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Qualidade de vida relacionada à saúde e fatores psicossociais após prostatectomia radical

Calidad de vida relacionada a la salud y factores psicosociales después de prostatectomía radical

Resumo

Objetivo:

Investigar a qualidade de vida relacionada à saúde e correlações com fatores psicossociais (ansiedade, depressão e autoestima) em homens prostatectomizados.

Métodos:

Estudo descritivo correlacional realizado com 85 homens submetidos a prostatectomia radical há no mínimo três meses e no máximo cinco anos. Foram utilizados o European Organization for Research and Treatment of Cancer- QLQ C30 e European Organization for Research and Treatment of Cancer “Prostate Cancer” 25 items - EORTC QLQ-PR25; Escala de Autoestima de Rosenberg e Hospital Anxiety and Depression Scale.

Resultados:

Os participantes mostraram comprometimento da qualidade de vida no que se refere a prejuízos da função sexual e presença de sintomas urinários. Houve correlação entre os aspectos psicossociais e algumas escalas de avaliação da qualidade de vida, principalmente as escalas funcionais e de sintomas.

Conclusão:

Evidenciou-se que a prostatectomia radical causa prejuízo na qualidade de vida dos homens, demandando assistência dos profissionais de saúde para minimizar os efeitos das complicações mais comuns. Recomenda-se a implementação de intervenções educativas e apoio multiprofissional pautados em melhor compreensão das implicações físicas e psicossociais para ajudar a melhorar a qualidade de vida dos homens após a prostatectomia radical.

Descritores
Qualidade de vida; Prostatectomia; Neoplasias da próstata; Impacto psicossocial

Resumen

Objetivo:

Investigar la calidad de vida relacionada a la salud y correlación con factores psicosociales (ansiedad, depresión y autoestima) en hombres prostatectomizados.

Métodos:

Estudio descriptivo correlacional realizado con 85 hombres sometidos a prostatectomía radical hace al menos tres meses y máximo cinco años. Se utilizó el European Organization for Research and Treatment of Cancer- QLQ C30 y European Organization for Research and Treatment of Cancer “Prostate Cancer” 25 items - EORTC QLQ-PR25; Escala de Autoestima de Rosenberg y Hospital Anxiety and Depression Scale.

Resultados:

Los participantes mostraron su calidad de vida comprometida con relación al detrimento de la función sexual y presencia de síntomas urinarios. Hubo correlación entre los aspectos psicosociales y algunas escalas de evaluación de calidad de vida, principalmente las escalas funcionales y de síntomas.

Conclusión:

Quedó en evidencia que la prostatectomía radical perjudica la calidad de vida de los hombres y demanda asistencia de los profesionales de la salud para minimizar los efectos de las complicaciones más comunes. Se recomienda la implementación de intervenciones educativas y de apoyo multiprofesional para una mejor comprensión de las consecuencias físicas y psicosociales para ayudar a mejorar la calidad de vida de los hombres después de la prostatectomía radical.

Descriptores
Calidad de vida; Prostatectomía; Neoplasias de la próstata; Impacto psicosocial

Abstract

Objective:

To investigate quality of life and its correlations with psychosocial factors (anxiety, depression and low self-esteem) in men who underwent prostatectomy.

Methods:

A descriptive, correlational study with 85 men who underwent radical prostatectomy at least three months and at most five years prior to the survey. The instruments used were the European Organization for Research and Treatment of Cancer- QLQ C30, the European Organization for Research and Treatment of Cancer “Prostate Cancer” 25 items - EORTC QLQ-PR25; the Rosenberg Self-Esteem Scale and the Hospital Anxiety and Depression Scale.

Results:

Participants showed impairment of quality of life associated with impairment of sexual function and presence of urinary symptoms. There was a correlation between the psychosocial aspects and some quality of life assessment scales, mainly the functional and symptom scales.

Conclusion:

It was shown that radical prostatectomy causes impairment in the quality of life of men, requiring care from health professionals to minimize the effects of the most common complications. Educational interventions and multi-professional support based on a better understanding of the physical and psychosocial implications are recommended to help improve the quality of life of men after radical prostatectomy.

Keywords
Quality of life; Prostatectomy; Prostatic neoplasms; Psychosocial impact

Introdução

O mais abrangente levantamento estatístico de câncer no mundo (GLOBOCAN), divulgado pela International Agency for Research on Cancer (IARC), da Organização Mundial de Saúde (OMS), indica que o câncer de próstata (CP) é o tipo mais frequentemente diagnosticado em homens de 105 países, seguido pelo câncer de pulmão e câncer de fígado.(11. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394–424.) Maiores taxas de incidência concentram-se em países desenvolvidos, tais como Austrália/ Nova Zelândia, Europa Ocidental e América do Norte(11. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394–424.) e as justificativas relacionam-se aos métodos diagnósticos disponíveis e políticas de detecção precoce. No Brasil, desconsiderando os tumores de pele não melanoma, o CP lidera o ranking dos tipos de câncer mais prevalentes em homens em todas as regiões, representando cerca de 10% do total de todos os cânceres.(22. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2018: Incidência de Câncer no Brasil [Internet]. 2018 [cited 2018 Jun 4]. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/estimativa/2018/
http://www1.inca.gov.br/estimativa/2018/...
)

Embora, os dados nos mostrem altos índices de diagnóstico, o CP apresenta boa expectativa de vida quando diagnosticado precocemente. As opções terapêuticas são abrangentes e variam de acordo com diversos aspectos, como o estágio do câncer, estado de saúde geral, expectativa de vida e preferências do paciente.(33. Sanda MG, Chen RC, Crispino T, Freedland S, Greene K, Klotz LH, et al. Clinically Localized Prostate Cancer: AUA/ASTRO/SUO Guideline. American Urological Association Education and Research [Internet]. 2017 [cited 2018 Dec 10]; 1-56. Available from: https://www.auanet.org/guidelines/clinically-localized-prostate-cancer-new-(aua/astro/suo-guideline-2017)
https://www.auanet.org/guidelines/clinic...
) Atualmente, são estabelecidas a vigilância ativa, radioterapia, braquiterapia, crioterapia e a cirurgia de retirada da próstata (radical ou parcial).(44. Mottet N, Bellmunt J, Bolla M, Briers E, Cumberbatch MG, De Santis M, et al. EAU-ESTRO-SIOG guidelines on prostate cancer. Part 1:screening, diagnosis, and local treatment with curative intent. Eur Urol. 2017;71(4):618–29.,55. Miller KD, Siegel RL, Lin CC, Mariotto AB, Kramer JL, Rowland JH, et al. Cancer treatment and survivorship statistics, 2016. CA Cancer J Clin. 2016;66(4):271–89.) A cirurgia, conhecida como Prostatectomia Radical (PR), é indicada como procedimento padrão-ouro para o tratamento do CP,(66. Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Adenocarcinoma de Próstata. Brasília (DF): Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; 2015) e consiste na retirada da glândula prostática e vesículas seminais.(77. Rosoff JS, Savage SJ, Prasad SM. Salvage radical prostatectomy as management of locally recurrent prostate cancer: outcomes and complications. World J Urol. 2013;31(6):1347–52.)

Assim como em todo procedimento cirúrgico, na PR existe o risco de complicações, mesmo que temporariamente, o que pode interferir de forma negativa na Qualidade de Vida (QV) destes pacientes. Tais complicações podem ser imediatas ou a longo prazo, como a Incontinência Urinária (IU) e a Disfunção Erétil (DE).(77. Rosoff JS, Savage SJ, Prasad SM. Salvage radical prostatectomy as management of locally recurrent prostate cancer: outcomes and complications. World J Urol. 2013;31(6):1347–52.) Ambas as complicações podem gerar efeitos negativos na vida dos pacientes submetidos a PR, os quais, por consequência, podem apresentar alterações psicossociais, tais como a presença de ansiedade e depressão(88. Watson E, Shinkins B, Frith E, Neal D, Hamdy F, Walter F, et al. Symptoms, unmet needs, psychological well-being and health status in survivors of prostate cancer: implications for redesigning follow-up. BJU Int. 2016;117 6B:E10–9.) e baixa da autoestima,(99. Wootten AC, Meyer D, Abbott JM, Chisholm K, Austin DW, Klein B, et al. An online psychological intervention can improve the sexual satisfaction of men following treatment for localized prostate cancer:outcomes of a Randomised Controlled Trial evaluating My Road Ahead. Psychooncology. 2017;26(7):975–81.) fatores estes que acarretam em alterações na QV destes homens.(1010. Resnick MJ, Guzzo TJ, Cowan JE, Knight SJ, Carroll PR, Penson DF. Factors associated with satisfaction with prostate cancer care: results from Cancer of the Prostate Strategic Urologic Research Endeavor (CaPSURE). BJU Int. 2013;111(2):213–20.) Pressupõe-se que estas alterações sejam resultado de um sentimento de incerteza em como lidar com as mudanças físicas e sociais decorrentes de consequências do tratamento.

Desta forma, acredita-se que a mensuração da QV e a identificação de fatores psicossociais frequentemente associados, como ansiedade, depressão e baixa autoestima, apresentam-se como facetas importantes na recuperação e reabilitação de homens prostatectomizados, uma vez que se constituem em uma avaliação quantitativa da percepção do bem-estar desses indivíduos e que incluem aspectos relacionados aos efeitos indesejáveis da cirurgia, ora preteridos por profissionais de saúde. Acredita-se, ainda, que esta avaliação possibilita e subsidia informações para melhor planejamento de saúde a esta população, mesmo após o tratamento curativo. Neste contexto e diante do número incipiente de publicações nacionais que abordam estes aspectos, o objetivo deste estudo foi investigar a qualidade de vida e suas correlações com fatores psicossociais (ansiedade, depressão e baixa autoestima) em homens prostatectomizados.

Faz-se importante destacar que, neste estudo, será adotada a definição do constructo Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) proposta pela European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life (EORTC), a qual o insere como um construto multidimensional que abrange vários aspectos envolvidos na vida do sujeito, tais como a doença e os sintomas relacionados com o tratamento, bem como o desempenho físico, psicológico e social após o diagnóstico e/ou tratamento.(1111. Velikova G, Coens C, Efficace F, Greimel E, Groenvold M, Johnson C, et al. Health—Related quality of life in EORTC clinical trials—30 years of progress from methodological developments to making a real impact on oncology practice. Eur J Cancer. 2012;10(1):141–9.)

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo correlacional de delineamento transversal, cuja população foi constituída por homens com idade igual ou superior a 50 anos submetidos a PR e que apresentavam registros de acompanhamento ambulatorial oncológico, em diferentes fases do pós-operatório, em dois estabelecimentos de saúde de referência, público e privado, que atendem a população do município e região em aproximadamente 24 especialidades médicas.

O tamanho da amostra foi baseado no cálculo dos coeficientes de correlação de Spearman entre os escores dos instrumentos obtidos em estudo piloto (n = 25). Assim, para determinar coeficientes de correlação em torno de 0,30, utilizando-se α = 0,05 e β = 0,20, foi determinado o número mínimo de 85 participantes. A amostragem foi não probabilística por conveniência, de acordo com os registros dos dois serviços de saúde incluídos no estudo.

Os critérios de inclusão para a seleção da amostra foram: idade igual ou superior a 18 anos; ter realizado PR aberta retropúbica há no mínimo três meses e no máximo cinco anos, ter registro de acompanhamento em um dos dois serviços de saúde incluídos no estudo e possuir telefone funcionante para possibilitar a abordagem dos pesquisadores. Foram excluídos homens com alterações no nível de consciência, diagnóstico médico de alterações cognitivas ou quadros demenciais informados pelos profissionais dos serviços de saúde, familiares ou identificados em prontuários.

A coleta de dados abrangeu um período de 14 meses. Primeiramente, os participantes foram selecionados através do levantamento em prontuários para obtenção dos dados (nome, cirurgia realizada e telefone de contato). Em seguida, todos os homens que puderam ser contatados por telefone foram convidados a participar, após receberem informações sobre estudo, seus objetivos e forma de participação. Aos que aceitavam, eram oferecidas opções de data, horário e local para a realização da entrevista, que podia ser sua residência ou um dos serviços incluídos no estudo.

A coleta ocorreu por meio de entrevistas estruturadas, com duração máxima de 40 minutos, realizadas por uma equipe de duas pesquisadoras incluindo pesquisa-dora responsável pelo estudo e uma colaboradora previamente treinada, que auxiliava na leitura dos itens dos questionários quando havia risco de reduzida acuidade visual e baixo nível de escolaridade dos participantes.

Antes de iniciar a entrevista, os participantes eram informados dos princípios éticos do estudo, de seu caráter sigiloso e da possibilidade de retirar seu consentimento a qualquer momento e sem nenhum prejuízo. Em seguida, era realizada a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, iniciava-se a aplicação dos instrumentos, em uma ordem pré-estabelecida: 1) Instrumento de caracterização sociodemográfica; 2) Escala de Autoestima de Rosenberg (EAER); 3) Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS); 4) European Organization for Research and Treatment of Câncer Quality of Life Questionnaire “Core” 30 items (EORTC QLQ-C30) e 5) European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire “Prostate Cancer” 25 items (EORTC QLQ-PR25).

A EAER é uma escala única, traduzida e validada para a língua portuguesa,(1212. Dini GM, Quaresma MR, Ferreira LM. Adaptação cultural e validade da versão brasileira da escala de auto-estima de Rosenberg. Rev Soc Bras Cir Plást. 2004; 19(1):41-52.) unidimensional, com respostas em escala tipo Likert (4 opções), contendo 10 itens com conteúdo referente aos sentimentos de respeito e aceitação por si mesmo. Permite um intervalo de 0 a 30, sendo que o maior escore representa melhor autoestima. O Alfa de Cronbach obtido para a EAER na amostra estudada foi de 0,77, sendo considerado adequado.

Para avaliação de sintomas de ansiedade e depressão, utilizou-se a versão validada e publicada da HADS.(1313. Botega Neury J, Bio Márcia R, Zomignani MA, Garcia Jr Celso, Pereira WA. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Rev. Saúde Pública. 1995; 29(5): 359-363.) A escala é formada por 14 itens divididos em duas subescalas, sendo 7 itens para ansiedade e 7 itens para depressão, com quatro opções de resposta (0 a 3) e intervalo de 0 pontos a 21 pontos nas duas subescalas. Valores iguais ou superiores a oito são indicativos de ansiedade e/ou depressão.(1414. Zigmond AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatr Scand. 1983;67(6):361–70.) A subescala de Ansiedade da HADS obteve Alfa de Cronbach de 0,75 e a de depressão obteve 0,71, sendo considerados adequados para a amostra em estudo.

Para a avaliação da variável QVRS foram utilizados dois questionários traduzidos e validados, o EORTC QLQ-C30)(1515. Brabo EP, Paschoal ME, Biasoli I, Nogueira FE, Gomes MC, Gomes IP, et al. Brazilian version of the QLQ-LC13 lung cancer module of the European Organization for Research and Treatment of Cancer: preliminary reliability and validity report. Qual Life Res. 2006;15(9):1519–24.) em conjunto com o módulo específico para CP, e o EORTC QLQ-PR25.(1616. Alves E, Medina R, Andreoni C. RE: Validation of the brazilian version of the expanded prostate cancer index composite (EPIC) for patients submitted to radical prostatectomy. Int Braz J Urol. 2015; 41(3): 604-5.) Tratam-se de questionários largamente utilizados em todo o mundo, que demonstram propriedades psicométricas largamente testadas e adequadas.

Em princípios gerais, ambos os questionários são compostos por escalas com múltiplos itens, sendo a maioria do tipo Likert, com opções de resposta que variam de 1 a 4, e que são recalculadas em transformação linear de 0 a 100. Quanto maior a pontuação, melhor a QVRS (para escalas funcionais, de desempenho de papel e outras) ou pior a QVRS em relação à maior presença de sintomas (para as escalas de sintomas).

O EORTC QLQ-C30 compreende cinco escalas funcionais, três escalas de sintomas, uma escala global do estado de saúde/QV, cinco itens únicos que avaliam sintomas comumente relatados por doentes oncológicos e um item único relacionado a dificuldade financeira.(1717. King MT, Costa DS, Aaronson NK, Brazier JE, Cella DF, Fayers PM, et al. QLUC10D: a health state classification system for a multi-attribute utility measure based on the EORTC QLQ-C30. Qual Life Res. 2016;25(3):625–36.) Já o EORTC QLQ-PR25 é formado por duas escalas funcionais e cinco escalas de sintomas. O alfa de Cronbach obtido foi de 0,81 para o questionário EORTC QLQ-C30 e 0,83 para o questionário EORTC QLQ-PR25, considerados, portanto, adequados para medir o que se propõem.

Para a análise dos dados, foi construído um banco de dados em planilha no Microsoft Office Excel® com dupla digitação e posterior conferência. Estes dados foram transportados para o Software “R”, onde os testes estatísticos foram realizados.(1818. Team RC. A language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing; 2014.)

Para a análise e caracterização das variáveis, foram adotados métodos estatísticos descritivos. Para testar a confiabilidade dos questionários na amostra em estudo, foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach. O teste Kolmogorov-Smirnov foi utilizado com o intuito de investigar o padrão de normalidade na distribuição entre os dados, definindo que os dados não apresentavam esta distribuição, portanto, foram adotados testes não paramétricos. Para verificar a existência de diferenças entre os grupos, foram utilizados os testes não paramétricos Mann-Whitney e Kruskall-Wallis. Para investigar a existência de correlações e a sua magnitude entre as variáveis optou-se pelo teste não paramétrico coeficiente de correlação de Spearman e para a interpretação da magnitude das correlações foi adotada a seguinte classificação: coeficientes de correlação < 0,3 - correlação de fraca magnitude; de 0,3 a 0,49 - moderada magnitude; e ≥ 0,5 forte magnitude.(1919. Cohen J. Statistical power analysis for the behavioral sciences. Hillsdale: Erlbaum; 1988.) O nível de significância estatística adotado para os testes foi de 5% (p≤0,05). Os resultados são apresentados em tabelas cruzadas.

Esse estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, sob o parecer n° 177.728 e 398.781, e foi conduzido respeitando todas as recomendações de boas práticas em pesquisas envolvendo seres humanos vigentes à época (Resolução CNS n° 466/2012).

Resultados

A média de idade dos 85 participantes foi de 66,08 (±6,92) anos, variando entre a idade mínima de 50 anos e máxima de 79 anos. A maioria (63,52%) se autodeclarou da cor branca, com ensino fundamental incompleto (57,65%). A média de tempo de pós-operatório foi de 19,32 (±14,33) meses, apresentando mínimo de 3 meses e máximo de 54 meses. Três (3,53%) participantes revelaram ter outro tipo de câncer, sendo os três de pele. Vinte e seis (30,59%) informaram história de CP em familiar de primeiro grau. A maioria (64,71%) dos participantes realizou a cirurgia por meio do SUS.

A realização da cirurgia afetou o desempenho no trabalho de 19 (22,35%) homens e o principal motivo foi a incontinência urinária ao esforço físico. Prejuízo na prática de atividades sociais (bares, festas, atividades na comunidade, outros) também foi mencionado pela maioria dos participantes.

Em relação à análise dos aspectos psicossociais, a variável autoestima apresentou escore médio de 23,29 (±4,41), mínimo de 13 e o máximo de 30. Além disso, sintomas de ansiedade foram identificados em 16 (18,82%) homens, enquanto a presença de sintomas depressivos foi observada em 14 (16,47%).

Na avaliação da percepção da QVRS, os escores obtidos nas escalas funcionais do questionário EORTC QLQ-C30 foram acima de 80, revelando pouco comprometimento funcional relacionado à QVRS geral. Em contrapartida, no questionário específico EORTC QLQPR25, os escores apresentaram médias abaixo de 60, sugerindo comprometimento da função sexual (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das escalas dos questionários de QVRS, segundo mínimo, máximo, média e desvio padrão (n=85)

Observou-se ainda que os sintomas mais frequentemente mencionados na amostra estudada foram incontinência e sintomas urinários, insônia, dor, fadiga e sintomas relacionados as alterações hormonais, evidenciados por escores mais altos (Tabela 1).

Com relação à escala de Status Global de Saúde e Qualidade de Vida, as médias obtidas revelam escores elevados, com média de 82,35 (±18,07), o que caracteriza autopercepção positiva de sua saúde e QV. Ademais, o aspecto financeiro não se caracterizou como problema para a maioria dos participantes, com escore apresentando média de 9,41 (±27,99) (Tabela 1).

As tabelas 2 e 3 apresentam as médias dos escores de QVRS de acordo com as categorias estabelecidas para cada variável psicossocial.

Tabela 2
Escores médios dos domínios do questionário EORTC QLQ-C30 segundo variáveis psicossociais em homens prostatectomizados (n= 85)
Tabela 3
Escores médios das escalas do questionário EORTC QLQ-PR25 segundo variáveis psicossociais em homens prostatectomizados (n= 85)

Na tabela 2, observa-se diferença estatisticamente significativa (p<0,01) entre a presença de sintomas de ansiedade e depressão e a avaliação da QV, principalmente nas escalas funcionais, demonstrando que homens com sintomas de ansiedade e/ou depressão apresentaram maior comprometimento da qualidade de vida no que se refere aos aspectos funcionais. A experiência recente de sintomas como náuseas, dor e dispneia também foi maior (p<0,01) em homens com sintomas de ansiedade e depressão.

Contudo, no que se refere às escalas específicas para o CP, os resultados mostraram-se opostos, sendo que homens com presença de sintomas depressivos apresentaram melhor QV, evidenciada por maiores escores nas escalas funcionais e menores es-cores nas escalas de sintomas (Tabela 3).

Com referência à autoestima, é possível observar que homens com menor autoestima apresentam prejuízo na função sexual. Além disso, homens que experienciam sintomas urinários também demostram menor autoestima (Tabela 3).

Houve correlação (r=0,253) (p<0,05) entre a idade dos participantes e a escala de função emocional, sugerindo que, com o avançar da idade, ho-mens prostatectomizados mostram-se menos nervosos, preocupados, irritados e/ou deprimidos em relação à doença ou tratamento.

Também observou-se correlação entre a ansie-dade (r>0,6) e a escala de função social (r=0,614), demonstrando que sintomas de ansiedade interferem negativamente no desempenho social do sujeito. Outras correlações de menor magnitude foram detectadas e podem ser observadas na tabela 4.

Tabela 4
Correlação entre os escores de QVRS de homens prostatectomizados e variáveis psicossociais (n= 85)

No que se refere à depressão, também foram identificadas correlações entre as escalas de status global de saúde e qualidade de vida (r=-0,453), função física (r=-0,382), função cognitiva (r=-0,365), função social (r=-0,367), dispneia (r=0,390) e dificuldades financeiras (r=0,309) (Tabela 4).

Embora em menor comparência, ainda foi possível identificar correlações estatisticamente significativas entre a autoestima e as escalas de QVRS, tais como correlação inversa e de moderada magnitude com a escala de sintomas urinários (r=-0,314), sugerindo que homens com baixa autoestima apresentam mais sintomas urinários, e correlação inversa com a escala de atividade sexual (r=-0,273), sugerindo que homens com menor autoestima tendem a ter mais interesse em relação à vida sexual (Tabela 4).

Discussão

A avaliação da QV em homens com CP e que receberam um tratamento radical e curativo, fornecem informações detalhadas que devem servir de base para decisões terapêuticas relevantes, rejeitando os métodos ineficazes e frequentemente adotada de “benefícios contra os riscos” em saúde. Além disso, é uma ferramenta valiosa de informação sobre a percepção do indivíduo no que se refere à sua função física, emocional e social. Também se caracteriza como uma forma complementar de sinalizar problemas associados à doença ou o tratamento, como neste caso, o que requer atenção, intervenção rápida e eficaz de uma equipe multi-profissional, com vistas à melhor condução e melhores resultados para a vida deste homem.

Neste artigo, é apresentada uma avaliação geral e específica da QVRS de homens prostatectomizados e obtém-se resultados importantes, com evidências de seu comprometimento principalmente associado à presença de sintomas urinários e problemas com a função e desempenho sexual.

Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos,(2020. Park J, Lee SH, Kim TH, Yun SJ, Nam JK, Jeon SH, et al. Mp05-01 health-related quality of life changes in prostate cancer patients after radical prostatectomy: a longitudinal cohort study. J Urol. 2018;199(4):s42.,2121. Jeldres C, Cullen J, Hurwitz LM, Wolff EM, Levie KE, Odem-Davis K, et al. Prospective quality-of-life outcomes for low-risk prostate cancer: active surveillance versus radical prostatectomy. Cancer. 2015;121(14):2465–73.) sugerindo a suposição de que homens com sintomas urinários e déficit na função sexual possam apresentar maiores comprometimentos em sua qualidade de vida. Os estudos ressaltam ainda a importância para que, nestes homens, medidas de intervenção voltadas para estes aspectos sejam precocemente implementadas.

É compreendido que os homens se preparam para realizar a PR como uma forma de acreditar na solução definitiva do CP, no entanto, assim como evidenciado neste estudo, frequentemente as complicações físicas advindas da cirurgia, como a presença de sintomas urinários e de disfunção erétil, podem ocasionar problemas ainda não vivenciados, influenciando diretamente na QV destes homens após o tratamento. Tais problemas podem vir acompanhados de medos, angústias, baixa autoestima, ansiedade e depressão, resultado encontrado também em outro estudo publicado recentemente,(2222. Mata LRFD, Carvalho ECD, Gomes CRG, Silva ACD, Pereira MDG. Postoperative self-efficacy and psychological morbidity in radical prostatectomy. Rev Lat Am Enfermagem 2015; 23(5):806-13.) cujo objetivo foi avaliar a presença de morbidade psicológica nesta população.

Recente estudo de seguimento de aproximadamente um ano realizado com homens prostatectomizados evidencia a relação de predição entre ansie-dade e depressão e a qualidade de vida e bem-estar. Os autores descrevem a relação de predição entre a ansiedade e bem-estar subjetivo e qualidade de vida e depressão como preditora apenas de qualidade de vida, isto é, quando se estima o aumento da ansiedade e depressão, estima-se também o prejuízo na qualidade de vida. Os autores ressaltam que na população estudada, a cada um ponto aumentado no escore da escala de depressão tenha-se redução relativa de 0,6% na pontuação da qualidade de vida desses indivíduos.(2323. Romanzini AE, Pereira M G, Guilherme C, Cologna AJ, de Carvalho EC. Preditores de bem-estar e qualidade de vida em homens submetidos? prostatectomia radical: estudo longitudinal. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3031.)

A presença de sentimentos como a ansiedade e depressão geralmente são esperados após um evento traumático, principalmente em relação a um evento em que ocorre o medo iminente de morte. Estudo realizado na Suécia, que avaliou a ansiedade em ho-mens com CP antes da cirurgia e após três meses de pós-operatório indicam que mais de 70% dos pacientes relataram pensamentos intrusivos antes da cirurgia e quase 60% deles relataram estes pensamentos três meses após.(2424. Namiki S, Saito S, Tochigi T, Numata I, Ioritani N, Arai Y. Psychological distress in Japanese men with localized prostate cancer. Int J Urol. 2007;14(10):924–9.) Resultados semelhantes foram encontrados para depressão, indicando que entre 13% e 27% dos pacientes foram diagnosticados com transtorno depressivo clinicamente significativo.(2525. Korfage IJ, Essink-Bot ML, Janssens AC, Schröder FH, de Koning HJ. Anxiety and depression after prostate cancer diagnosis and treatment:5-year follow-up. Br J Cancer. 2006;94(8):1093–8.) Tais sentimentos podem associar-se a auto avaliação prejudicada da própria QV após o diagnóstico de CP e de uma cirurgia para solucioná-lo, assim como evidenciado nos resultados apresentados.

Neste estudo, os resultados apontam correlação de escalas específicas de avaliação da QVRS, como a presença de sintomas urinários e problemas no desempenho sexual com a presença de ansiedade, depressão e déficit da autoestima. Em outro estudo,(2626. Eilat-Tsanani S, Tabenkin H, Shental J, Elmalah I, Steinmetz D. Patients' perceptions of radical prostatectomy for localized prostate cancer: a qualitative study. Isr Med Assoc J. 2013;15(3):153–7.) autores concluem que a presença de sintomas urinários causa o sofrimento grave nos pacientes e que a capacidade sexual prejudicada se apresenta relacionada ao prejuízo nas relações com parceiras ocasionando o aumento de sentimentos depreciativos, tais como vergonha, culpa e por conseguinte a diminuição da autoestima.

Estudo australiano(2727. Chambers SK, Schover L, Nielsen L, Halford K, Clutton S, Gardiner RA, et al. Couple distress after localised prostate cancer. Support Care Cancer. 2013;21(11):2967–76.) demonstra que, em geral, os pacientes e suas parceiras relatam sentimentos de angústia, ansiedade e baixa autoestima. Outros autores citam que para as companheiras, a ansiedade foi o sentimento mais identificado e para os homens a autoestima foi mais fortemente relacionada ao estado de saúde mental e a preocupação com a função urinária, influenciando consideravelmente a QV destes homens.(2828. Thorsteinsdottir T, Hedelin M, Stranne J, Valdimarsdóttir H, Wilderäng U, Haglind E. et al. Intrusive thoughts and quality of life among men with prostate cancer before and three months after surgery. Health Qual Life Outcomes. 2013; 11: 154.)

Além das complicações físicas, a idade também parece ser um fator importante na percepção subjetiva da QV de homens submetidos à PR, pois, por suposição, espera-se que homens com idade mais avançada apresentem maiores taxas de comprometimento urinário e sexual. Entretanto, os resultados obtidos possibilitam inferir que homens com maior idade apresentam menos nervosismo, preocupação, irritação e/ou depressão relacionados à doença ou tratamento. Este resultado corrobora com os resultados encontrados por outros autores,(2929. Dąbrowska-Bender M, Słoniewski R, Religioni U, Juszczyk G, Słoniewska A, Staniszewska A. Analysis of quality of life subjective perception by patients treated for prostate cancer with the EORTC QLQ-C30 questionnaire and QLQ-PR25 module. J Cancer Educ. 2017;32(3):509–15.) os quais identificaram que a QVRS não se alterou em homens mais velhos. Nestes homens, a idade foi determinada como um mecanismo de adaptação à doença e ajustamento da QVRS. Desta maneira, pode-se supor que homens mais velhos tendem a reagir mais positivamente ao tratamento e ao enfrentamento de sintomas e complicações após a prostatectomia radical.

Diante da complexidade que envolve o processo de reabilitação do homem prostatectomizados, entende-se que a investigação de aspectos associados à qualidade de vida do homem após o tratamento curativo do CP deva fazer parte de um protocolo assistencial. De forma que, incluído em uma equipe multiprofissional, o profissional enfermeiro esteja atuante neste cenário, definindo intervenções de enfermagem a fim de contribuir fortemente para que estes homens tenham o melhor restabelecimento possível, considerando-se os aspectos individuais, com vistas à redução de sintomas de ansiedade, depressão, melhora da autoestima e consequentemente melhora de sua QV após o tratamento.(3030. Mata LR, Carvalho EC, Napoleão AA. Validating nursing interventions by specialists concerning discharging patients who have undergone prostatectomies. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(Spec):36-44.)

A limitação deste estudo está centrada às restrições para tornar possível a realização de generalizações dos resultados, uma vez que o objetivo foi identificar tais aspectos em determinado grupo específico. Desta forma, sugerimos investimentos na realização de novos estudos em diferentes populações que permitam analisar e avaliar a qualidade de vida de homens prostatectomizados e suas relações com fatores psicossociais e físicos, com vistas a contribuir para o cuidado de enfermagem no período pré e pós-operatório de homens submetidos à pros-tatectomia radical. Além de investimentos em estudos de caráter experimental, investigando a eficácia de terapias comportamentais na reabilitação de ho-mens prostatectomizados, com vistas à redução de impacto negativo em sua qualidade de vida, principalmente no que se refere à incontinência urinária e disfunção erétil.

Conclusão

Conclui-se que o comprometimento da qualidade de vida em homens submetidos à prostatectomia possui correlação direta com o câncer de próstata, mais especificamente com o déficit da função sexual e com a presença de sintomas urinários decorrentes do tratamento cirúrgico. Foi ainda possível concluir que tais aspectos apresentaram correlação com a baixa autoestima, sugerindo que a autoestima esteja diretamente influenciada pela presença de problemas na função sexual e urinária. Apesar de serem descritas na literatura diversas intervenções de enfermagem no cuidado ao paciente pros-tatectomizados, pouso tem descrito sobre terapias comportamentais de reabilitação possíveis de serem aplicadas pelo enfermeiro após a cirurgia, as quais influenciam diretamente em aspectos psicossociais e físicos que refletem na qualidade de vida de ho-mens prostatectomizados. Desta forma, ressaltamos a importância do enfermeiro, por ser profissional capacitado e habilitado, além de ser o mais acessível durante todo o processo cirúrgico e de reabilitação pós-operatória.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2018
  • Aceito
    07 Mar 2019
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