoscopia; Enfermagem de Centro Cirúrgico


Video-laparoscopy represents one of the greatest surgical advances in the recent past. Reprocessable laparoscopic instruments are complex devices that, if completely disassembled for sterilization, would cause problems for the surgical teams at the moment of their use in the surgery. The method of choice for the sterilization of this equipment is saturated steam under pressure. The goal of this review was to describe the state-of-the-art in the search for safe results in autoclaving the previously-assembled reprocessable laparoscopic instruments, since they are difficult to assemble at the moment of surgery. The PUBMED database was consulted, using controlled and free keywords, as well as their combinations, without time or language restrictions. The study investigating the exact issue of this research found contamination in both assembled (1/24) and disassembled (1/30) instruments, demonstrating equivalent risks. In view of the results and considering the lack of studies, a new experimental laboratory study is recommended, using a contamination challenge.

Sterilization; Heat transference; Surgical instruments; Laparoscopy; Operating room nursing


El video-laparoscopía representa uno de los mayores avances en el área de la cirugía en los últimos tiempos. Los instrumentos laparoscópicos reprocesables son artículos complejos, que si son esterilizados totalmente desarmados ocasionan trastornos a los equipos quirúrgicos en el momento de su utilización en el campo operatorio. El método de elección para la esterilización de esos instrumentos es el vapor saturado bajo presión. El objetivo de esta revisión fue describir el estado del arte en búsqueda de los resultados de la seguridad en el autoclavado del instrumental laparoscópico reprocesable, previamente armado, teniendo presente las dificultades de su montaje en el momento de la cirugía. Se consultó la base de datos PUBMED, usando vocablos controlados, libres y la combinación de ambos, sin restricción de tiempo e idioma. Fueron localizados apenas dos artículos que permitieron conclusiones favorables para la práctica del autoclado de los instrumentos laparoscópicos previamente armados. En el estudio que investigó exactamente el asunto de la investigación encontró contaminación después de la esterilización, tanto en instrumentos armados (1/24) como en los desarmados (1/30), demostrando equivalencia de riesgo. Frente a los resultados, y considerando la escasez de trabajos al respecto, se recomienda un nuevo estudio experimental de laboratorio randomizado utilizando contaminación desafío.

Esterilización; Transferencia del calor; Instrumentos quirúrgicos; Laparoscopia; Enfermería de quirófano


ARTIGO REVISÃO

Tamara Carolina de CamargoI; Caroline Dal Pian Alarcon RochaI; Kazuko Uchikawa GrazianoII

IMestre em Enfermagem na Saúde do Adulto pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Autor Correspondente

RESUMO

A vídeo-laparoscopia representa um dos maiores avanços na área da cirurgia nos últimos tempos. Os instrumentos laparoscópicos reprocessáveis são artigos complexos, que se esterilizados totalmente desmontados trazem transtornos às equipes cirúrgicas no momento da sua utilização no campo operatório. O método de escolha para a esterilização desses instrumentos é o vapor saturado sob pressão. O objetivo dessa revisão foi descrever o estado da arte em busca dos resultados da segurança na autoclavação do instrumental laparoscópico reprocessável, previamente montado, tendo em vista as dificuldades de montagem deles no momento da cirurgia. Foi consultada a base de dados PUBMED, usando vocábulos controlados, livres e a combinação deles, sem restrição de tempo e idioma. Foram localizados apenas dois artigos que permitiram conclusões favoráveis para a prática de autoclavar os instrumentos laparoscópicos previamente montados. O estudo que investigou exatamente a questão da pesquisa encontrou contaminação após a esterilização, tanto em instrumentos montados (1/24) como nos desmontados (1/30), demonstrando equivalência do risco. Frente aos resultados, e considerando a escassez de trabalhos sobre o assunto, recomenda-se um novo estudo experimental laboratorial randomizado utilizando contaminação desafio.

Descritores: Esterilização, Transferência de calor; Instrumentos Cirúrgicos, Laparoscopia; Enfermagem de Centro Cirúrgico

RESUMEN

El video-laparoscopía representa uno de los mayores avances en el área de la cirugía en los últimos tiempos. Los instrumentos laparoscópicos reprocesables son artículos complejos, que si son esterilizados totalmente desarmados ocasionan trastornos a los equipos quirúrgicos en el momento de su utilización en el campo operatorio. El método de elección para la esterilización de esos instrumentos es el vapor saturado bajo presión. El objetivo de esta revisión fue describir el estado del arte en búsqueda de los resultados de la seguridad en el autoclavado del instrumental laparoscópico reprocesable, previamente armado, teniendo presente las dificultades de su montaje en el momento de la cirugía. Se consultó la base de datos PUBMED, usando vocablos controlados, libres y la combinación de ambos, sin restricción de tiempo e idioma. Fueron localizados apenas dos artículos que permitieron conclusiones favorables para la práctica del autoclado de los instrumentos laparoscópicos previamente armados. En el estudio que investigó exactamente el asunto de la investigación encontró contaminación después de la esterilización, tanto en instrumentos armados (1/24) como en los desarmados (1/30), demostrando equivalencia de riesgo. Frente a los resultados, y considerando la escasez de trabajos al respecto, se recomienda un nuevo estudio experimental de laboratorio randomizado utilizando contaminación desafío.

Descriptores: Esterilización, Transferencia del calor; Instrumentos quirúrgicos; Laparoscopia; Enfermería de quirófano

INTRODUÇÃO

A vídeo-laparoscopia representa um dos maiores avanços na área da cirurgia nos últimos tempos. Vista inicialmente com muitas críticas e desconfianças, tornou-se gradualmente mais aceita, devido às evidentes vantagens inclusive a rápida recuperação do paciente, a abreviação do tempo de internação, reintegração social e profissional mais rápidas e melhores resultados estéticos(1).

Atualmente, o mercado dispõe de dois tipos de instrumentos laparoscópicos: os reprocessáveis e os de uso-único. Os de uso-único, a priori, não devem ser reprocessados, atendendo às orientações dos fabricantes. Já os comercializados como reprocessáveis são totalmente desmontáveis, autoclaváveis a vapor sob pressão e são o objeto da presente revisão bibliográfica.

Como qualquer nova tecnologia, a vídeo-cirurgia laparoscópica trouxe novas responsabilidades e desafios para a equipe de enfermagem do bloco operatório, e especialmente para a da Central de Material e Esterilização, responsável pelo processamento do instrumental. Os instrumentos utilizados nas cirurgias vídeo-laparoscópicas são artigos complexos, compostos por múltiplas peças que, se esterilizados totalmente desmontados trazem transtornos às equipes cirúrgicas no momento da utilização no campo operatório. Há o risco da montagem incorreta, comprometendo seu desempenho. Ao esterilizar o referido instrumental previamente montado, evitar-se-ia o contratempo citado, além de contornar a possibilidade do extravio eventual das peças que compõem os instrumentos laparoscópicos.

O método de escolha para a esterilização dos instrumentos laparoscópicos é o vapor saturado sob pressão(2-6), uma vez que eles são termorresistentes.

Perkins(3), afirma que o vapor é o princípio da esterilização nas autoclaves, e o mecanismo de destruição microbiana está relacionado não só ao contato direto do vapor com o material, mas também com o calor latente, fazendo com que haja a termocoagulação das proteínas microbianas.

O calor latente pode ser compreendido como o calor recebido por um dado material durante a mudança do estado físico da água, mantendo-se a mesma temperatura. Durante o processo de esterilização, o vapor saturado sob pressão em contato com a superfície fria do material que está disposto na câmara interna da autoclave sofre uma condensação (transformação da água do estado gasoso para o líquido), que libera calor latente molhando e aquecendo, simultaneamente, o material. Assim, esse calor latente, por meio da termocoagulação das proteínas microbianas, provocará a morte dos microrganismos e a esterilização ocorre pela troca de calor entre o meio e o objeto a ser esterilizado. A condensação de um grama de vapor libera 524 calorias(5).

Apesar do referencial teórico do calor latente na esterilização a vapor que, teoricamente, justificaria a esterilização de instrumentos laparoscópicos previamente montados, a Association of Operating Registered Nurses dos Estados Unidos da América do Norte (EUA), considerada como referência mundial na área do complexo Centro Cirúrgico, não recomenda que o material esteja montado previamente à esterilização(7). Portanto, a pergunta dessa pesquisa bibliográfica ficou assim definida: na literatura científica há evidência, da segurança da esterilização de instrumentos laparoscópicos reprocessáveis, previamente montados, por meio de autoclave a vapor saturado sob pressão, embasado no principio do calor latente?

Isso posto, o objetivo dessa revisão foi descrever o estado da arte dos estudos básicos

MÉTODOS

A consulta bibliográfica foi feita na base de dados eletrônica PUBMED em janeiro de 2007, sem restrição de período de busca e idioma. Esta base é da responsabilidade da US National Library of Medicine. Utilizou-se para a busca o operador booleano AND com os seguintes vocábulos: sterilization AND surgical instruments AND laparoscopy AND laparoscopic AND steam sterilization AND assembled. Os três primeiros vocábulos utilizados são controlados do Medical Subject Headings (MeSH) e os três últimos são vocábulos livres.

A estratégia de busca, combinando os descritores indexados e os termos livres, sem restrição do tipo de investigação, data, idioma e outras características que pudessem limitar a localização nas fontes de busca, ofereceram garantias de que todos os estudos relevantes foram acessados.

RESULTADOS

A consulta bibliográfica resultou em: 8 artigos para surgical instruments [MeSH] AND assembled, 32 artigos para sterilization [MeSH] AND surgical instruments [MeSH] AND steam sterilization, 25 artigos para sterilization [MeSH] AND assembled, 1 artigo para sterilization [MeSH] AND surgical instruments [MeSH] AND steam sterilization AND laparoscopic AND assembled e nenhum artigo para sterilization [MeSH] AND surgical instruments [MeSH] AND laparoscopy [MeSH] AND steam sterilization AND assembled.

Os títulos e os resumos, das publicações localizadas, foram analisados. O artigo encontrado com a combinação dos termos sterilization [MeSH] AND surgical instruments [MeSH] AND steam sterilization AND laparoscopic AND assembled, em "Related Links" trazia um artigo9 relatando um estudo básico, e novamente em "Related Links" desse estudo encontrou-se outro trabalho10, ambos relacionados com a questão específica da presente revisão. Os demais artigos foram descartados, pois abordavam aspectos sobre a esterilização de material usado na assistência à saúde, porém não abordavam o assunto segurança do instrumental laparoscópico esterilizado montado ou desmontado, objeto de interesse da presente revisão.

O primeiro artigo(9) é original de Dallas (EUA) publicado em 1991 e trata-se de um estudo laboratorial com a hipótese de que o instrumental de laparoscopia previamente montado alcança a mesma segurança da esterilidade quando comparada ao desmontado. O segundo artigo(10) relata uma publicação original da cidade de Mississippi (EUA) do ano de 1995, onde os autores realizaram também um estudo laboratorial com o objetivo de determinar a eficácia da esterilização, pelo vapor dos instrumentos laparoscópicos com os lumens vedados com uma alta concentração de matéria orgânica (carne - massa para hambúrguer) e microrganismos intencionalmente inoculados. Este estudo, apesar de não caracterizar exatamente uma pesquisa com instrumental laparoscópico montado, foi incluído nessa revisão por considerar a vedação dos lumens como um desafio para a não penetração direta do vapor e o calor transmitir-se através do material pelo princípio do calor latente que é o referencial teórico da presente revisão.

No primeiro estudo os autores(9) utilizaram, como amostra, quatro tipos diferentes de instrumentos laparoscópicos, sendo eles: um trocarte de 10mm, um trocarte de 5mm, uma pinça Grasper e uma pinça bipolar. Estes materiais foram contaminados com três tipos de bactérias na forma vegetativa (Serratia marcescens, Bacillus subtilis e Bacillus stearothermophilus) e dois com esporos bacterianos: um reconhecidamente resistente ao óxido de etileno (esporos de Bacillus subtilis) e outro à esterilização a vapor (esporos de Bacillus stearothermophilus). Após o preparo das suspensões bacterianas, estas foram inoculadas em 10 locais distintos dos instrumentos testes (sendo três locais no trocarte de 10mm, cinco no trocarte de 5mm, um na pinça Grasper e um na pinça bipolar). Para tanto, foi usada uma haste com algodão enrolado na sua ponta (swab), previamente esterilizada. Os locais de inoculação foram aqueles considerados mais críticos para retenção da matéria orgânica e conseqüentemente de difícil limpeza. Os autores submeteram os materiais testes a dois diferentes protocolos, para testar a eficácia da esterilização, descritos a seguir.

No Protocolo 1 os instrumentos foram desmontados, contaminados por esfregaço com as suspensões microbianas descritas em diferentes locais, usando o swab. Em seguida, sem lavagem prévia, os instrumentos foram montados, embalados e submetidos à esterilização pelo óxido de etileno - ETO (1 hora e 45 minutos de esterilização e 20 horas de aeração) e pelo vapor (4 minutos a 132ºC).

No Protocolo 2 os materiais foram submetidos à mesma contaminação desafio e, em seguida, lavados manualmente. Na seqüência, a amostra foi divida em três grupos: no primeiro grupo os instrumentos foram previamente montados e submetidos à esterilização pelo vapor; no segundo grupo, os instrumentos foram submetidos ao mesmo processo de esterilização, porém, desmontados e no terceiro grupo, os instrumentos foram armazenados desmontados, em condições ambientais, sem passar pelo processo de esterilização, constituindo-se o grupo controle positivo.

Finda a esterilização, foram colhidas amostras para cultura em cada local previamente contaminado usando como método de coleta de material, swabs esterilizados e umedecidos com caldo tríptico de soja (TSB), sendo estes colocados em um tubo com 3,5ml do mesmo meio de cultura. Estes tubos foram incubados por sete dias, nas temperaturas especificadas para os microrganismos testes (Serratia marcescens e Bacillus subtilis a 35ºC; Bacillus stearothermophilus a 56ºC). Três replicações de cada instrumento foram testadas.

Este estudo(9) obteve os seguintes resultados: com a aplicação do Protocolo 1 (esterilização sem limpeza prévia e montados): todas as bactérias vegetativas morreram após a esterilização tanto pelo ETO quanto pelo vapor. Já os esporos apresentaram sobrevivência, sendo 30% da amostra com crescimento positivo (9/30) quando esterilizada pelo ETO e 13% positivos (4/30) quando esterilizada pelo vapor. A aplicação do Protocolo 2 encontrou resultados positivos para os esporos do Bacillus stearothermophilus, tanto para os instrumentos montados, como para os desmontados, sendo 1/30 das culturas positivas nos instrumentos desmontados e 1/24 das culturas positivas nos instrumentos montados.

O outro estudo(10), trouxe a descrição de dois experimentos e utilizou cenários que ultrapassaram a pior situação clínica possível.

No primeiro experimento foi utilizado trocarte reprocessável com lúmen de 12mm de diâmetro. O orifício da cânula foi preenchido com carne (massa para hambúrguer) contaminada com 0,5ml de suspensão contendo Proteus mirabilis, Enterococcus feacalis, Staphylococcus aureus, S. epidermidis, Actinomyces pyrogenes, Cândida albicans e Escherichia coli na concentração de 1.8 x 109 unidades formadoras de colônias por mililitro. Após este procedimento, o material foi autoclavado com ciclos convencionais de 10 minutos de exposição e com ciclos flash de 3 minutos de exposição à temperatura de 132ºC, esfriado por 2 minutos. Em seguida, as amostras da massa de carne foram colocadas no disco de ágar sangue e incubadas em laboratório clínico por 72 horas. O artigo não detalha as técnicas microbiológicas dos testes de esterilidade. No ciclo convencional foram realizados 21 experimentos, sendo que cada microrganismo foi avaliado três vezes, e no ciclo flash foram realizados 42 experimentos, sendo que cada microrganismo foi avaliado seis vezes. Nesse primeiro experimento, todos os microrganismos foram eliminados.

Os autores do trabalho(10) atribuíram a eficácia da esterilização pelo vapor nessas condições do experimento às leis fundamentais da física:

... "o contato do vapor com os objetos frios converteu o vapor para o líquido, e ocorreu a fantástica transferência de calor ou energia (cinco vezes a quantidade de energia que seria liberada para resfriar a água de 100º a 0ºC). A transferência de energia, referida como calor latente da vaporização, foi rapidamente transmitida pela condutividade da cânula de metal para as partes internas e efetivamente coagulou as proteínas vegetativas dos microrganismos, induzindo a morte dos mesmos. A alta pressão atmosférica das autoclaves a vapor aumentou a quantidade de energia (calor) transferida para os instrumentos laparoscópicos durante a condensação. Dentro do pior cenário experimental, houve a condução de energia térmica suficiente apesar das cânulas de metal estarem 'fechadas' pelo preenchimento dos lumens com a massa do hambúrguer. Dentro dos 3 minutos matou os organismos patogênicos contaminantes. A chave da esterilização é o contato do microrganismo com o calor (energia) e não necessariamente o contato direto com o vapor".

No segundo experimento, relatado no mesmo artigo, os autores avaliaram a eficácia da esterilização pelo vapor, utilizando, como desafio, uma unidade do indicador biológico, comercialmente disponível do Bacillus stearothermophilus, padronizado para monitorar, na prática, a eficácia dos ciclos das autoclaves. Este foi introduzido no lúmen do trocarte reprocessável, acrescido também da carne de hambúrguer promovendo o "fechamento" do orifício, para evitar a livre circulação do vapor através do lúmen. Foram submetidas à esterilização, 10 amostras para diferentes intervalos de tempo (3, 4, 5, 6, 7 e 10 minutos), totalizando 60 testes. Simultaneamente, realizaram os mesmos testes com os Bacillus stearothermophilus mas sem adição da carne de hambúrguer nos lumens, com cinco repetições, constituindo o controle negativo. Após o processo de esterilização, os indicadores foram incubados a 55ºC por 48 horas, e acompanhados diariamente quanto à recuperação microbiana. Dos esporos contidos nos trocartes "fechados", 100% sobreviveram a 3 e 4 minutos de exposição ao vapor; 60% a 5 minutos, 10% a 6 minutos e 100% morreram em 7 e 10 minutos de exposição ao vapor. Todos os esporos inseridos nos trocartes "abertos" foram destruídos com apenas 3 minutos de exposição ao vapor(10).

DISCUSSÃO

Na busca bibliográfica por evidências cientificas que assegurem a autoclavação de instrumentos reprocessáveis utilizados em procedimentos laparoscópicos previamente montados, apenas um trabalho foi encontrado para sustentar a possibilidade desta prática. Apesar dos resultados da pesquisas(9) não terem chegado à destruição total dos esporos bacterianos, esse desfecho aconteceu tanto no grupo dos instrumentos desmontados (Grupo controle: 1/30) quanto no dos montados (Grupo experimental: 1/24), o que permite concluir uma equivalência de risco, falando a favor da possibilidade de esterilizar os instrumentos laparoscópicos previamente montados em vapor sob pressão. O resultado da pesquisa evidenciou o crescimento de esporos bacterianos que foi o desafio imposto, representando um cenário muito pior do que a prática clínica.

Os instrumentos laparoscópicos normalmente estão contaminados com microrganismos na forma vegetativa (de fácil eliminação) e não na forma esporulada. Adicionalmente, a densidade microbiana é baixa, conforme ficou demonstrado nas pesquisas de Ribeiro(11), nas quais o material crítico de conformação complexa (cateter de angiografia) após a limpeza foram recuperados cocos e bacilos Gram-positivos (microrganismos vegetativos) entre 102-3 unidades formadoras de colônias por material. Da mesma forma, Chan-Myers(12) recuperou dos instrumentos laparoscópicos entre 0 a 103 unidades formadoras de colônias por instrumento após a limpeza, constituído também de microrganismos vegetativos.

O ensaio clínico de Voyles et al.(10) reforça, claramente, o poder do calor latente na destruição dos esporos bacterianos. Este estudo mostrou que o vapor não precisa necessariamente ter contato com todas as superfícies do instrumental laparoscópico para promover a destruição dos microrganismos testes esporulados, o que fala a favor da segurança que há em autoclavar os instrumentos laparoscópicos montados. É bem verdade que a presença da matéria orgânica dificultou a destruição dos esporos bacterianos teste, exigindo um tempo maior de exposição para a sua eliminação total, porém o sucesso foi obtido.

A possibilidade de esterilizar os instrumentos laparoscópicos previamente montados por meio de vapor sob pressão indubitavelmente facilita o trabalho para muitos hospitais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do estudo de Marshburn, Rutala, Wannamaker e Hulka(9) permitir conclusões favoráveis para a prática de processar os instrumentos laparoscópicos montados, por meio do vapor saturado sob pressão - pela equivalência do risco demonstrado entre esterilizar montado ou desmontado-, considerando-se a escassez de trabalhos básicos sobre a segurança desta prática, recomenda-se um novo estudo de ensaio experimental laboratorial randomizado utilizando a contaminação desafio. Mesmo reconhecendo que o desfecho - ocorrência de infecção do sitio cirúrgico - é o marcador mais sensível e especifico para referendar ou refutar a prática aqui discutida, questões éticas impedem a realização de ensaios clínicos com pacientes para o problema em pauta. Nesse sentido, como delineamento da pesquisa para uma futura investigação, propõe-se comparar os resultados das culturas dos instrumentos laparoscópicos após a autoclavação pelo vapor saturado sob pressão, dos instrumentos laparoscópicos montados (grupo experimental) e desmontados (grupo controle), previamente contaminados com suspensão de Geobacillus stearothermophilus na forma esporulada (microrganismo este indicado como monitor biológico de rotina no controle da eficácia dos ciclos de esterilização do vapor saturado sob pressão), acrescentado à suspensão, sangue de carneiro desfibrinado esterilizado, para aumentar o desafio e aproximá-lo da prática clinica. Quanto ao tamanho amostral, este deverá ser significativo, que confira um poder dos testes estatísticos próximos de 99,9%.

REFERÊNCIAS

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  • 7. Association PeriOperative Registred Nurse. Sterilizations in perioperative practice settings. In: Standards, recommended practices, and guidelines. Unites States: Association periOperative Registred Nurse; 2006. p. 629-44.
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  • 9. Marshburn PB, Rutala WA, Wannamaker NS, Hulka JF. Gas and steam sterilization of assembled versus disassembled laparoscopic equipment. Microbiologic studies. J Reprod Med. 1991; 36(7):483-7.
  • 10. Voyles CR, Sanders DL, Simons JE, McVey EA, Wilson WB. Steam sterilization of laparoscopic instruments. Surg Laparosc Endosc. 1995; 5(2):139-41.
  • 11. Ribeiro SMCP. Reprocessamento de cateteres de angiografia cardiovascular após uso clínico e contaminados artificialmente: avaliação da eficácia da limpeza e da esterilização [Tese ]. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2006.
  • 12. Chan-Myers H, McAlister D, Antonoplos P. Natural bioburden levels detected on rigid lumened medical devices before and after cleaning. Am J Infect Control. 1997; 25(6):471-6.
  • Esterilização pelo vapor dos instrumentos laparoscópicos previamente montados

    Esterilización por vapor de los instrumentos laparoscópicos previamente armados
  • *
    em busca dos resultados sobre segurança na autoclavação do instrumental laparoscópico reprocessável previamente montado, tendo em vista as dificuldades para a montagem no momento da cirurgia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008
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