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Análise dos casos notificados de violência sexual contra a população adulta

Análisis de los casos notificados de violencia sexual contra la población adulta

Resumo

Objetivo

Identificar a prevalência de violência sexual na população adulta do estado do Espírito Santo e analisar sua associação com as características da vítima, do agressor e da ocorrência.

Métodos

Estudo epidemiológico, analítico, transversal, realizado com notificações de violência sexual em adultos de 20 e 59 anos, entre 2011 e 2018, no SINAN. Os dados obtidos pela Secretaria de Saúde após aprovação do projeto em Comitê de Ética, em agosto de 2019. A variável dependente foi a violência sexual e as independentes as características da vítima, do agressor e da ocorrência. A análise ocorreu pelo Stata 14.1 e os resultados da regressão de Poisson apresentados pela razão de prevalência.

Resultados

A violência sexual foi responsável por 6,2% das notificações de violência interpessoal, e cerca de seis vezes mais prevalente entre mulheres. A vitimização na faixa etária de 20 a 29 anos foi 1,51 vezes maior do que entre 40 e 49 anos e nos que não possuíam companheiro foi 1,86 vezes maior. Esteve associada ainda a residência em zona urbana (RP: 1,60), a agressor com 25 anos ou mais (RP: 1,50), desconhecido (RP: 9,37), a perpetrador único (RP: 1,62) e a ocorrência em via pública (RP: 1,38).

Conclusão

A violência está presente entre os adultos, e alguns são mais vulneráveis como as mulheres, os adultos jovens e sem companheiro, as vítimas de zona urbana, a ocorrência em via pública e por único agressor, desconhecidos e mais velhos. Os achados podem subsidiar ações estratégicas de enfrentamento à violência.

Violência; Delitos sexuais; Sistema de informação em saúde; Adulto

Resumen

Objetivo

Identificar la prevalencia de violencia sexual en la población adulta en el estado de Espírito Santo y analizar su relación con las características de la víctima, del agresor y del episodio.

Métodos

Estudio epidemiológico, analítico, transversal, realizado con notificaciones de violencia sexual en adultos de 20 a 59 años, entre 2011 y 2018 en el SINAN (Sistema de Información de Agravios de Notificación). Los datos fueron obtenidos por la Secretaría de Salud, luego de la aprobación del proyecto en Comité de Ética, en agosto de 2019. La variable dependiente fue la violencia sexual, y las independientes fueron las características de la víctima, del agresor y del episodio. El análisis se realizó a través del Stata 14.1 y los resultados de la regresión de Poisson fueron presentados por la razón de prevalencia.

Resultados

La violencia sexual fue responsable por el 6,2 % de las notificaciones de violencia interpersonal y cerca de seis veces más prevalente entre mujeres. La victimización en el grupo de edad de 20 a 29 años fue 1,51 veces mayor que entre 40 y 49 años, y en los que no tenían compañero fue 1,86 veces mayor. Además, estuvo asociada a la residencia en zona urbana (RP: 1,60), agresor de 25 años o más (RP: 1,50), desconocido (RP: 9,37), perpetrador único (RP: 1,62) y episodio en vía pública (RP: 1,38)

Conclusión

La violencia está presente entre los adultos y algunos son más vulnerables, como las mujeres, los adultos jóvenes y sin compañero, las víctimas de zona urbana, los episodios en vía pública y por único agresor, desconocido y de mayor edad. Los resultados pueden respaldar acciones estratégicas de enfrentamiento a la violencia.

Violencia; Delitos sexuales; Sistemas de información en salud; Adulto

Abstract

Objective

To identify the prevalence of sexual violence in the adult population of the state of Espírito Santo and analyze its association with characteristics of the victim, the aggressor and the occurrence.

Methods

Epidemiological, analytical, cross-sectional study developed with notifications of sexual violence in adults aged 20-59 years between 2011 and 2018 from the Information System for Diseases and Notification. Data were obtained by the Health Department after project approval by the Ethics Committee in August 2019. The dependent variable was sexual violence and the independent variables were the characteristics of the victim, the aggressor and the occurrence. The analysis was performed using Stata 14.1 and the Poisson regression results were presented by prevalence ratio.

Results

Sexual violence accounted for 6.2% of reports of interpersonal violence and was about six times more prevalent among women. Victimization in the age group of 20-29 years was 1.51 times higher compared to the group of 40-49 years and 1.86 times higher in those who did not have a partner. It was also associated with residence in an urban area (PR: 1.60), aggressor aged 25 years or older (PR: 1.50), unknown (PR: 9.37), a single perpetrator (PR: 1.62) and occurrence in public places (PR: 1.38).

Conclusion

Violence is present among adults and some are more vulnerable, such as women, young adults without a partner, victims in urban areas, occurrences in public places and perpetrated by an older, unknown, single aggressor. These findings can support strategic actions to combat violence.

Violence; Sex offenses; Health information systems; Adult

Introdução

A violência sexual é um problema de saúde pública que afeta as diversas áreas da sociedade em todo o mundo. Esse agravo é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como qualquer ato sexual, tentativa de obter ato sexual, comentários ou investidas sexuais indesejadas ou atos para traficar ou direcionar contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção, por qualquer pessoa, independentemente de sua relação com a vítima, em qualquer ambiente, incluindo, mas não se limitando, a casa e o trabalho.(11. World Health Organization (WHO). Violence against women – Intimate partner and sexual violence against women. Geneva: WHO; 2011 [cited 2021 Jun 14]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/112325/WHO_RHR_14.11_eng.pdf
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)

Por conseguinte, se estende a todos os ciclos da vida humana, de formas diferentes em cada fase do desenvolvimento, causando danos à saúde de homens e mulheres. Em idades produtivas, seus impactos na sociedade vão para além do setor saúde. Ampla e heterogênea, estima-se que a taxa de prevalência global de violência sexual entre as mulheres seja de 2.816 casos por 100.000 pessoas, enquanto essa taxa entre os homens estaria em 1.194 casos por 100.000 pessoas.(22. Borumandnia N, Khadembashi N, Tabatabaei M, Majd HA. The prevalence rate of sexual violence worldwide: a trend analysis. BMC Public Health. 2020;20(1):1-7.)

Importante ponderar que a violência sexual possui estimativas muito variáveis uma vez que se trata de um agravo de conceito amplo e fortemente influenciado por valores culturais, principalmente entre os homens onde os delitos sexuais são menos compreendidos e menos reconhecidos pela sociedade.(22. Borumandnia N, Khadembashi N, Tabatabaei M, Majd HA. The prevalence rate of sexual violence worldwide: a trend analysis. BMC Public Health. 2020;20(1):1-7.) No Brasil, a taxa média de casos notificados para violência sexual é de 4,38 notificações por 100 mil habitantes, dado preocupante, uma vez que os registros institucionais da violência sexual são apenas uma fração da dimensão deste agravo, alcançando apenas as vítimas que de alguma forma acessaram os serviços assistenciais.(33. Silva JVD, Roncalli AG. Trend of social iniquities in reports of sexual violence in Brazil between 2010 and 2014. Rev Bras Epidemiol. 2020;23:e200038.)

Sentimentos de culpa, vergonha e medo comumente atravessam as pessoas em situação de violência e as impedem de buscar serviços de apoio. Neste contexto, os profissionais de saúde assumem papel relevante no acolhimento qualificado e seguro das vítimas e no encaminhamento das demandas apresentadas aos diversos setores da assistência.(44. Polidoro M, Cunda BV, Oliveira DC. Vigilância da violência no Rio Grande do Sul: panorama da qualidade e da quantidade das informações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de 2014 a 2018. Saúde em Redes]. 2020;6(2):195-206.)

Da mesma forma, os sistemas de notificação em saúde assumem papel importante na linha de cuidado dando visibilidade ao problema, subsidiando os serviços e as políticas públicas.(55. Marinho-Neto KR, Girianelli VR. Evolução da notificação de violência contra mulher no município de São Paulo, 2008-2015. Cad Saude Colet. 2020;28(4):488-99.)A notificação oportuna e sistematizada da violência permite a articulação entre os serviços de saúde bem como a atuação em conjunto com os outros setores da sociedade implicados como a educação, a assistência social, o judiciário e as organizações não governamentais.(66. Teofilo MM, Kale PL, Eppinghaus AL, Azevedo OP, Farias RS, Maduro JP, et al. Violência contra mulheres em Niterói, Rio de Janeiro: informações do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (2010-2014). Cad Saude Colet. 2019;27(4):437-47.)

Frente ao exposto, entendemos que a violência sexual constitui uma questão de saúde pública, ampla e complexa, mas que precisa ser melhor compreendida para ser adequadamente enfrentada. Este estudo permite ampliar o conhecimento sobre o fenômeno, dando subsídios à elaboração de estratégias de prevenção e enfrentamento à violência na população adulta. Nessa perspectiva, o objetivo dessa pesquisa foi identificar a prevalência de casos notificados de violência sexual na população adulta do estado do Espírito Santo, entre os anos de 2011 e 2018, e analisar sua associação com as características da vítima, do agressor e da agressão.

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico, analítico do tipo transversal, realizado com os dados das notificações do Sistema de Informação de Agravos e Notificação – SINAN do estado do Espírito Santo, Brasil, entre os anos de 2011 e 2018. Os dados foram extraídos do sistema pela Secretaria Estadual de Saúde em setembro de 2019 após a aprovação da pesquisa em comitê de ética. Foram incluídos na análise todos os casos deste agravo registrados no sistema durante o período estabelecido.

A escolha pelo período de coleta dos dados se deu por conta da obrigatoriedade da notificação dos casos de violência a partir da Portaria 104 de janeiro de 2011, por todos os serviços de saúde.(77. Brasil. Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011 [citado 2021 Jun 14]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
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) Enquanto agravo de notificação compulsória, os casos de violência são monitorados através da ficha de notificação de violência interpessoal e autoprovocada.

A variável de desfecho do estudo foi a violência interpessoal sexual (sim/não). Já as variáveis independentes foram compostas pelas características da vítima: sexo (feminino/masculino), idade (20 a 29 anos/30 a 39 anos/40 a 49 anos/50 a 59 anos), raça/cor (branca/preta ou parda), escolaridade (0 a 4 anos/5 a 8 anos/9 anos ou mais), situação conjugal (com companheiro/sem companheiro), zona de residência (urbana ou periurbana/rural) e presença de deficiência ou transtorno (sim/não); pelas características do agressor: sexo (feminino/masculino), faixa etária (até 24 anos/25 anos ou mais), vínculo com a vítima (parceiro íntimo atual ou ex/conhecido/ desconhecido) e suspeita de uso de álcool (sim/não); e características da ocorrência do evento: número de envolvidos (um/dois ou mais), local da ocorrência (residência/via pública/ outros) histórico de repetição (sim/não) e encaminhamentos para outros serviços (sim/ não).

Foi realizada análise descritiva por meio das frequências relativa e absoluta e intervalos de confiança de 95%, na análise bivariada foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson e para a multivariada a Regressão de Poisson, através do modelo hierárquico, com as características da vítima como primeiro nível e as características do agressor e da agressão como segundo nível. As variáveis que entraram no modelo foram aquelas que obtiveram valor de p menor que 0,2 na análise bivariada; sua manutenção no modelo seguiu o critério de p menor que 0,05, e os resultados expressos em Razão de Prevalência (RP), bruta e ajustada, com os seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). A variável sexo do autor não entrou no modelo por conta do baixo quantitativo de casos nas categorias. Todas as análises foram realizadas no software Stata 14.1 e para a apresentação do estudo foi utilizada as recomendações da iniciativa STROBE.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo com parecer sob número 2.819.597 e as normas e diretrizes das Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde foram observadas (CAAE: 88138618.0.0000.5060).

Resultados

Entre os anos de 2011 e 2018 foram realizadas 1.332 (P:6,2%; IC 95%:5,9-6,5) notificações de violência sexual na população adulta do Espírito Santo; destas, 1.282 notificações foram contra mulheres e 50 casos cometidos contra homens (dado não apresentado em tabela). A tabela 1 apresenta as características da população. Na maioria dos casos as vítimas de violência sexual são mulheres (P: 96,2%; IC 95%: 95,1-97,1), sendo que 44% (IC 95%: 41,4-46,7) tinham entre 20 e 29 anos, autodeclaradas como pretas ou pardas (P: 67,3%; IC95%: 64,7-69,9), e, cerca de seis em cada dez com 9 anos de estudo ou mais e sem companheiro. Observa-se ainda que 84,4% (IC 95%: 82,3-86,3) não apresentam deficiências e 94,3% (IC 95%: 92,9-95,5) são residentes em área urbana ou periurbana. Quanto às características do agressor, quase a totalidade são homens (P: 98,6%; IC 95%: 97,8-99,1); com 25 anos ou mais (P: 80,0%; IC 95%: 77,0-82,8); e, 45,2% (IC 95%: 42,5-48,0) são desconhecidos da vítima. A suspeita de uso de álcool ocorreu em 55,6% (IC 95%: 52,3-58,9) das notificações, em 84,1% dos casos havia apenas um agressor (IC 95%: 82,0-86,0) e a residência foi o principal local de ocorrência (P: 54,1%; IC 95%: 51,3-56,9). Não houve repetição do agravo em 62,6% dos casos e nove em cada dez foram encaminhados para seguimento em outros serviços (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos casos de violência sexual notificados na população adulta, de acordo com os dados da vítima, do agressor e da ocorrência

Na análise bivariada, constata-se relação da violência sexual com as variáveis sexo, faixa etária, escolaridade, situação conjugal e zona de residência da vítima, bem como, faixa etária e sexo do agressor, vínculo com a vítima, suspeita de uso de álcool pelo agressor, número de envolvidos, local de ocorrência, histórico de repetição e encaminhamento para outros serviços (p<0,05). Apenas as variáveis raça/cor e presença de deficiências/transtornos não esteve relacionada a esse tipo de violência (Tabela 2).

Tabela 2
Análise bivariada da violência sexual notificada na população adulta de acordo com as características da vítima, do agressor e da ocorrência

A tabela 3 mostra que após análise ajustada, a violência sexual foi 6,26 vezes (IC 95%: 4,63-8,48) mais frequente em mulheres. Além disso, a vitimização no grupo de 20 e 29 anos foi 1,51 vezes (IC 95%: 1,28-1,77) maior em relação ao grupo de 40 a 49 anos. Outro achado associado foi não possuir companheiro (RP: 1,86; IC 95%: 1,66-2,09). Ainda, ser residente na zona urbana/periurbana revela uma frequência 1,60 vezes maior do evento (IC 95%: 1,25-2,05). Quanto às características dos agressores, encontrou-se maior prevalência de perpetradores de 25 anos ou mais (RP: 1,50; IC 95%: 1,26-1,78). A agressão sexual contra adultos é cerca de oito vezes mais cometida por desconhecidos (RP: 9,37; IC 95%: 7,80-11,24), e, 1,62 vezes mais frequente envolvendo um agressor na ocorrência (IC 95%: 1,32-1,98). Quanto ao local da ocorrência da agressão sexual, a via pública foi 1,38 (IC 95%: 1,06-1,16) vezes mais frequente do que em outros locais (Tabela 3).

Tabela 3
Análises bruta e ajustada das características da vítima, do agressor e da ocorrência relacionadas à violência sexual notificada na população adulta

Discussão

Os resultados apresentados mostram que 6,2% das notificações de violência interpessoal entre adultos foram tipificadas como sexual. Além disso, a vitimização foi cerca de seis vezes mais prevalente entre pessoas do sexo feminino, mais frequente entre adultos mais jovens na faixa etária de 20 a 29 anos e quase duas vezes mais prevalente entre os que referiram não possuir companheiro. Esse tipo de violência ainda esteve associado ao fato de a vítima residir em zona urbana ou periurbana, à agressores com mais de 25 anos de idade e com a ocorrência em via pública e com apenas um perpetrador. A agressão por desconhecidos foi cerca de nove vezes mais prevalente do que no grupo de agressores que possuíam algum vínculo com a vítima.

Quanto a sua magnitude, a violência sexual foi responsável por 6,2% das notificações de violência registradas na população adulta do Espírito Santo. O VIVA Inquérito, estudo nacional realizado em diversas capitais do pais, estima que 1,5% dos atendimentos por violência ocorridos nos hospitais de urgência e emergência são motivados por agressões sexuais.(88. Souto RM, Barufaldi LA, Nico LS, Freitas MG. Perfil epidemiológico do atendimento por violência nos serviços públicos de urgência e emergência em capitais brasileiras, Viva 2014. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(9): 2811-23.)Esse resultado acompanha o cenário geral das violências no país e suas tendências, reforçando a posição do Espírito Santo como estado onde os altos números da violência ainda perduram.(99. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Atlas da violência 2020. IPEA; 2020 [citado 2021 Jun 14]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=36488&Itemid=432
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)

Foi observado ainda que a violência sexual foi 6,26 vezes (IC 95%: 4,63-8,48) mais frequente em mulheres. Tal dado se assemelha a estudos nacionais em que 86% das notificações eram de pessoas do sexo feminino.(1010. Gaspar RS, Pereira MU. Evolução da notificação de violência sexual no Brasil de 2009 a 2013. Cad Saúde Pública. 2018;34(11):e00172617.)Este cenário expressa as relações desiguais de poder que cercam homens e mulheres, resultado de valores culturais e religiosos que colocam a mulher em situação de vulnerabilidade e o homem em posição de dominação e força. Somados a isso, atentamos para as dificuldades de acesso e de compreensão desse tipo de violência por parte dos serviços assistenciais, o que tornam essa equação ainda mais desigual.(22. Borumandnia N, Khadembashi N, Tabatabaei M, Majd HA. The prevalence rate of sexual violence worldwide: a trend analysis. BMC Public Health. 2020;20(1):1-7.)

As análises apontam ainda que a violência sexual acomete maior prevalência de adultos jovens, com prevalência 1,51 vezes maior (IC 95%: 1,28-1,77) na faixa etária entre 20 e 29 anos em relação às vítimas de 40 a 49 anos; semelhante a estudo realizado no Piauí, onde mulheres com 20 a 29 anos eram 1,33 vezes mais vítimas desse agravo.(1111. Madeiro A, Rufino AC, Sales IC, Queiroz LC. Violência física ou sexual contra a mulher no Piauí, 2009-2016. J Health Biol Sci. 2019;7(3):258-64.) A vitimização sexual, em especial entre as mulheres, é mais frequente entre as mais jovens e à medida que acontece o envelhecimento, se torna menos prevalente considerando que as vítimas se tornam mais produtivas e independentes economicamente.(1111. Madeiro A, Rufino AC, Sales IC, Queiroz LC. Violência física ou sexual contra a mulher no Piauí, 2009-2016. J Health Biol Sci. 2019;7(3):258-64.)

Sobre a situação conjugal, observou-se prevalência 1,86 vezes maior (IC 95%: 1,66-2,09) entre as que declararam não possuir companheiro. Em estudo realizado na Bélgica, ter um companheiro foi associado a uma diminuição do risco de vitimização sexual no último ano, quando comparado aos entrevistados que não possuíam parceiro.(1212. Schapansky E, Depraetere J, Keygnaert I, Vandeviver C. Prevalence and Associated Factors of Sexual Victimization: Findings from a National Representative Sample of Belgian Adults Aged 16-69. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(14):7360.)Essa associação ainda é pouco explorada, no entanto, ela tem se justificado na possibilidade da falta de vínculo afetivo ser fator encorajador para a denúncia.(1111. Madeiro A, Rufino AC, Sales IC, Queiroz LC. Violência física ou sexual contra a mulher no Piauí, 2009-2016. J Health Biol Sci. 2019;7(3):258-64.)

A prevalência de violência sexual foi 1,60 vezes maior (IC 95%: 1,25-2,05) entre as residentes de zona urbana ou periurbana, corroborando com os resultados de outros estudos realizados nos estados de Minas Gerais,(1313. Kataguiri LG, Scatena LM, Rodrigues LR, Castro SS. Characterization of sexual violence in a state from the southeast region of Brazil. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180183.) Pernambuco(1414. Holanda ER, Holanda VR, Vasconcelos MS, Souza VP, Galvão MT. Fatores associados à violência contra as mulheres na atenção primária de saúde. Rev Bras Promoç Saúde. 2018;31(1):1-9.) e Bahia(1515. Silva MP, Santos BO, Ferreira TB, Lopes AO. Violence and its repercussions in the life of contemporary women. Rev Enferm UFPE On Line. 2017;11(8):3057-64.) onde a zona urbana apareceu com maior frequência de vitimados. Estes resultados indicam como possibilidades que pessoas da zona rural sofrem ou denunciam menos as situações de violência,(1515. Silva MP, Santos BO, Ferreira TB, Lopes AO. Violence and its repercussions in the life of contemporary women. Rev Enferm UFPE On Line. 2017;11(8):3057-64.) ou que locais onde haja maior desenvolvimento econômico e social possuem maior número de unidades notificadoras.(33. Silva JVD, Roncalli AG. Trend of social iniquities in reports of sexual violence in Brazil between 2010 and 2014. Rev Bras Epidemiol. 2020;23:e200038.)

Além disso, maiores prevalências foram evidenciadas por agressores com 25 anos ou mais (RP: 1,50; IC 95%: 1,26-1,78), e entre as ocorrências de apenas um perpetrador (RP: 1,62; IC95%: 1,32-1,98). Em São Paulo a faixa etária mais prevalente do agressor era de adultos jovens.(1616. Armond JE, Armond RE, Silva CV, Rodrigues CL, Oliveira JC. Uma visão geral de um país em desenvolvimento sobre homens vítimas de violência física e sexual. Nurs (São Paulo). 2020;23(269):4741-50.) Já no Paraná foi observado apenas um agressor em cerca de 79% dos casos,(1717. Batista VC, Back IR, Monteschio LV, Arruda DC, Rickli HC, Grespan LR, et al. Profile of the notifications on sexual violence. Rev Enferm UFPE On Line. 2018;15(5):1372-80.) enquanto no estado do Piauí foi próxima de 90% em estudo realizado com mulheres entre 10 e 49 anos de idade.(1111. Madeiro A, Rufino AC, Sales IC, Queiroz LC. Violência física ou sexual contra a mulher no Piauí, 2009-2016. J Health Biol Sci. 2019;7(3):258-64.)

Sobre o vínculo com o agressor, a violência sexual foi 9,37 vezes mais perpetrada por desconhecido. Este dado se assemelha a estudo realizado com vítimas de violência sexual no Piauí, justificando pela provável subnotificação desses casos, uma vez que a culpa e a vergonha que a vítima traz consigo, quando o agressor faz parte do seu círculo familiar, são obstáculos no reconhecimento e registro desses casos nos serviços assistenciais.(1111. Madeiro A, Rufino AC, Sales IC, Queiroz LC. Violência física ou sexual contra a mulher no Piauí, 2009-2016. J Health Biol Sci. 2019;7(3):258-64.)

Outro resultado deste estudo foi o local de ocorrência da violência sexual mais frequente na via pública. De maneira geral, este é o cenário encontrado para este tipo de violência na população adulta, a ocorrência da agressão em local público é associada à violência sexual.(1111. Madeiro A, Rufino AC, Sales IC, Queiroz LC. Violência física ou sexual contra a mulher no Piauí, 2009-2016. J Health Biol Sci. 2019;7(3):258-64.)Essa associação deve servir de alerta para a segurança pública, uma vez que a abordagem às vítimas por seus agressores em ambiente público durante seus deslocamentos cotidianos remete à necessidade de maior visibilidade à esse tipo de agressão, permitindo ações protetivas de enfrentamento a esse agravo.(1818. Delziovo CR, Bolsoni CC, Nazário NO, Coelho EB. Características dos casos de violência sexual contra mulheres adolescentes e adultas notificados pelos serviços públicos de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2017;33(6):1-13.)

Os limites deste estudo estão associados ao delineamento transversal proposto que não permite relação de causalidade entre as variáveis, limitando os resultados à população estudada. Além disso, o estudo trata da análise de um banco de dados secundários de um sistema de informação em saúde, limitado a um período temporal, inviabilizando análises mais amplas e atuais que a temática requer. No entanto, contribui com informações importantes para elucidar este cenário.

Conclusão

Este é o primeiro estudo que se tem conhecimento, sobre a frequência da violência sexual na população adulta do Espírito Santo, evidenciando a problemática e a magnitude deste agravo no estado. Os resultados apontam para uma prevalência significativa desse tipo de violência na população adulta, associada a vítimas do sexo feminino, adultos jovens, que não possuíam companheiro e residentes em zona urbana ou periurbana. Quanto aos agressores e à agressão, a violência esteve associada a perpetradores com mais de 25 anos, desconhecidos de suas vítimas, com o envolvimento de um único agressor e ocorrência em local público. O conhecimento das prevalências da violência sexual e de seus fatores associados contribui substancialmente para o planejamento de ações estratégicas de saúde pública e de enfrentamento ao agravo, bem como para a qualificação dos profissionais e dos serviços envolvidos no acolhimento e no manejo de pessoas em situação de violência. Para tanto, são necessários o fortalecimento dos sistemas de informação em saúde enquanto potência no fomento desses dados e o reconhecimento do protagonismo do setor saúde e de seus profissionais no acompanhamento especializados dos casos.

Referências

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Rosely Erlach Goldman (https://orcid.org/0000-0002-7091-9691) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2021
  • Aceito
    10 Dez 2021
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