Registros de enfermeiros sobre orientações aos usuários com tuberculose na Atenção Primária

Registros de enfermeros sobre instrucciones a los usuarios de la Atención Primaria con tuberculosis

Resumo

Objetivo

Avaliar a completude dos registros de enfermeiros sobre as orientações dadas a usuários com tuberculose (TB) acompanhados na Atenção Primária à Saúde (APS).

Métodos

Estudo documental e retrospectivo, cuja população foi constituída por todos prontuários dos casos novos de TB notificados em Unidades de Saúde da Família de um município da Paraíba entre 2015 e 2019. O estudo foi desenvolvido entre julho e setembro de 2020, com uma amostra de 190 prontuários selecionados por amostragem proporcional e probabilística sistemática. Utilizou-se o software R para análise estatística, com nível de significância de 5%, empregando estatística descritiva, Diagrama de Pareto e análise de tendência.

Resultados

Do total, 60% dos indicadores foram classificados como muito ruins (orientações sobre alimentação, tratamento e consultas) na avaliação da completude do registro sobre as orientações de enfermeiros a respeito das orientações à TB. O Diagrama de Pareto destacou as orientações relacionadas a alimentação e tratamento como os principais problemas no registro, representando mais de 50% da incompletude total. Os modelos de tendência apresentaram evidências estatísticas crescentes para a incompletude do indicador ‘orientações sobre consultas’ (p=0,016) e tendência crescente para os indicadores ‘orientações sobre exames e consultas’. Em contrapartida, as orientações sobre alimentação e exames mostraram tendência decrescente de incompletude.

Conclusão

Os registros mostraram uma completude inadequada, acompanhada por uma tendência crescente de incompletude no registro de orientações aos usuários com TB na APS. Esse cenário aponta para a urgência de medidas de intervenção na saúde pública, para aprimorar o acompanhamento da TB na APS.

Registros de enfermagem; Enfermeiros e Enfermeiras; Tuberculose; Atenção Primária à Saúde; Qualidade da assistência à saúde

Resumen

Objetivo

Evaluar la completitud de los registros de enfermeros sobre las instrucciones dadas a usuarios con tuberculosis (TB) que se atienden en la Atención Primaria de Salud (APS).

Métodos

Estudio documental y retrospectivo, cuya población estuvo compuesta por todas las historias clínicas de los casos nuevos de TB notificados en Unidades de Salud de la Familia de un municipio del estado de Paraíba entre 2015 y 2019. El estudio se llevó a cabo entre julio y septiembre de 2020, con una muestra de 190 historias clínicas seleccionadas por muestreo proporcional y probabilística sistemática. Para el análisis estadístico se utilizó el software R, con un nivel de significación de 5 %, y se empleó estadística descriptiva, diagrama de Pareto y análisis de tendencia.

Resultados

Del total, el 60 % de los indicadores fue clasificado como muy malo (instrucciones sobre alimentación, tratamiento y consultas) en la evaluación de la completitud del registro sobre las instrucciones de enfermeros respecto a las instrucciones de TB. El diagrama de Pareto destacó que las instrucciones relacionadas con la alimentación y el tratamiento fueron los principales problemas en el registro, que representan más del 50 % de la incompletitud total. Los modelos de tendencia presentaron evidencias estadísticas crecientes de incompletitud del indicador “instrucciones sobre consultas” (p=0,016) y tendencia creciente de los indicadores “instrucciones sobre exámenes y consultas”. Por otro lado, las instrucciones sobre alimentación y exámenes mostraron una tendencia decreciente de incompletitud.

Conclusión

Los registros mostraron una completitud inadecuada, acompañada de una tendencia creciente de incompletitud en el registro de las instrucciones a los usuarios de la APS con TB. Este escenario indica una urgencia de medidas de intervención en la salud pública para mejorar la atención de TB en la APS.

Registros de enfermeira; Enfermeras y Enfermeros; Tuberculosis; Atención primaria de salud; Calidad de la atención de salud

Abstract

Objective

To evaluate the completeness of nurses’ records on guidance given to users with tuberculosis (TB) followed in Primary Health Care (PHC).

Methods

This was a documentary and retrospective study whose population consisted of all records of new TB cases reported in Family Health Units in a municipality (State of Paraíba) in the period 2015-2019. The study was conducted from July to September 2020 with a sample of 190 medical records selected by systematic proportional and probabilistic sampling. The R software for statistical analysis was used with a 5% significance level, employing descriptive statistics, Pareto Chart, and trend analysis.

Results

In assessing the completeness of the guidance record about nutrition, treatment, and consultations given by nurses for patients with TB, 60% of the indicators were classified as very poor. The Pareto Chart highlighted guidance on food and treatment as the main problems in the record, representing more than 50% of the total incompleteness. The trend models showed increasing statistical evidence for the incompleteness of the guidance on consultations indicator (p=0.016) and a growing statistical trend for the incompleteness of the guidance on exams and consultations indicators. In contrast, guidance on nutrition and exams showed a decreasing trend in incompleteness.

Conclusion

Records showed inadequate completeness accompanied by an increasing trend for incompleteness in the registration of guidance for users with TB in PHC. This scenario points to the urgency of intervention measures in Public Health to improve TB monitoring in PHC.

Nursing records; Nurses; Tuberculosis; Primary health care; Quality of health care

Introdução

Tuberculose (TB) é uma doença infecciosa milenar que ainda é considerada como um relevante problema de saúde pública embora seja atualmente prevenível e curável. No cenário mundial (2022), foi estimado que cerca de 10,6 milhões de pessoas foram infectadas e 1,1 milhão vieram a óbito. No Brasil (2022), foram notificados 81.539 casos novos de TB, correspondendo a um coeficiente de incidência de 38 casos/100 mil habitantes. O Estado da Paraíba (PB; 2022) esteve entre aqueles que apresentaram percentuais de cura inferiores ao percentual de cura nacional, equivalente a 61,2%, com incidência de 30,8 casos/100 mil hab.¹-³

Ao longo do itinerário diagnóstico e terapêutico de pessoas com TB, é necessária a concepção de Plano Individual de Atendimento, assegurando seu resguardo e promovendo seu direito de aderir ao tratamento. Para isso, pessoas com TB carecem de orientação correta e precisa sobre seu estado de saúde, tratamento, alimentação, realização de exames, etc.⁴

Assim, a Atenção Primária à Saúde (APS) tem atributos essenciais e derivativos, com foco no usuário, famílias e comunidade; APS é também o eixo ordenador das Redes de Atenção do Sistema Único de Saúde, o principal cenário para o manejo terapêutico longitudinal da TB.⁵

Frente à TB, os profissionais da APS são fundamentais nos processos de orientação e acompanhamento; prevenção de consequências adversas através de estratégias assistenciais que favorecem os melhores resultados; esclarecimento de dúvidas, mitos e crenças; e fortalecimento da confiança e do vínculo com os usuários, contribuindo para o aumento na taxa de cura e prevenção de novos casos. O papel dos enfermeiros é destacado nas consultas de enfermagem, busca ativa, notificação de casos confirmados, prevenção da TB e orientação de usuários em todas fases do tratamento.⁶,⁷

Ressaltamos que registros de enfermeiros são compreendidos como 50% dos cuidados oferecidos aos usuários. Assim, é necessário que o conjunto de dados seja registrado com qualidade, de forma completa, fidedigna, clara e coerente para que essas informações favoreçam a tomadas de decisão adequadas.⁵-⁹ Os registros de enfermeiros nos prontuários são uma ferramenta importante no apoio ao processo de atenção à saúde. Eles devem conter as orientações dadas aos usuários, assegurando a continuidade do cuidado e dos aspectos éticos e legais.⁷

Através de busca bibliográfica, pudemos identificar estudos sobre o registro de enfermeiros no cuidado a usuários com TB no contexto da APS. Eles permitiram conhecer a percepção dos profissionais de saúde sobre os registros produzidos na detecção dos sintomas respiratórios de TB.¹⁰ Porém, não foram encontradas publicações nacionais e internacionais sobre os registros de enfermagem relacionados às orientações dadas aos usuários com TB na APS. Esta lacuna na literatura justificou a necessidade e o delineamento da presente pesquisa pois seu conteúdo é relevante para a saúde pública.

Portanto, esta pesquisa partiu da seguinte questão norteadora: Qual é o grau de completude dos registros de enfermeiros sobre as orientações dadas aos usuários com TB acompanhados na APS? O objetivo deste estudo foi avaliar a completude dos registros de enfermeiros sobre as orientações dadas a usuários com tuberculose acompanhados na Atenção Primária à Saúde.

Métodos

Esta pesquisa documental e retrospectiva foi realizada em Unidades de Saúde da Família (USF) no Nordeste do Brasil em uma cidade no Estado da Paraíba. A escolha do cenário de pesquisa foi considerada prioritária para o controle da TB pelo Ministério da Saúde (MS) desde 2001. A cidade tem uma cobertura de 90% de Saúde da Família, está dividida em cinco Distritos Sanitários (DS) e contempla 211 equipes de Saúde da Família (eSF) fragmentadas em 99 USF. Ademais, ressaltamos que durante o período analisado no cenário de estudo, o registro do cuidado era realizado fisicamente no prontuário e em documentos padronizados pelo MS para notificação e acompanhamento dos usuários.

A população do estudo foi composta por todos prontuários dos casos novos de TB notificados em USF no cenário de estudo no período 2015-2019. Para seleção dos prontuários, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: o usuário deveria residir no município pesquisado, ter idade maior que 18 anos e ter encerrado o tratamento; só os registros realizados por enfermeiros e enfermeiras foram considerados. Os registros de usuários em situação de encerramento por modificação no diagnóstico ou transferência para outra cidade foram excluídos.

Para o cálculo do tamanho amostral, foi considerado o total de casos novos de TB notificados nos serviços da APS que iniciaram e finalizaram o tratamento entre janeiro de 2015 e dezembro de 2019, contemplando 1.191 prontuários que foram integrados aos DSs A (255), B (410), C (224), D (214) e E (88). Neste caso, foi usada a seguinte equação para calcular o tamanho da amostra com tamanho populacional conhecido:

$n=\frac{N{z}_{(1-\alpha /2)}^{2}p(1-p)}{p(1-p)z_{(1-\alpha /2)}^2+(N-1){\epsilon }^2}$

Para isto, usamos o software R (v. 4.0.2) considerando erro amostral (0,04), nível de confiança (0,95) e prevalência (0,105) resultando no valor amostral de 190 prontuários. O processo de amostragem foi realizado em duas etapas: na primeira, a amostragem foi proporcional, fragmentando a amostra de forma equânime entre os DS. A priori, foi considerado o método da amostragem probabilística sistemática, usando um índice com informações coletadas nos DSs; depois, a amostragem foi mudada para aleatória simples, organizando a amostra dos DS proporcionalmente conforme os casos de TB. Assim, foi obtido um conjunto amostral específico para os DSs A (41), B (65), C (36), D (34) e E (14).

Na segunda etapa de amostragem, foi usado o número populacional dividido pelo volume da amostra para alcançar o fator de sistematização (k=N/n). Assim, foi obtido um fator de sistematização k=6 (k=1191/190=6,27≈6). Para assegurar a aleatoriedade amostral, o primeiro componente da amostra (do 1º ao 6º) foi sorteado; o valor igual a três foi admitido aleatoriamente, continuando a linha de sistematização a partir deste elemento até que a dimensão da amostra estivesse completa.

Os dados foram coletados nos turnos da manhã e da tarde no período julho-setembro de 2020. A análise de cada prontuário pela equipe de coleta de dados tomou 30 min em média; a equipe foi composta por três pesquisadores com experiência na área e a análise foi realizada em local privativo usando um formulário sistematizado; este foi desenvolvido a partir de: Manual de Recomendações para o Controle da TB, Protocolo de Enfermagem no Tratamento Diretamente Observado (TDO) da TB na Atenção Básica e documentos institucionais que regulam os registros de enfermagem na APS. O formulário supracitado foi sujeito a um teste piloto para testar, retificar, avaliar e aperfeiçoar o instrumento e o processo de pesquisa. Assim, o número de registros foi estimado em 10%, isto é, 19 prontuários que foram designados proporcionalmente por sorteio. Depois de sua aplicação, o formulário passou pela análise de algumas indagações para aperfeiçoar as variáveis. Destacamos que os registros observados nesta fase foram incluídos na amostragem final desta pesquisa.

O formulário, que foi concebido a partir de variáveis relacionadas a dados sociodemográficos e clínicos (sexo, idade e forma clínica de TB), também teve origem nos dados específicos dos registros de enfermeiros no prontuário clínico sobre as orientações a usuários com TB, originando os indicadores correspondentes com um escopo de dados mais robustos (Quadro 1).

Quadro 1
Indicadores sobre o registro de orientações nos prontuários e variáveis usados no estudo

Indicadores sobre o registro de orientações	Variáveis
Alimentação	Alimentação
Tratamento	Tratamento medicamentoso Efeitos colaterais dos medicamentos Interação medicamentosa Ingestão da dose medicamentosa Adesão ao tratamento
Consultas	Retorno às consultas
Doença	Orientação sobre a tuberculose Orientação aos contactantes
Exames	Realização de exames

Para formular os indicadores, foi considerado o percentual de incompletude dos registros, partindo da proporção do número de prontuários incompletos em relação ao indicador selecionado sob o total de prontuários. Como marco orientador para analisar a completude, foi considerada a sistematização,¹² sendo organizadas conforme os níveis de completude de cada indicador: excelente (incompletude < 5%), bom (5% ≤ incompletude < 10%), regular (10% ≤ incompletude < 20%), ruim (20% ≤ incompletude < 50%) e muito ruim (incompletude ≥ 50%).

Os dados coletados foram organizados em uma planilha eletrônica do Microsoft Office (Excel^® 2019), com digitação dupla para assegurar fidedignidade na seleção dos dados. Para análise, os dados foram transferidos e processados no software R (v. 4.0.3; https://www.r-project.org/) gratuito. Foi adotado o nível de significância de 5%.

A princípio, foram calculadas as frequências absoluta e relativa das variáveis qualitativas. Em relação à tendência para incompletude, foram contemplados todos indicadores no período 2015-2019 usando um modelo de regressão linear simples, onde y é a porcentagem de incompletude, x é a variável temporal (ano), α e β são os indicadores desconhecidos a serem considerados e ε é o erro aleatório desconhecido. A tendência foi tida como importante para p<5% (este valor é crescente se a estimativa de β for positiva e decrescente se for negativa). Além disso, foi usado o Diagrama de Pareto para confirmar os indicadores que aumentavam a porcentagem de incompletude dos prontuários clínicos.

Respeitando o Conselho Nacional de Saúde (Resolução 466/2012), este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer: 4.003.210; CAAE: 30324820.6.00005188).

Resultados

A amostra do estudo foi composta por 190 prontuários de usuários com média de idade de 39,9 anos (DP: 15,8), com predominância do sexo masculino (n=122; 64,2%) e forma clínica pulmonar (n=167; 87,8%). Quanto à avaliação da completude do registro das orientações relacionadas ao cuidado da TB na APS, três indicadores foram classificados como “muito ruim” (60,0%), ao passo que dois foram considerados “ruins” (30,0%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição e classificação da completude dos registros de enfermeiros sobre as orientações no cuidado à tuberculose na Atenção Primária à Saúde

Indicadores sobre o registro das orientações	n (%)						Classificação da completude*
	2015	2016	2017	2018	2019	Total
Alimentação	8(66,7)	14(82,4)	18(56,3)	33(58,9)	51(69,9)	124(65,3)	muito ruim
Tratamento	7(58,3)	10(58,8)	21(65,6)	31(55,4)	46(63,0)	115(60,4)	muito ruim
Consultas	4(33,3)	6(35,3)	16(50,0)	27(48,2)	42(57,5)	95(50,0)	muito ruim
Doença	5(41,7)	8(47,1)	13(40,6)	21(37,5)	31(42,5)	78(41,1)	ruim
Exames	2(16,7)	1(5,9)	9(28,1)	18(32,1)	23(31,5)	53(27,9)	ruim

• n= número de registros com preenchimento incompleto; * A classificação da completude é mensurada a partir da quantidade de registros com preenchimento incompleto (ROMERO; CUNHA, 2006)

Na análise de incompletude por meio do Diagrama de Pareto (que permitiu visualizar os pontos prioritários para intervenção conforme a curva de percentagens acumuladas), as orientações relacionadas à alimentação e tratamento foram identificadas como os principais problemas em relação ao registro. Isso correspondeu a mais de 50% da incompletude total (Figura 1).

Figura 1
Diagrama de Pareto da incompletude do registro de enfermeiros sobre as orientações no cuidado à tuberculose na Atenção Primária à Saúde

Na tabela 2, foram apresentados os modelos de tendência de incompletude e seus principais componentes para as variáveis analisadas. O indicador relacionado às orientações sobre consultas mostrou tendência significativamente crescente (p=0,016), seguido pelos indicadores referentes às orientações de exames e consultas, que também mostraram um aumento na incompletude. Por outro lado, as orientações sobre alimentação e exames mostraram tendência decrescente na incompletude.

Tabela 2
Tendência de incompletude no registro de enfermeiros sobre as orientações no cuidado à tuberculose na Atenção Primária à Saúde

Indicadores sobre o registro das orientações	Modelo	R2	p-value	Tendência	Crescimento %
Alimentação	$y=3515,91-1,71x$	0,0687	0,670	decrescente	-
Tratamento	$y=-1149,98+0,60x$	0,0549	0,704	crescente	-
Consultas	$y=-12319,35+6,13x$	0,8897	0,016	crescente	50,15
Doença	$y=1655,48-0,80x$	0,1320	0,548	decrescente	-
Exames	$y=-11232,00+5,58x$	0,6069	0,120	crescente	-

Discussão

Diante dos resultados obtidos, a completude dos registros de enfermeiros sobre as orientações no cuidado à TB na APS foi considerada insatisfatória, pois as orientações sobre os itens alimentação, tratamento, consultas, a doença propriamente dita e os exames tiveram sua completude classificada entre ‘muito ruim’ e ‘ruim’.

Esses achados retratam negativamente as orientações dadas a tais usuários, pois sua importância para melhor conscientização e realização dos cuidados e do tratamento adequado é conhecida. A falta de orientação, baixa qualidade da informação e incompletude dos registros afetam o conteúdo oferecido aos usuários e impedem a avaliação das orientações pela vigilância, pois não é possível identificar se a incompletude decorre de deficiência nas orientações ou de falhas no registro.

Conforme orientação do MS, a verificação periódica da completude dos dados e registros bem como a análise de inconsistência e duplicatas de informações devem ser incluídas nas ações locais de vigilância.⁴

A incompletude dos registros sobre as orientações aos usuários das APS pode estar relacionada à percepção de alguns enfermeiros de que o preenchimento de fichas e prontuários dos usuários são uma tarefa meramente burocrática, ignorando a produção de dados e informações como ações necessárias à gerência das ações, cuidados e serviços ofertados.¹¹,¹²

É também necessário mencionar que tais achados podem estar associados ao registro inadequado, causando a subnotificação das orientações oferecidas aos usuários. Dada a sobrecarga da rotina de trabalho, estas orientações geralmente são feitas, mas o registro é deixado de lado ou desmerecido.⁴,¹²

O correto preenchimento do prontuário é um recurso ao alcance dessa proposta para melhorar a assistência prestada aos usuários, pois ele é um dispositivo de comunicação contínua entre os profissionais e um documento legal para o registro diário de informações sobre os atendimentos e orientações dadas pela equipe de saúde.¹³

Os enfermeiros são responsáveis por metade das informações dos registros sobre o cuidado dos usuários, pois eles os acompanham 24 h por dia.¹⁴ Além disso, o registro de enfermagem é um dever ético-legal de enfermeiros e técnicos de enfermagem em todos ambientes de saúde, destacando-se como uma ferramenta que documenta e qualifica a assistência prestada. Embora os registros de enfermagem sejam imprescindíveis e obrigatórios, eles ainda são incipientes, contribuindo para a invisibilidade da profissão.¹⁵Frisamos que a responsabilidade pelos usuários com TB não é exclusiva de enfermeiros, devendo ser compartilhada entre os profissionais de saúde que os acompanham, valorizando igualmente os registros de qualidade realizados por todos eles.⁴

É importante que os registros de enfermagem sejam preenchidos completamente para melhor descrever as ações e cuidados prestados aos usuários com TB na APS. Eles devem incluir orientações sobre o que estes usuários podem e devem evitar comer, o tratamento e as medicações necessárias, as consultas e sua periodicidade, a doença e seus sintomas e complicações, bem como os exames necessários para um diagnóstico precoce e um tratamento adequado. Tais informações são valiosas, devendo ser dadas e registradas pelos enfermeiros para caracterizar positivamente e com qualidade a assistência prestada, bem como para respaldar que tais orientações foram dadas.

Embora o registro da orientação sobre alimentação seja responsável pelo maior índice de incompletude, quando verificado a tendência de incompletude, podemos observar o decréscimo ao longo do tempo. Isto pode ser compreendido pois os alimentos e seus nutrientes contribuem significativamente para a recuperação de pessoas com TB, valorizando assim as orientações aos usuários sobre alimentação como essenciais ao tratamento.

Um estudo identificou que o hábito de alimentação saudável com frequência abaixo do recomendado pode modificar o perfil nutricional de pessoas com TB, facilitando infecções e as consequências da doença. O consumo de alimentos saudáveis deve ser estimulado e bem orientado pelos profissionais desde o diagnóstico da TB, pois tanto a desnutrição quanto o excesso de peso interferem nas funções imunológicas, aumentando a susceptibilidade às infecções.¹⁶

Portanto, no primeiro atendimento e acolhimento de usuários com TB na APS, é fundamental que os enfermeiros orientem corretamente sobre a importância de uma alimentação saudável para melhorar o sistema imunológico, identificando os alimentos que devem ser consumidos com mais frequência e aqueles que devem ser evitados. Essas orientações devem ser dadas de forma correta, clara e compreensível, considerando também a condição econômica desses usuários, para orientar sobre o consumo de alimentos disponíveis aos mesmos.

Considerando a condição econômica dos usuários com TB, o MS recomenda que os municípios lhes ofereçam incentivos tais como lanches, auxílio-alimentação e vale-transporte. Isso é oferecido para melhorar os indicadores da doença e motivar a adesão ao tratamento pois eles geralmente apresentam vulnerabilidades importantes em relação às condições de vida. Estes incentivos sociais podem aliviar as necessidades mais imediatas das pessoas acometidas pela TB.⁴

Além dos incentivos mencionados, as medidas de Proteção Social disponibilizadas no Brasil não se destinam só aos usuários com TB, mas ajudam a amenizar vulnerabilidades sociais.⁹ Entre elas, destacam-se: auxílio-doença para contribuintes do Instituto Nacional de Seguridade Social, Programa Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, etc.¹⁷ Tais medidas apoiam o enfrentamento de doenças não só aos usuários com TB, mas também às pessoas que com eles convivem, estreitando o vínculo com esses usuários e famílias e possibilitando uma melhor captação das orientações sobre alimentação, tratamento, consultas, etc.¹⁸

Em saúde, todas informações e/ou orientações devem visar a redução de incertezas e a identificação de situações prioritárias para subsidiar um planejamento adequado à execução de ações que ajustem a realidade às transformações necessárias. Assim, para que as ações sejam colocadas em prática adequadamente, não basta disponibilizar informações se elas não forem compreendidas corretamente.¹⁹

Quanto ao registro das orientações sobre o tratamento, foi identificada uma completude muito ruim, tendendo a incompletude crescente, sendo entendida como determinante de uma incompletude geral. Este achado reforça que o tratamento de pessoas com TB permanece um desafio: em sua abordagem, é necessário considerar os contextos de saúde individual e coletiva. Adicionalmente, as questões sociais e econômicas, particularmente suas iniquidades, têm-se mostrado como variáveis a serem consideradas na efetividade do tratamento. Portanto, todo esse contexto deve ser considerado no momento de orientar os usuários sobre a importância do tratamento.

Um estudo sinalizou que as pessoas diagnosticadas com TB que recebem informação detalhada sobre a doença, bem como sobre a importância de realizar o tratamento, as potenciais reações adversas e as consequências da irregularidade no tratamento são mais propensas a aderir ao tratamento.²⁰

Um outro ponto que destacamos é sobre o recebimento de informações escritas sobre o tratamento, pois isto auxilia positivamente na adesão, devendo ser feito de maneira simples e clara, pois os usuários dos serviços de saúde nem sempre assimilam e processam as mensagens recebidas verbalmente. Portanto, acreditamos que informações e orientações escritas podem se converter mais facilmente em comportamentos.²¹

Nas Redes de Atenção à Saúde (RAS), cabe aos serviços da APS o papel de organizar e coordenar os cuidados a pessoas com condições crônicas como a TB, incluindo tratamento, responsabilidade pela articulação e fortalecimento do vínculo com a população da região. Além disso, como a APS é considerada como a porta de entrada preferencial de usuários com TB no sistema de saúde, ela deve ser capaz de manejar as fragilidades nas ações para controlar a doença,²² incluindo orientações sobre o tratamento e fornecimento das medicações necessárias.

Por sua vez, a completude das orientações sobre as consultas obteve uma classificação muito ruim, tendendo a uma incompletude crescente com o passar dos anos. Porém, as orientações nas consultas tiveram um crescimento significativo. Isto ocorreu devido à importância e necessidade de melhor orientar os usuários com TB sobre o comparecimento às consultas, para alcançar melhores adesão e desfecho no tratamento. No controle da TB na APS, o termo primeiro contato está relacionado à porta de entrada ou acesso a consultas com os profissionais de saúde para, a partir delas, pedir os exames necessários ao diagnóstico e prescrever as medicações para o tratamento.²³

Informar o usuários com TB sobre as consultas e sua importância no tratamento é importante para o controle da doença. Porém, um estudo apontou a dificuldade de acesso à realização de consultas, bem como de exames, tratamento e falhas no sistema de referência e contrarreferência como pontos de estrangulamento no controle da TB na APS.²³ Isso também repercute negativamente no registro de tais pontos, sendo insuficiente na qualidade da assistência ofertada e na documentação necessária ao acompanhamento e monitoramento de pessoas com TB ao longo do tratamento.

A ausência de orientação para que o usuário compareça à consulta agendada é um indício de que pode haver intenção de interromper o tratamento. Nestes casos, é imprescindível a iniciativa da equipe de busca ativa aos faltosos para evitar a recidiva de TB e doenças oportunistas.²⁰

Quanto ao registro das orientações sobre TB, este estudo classificou sua completude como ruim, com uma tendência decrescente de incompletude, i.é, foi observada melhora no registro destas informações ao longo dos anos. Foi realizado um estudo sobre os registros de enfermagem na APS, mostrando que a divergência pode estar associada a sobrecarga de trabalho, falta de motivação devido às baixas condições de trabalho, comunicação ineficaz entre a equipe e comunidade, déficit de educação permanente e baixa remuneração.²⁴

Um estudo buscou conhecer a percepção dos profissionais de saúde sobre os registros produzidos na detecção dos sintomas respiratórios de TB e concluiu que os profissionais reconhecem a importância dos registros produzidos na detecção da TB, principalmente aqueles relacionados aos prontuários, mas eles os percebem como excessivos, burocráticos e não passíveis de uso nas práticas cotidianas. Além disso, apontam desvantagens relacionadas à falta de qualidade do preenchimento e à recorrência de extravio dos registros. O estudo também salientou que o uso de sistemas informatizados potencializa e qualifica as informações sobre a doença quanto à completitude, legibilidade, oportunidade e organização dos registros em comparação ao uso de sistema de registro manual.¹⁰

O não preenchimento dos registros, por enfermeiros e outros profissionais da saúde, compromete sua aplicabilidade no acompanhamento de casos, podendo estar associada à incompreensão da sua relevância pelas equipes locais de saúde em ações de planejamento e monitoramento. Assim, um estudo apontou para a necessidade de uma educação permanente com capacitação de todos profissionais atuantes na detecção da TB para utilização plena dos registros adequadamente preenchidos.⁶ Dada a proximidade entre usuários e enfermeiros nas consultas, estes devem ver as orientações e seus registros como ferramentas importantes no monitoramento e controle da doença.

Portanto, é importante que os usuários com TB tenham as orientações necessárias sobre a doença e o tratamento na APS. Além disso, o diagnóstico e acompanhamento da TB são oferecidos gratuitamente pelo serviço público brasileiro, exigindo profissionais capacitados. Isto é necessário para evitar não só a transmissibilidade da doença mas também a interrupção do tratamento, que é um dos obstáculos para o seu controle.

Por fim, o indicador responsável pelas orientações de exames obteve o menor índice de incompletude no Diagrama de Pareto, mas a completude foi classificada como ruim com uma crescente tendência de incompletude. Embora este indicador tenha apresentado maior frequência no registro dos enfermeiros, ainda é pertinente que os usuários com TB tenham orientação sobre os exames necessários para um diagnóstico precoce e tratamento adequado. Os resultados destes exames também devem compor os registros nos prontuários para proporcionar um acompanhamento daquilo que já foi feito e solicitado para um melhor monitoramento da doença.

Reforçamos a importância de apresentar e explicar sobre os exames e seus resultados aos usuários com TB, pois isso melhorará sua capacitação quanto à doença e seu quadro clínico, tornando-o multiplicador do saber e protagonista do seu autocuidado na busca de cura da doença.

Os resultados dos exames que diagnosticam a TB devem ser bem registrados nos prontuários dos usuários da USF, para que todos os profissionais que os acompanham tenham acesso a informações claras, legíveis, precisas e objetivas. Isso foi exemplificado em um estudo sobre a qualidade dos dados e informações registrados pelos profissionais de saúde da atenção básica em relação ao tratamento de usuários com TB. Informações essenciais de suas condições foram negligenciadas evidenciando a má qualidade dos registros e a ausência de dados e informações importantes que deveriam constar nos prontuários, comprometendo assim a qualidade da assistência prestada aos usuários.²⁵

Assim, o presente estudo permitiu saber que os enfermeiros realizam seus registros de forma incompleta e possivelmente não documentam as orientações dadas aos usuários com TB na APS, sendo um desafio no cotidiano da enfermagem. Apontamos também que os registros de enfermagem não devem ser vistos só como uma obrigatoriedade burocrática. É necessário compreender sua importância e as implicações decorrentes da falta ou incompletude dos registros. Assim, a competência técnico-científica dos enfermeiros é indispensável para registros completos. Isso reflete a necessidade de as instituições e conselhos de enfermagem enfatizarem e promoverem medidas que ajudem a capacitação profissional para que não haja comprometimento na qualidade dos registros sobre as orientações dadas às pessoas.

Portanto, treinamento e sensibilização são necessários à qualidade dos registros de enfermeiros que estão diretamente envolvidos nos cuidados à pessoas com TB na APS. Tais ações permitirão que os enfermeiros valorizem mais o poder da informação correta e o registro adequado nos prontuários, colaborando para que todos envolvidos sejam bem-informados sobre as condições clínicas, evolução, resultados de exames e procedimentos realizados. Nesse sentido, os achados desta pesquisa poderão ter um papel fundamental (1) aumentando a completude dos registros de enfermeiros nos prontuários, especialmente quanto às orientações aos usuários com TB acompanhados na APS, e (2) sensibilizando os profissionais para seu protagonismo na responsabilidade pela manutenção de registros de qualidade, destacando a importância desses documentos no monitoramento efetivo e na promoção de intervenções assertivas no cuidado à TB na APS.

Como limitação da pesquisa, destacamos: falta de organização nos prontuários nas USF pesquisadas; ilegibilidade em alguns registros devido à escrita manual (descartando os achados que não estavam suficientemente legíveis para serem incluídos no estudo); o tipo de estudo, que não permite fazer considerações sobre municípios específicos no estado; e um possível viés de informação por usar dados secundários. Porém, essas limitações não inviabilizam os achados do estudo, contribuindo ainda para a prática assistencial de enfermeiros e sinalizando a necessidade de melhorias na qualidade dos registros no cuidado aos usuários com TB na APS.

Conclusão

Os registros mostraram uma completude inadequada, acompanhada por uma tendência crescente de incompletude no registro de orientações aos usuários com TB na APS. Registros completos de orientação à usuários da Atenção Primária à Saúde com doenças infecciosas são necessários para formular políticas públicas de saúde e avaliar ações de prevenção, monitoramento e controle de doenças. O preenchimento adequado de registros de orientação aos usuários deve ser estimulado em programas de controle de qualidade de registros e capacitação contínua de enfermeiros podendo potencializar o planejamento de políticas públicas em saúde. Investigações futuras com foco em estratégias inovadoras e abordagens multidisciplinares contribuirão para aprimorar a assistência da Enfermagem na Atenção Primária à Saúde, especialmente no acompanhamento de pessoas com doenças infecciosas.

Referências

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Editado por

Editor Associado

Paula Hino (https://orcid.org/0000-0002-1408-196X) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  22 Set 2023
• Aceito
  29 Abr 2024