Resumo
Objetivo
Compreender a percepção das crianças acerca da punção venosa por meio do brinquedo terapêutico e compreender de que forma o brinquedo terapêutico pode contribuir para o procedimento de punção venosa e na interação entre a criança e o enfermeiro.
Métodos
Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa. Realizada nos setores pediátricos de Enfermaria, Cirurgia e Terapia Intensiva de um hospital universitário do Rio de Janeiro, com sete crianças entre quatro e 11 anos de idade, através de uma entrevista audiogravada submetida à análise temática. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição coparticipante, sob nº do parecer 2.544.589.
Resultados
Ao dramatizar na boneca, manusear os materiais hospitalares e deduzir o propósito final, esse mundo imaginário e repleto de conceitos equivocados torna-se uma experiência positiva tanto para a criança quanto para o enfermeiro. A interação através da brincadeira permite que elas tenham maior esclarecimento sobre o procedimento e maior receptividade à equipe de enfermagem, bem como a novos procedimentos que venham a ser realizados.
Conclusão
Esse estudo deu voz a essas crianças como sujeitos do cuidado na medida que há a ruptura da visão técnico centrada, favorecendo assim o protagonismo infantil. A realização desse estudo possibilitou ressaltar a importância de incorporar o brinquedo terapêutico no processo de cuidar da enfermagem pediátrica, demonstrando seu potencial efeito terapêutico.
Cuidados de enfermagem; Humanização da assistência; Criança hospitalizada; Jogos e brinquedos; Enfermagem pediátrica
Resumen
Objetivo
Comprender la percepción de los niños acerca de la venopunción a través del juguete terapéutico y comprender de qué forma el juguete terapéutico puede contribuir con el procedimiento de venopunción y con la interacción entre el niño y el enfermero.
Métodos
Se trata de un estudio con enfoque cualitativo. Fue realizado en los sectores pediátricos de Enfermería, Cirugía y Terapia Intensiva de un hospital universitario de Rio de Janeiro, con siete niños entre 4 y 11 años de edad, a través de una entrevista que fue grabada y sometida a un análisis temático. El estudio fue aprobado por el Comité de Ética e Investigación de la institución coparticipante, bajo el n° de informe 2.544.589.
Resultados
Al dramatizar en la muñeca, manipular los materiales hospitalarios y deducir el propósito final, ese mundo imaginario y repleto de conceptos equivocados se transforma en una experiencia positiva tanto para el niño, como para el enfermero. La interacción a través del juego permite a los niños tener más claridad sobre el procedimiento y mayor receptividad con el equipo de enfermería, así como con nuevos procedimientos que puedan llegar a realizarse.
Conclusión
Este estudio les dio voz a los niños como sujetos de cuidado en la medida en que hay una ruptura de la visión centrada en lo técnico, lo que favorece el protagonismo infantil. La realización de este estudio permitió destacar la importancia de incorporar el juguete terapéutico en el proceso de cuidado de la enfermería pediátrica y demostró su potencial efecto terapéutico.
Atención de enfermería; Humanización de la atención; Niño hospitalizado; Juego e implementos de juego; Enfermería pediátrica
Abstract
Objective
To understand children’s perception of venipuncture through therapeutic toy and how therapeutic toy can contribute to the venipuncture procedure and child-nurse interaction.
Methods
This is a study with a qualitative approach. It was held in pediatric nursing, surgery and intensive care sectors of a university hospital in the city of Rio de Janeiro, with seven children between four and 11 years old. It occurred through an audio-recorded interview submitted to thematic analysis. The research was approved by the Research Ethics Committee of the co-participating institution, under Opinion 2.544.589.
Results
By dramatizing the doll, handling hospital supplies, and deriving the ultimate purpose, this imaginary world full of misconceptions becomes a positive experience for both children and nurses. The interaction through toy allows them to have more clarity about the procedure and greater receptivity to the nursing staff, as well as new procedures that may be performed.
Conclusion
This study gave voice to these children as subjects of care, as there is a rupture of the technical-centered vision, favoring children protagonism. This study made it possible to emphasize the importance of incorporating the therapeutic toy in pediatric nursing care, demonstrating its potential therapeutic effect.
Nursing care; Humanization of assistance; Child, hospitalized; Play and playthings; Pediatric nursing
Introdução
A hospitalização infantil representa uma situação diferente de todas as vivenciadas pela criança. Ela está inserida em outra realidade, em um ambiente impessoal, repleto de restrições e rotinas, com significados diferentes do seu contexto diário e longe de seus familiares e amigos. Encontra-se cercada por pessoas desconhecidas que realizam procedimentos que lhe causam desconforto.11. Jansen MF, dos Santos RM, Favero L. Benefícios da utilização do brinquedo durante o cuidado de enfermagem prestado a criança hospitalizada. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):247–53.
Para o atendimento das necessidades emocionais e sociais da criança, é necessário que o enfermeiro pediátrico utilize estratégias de empoderamento da população infantil sob seus cuidados, de forma a propiciar que a criança se torne o sujeito ativo e participante de seu processo de hospitalização.22. Caleffi CC, Rocha PK, Anders JC, Souza AI, Burciaga VB, Serapião LS. Contribuição do brinquedo terapêutico estruturado em um modelo de cuidado de enfermagem para crianças hospitalizadas. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131. Sob este prisma, a utilização de técnicas facilitadoras como o brincar caracterizam-se como elementos indispensáveis para a melhoria na qualidade da atenção no campo da enfermagem pediátrica.
O brincar pode ajudar a criança a ampliar seus relacionamentos com o exterior, criando um elo entre seu mundo imaginário e o do hospital. Através da brincadeira, a criança pode transformar o ambiente no qual está inserida, de modo que ela consiga enfrentar positivamente a situação pela qual está passando.33. Jesus IQ, Borges AL, Pedro IC, Nascimento LC. Opinião de acompanhantes de crianças em quimioterapia ambulatorial sobre uma quimioteca no Município de São Paulo. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):175–80.
A inclusão do brincar no cuidado da criança faz com que o processo de hospitalização seja menos traumático e mais alegre, visto que oportuniza diversão, relaxamento, expressão de sentimentos e interação com outras pessoas.44. Baldan JM, Santos CP, Matos AP, Wernet M. Adoção do brincar/brinquedo na prática assistencial à criança hospitalizada: trajetória de enfermeiros. Cien Cuid Saude. 2014;13(2):228–35.
No ambiente hospitalar, o brinquedo terapêutico (BT) é uma abordagem que se constitui num brinquedo estruturado para que a criança alivie sua ansiedade mediante as experiências vivenciadas no hospital, que representam à ela, uma ameaça. Deve ser utilizado sempre que o paciente apresentar dificuldade em compreender/lidar com a situação ou para o preparo de procedimentos.55. Steele S. Child health and family: concept of communication. New York: Masson; 1981. pp. 705–38.
O enfermeiro usa o BT como uma estratégia adequada para se aproximar da criança, estabelecendo vínculo, empatia e uma relação de confiança. Além de maior compreensão por parte da enfermeira, ampliando e qualificando a assistência pediátrica.66. Maia EB, Ribeiro CA, Borba RI. Compreendendo a sensibilização do enfermeiro para o uso do brinquedo terapêutico na prática assistencial à criança. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):839–46.
Em relação ao estado da arte acerca da temática BT, alguns estudos têm sido desenvolvidos com foco na temática, porém seu uso especificamente durante a técnica da punção venosa ainda é escasso77. Berté C, Ogradowski KR, Zagonel IP, Tonin L, Favero L, Junior RL. Brinquedo terapêutico no context da emergência pediátrica. Rev Baiana Enferm; 2017; 31(3): e20378
8. Lemos IC, de Oliveira JD, Gomes EB, da Silva KV, da Silva PK, Fernandes GP. Therapeutic toy during the procedure of venipuncture: a strategy to reduce behavioral changes. Rev Cuid. 2016;7(1):1163–70.
9. Conceição CM, Ribeiro CA, Borba RI, Ohara CV, Andrade PR. Therapeutic play when preparing the child for venipuncture outpatient: perception from the parents and attendants. Esc Anna Nery. 2011; 15(2): 346-63.-1010. Martins MR, Ribeiro CA, Borba RI, Silva CV. Protocolo de preparo da criança pré-escolar para punção venosa, com utilização do brinquedo terapêutico. Rev Lat Am Enfermagem. 2001;9(2):76–85. e a maior parte deles aborda a visão do BT sob a ótica dos responsáveis e acompanhantes das crianças,77. Berté C, Ogradowski KR, Zagonel IP, Tonin L, Favero L, Junior RL. Brinquedo terapêutico no context da emergência pediátrica. Rev Baiana Enferm; 2017; 31(3): e20378,99. Conceição CM, Ribeiro CA, Borba RI, Ohara CV, Andrade PR. Therapeutic play when preparing the child for venipuncture outpatient: perception from the parents and attendants. Esc Anna Nery. 2011; 15(2): 346-63. dos profissionais de saúde,77. Berté C, Ogradowski KR, Zagonel IP, Tonin L, Favero L, Junior RL. Brinquedo terapêutico no context da emergência pediátrica. Rev Baiana Enferm; 2017; 31(3): e20378 ou mesmo abordagens quantitativas.88. Lemos IC, de Oliveira JD, Gomes EB, da Silva KV, da Silva PK, Fernandes GP. Therapeutic toy during the procedure of venipuncture: a strategy to reduce behavioral changes. Rev Cuid. 2016;7(1):1163–70. A percepção qualitativa da própria criança hospitalizada sobre o BT na punção venosa ainda representa uma lacuna na literatura e justifica a importância da realização deste estudo, principalmente se levarmos em conta que o relato da própria criança é na maioria das vezes a melhor maneira de entender sua visão, o que torna os resultados deste estudo valiosos para esta temática.
Objetivou-se compreender a percepção das crianças acerca dos cuidados recebidos pela enfermagem por meio do brinquedo terapêutico na punção venosa e compreender de que forma o brinquedo terapêutico pode contribuir para o procedimento de punção venosa e na interação entre a criança e o enfermeiro.
Métodos
Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa1111. Minayo MC. O Desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. 13a ed. São Paulo: Hucitec; 2013. realizado nas seguintes unidades pediátricas: Enfermaria de Pediatria, Cirurgia Pediátrica (CIPE) e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). Os participantes foram sete pacientes pediátricos de um hospital universitário do Rio de Janeiro entre quatro e 11 anos de idade, capazes de verbalizar suas vivências de forma clara e que haviam sido submetidos à punção venosa periférica (Quadro 1).
A coleta de dados foi realizada nos meses de março a agosto de 2018 por meio de entrevista audiogravada durante a sessão de BT. Utilizou-se como questão norteadora: “O que você acha dessa brincadeira?”. Os materiais utilizados foram a boneca, algodão, luva de procedimento, álcool, esparadrapo, fita microporosa, flaconetes de solução fisiológica 0,9%, tubos para coleta de sangue, seringas de diversos tamanhos, cateter sobre agulha e cateter agulhado. Para simulação do sangue, foi utilizada uma bexiga inflável com água e corante rosa, instalada no interior do braço da boneca. Dessa forma, quando as crianças realizavam a punção, aspiravam o conteúdo que representava o sangue (Figura 1). Os dados coletados foram transcritos para posterior análise, e em seguida, arquivados por cinco anos, em conformidade com as determinações ético-legais. O anonimato dos entrevistados foi mantido, sendo utilizados codinomes de personagens de desenho, escolhidos pelas próprias crianças, para identificação das falas. Terminada a coleta dos dados, foi realizada uma análise temática dos resultados obtidos, segundo Bardin.1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70; 2009.Após as transcrições das entrevistas, a leitura dos textos referentes ao conteúdo permitiu a classificação das falas por cores utilizando o método colorimétrico – o conteúdo foi colorido de acordo com a fala dos participantes com base nas unidades de significação emergentes, agrupando na mesma classificação colorimétrica as expressões que se repetiam. Após essa etapa, os dados foram agregados, gerando a categoria intitulada “Percepção das crianças sobre a punção venosa por meio do brinquedo terapêutico”. Dessa forma, os participantes da pesquisa assinaram duas cópias do Termo de Assentimento Informado Livre e Esclarecido (TALE) uma para o pesquisador e outra para o participante e o responsável da criança assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Como havia riscos mínimos na realização do estudo visto que os participantes poderiam sofrer algum desconforto ou experimentar algum tipo de emoção negativa durante a entrevista, a mesma foi conduzida pausadamente e a criança teve o direito e a possibilidade de desistir sem que houvesse qualquer dano ou prejuízo ao seu atendimento.
O presente trabalho seguiu as determinações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição coparticipante, aprovado sob nº do parecer 2.544.589/2018.
Resultados
Mediante as falas dos participantes emergiram oito unidades de significação que deram origem a três subcategorias que fazem parte da categoria central “Percepção das crianças sobre a punção venosa por meio do brinquedo terapêutico” (Figura 2).
Categoria central:
Percepção das crianças sobre a punção venosa por meio do brinquedo terapêutico
Essa categoria é caracterizada pela percepção das crianças acerca da realização do procedimento de punção venosa periférica, incluindo os sentimentos provenientes da experiência vivida a luz do brinquedo terapêutico enquanto tecnologia do cuidado, bem como a reprodução da técnica realizada pela enfermagem. Ela é composta por três subcategorias que serão apresentadas a seguir:
Subcategoria 1:
Finalidade da punção venosa
Durante o uso do brinquedo terapêutico, as crianças verbalizavam a finalidade da punção venosa, tais como: hidratação, administração de medicamentos e hemoderivados, bem como a coleta de sangue para exames laboratoriais. Destacaram ainda a importância do procedimento para melhoria de sua saúde, reconhecendo a necessidade da intervenção em tela para sua recuperação, conforme explicitado a seguir:
“Ah é porque é pra colocar “memédio” (...) pra melhorar”. (Chiquinha)
“Pra botar o soro (...) pra passar minha febre, que eu tive febre e dor de cabeça e ouvido inflamado”.(Ash)
“Ahn...eu acho que era pra ver como que tava minha plaqueta (...) é só pra ficar melhor, melhorar e ir embora pra casa logo.” (Ariel)
Subcategoria 2:
A técnica da punção venosa na visão da criança
Os depoimentos que estruturaram esta subcategoria foram determinantes para demonstrar como as crianças conseguiram reproduzir detalhes do procedimento de punção venosa, tanto os relacionados à execução em ordem lógica da técnica e seus equipamentos, como aos relacionados aos problemas e falhas na sua realização.
“O álcool serve pra tirar a bactéria, pra não pegar bactéria! Olha... eu também aprendi que esse negócio aqui (cateter sobre agulha), você fura, e só fica o silicone! (...) pode ficar furando (a boneca), colhendo sangue?” (Bob Esponja)
“Achei! Vou dar uma agulhada! Meu Deus, não to conseguindo! (...) daí eu tiro... Não! Eu pego o algodão e vou tirar e daí boto o algodão no furozinho e fico fazendo assim até o sanguinho não ficar mais assim”(Ash).
“Isso aqui é uma luva pra amarrar no bracinho e o sangue encher a veia e ela aparecer pra poder pegar..(...) e tem que achar uma veinha bem boa, uma veia bem gordinha pra colocar aqui assim, e o sangue, a gente dá uma pressãozinha aqui pro sangue vim, ai a gente colhe o tanto que tem que colher e depois tira e coloca o algodão (...) olha!!! Veio, tia!!! De primeira, viu? (...) aí a gente vem aqui, abre o sorinho e tira do recipientezinho e vai devagarzinho dando uns trancos assim pra ver se a veia tá boa..bem devagar. Aí se a paciente falar que tá doendo é porque pode ter corrido o risco de ter errado a veia (...) se o sangue não refluir também pode ser mais um risco de a gente ter errado a veia (...) agora posso furar desse outro ladinho (da boneca), tia? Porque eu acabei de usar essa veia, provavelmente essa daqui não tem nenhum furinho, deve tá melhor! Aquela ali eu usei pra tirar o sangue!” (Ariel)
“Scalp? A famosa borboletinha! (...) eu acho que eu só vejo quando as tias pegam essa parte aqui debaixo, oh! porque esse daqui depois eles tiram e fica só aquele negocinho de silicone! Aí fica melhor..aí esse daqui fica só a agulha mesmo, ele me incomoda mais! (...) a gente põe pra correr o remedinho. A gente vai conectar por um fiozinho, um caninho que passa lá pra máquina e ajuda o remedinho a correr”. (Ariel)
“Isso tem uma borrachinha aqui que ela fica no seu braço, mas a agulha não fica (...) coloca dentro desse tubo aqui!! Coloca um pouco dentro desse..(...) porque eu vou usar esses dois sangues pra poder fazer tipo uma descobertazinha”. (Minnie)
Subcategoria 3:
Sentimentos relacionados à punção venosa
Dentre os depoimentos colhidos a dor foi o sentimento mais verbalizado e diretamente relacionada ao furo na pele ocasionado pela transfixação desta pela agulha.
“A borboletinha dói menos”. (Conow)
“A criança não gosta de ser furada! Porque dói muito, a gente fica com um pouquinho de trauma (...) quando estão me furando, não gosto de olhar, eu viro pro lado e deixo eles fazerem (...) to achando que ela ta chorando demais (a boneca) porque dói muito e quando a gente vai colocar o remédio no braço a gente sente nossa veia mexer (...) ela dá uma tremidinha ”. (Minnie)
“É que eu grito né, você já sabe!! É que eu tenho pavor de agulha desde criancinha (...) é que na primeira vez eu tomei duas agulhadas de exame de sangue (...) e ontem 4 vezes!! Porque não tava puxando a veia (...) eu achei um absurdo!!! Minhas veias é doida por que ela não puxa!! (...) olha o tamanho dessa agulha!!!”. (Ash)
Discussão
Os dados deste estudo revelam as percepções da criança acerca da punção venosa por meio do brinquedo terapêutico e salientam como o mesmo pode contribuir para a realização do procedimento e na interação entre a criança e o enfermeiro.
Notou-se que crianças com o tempo de internação superior a sete dias e submetidas à múltiplas punções, associavam o ato de ser puncionada com melhora do quadro clínico e possível alta hospitalar. Verificou-se ainda que as idades das crianças entrevistadas foi fator determinante para melhor compreensão da finalidade do procedimento, uma vez que, a partir dos quatro anos a criança entende e consegue verbalizar melhor suas emoções.1313. Silva KG, Martins GC, Bergold LB. A utilização da terapêutica da música junto ao cuidado de enfermagem em uma unidade pediátrica. Rev Enferm UFPI. 2016;5(3):4–9.
As falas das crianças entrevistadas demonstraram claramente que o BT exerceu papel facilitador para que elas pudessem lidar melhor com a necessidade da punção venosa. Ademais, o BT enquanto tecnologia do cuidado, tornou mais visível a relação entre os motivos, necessidades e benefícios do procedimento com a melhora da saúde física dessas crianças.
Corroborando com a literatura, identificou-se que o preparo de punção venosa com o uso do brinquedo terapêutico é de suma importância, visto que promove a cooperação e adesão das crianças ao tratamento.1414. Dantas FA, Nóbrega VM, Pimenta EAG, Collet N. Use of therapeutic play during intravenous drug administration in children: exploratory study. Online Braz Nurs. 2016; 15(3): 453-64. Através dele percebe-se que a criança compreende a necessidade da internação e pode vivenciar este momento de forma mais tranquila.22. Caleffi CC, Rocha PK, Anders JC, Souza AI, Burciaga VB, Serapião LS. Contribuição do brinquedo terapêutico estruturado em um modelo de cuidado de enfermagem para crianças hospitalizadas. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131.
Durante as dramatizações, percebeu-se que as crianças estavam familiarizadas com os materiais utilizados na punção venosa. Apesar de não saberem os nomes dos componentes utilizados, a demonstração da técnica foi realizada de forma similar à do enfermeiro, não havendo necessidade, por exemplo, de auxiliar em relação ao manuseio dos dispositivos agulhados e da aspiração da solução fisiológica. Acredita-se que o empoderamento da criança pela equipe de Enfermagem seja um fator facilitador da aproximação do saber científico e do senso comum, resultando em uma maior participação da criança no processo.
Sendo assim, através da aplicação do BT, manuseando os materiais e repetindo o procedimento na boneca, as crianças tiraram suas dúvidas e angústias relacionadas ao procedimento, facilitando sua aproximação com o enfermeiro.
O uso do brinquedo terapêutico no preparo para a punção venosa, promove maior tranquilidade para a criança, compreensão e aceitação da realização do procedimento.1414. Dantas FA, Nóbrega VM, Pimenta EAG, Collet N. Use of therapeutic play during intravenous drug administration in children: exploratory study. Online Braz Nurs. 2016; 15(3): 453-64.
A criança passa a entender melhor o procedimento e, consequentemente, se torna mais colaborativa, quando se permite que ela visualize e manuseie os instrumentos.1515. Ribeiro PJ, Sabatés AL, Ribeiro CA. Utilização do brinquedo terapêutico, como um instrumento de intervenção de enfermagem, no preparo de crianças submetidas à coleta de sangue. Rev Esc Enferm USP. 2001;35(4):420–2.
Bonecos, agulhas e seringas são objetos úteis para que a criança compreenda a experiência de ser puncionada, bem como obter controle de suas emoções. Os enfermeiros são capazes de detectar conceitos equivocados e obter informações acerca de receios e fantasias irreais das crianças através de bonecos e material hospitalar, realizando não somente os cuidados técnicos, mas exercendo também seu papel de facilitador na vivência da hospitalização para a criança e sua família.1515. Ribeiro PJ, Sabatés AL, Ribeiro CA. Utilização do brinquedo terapêutico, como um instrumento de intervenção de enfermagem, no preparo de crianças submetidas à coleta de sangue. Rev Esc Enferm USP. 2001;35(4):420–2.
Dessa forma, ele será capaz de proporcionar um tratamento menos traumático, minimizando o sofrimento causado pela enfermidade, contribuindo para a recuperação da criança, valorizando os seus sentimentos e dúvidas que ocorram durante a internação hospitalar.
Apesar de ser esperado que o sentimento de dor fosse algo previsível no contexto deste estudo, os relatos trouxeram à luz uma correlação de ideias muito interessantes após a aplicação da ferramenta do BT nessas crianças: se por um lado é inegável e inevitável a sensação de dor causada pelo procedimento de punção venosa, por outro lado, ao fecharem os olhos ou virarem o rosto durante o procedimento, essas crianças evidenciaram, grosso modo, que algumas estratégias de enfrentamento podem permear as experiências de intervenções invasivas dolorosas na infância.
Ademais, tais atitudes demonstram que a capacidade de resiliência adquirida pela criança pode ser mediada pela aplicação do BT.
O processo de aplicação da técnica do BT facilita a aproximação do profissional de saúde e o estabelecimento de vínculo, ambos elementos necessários para a mediação da relação de confiança.66. Maia EB, Ribeiro CA, Borba RI. Compreendendo a sensibilização do enfermeiro para o uso do brinquedo terapêutico na prática assistencial à criança. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):839–46.
O brinquedo terapêutico possui função curativa, sendo uma “válvula de escape”, diminuindo a ansiedade da criança pela catarse emocional.1616. Souza LP, Silva RK, Amaral RG, Souza AA, Mota EC, Silva CS. Câncer Infantil: sentimentos manifestados por crianças em quimioterapia durante sessões de brinquedo terapêutico. Rev Rene. 2012;13(3):699–92. Alivia a ansiedade de situações atípicas à idade da criança, descarregando sua tensão.1717. Freitas CJ, Martins MD. O significado da aplicação do brinquedo terapêutico por um grupo de graduandos de enfermagem. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa de São Paulo. 2014;59(1):16–9.
Também foi possível notar que em alguns momentos das sessões de brinquedo terapêutico as crianças reproduziam na boneca situações semelhantes às vivenciadas por elas, por vezes utilizando terminologias de uso hospitalar. Assim sendo, através da brincadeira, o sofrimento passivo torna-se um domínio ativo e os episódios traumáticos podem ser melhor dominados.22. Caleffi CC, Rocha PK, Anders JC, Souza AI, Burciaga VB, Serapião LS. Contribuição do brinquedo terapêutico estruturado em um modelo de cuidado de enfermagem para crianças hospitalizadas. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131.,1515. Ribeiro PJ, Sabatés AL, Ribeiro CA. Utilização do brinquedo terapêutico, como um instrumento de intervenção de enfermagem, no preparo de crianças submetidas à coleta de sangue. Rev Esc Enferm USP. 2001;35(4):420–2.
Autores evidenciam a importância da aplicação desse instrumento para tornar a criança mais cooperativa com a equipe de enfermagem. Antes as crianças mostravam-se inquietas e chorosas, e após o emprego do brinquedo terapêutico elas interagiram melhor com as enfermeiras.1818. Lemos LM, Pereira WJ, Andrade JS, Andrade AS. Vamos cuidar com brinquedos? Rev Bras Enferm. 2010;63(6):950–5.
Quando a criança tem a oportunidade de representar no brinquedo o procedimento doloroso, ela passa de sujeito passivo para sujeito ativo, tornando o brinquedo um meio eficaz para minimizar os efeitos estressantes.11. Jansen MF, dos Santos RM, Favero L. Benefícios da utilização do brinquedo durante o cuidado de enfermagem prestado a criança hospitalizada. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):247–53.
A criança pode sentir medo do profissional de enfermagem, visto que ela associa a presença dele a procedimentos que lhe possam causar alguma sensação dolorosa.1919. Depianti JR, Silva LF, Monteiro AC, Soares RS. Dificuldades da enfermagem na utilização do lúdico no cuidado à criança com câncer hospitalizada. J Res Fundam Care Online. Set. 2014;6(3):1117–27. Com a utilização do BT, as crianças passam a enxergá-lo como um profissional que não só realiza atividades dolorosas, mas que também brinca.2020. Veiga MA, Sousa MC, Pereira RS. Enfermagem e o brinquedo terapêutico: vantagens do uso e dificuldades. Rev Eletrôn Atual Saúde. 2016;3(3):60–6.
O enfermeiro pediátrico é um dos profissionais mais indicados para utilizar o brinquedo terapêutico em decorrência de seus conhecimentos e sensibilidades para identificar sentimentos e causas de estresse.1515. Ribeiro PJ, Sabatés AL, Ribeiro CA. Utilização do brinquedo terapêutico, como um instrumento de intervenção de enfermagem, no preparo de crianças submetidas à coleta de sangue. Rev Esc Enferm USP. 2001;35(4):420–2.
É importante ressaltar que o brinquedo é uma forma relevante de comunicação e interação entre o enfermeiro e a criança e deve ser parte integrante da assistência de enfermagem, já que esse profissional conhece melhor as necessidades de seu cliente a partir da utilização do brinquedo terapêutico.1717. Freitas CJ, Martins MD. O significado da aplicação do brinquedo terapêutico por um grupo de graduandos de enfermagem. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa de São Paulo. 2014;59(1):16–9.
Quando adequadamente instruída, por meio do brinquedo, a criança aprende sobre sua doença e tratamento e se torna mais participativa. Assim, pela visão holística do tratamento hospitalar, o uso do brinquedo terapêutico propicia à criança aceitação, criação e aprendizagem em um ambiente até então considerado novo e aterrorizante.1616. Souza LP, Silva RK, Amaral RG, Souza AA, Mota EC, Silva CS. Câncer Infantil: sentimentos manifestados por crianças em quimioterapia durante sessões de brinquedo terapêutico. Rev Rene. 2012;13(3):699–92.
Conclusão
Neste estudo aprofundou-se a compreensão da percepção das crianças acerca da punção venosa por meio do brinquedo terapêutico sob a ótica da própria criança, assim como demonstrou-se de que forma essa tecnologia de cuidado contribui para a minimização do estresse relacionado ao procedimento, bem como na melhoria da interação entre a criança e o enfermeiro. Esse estudo deu voz a essas crianças como sujeitos do cuidado na medida em que a ruptura da visão técnico centrada favoreceu o protagonismo infantil. Emergiram das falas das crianças, sentimentos já esperados como a dor, o medo e a angústia, bem como estratégias de enfrentamento e resiliência que permeiam as experiências de intervenções invasivas e dolorosas na infância. Ao dramatizar na boneca, manusear os materiais hospitalares e deduzir o propósito final, esse mundo imaginário e repleto de conceitos equivocados tornou-se uma experiência positiva tanto para a criança quanto para o enfermeiro. A interação, baseada na brincadeira, permitiu que as crianças entrevistadas verbalizassem acerca das percepções concernentes à punção venosa. Além disso, o BT favoreceu maior receptividade dessas crianças à equipe de enfermagem, bem como a novos procedimentos que venham a ser realizados durante a internação. O brinquedo terapêutico mostrou-se um canal de verbalização, interação e fortalecimento de vínculo, favorecendo a participação da criança no seu cuidado. Sob essa perspectiva, o BT favorece que a atuação da Enfermagem Pediátrica seja centrada na criança e na sua família, isto porque, a equipe de Enfermagem é a categoria profissional de maior contato com a criança, possuindo um papel irrefragável na prestação de uma assistência menos traumática. A utilização de estratégias diferenciadas como a do brinquedo terapêutico, é capaz de criar um elo de comunicação e afeto entre a criança e a equipe de enfermagem, além de minimizar o impacto dos procedimentos invasivos. Conclui-se que a realização desse estudo possibilitou ressaltar a importância de incorporar o brinquedo terapêutico no processo de cuidar da enfermagem pediátrica, demonstrando seu potencial efeito terapêutico na assistência. Além disso, os resultados contribuem para o ensino mediante a sensibilização e reflexão sobre a importância e eficácia dessa terapêutica. Para a pesquisa, este trabalho contribui para o aperfeiçoamento do conhecimento científico acerca do uso do BT enquanto tecnologia facilitadora das práticas de cuidado de Enfermagem à população pediátrica.
Agradecimentos
Agradecemos ao setor de pediatria do hospital universitário pela doação de alguns materiais utilizados na pesquisa.
Referências
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1Jansen MF, dos Santos RM, Favero L. Benefícios da utilização do brinquedo durante o cuidado de enfermagem prestado a criança hospitalizada. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):247–53.
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2Caleffi CC, Rocha PK, Anders JC, Souza AI, Burciaga VB, Serapião LS. Contribuição do brinquedo terapêutico estruturado em um modelo de cuidado de enfermagem para crianças hospitalizadas. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131.
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3Jesus IQ, Borges AL, Pedro IC, Nascimento LC. Opinião de acompanhantes de crianças em quimioterapia ambulatorial sobre uma quimioteca no Município de São Paulo. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):175–80.
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4Baldan JM, Santos CP, Matos AP, Wernet M. Adoção do brincar/brinquedo na prática assistencial à criança hospitalizada: trajetória de enfermeiros. Cien Cuid Saude. 2014;13(2):228–35.
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5Steele S. Child health and family: concept of communication. New York: Masson; 1981. pp. 705–38.
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6Maia EB, Ribeiro CA, Borba RI. Compreendendo a sensibilização do enfermeiro para o uso do brinquedo terapêutico na prática assistencial à criança. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):839–46.
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7Berté C, Ogradowski KR, Zagonel IP, Tonin L, Favero L, Junior RL. Brinquedo terapêutico no context da emergência pediátrica. Rev Baiana Enferm; 2017; 31(3): e20378
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8Lemos IC, de Oliveira JD, Gomes EB, da Silva KV, da Silva PK, Fernandes GP. Therapeutic toy during the procedure of venipuncture: a strategy to reduce behavioral changes. Rev Cuid. 2016;7(1):1163–70.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Mar 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
10 Dez 2018 -
Aceito
26 Ago 2019