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Analgesia neuroaxial no trabalho de parto: efeitos sobre desfechos maternos e neonatais

Anestesia neuroaxial en el trabajo de parto: efectos sobre desenlaces maternos y neonatales

Resumo

Objetivo

Comparar os desfechos maternos e neonatais de mulheres que usaram e não usaram analgesia neuroaxial durante o trabalho de parto.

Métodos

Estudo transversal comparativo, documental, com coleta retrospectiva de dados, realizado em uma maternidade terciária de referência no Ceará. O tamanho da amostra foi calculado pela diferença entre duas proporções: partos vaginais com e sem analgesia, sendo 130 mulheres para cada grupo, totalizando 260 prontuários. A coleta de dados ocorreu entre julho de 2019 e fevereiro de 2020. Foram usados os testes t de Student, U de Mann-Whitney, qui-quadrado de Pearson, exato de Fisher e o programa IBM SPSS.

Resultados

O grupo com analgesia apresentou maior média de consultas pré-natal (8,24; p<0,001), maior exposição à indução (74; 56,9%; p<0,001), com uso de ocitocina (57; 43,8%; p<0,001), maior duração do trabalho de parto ativo (média: 392 min; p<0,001) e do período expulsivo (média: 85,3 min; p<0,001), maior frequência de episiotomia (7; 7,9%; p=0,03), de parto cesárea (41; 31,5%; p<0,001), e pariram bebês mais pesados (média: 3,28 kg; p=0,007).

Conclusão

O uso de analgesia está associado à maior frequência de intervenções obstétricas, bem como ao aumento na duração do trabalho de parto. Quanto aos desfechos neonatais, o grupo com analgesia pariu recém-nascidos mais pesados; além disso, não foi observada associação com o escore de Apgar, nem encaminhamentos para unidades de risco.

Analgesia obstétrica; Analgesia; Trabalho de parto; Enfermagem obstétrica; Promoção da saúde

Resumen

Objetivo

Comparar los desenlaces maternos y neonatales de mujeres que recibieron anestesia neuroaxial durante el trabajo de parto y las que no recibieron.

Métodos

Estudio transversal comparativo, documental, con recopilación retrospectiva de datos, realizado en una maternidad de tercer nivel de referencia en el estado de Ceará. El tamaño de la muestra se calculó mediante la diferencia entre dos proporciones: partos vaginales con y sin anestesia, con 130 mujeres en cada grupo, 260 historias clínicas en total. La recopilación de datos se realizó entre julio de 2019 y febrero de 2020. Se utilizaron las pruebas t de Student, U de Mann-Whitney, ji cuadrado de Pearson, exacto de Fisher y el programa IBM SPSS.

Resultados

El grupo con anestesia presentó un mayor promedio de consultas prenatales (8,24; p<0,001), una mayor exposición a la inducción (74; 56,9 %; p<0,001), con uso de oxitocina (57; 43,8 %; p<0,001), una duración mayor del trabajo de parto activo (promedio: 392 min; p<0,001) y del período expulsivo (promedio: 85,3 min; p<0,001), una mayor frecuencia de episiotomía (7; 7,9 %; p=0,03), de parto por cesárea (41; 31,5 %; p<0,001), y parieron bebés más pesados (promedio: 3,28 kg; p=0,007).

Conclusión

El uso de anestesia está asociado a una mayor frecuencia de intervenciones obstétricas, así como también al aumento de la duración del trabajo de parto. Respecto a los desenlaces neonatales, el grupo con anestesia parió recién nacidos más pesados. Además, no se observó relación con el puntaje de Apgar, ni derivaciones a unidades de riesgo.

Analgesia obstétrica; Analgesia; Trabajo de parto; Enfermería obstétrica; Promoción de la salud

Abstract

Objective

To compare maternal and neonatal outcomes of women who used and did not use neuraxial analgesia during labor.

Methods

A cross-sectional, comparative, documentary study, with retrospective data collection, carried out at a tertiary reference maternity hospital in Ceará. Sample size was calculated by the difference between two proportions: vaginal births with and without analgesia, with 130 women for each group, totaling 260 medical records. Data collection took place between July 2019 and February 2020. Student’s t test, Mann-Whitney U test, Pearson’s chi-square test, Fisher’s exact test and the IBM SPSS program were used.

Results

The group with analgesia had a higher mean number of prenatal consultations (8.24; p<0.001), greater exposure to induction (74; 56.9%; p<0.001), with use of oxytocin (57; 43.8%; p<0.001), longer duration of active labor (mean: 392 min; p<0.001) and expulsive period (mean: 85.3 min; p<0.001), higher frequency of episiotomy (7; 7.9%; p=0.03), by cesarean section (41; 31.5%; p<0.001), and heavier babies were born (mean: 3.28 kg; p=0.007).

Conclusion

The use of analgesia is associated with a greater frequency of obstetric interventions as well as an increase in the duration of labor. Regarding neonatal outcomes, the group with analgesia gave birth to heavier newborns; Furthermore, no association was observed with the Apgar score, nor referrals to high-risk units.

Analgesia obstetrical; Analgesia; Labor, Obstetric; Obstetric nursing; Health promotion

Introdução

O nascimento de um filho é um momento único e emocionante para a mulher. Entretanto, a dor no trabalho de parto pode ser intensa entre as parturientes e a intensidade da dor varia, tornando-se um aspecto importante na vivência de cada gestante com o parto. Assim, algumas ações profissionais podem impactar positivamente a experiência da mulher com o parto.(11. Aragão FF, Aragão PW, Martins CA, Leal KF, Ferraz AF. Analgesia de parto no neuroeixo: uma revisão da literatura. Braz J Anesthesiol. 2019;69(3):291-8. Review.)

Como as respostas fisiológicas influenciam tanto o bem‐estar materno e fetal como a própria evolução do trabalho de parto, a dor pode acarretar sérias consequências para a mãe e para o feto se não for controlada durante o trabalho de parto.11. Aragão FF, Aragão PW, Martins CA, Leal KF, Ferraz AF. Analgesia de parto no neuroeixo: uma revisão da literatura. Braz J Anesthesiol. 2019;69(3):291-8. Review. Dor, estresse e ansiedade levam à liberação de cortisol e catecolaminas, podendo causar aumento de contrações uterinas descoordenadas, diminuição do fluxo sanguíneo uterino (com alterações na frequência cardíaca fetal) e aumento do débito cardíaco e da pressão arterial materna.(22. Hawkins JL. Epidural analgesia for labor and delivery. N Engl J Med. 2010;362(16):1503-10.,33. Fernandes ML, Andrade FC. Analgesia de parto: bases anatômicas e fisiológicas. Rev Med Minas Gerais. 2009;19(3 Supl 1): S3-6.)

A dor também acarreta o aumento na concentração plasmática de endorfinas, lactato e ácidos graxos, gerando acidose metabólica materna e fetal. Além disso, ocorre hiperventilação materna em resposta à dor, gerando alcalose respiratória materna reduzindo o transporte de oxigênio ao feto. Portanto, o controle adequado da dor pode beneficiar diretamente a mãe e indiretamente o feto, reduzindo as contrações uterinas dolorosas (causadas pelo aumento de frequência e débito cardíacos e pressão arterial) pela redução na secreção de catecolaminas maternas, além de beneficiar o feto (por cessar a hiperventilação materna).(11. Aragão FF, Aragão PW, Martins CA, Leal KF, Ferraz AF. Analgesia de parto no neuroeixo: uma revisão da literatura. Braz J Anesthesiol. 2019;69(3):291-8. Review.,33. Fernandes ML, Andrade FC. Analgesia de parto: bases anatômicas e fisiológicas. Rev Med Minas Gerais. 2009;19(3 Supl 1): S3-6.)

Assim, o profissional deve desenvolver estratégias para diminuir dor, estresse e ansiedade nesse período. Porém, ele deve envolver a mulher na tomada de decisão antes de escolher a modalidade para diminuir a dor no parto.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Departamento de Atenção Hospitalar e Urgência. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [citado 2023 Dez 2]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetricia_2017.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
)

A solicitação materna de analgesia no parto é suficiente para sua realização, independente da fase do parto, sendo ela uma prática recomendada na assistência obstétrica.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Departamento de Atenção Hospitalar e Urgência. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [citado 2023 Dez 2]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetricia_2017.pdf
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) Dadas as recomendações mundiais, enfatizamos a necessidade de reduzir as intervenções desnecessárias e usar mais tecnologias alternativas, tais como os métodos não farmacológicos de alívio da dor no parto [p.ex., exercícios respiratórios, hipnose, técnicas de distração, suporte contínuo, acupressão, acupuntura, reflexologia, aromaterapia, transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS)], bem como as técnicas médicas, incluindo analgesia peridural, combinada raqui-peridural, uso de óxido nitroso e injeção de opioides.(55. Leal MD, Bittencourt SA, Esteves-Pereira AP, Ayres BV, Silva LB, Thomaz EB, et al. Avanços na assistência ao parto no Brasil: resultados preliminares de dois estudos avaliativos. Cad Saude Publica. 2019;35(7):e00223018.,66. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD000331. Review.)

O uso de técnicas médicas analgésicas para aliviar a dor no trabalho de parto se tornou mais frequente. A analgesia neuroaxial (também chamada de espinhal ou regional) tem sido considerada a mais eficaz, pois alivia a dor preservando os movimentos e a consciência. Esta analgesia é subdividida em dois tipos: peridural (ou epidural) e raquianestesia, podendo ser combinadas (raqui-peridural ou duplo-bloqueio).(77. Hu LQ, Zhang J, Wong CA, Cao Q, Zhang G, Rong H, et al. Impact of the introduction of neuraxial labor analgesia on mode of delivery at an urban maternity hospital in China. Int J Gynaecol Obstet. 2015;129(1):17-21.,88. Schmidt SR, Schmidt AP, Schmidt AP. 19 - Anestesia e analgesia de parto. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6):169-71.)

As soluções analgésicas epidurais são aplicadas através de um cateter na região lombar da coluna vertebral (entre as vértebras), no espaço epidural (na parte mais externa do espaço espinhal); a infusão pode ser feita em bolus (contínua ou por uso de bomba controlada pela paciente). As concentrações mais baixas de anestésico local (quando administradas junto com um opioide) permitem que as mulheres mantenham sua capacidade de se movimentar, participando ativamente durante o trabalho de parto. Já a analgesia raquidiana não permite usar cateter; a injeção é realizada só uma vez no liquido que envolve a espinha.(66. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD000331. Review.,99. Nanji JA, Carvalho B. Pain management during labor and vaginal birth. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2020;67:100-12.)

Na combinação raqui-peridural (epidural-espinhal) da analgesia, são realizadas administração de uma única injeção de anestésico local (ou opiáceo) no fluido espinhal cerebral e inserção do cateter epidural para alívio contínuo. Esta combinação tem a vantagem de um rápido início de ação;(66. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD000331. Review.,77. Hu LQ, Zhang J, Wong CA, Cao Q, Zhang G, Rong H, et al. Impact of the introduction of neuraxial labor analgesia on mode of delivery at an urban maternity hospital in China. Int J Gynaecol Obstet. 2015;129(1):17-21.) isto resulta em um grande alívio da dor praticamente sem bloqueio motor. I.é, Independente da intensidade da dor e da resposta gerada, é importante que o método usado para amenizá-la seja eficaz e seguro para o binômio mãe e filho.(66. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD000331. Review.)

Entretanto, há divergências quanto ao uso da analgesia epidural e seu impacto nos resultados e evolução do trabalho de parto. Os desfechos das intervenções farmacológicas para controle da dor no parto variam muito e não há consenso sobre os principais resultados.(1010. Tan A, Wilson AN, Eghrari D, Clark H, Tse WC, Bohren MA, et al. Outcomes to measure the effects of pharmacological interventions for pain management for women during labour and birth: a review of systematic reviews and randomised trials. BJOG. 2022;129(6):845-54. Review.) Estudos mostraram sua relação com os seguintes desfechos: (1) redução nas taxas de cesariana, episiotomia e trauma perineal severo e (2) aumento no uso de doses baixas de analgesia intraparto, com acréscimo simultâneo de ocitocina no primeiro estágio do trabalho de parto.(1111. Wang Q, Zheng SX, Ni YF, Lu YY, Zhang B, Lian QQ, et al. The effect of labor epidural analgesia on maternal-fetal outcomes: a retrospective cohort study. Arch Gynecol Obstet. 2018;298(1):89-96.) A ocorrência de parto instrumental está relacionada com o risco aumentado de morbidade neonatal.(1212. Martínez AH, Almagro JJ, García-Suelto MM, Barrajon MU, Alarcón MM, Gómez-Salgado J. Epidural analgesia and neonatal morbidity: a retrospective cohort study. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(10):2092.)

Além das divergências sobre os desfechos relatadas na literatura, verificamos escassez de dados comparativos analisando a relação entre uso de analgesia neuroaxial e desfechos maternos e neonatais em diferentes regiões no Brasil. Isso dificulta o reconhecimento do uso da analgesia neuroaxial no Sistema Único de Saúde (SUS), bem como dos desfechos relacionados a essa prática, o que justificou a realização do presente estudo. Nossa hipótese foi que parturientes expostas à analgesia neuroaxial durante o trabalho de parto são submetidas a intervenções adicionais, com resultados divergentes, comparadas com aquelas não expostas a essa prática. Portanto, objetivou-se comparar os desfechos maternos e neonatais em mulheres que usaram e não usaram analgesia neuroaxial durante o trabalho de parto.

Métodos

Este foi um estudo transversal analítico, documental, retrospectivo, realizado com base no checklist da Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), desenvolvido no período de julho de 2019 a fevereiro de 2020 em uma maternidade terciária de referência em Fortaleza (Ceará), que presta assistência ambulatorial e hospitalar de alta complexidade a mulheres e recém-nascidos. A escolha do local, Maternidade Escola Assis Chateaubriand, MEAC, foi intencional, pois este é o único serviço público no estado que realiza analgesia no trabalho de parto até o momento de conclusão do estudo.(1313. Ceará. Complexo Hospitalar UFC/EBSERH. Relatório institucional 2020. Fortaleza: Complexo Hospitalar UFC/EBSERH; 2021. 115 p.)

Em 2019, ocorreram 4451 partos na instituição, sendo 2695 (60,5%) cesáreas e 1756 (39,5%) partos vaginais; desses últimos, 114 (6,5%) realizaram analgesia.(1414. Ceará. Complexo Hospitalar da UFC. Hospital Universitário Walter Cantídio. Maternidade-Escola Assis Chateaubriand. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará; 2019 [citado 2023 Nov 7]. Disponível em: http://www2.ebserh.gov.br/documents/214336/1106060/PRO.MED-ANEST.001+-+R3+ANALGESIA+DE++PARTO+-+com+assinatura.pdf/b5be30a2-5f87-4c0f-af3b-325c1878ca90
http://www2.ebserh.gov.br/documents/2143...
) O tamanho da amostra foi calculado usando a estimativa da diferença entre duas proporções (nível de significância: 5%; poder do teste: 80%).(1515. Siqueira AL. Dimensionamento de amostra para estudos na área da saúde. Belo Horizonte: Folium Editorial; 2017.)A proporção do grupo 1 (partos vaginais com analgesia) foi de 73% e a do grupo 2 (partos vaginais sem analgesia) foi de 83%. O tamanho da amostra foi de 260; sendo 130 para cada grupo.

Assim, os critérios de inclusão foram os seguintes: prontuários de mulheres que entraram em trabalho de parto (com feto vivo, único, apresentação cefálica, a termo e idade gestacional de 37-41 semanas e seis dias). Os critérios de exclusão foram: prontuários médicos com cesarianas eletivas, malformação fetal e com dados insuficientes para as variáveis de importância do estudo. A amostragem foi por conveniência, os prontuários mais recentes foram selecionados por possibilitar maior fidedignidade nos dados, homogeneidade em relação ao protocolo institucional de analgesia e menor probabilidade de viés quanto ao tempo.

A coleta de dados ocorreu da seguinte forma: 1º) Levantamento das pacientes que atendessem aos critérios de inclusão; 2ª) Busca dos prontuários no alojamento conjunto e, em caso de alta médica, no Serviço de Arquivo Médico e Estatística; 3º) preenchimento do instrumento de coleta de dados. Para o levantamento das pacientes que realizaram analgesia, utilizou-se um livro de ata de analgesia neuroaxial da instituição, onde são registradas todas as pacientes que realizaram esse procedimento. Para coleta de dados, foi usado um instrumento estruturado, constituído por três tópicos: I. Dados socioeconômicos: II. Dados obstétricos (Pré-natal; Trabalho de parto; Analgesia; Período expulsivo; Tipo de parto e Desfecho Perineal) e III. Condições Neonatais. (Peso, escore de Apgar e encaminhamento do recém-nascido).

Na análise de dados, as variáveis numéricas foram apresentadas como média e percentagem. Nas variáveis categóricas, os dados foram apresentados como frequência e taxa de prevalência, de modo a investigar possíveis associações entre desfechos obstétricos, neonatais e analgesia neuroaxial. Na análise das características dos grupos, foram usados os testes t de Student, U de Mann-Whitney, qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher. Foi adotado um nível de significância de 5%. Foi usado o gerenciador de dados da Research Electronic Data Capture (REDCap) e as análises estatísticas foram realizadas usando o programa estatístico Statistical Product and Service Solutions (SPSS).

O estudo foi submetido à Plataforma Brasil sendo avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 14194819.0.0000.5050; Parecer: 3.425.854). A assinatura do Termo de Fiel Depositário garantiu sigilo sobre todos dados de identificação das mulheres, tendo sido observados os aspectos éticos referentes à pesquisa com seres humanos, conforme as normas do Conselho Nacional de Saúde do Brasil (Resolução 466/2012).

Resultados

Foram analisados 260 prontuários de mulheres que entraram em trabalho de parto na instituição. Em relação à caracterização das participantes no estudo, a média da idade materna foi de 22,84 anos (variação: 14-44 anos). A maioria morava com o companheiro (183; 70,7%), sem atividade remunerada (178; 68,7%), residia em Fortaleza (228; 87,7%), cursava o ensino médio (167; 64,2%) e se autodeclarou como parda (218; 84,2%). Em relação ao uso de analgesia, essas variáveis foram semelhantes nos dois grupos e não apresentaram diferenças estatísticas relevantes. O grupo com analgesia apresentou maior média de consultas pré-natal (8,24; p<0,001), maior exposição à indução (74; 56,9%; p<0,001), uso de ocitocina (57; 43,8%; p<0,001), maior duração do trabalho de parto ativo (média: 392 min; p<0,001) e do período expulsivo (média: 85,3 min; p<0,001), maior frequência de episiotomia (7; 7,9%; p=0,03) e parto cesárea (41; 31,5%; p<0,001). A laceração de 2º grau foi associada ao grupo sem analgesia (57; 43,8%; p=0,01). As indicações de cesárea por parada de progressão (p<0,001) e sofrimento fetal agudo (p=0,01) apresentaram associação estatística com o grupo que usou analgesia neuroaxial, sugerindo relação com a taxa de cesárea das parturientes que receberam analgesia. Foi também verificada associação significativa entre mulheres sem analgesia neuroaxial e escolha por parir nas posições semissentada (p=0,01) e deitada (p=0,04) (Tabela 1).

Tabela 1
Associação entre variáveis obstétricas e período expulsivo (desfechos maternos) de acordo com o uso de analgesia neuroaxial

A respeito do tipo de analgesia neuroaxial durante o trabalho de parto, a técnica mais usada foi a epidural (100; 76,9%), seguida da combinada raquiperidural (15; 11,5%), e raquianestesia (14; 10,8%). As mulheres estavam predominantemente em trabalho de parto ativo no início da analgesia (dilatação cervical: 7 cm). A minoria das parturientes pediu reforço da analgesia (30; 23,3%); nove (7%) apresentaram efeitos adversos em decorrência deste procedimento (Tabela 2).

Tabela 2
Variáveis do procedimento de analgesia neuroaxial durante o trabalho de parto

Quanto aos desfechos neonatais, as pacientes submetidas à analgesia pariram bebês mais pesados comparados aos do grupo sem analgesia (p=0,007) (Tabela 3).

Tabela 3
Classificação dos recém-nascidos de acordo com os grupos com e sem analgesia neuroaxial

Discussão

A relação entre maior número de consultas pré-natais e uso da analgesia poderia sugerir que essas gestantes buscaram maior participação nesse período, que seria ideal para esclarecer dúvidas e obter informações seguras sobre o processo de parturição. Ressaltamos a importância do conhecimento adequado do profissional que presta a assistência pré-natal em relação às práticas de atenção ao parto, seus riscos e benefícios, pois a educação em saúde durante a gestação é fundamental quando se visa à autonomia da mulher, além de uma experiência positiva e satisfatória com o parto.

Há muitas publicações sobre repercussões maternas e fetais relacionadas ao uso da analgesia, principalmente quanto ao momento ideal para iniciar a analgesia, aumento no número de cesarianas, maior chance de parto vaginal operatório e prolongamento na duração do trabalho de parto.(11. Aragão FF, Aragão PW, Martins CA, Leal KF, Ferraz AF. Analgesia de parto no neuroeixo: uma revisão da literatura. Braz J Anesthesiol. 2019;69(3):291-8. Review.) Porém, têm sido observadas divergências na literatura quanto aos desfechos de parto. Uma revisão de revisões sistemáticas e seus ensaios clínicos randomizados foi publicada na Cochrane para identificar tais desfechos em estudos comparando intervenções farmacológicas (no manejo da dor) com outras intervenções, placebo ou nenhuma intervenção; os autores concluíram que os resultados das intervenções farmacológicas variam muito entre os estudos.(1010. Tan A, Wilson AN, Eghrari D, Clark H, Tse WC, Bohren MA, et al. Outcomes to measure the effects of pharmacological interventions for pain management for women during labour and birth: a review of systematic reviews and randomised trials. BJOG. 2022;129(6):845-54. Review.)

Apesar da prevalência do parto vaginal em ambos grupos, no presente estudo, a taxa de cesariana foi maior no grupo com analgesia (comparado ao grupo sem analgesia), devido, principalmente, ao sofrimento fetal agudo (SFA) e parada de progressão. Outras causas como desproporção cefalopélvica e parada secundária da descida foram identificadas em outro estudo.(1616. Braga AF, Carvalho VH, Braga FS, Pereira RI. Bloqueio combinado raquiperidural para analgesia de parto. Estudo comparativo com bloqueio peridural contínuo. Braz J Anesthesiol. 2019;69(1):7-12.)E com relação ao tipo de parto, resultados de 2726 partos nulíparos, cefálicos, únicos e a termo analisados, comparando o efeito da analgesia, observou que, tanto no trabalho de parto espontâneo como no induzido, a taxa de cesariana foi significativamente maior na presença de analgesia, corroborando com o achado no presente estudo.(1717. Yagi T, Kinose Y, Bun M, Horai M, Matsuda C, Miyake T, et al. Obstetrical outcomes of labor with and without analgesia in Robson classification groups 1 and 2a: a single-center retrospective study. J Anesth. 2023;37(1):39-48.)

Em relação ao risco aumentado para o parto instrumental nas usuárias de analgesia epidural, os resultados identificados por Srebnik et al. (2020) são confirmados. No entanto, divergem quanto à associação com menor risco de cesariana.(1818. Srebnik N, Barkan O, Rottenstreich M, Ioscovich A, Farkash R, Rotshenker-Olshinka K, et al. The impact of epidural analgesia on the mode of delivery in nulliparous women that attain the second stage of labor. J Matern Fetal Neonatal Med. 2020;33(14):2451-8.) Uma coorte retrospectiva demonstrou aumento do risco de parto vaginal instrumental associado à analgesia, mas menor risco de cesariana. O estudo aponta dois fatores - idade materna avançada e primiparidade - que contribuem para o aumento do risco de parto instrumental e sugere considerar cuidadosamente a indicação da analgesia nesses casos.(1919. Eguchi S, Nagaoki Y, Ohde S, Hirata M. Impact of labor analgesia on mode of delivery and neonatal outcomes in Japan: A retrospective cohort study. PLoS One. 2023;18(4):e0284368.) Outro estudo reforça esse achado, sendo uma coorte, prospectiva, realizada na Irlanda, com 1.221 mulheres, a qual aquelas que receberam analgesia tinham maiores chances de precisar de intervenção intraparto, sendo três vezes mais propensas a ter um parto assistido por vácuo e onze vezes a ter um parto assistido por fórceps, em comparação ao parto espontâneo.(2020. Newnham EC, Moran PS, Begley CM, Carroll M, Daly D. Comparison of labour and birth outcomes between nulliparous women who used epidural analgesia in labour and those who did not: a prospective cohort study. Women Birth. 2021;34(5):e435-41.)

Entretanto, em uma coorte retrospectiva de 744 mulheres nulíparas, apesar de o grupo com analgesia ter apresentado maiores taxas de cesarianas e parto vaginal operatório, o resultado não foi estatisticamente significativo.(2121. Ambrosetti F, Grandi G, Petrella E, Sampogna V, Donno L, Rinaldi L, et al. The impact of epidural analgesia on delivery mode in Robson class 1 women: a retrospective cohort study. AJOG Glob Rep. 2023;3(2):100207.)Um estudo que analisou sistematicamente o efeito da analgesia peridural no progresso do trabalho de parto e na musculatura do assoalho pélvico das mulheres, sob a perspectiva da eletromiografia, também não observou diferença significativa no percentual de fórceps.(2222. Jiang Q, Jin Z, Wang W, Ji Q, Qi C. Retrospective study to assess the effect of epidural analgesia on labor progress and women's pelvic floor muscle from the perspective of electromyography. J Matern Fetal Neonatal Med. 2023;36(1):2211198.)

Portanto, apesar de evidências apontarem para a associação entre o uso de analgesia e aumento o risco de parto instrumental, há divergências nos resultados, o que sublinha a necessidade de futuras pesquisas que analisem de forma individualizada os casos, bem como a forma de utilização dessa prática, a fim de esclarecer e mitigar preocupação e receio dos profissionais que gerenciam a dor no trabalho de parto. Uma revisão sistemática sobre uso de analgesia epidural relatou que a administração de analgesia pode tornar a parturiente mais propensa a precisar de fórceps, em comparação à administração de opioides. No entanto, nos estudos realizados a partir de 2005, foi observada menor concentração de anestésico local e técnicas de analgesia mais modernas, o que pode ter contribuído para a diminuição na taxa de parto vaginal operatório.(66. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD000331. Review.) Isto leva a inferir que as divergências entre os achados podem estar associadas a outras variáveis relacionadas à assistência, reforçando a importância de desestimular o uso indiscriminado de intervenções no trabalho de parto.

No presente estudo, também foi verificada uma associação entre uso da analgesia e aumentos na duração do trabalho de parto ativo e do período expulsivo. Resultados de um estudo que avaliou o efeito da analgesia peridural, sob a perspectiva da eletromiografia, corroboram esse achado, o qual observou que mulheres que implementaram analgesia peridural tiveram um período de trabalho de parto mais longo.(2222. Jiang Q, Jin Z, Wang W, Ji Q, Qi C. Retrospective study to assess the effect of epidural analgesia on labor progress and women's pelvic floor muscle from the perspective of electromyography. J Matern Fetal Neonatal Med. 2023;36(1):2211198.) Da mesma forma, outros estudos indicaram que tanto o primeiro quanto o segundo estágios do trabalho de parto foram mais longos, levando a aumento da duração total do trabalho de parto.(2121. Ambrosetti F, Grandi G, Petrella E, Sampogna V, Donno L, Rinaldi L, et al. The impact of epidural analgesia on delivery mode in Robson class 1 women: a retrospective cohort study. AJOG Glob Rep. 2023;3(2):100207.,2323. Zhu R, Pan Q, Cao X. Comparisons of nonpharmaceutical analgesia and pharmaceutical analgesia on the labor analgesia effect of parturient women. Immun Inflamm Dis. 2023;11(7):e869.

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-2727. Yin H, Hu R. A cohort study of the impact of epidural analgesia on maternal and neonatal outcomes. J Obstet Gynaecol Res. 2019;45(8):1435-41.)

É importante ressaltar que o trabalho de parto prolongado aumenta a probabilidade de exposição mais longa a analgesia epidural e maiores chances de parto instrumental. Portanto, esses possíveis fatores confundidores devem ser questionados: se o preditor do nascimento instrumental é analgesia epidural ou o próprio trabalho de parto prolongado e laborioso.(2828. Garcia-Lausin L, Perez-Botella M, Duran X, Mamblona-Vicente MF, Gutierrez-Martin MJ, Gómez de Enterria-Cuesta E, et al. Relation between Length of Exposure to Epidural Analgesia during Labour and Birth Mode. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(16):2928.)

Em relação ao período do trabalho de parto, um estudo verificou que as mulheres submetidas à analgesia mais cedo (com dilatação 2–4 cm versus >4 cm) tiveram uma duração mais curta do trabalho de parto.(2121. Ambrosetti F, Grandi G, Petrella E, Sampogna V, Donno L, Rinaldi L, et al. The impact of epidural analgesia on delivery mode in Robson class 1 women: a retrospective cohort study. AJOG Glob Rep. 2023;3(2):100207.) No entanto, no que tange ao estágio do trabalho de parto, resultados de um estudo que analisou os efeitos da analgesia nos diferentes momentos de dilatação cervical (<3 cm; entre 3–4 cm; e entre 4–6 cm), foi verificado que a duração do primeiro e segundo estágios e da duração total do trabalho de parto foram mais longas quando comparado a do grupo controle, divergindo ainda com relação a do primeiro estágio de dilatação, no qual foi observado maior aumento quando a analgesia foi administrada com menor dilatação.(2525. Lv FH, Wu Y, Xie HR, Sang L. Effects of different timing selections of labor analgesia for primiparae on parturition and neonates. Taiwan J Obstet Gynecol. 2023;62(3):402-5.)

Em relação à assistência ao parto, os achados da presente pesquisa confirmam alguns estudos que evidenciaram relação entre analgesia farmacológica e uso de ocitocina. Um estudo retrospectivo concluiu que mulheres em uso de analgesia epidural tinham maior probabilidade de receber ocitocina durante o trabalho de parto.(1818. Srebnik N, Barkan O, Rottenstreich M, Ioscovich A, Farkash R, Rotshenker-Olshinka K, et al. The impact of epidural analgesia on the mode of delivery in nulliparous women that attain the second stage of labor. J Matern Fetal Neonatal Med. 2020;33(14):2451-8.) No Japão, um estudo de coorte retrospectivo, com mais de 5.000 mulheres, mostrou que a analgesia combinada raquiperidural foi associada ao aumento no uso de ocitocina, prolongamento da duração do parto e parto instrumental; entretanto, sem diferença significativa na incidência de cesariana.(2929. Kurakazu M, Umehara N, Nagata C, Yamashita Y, Sato M, Sago H. Delivery mode and maternal and neonatal outcomes of combined spinal-epidural analgesia compared with no analgesia in spontaneous labor: a single-center observational study in Japan. J Obstet Gynaecol Res. 2020;46(3):425-33.)

A literatura apresenta uma falta de consenso quanto aos efeitos da analgesia nos diferentes estágios de dilatação cervical e na necessidade subsequente de intervenção com ocitocina. Por um lado, estudo conduzido evidenciou que a administração de analgesia estava significativamente relacionada com um aumento na taxa de utilização de ocitocina em todos os estágios de dilatação cervical examinados (<3 cm; entre 3–4 cm e entre 4–6 cm), com particular destaque para o primeiro estágio, onde a diferença foi mais acentuada.(2525. Lv FH, Wu Y, Xie HR, Sang L. Effects of different timing selections of labor analgesia for primiparae on parturition and neonates. Taiwan J Obstet Gynecol. 2023;62(3):402-5.)Em contraste, estudo que adotou uma abordagem sistemática e incluiu a análise eletromiográfica, não detectou variações significativas no uso de ocitocina em mulheres submetidas à analgesia peridural, sugerindo que outros fatores podem influenciar a administração deste fármaco durante o trabalho de parto.(2222. Jiang Q, Jin Z, Wang W, Ji Q, Qi C. Retrospective study to assess the effect of epidural analgesia on labor progress and women's pelvic floor muscle from the perspective of electromyography. J Matern Fetal Neonatal Med. 2023;36(1):2211198.) Essas divergências apontam para a complexidade da gestão do trabalho de parto e para a necessidade de uma compreensão mais aprofundada das variáveis envolvidas.

Os resultados apresentados no presente estudo mostraram que o grupo com analgesia pôde assumir posições mais verticalizadas no período expulsivo e obteve menor taxa de laceração perineal de segundo grau comparado às parturientes sem analgesia. Isto pode estar relacionado ao maior tempo do período expulsivo em mulheres sob analgesia neuroaxial, gerando um relaxamento adequado do períneo devido ao movimento de abaulamento do polo cefálico.

Nesse contexto, foi também verificado associação entre uso de analgesia com taxa de episiotomia. Estudo diverge com relação à episiotomia, não tendo encontrado diferença significativa, entretanto, corroboram com a associação verificada com um período de trabalho de parto mais longo e menor risco de apresentar laceração perineal.(2222. Jiang Q, Jin Z, Wang W, Ji Q, Qi C. Retrospective study to assess the effect of epidural analgesia on labor progress and women's pelvic floor muscle from the perspective of electromyography. J Matern Fetal Neonatal Med. 2023;36(1):2211198.)Constata-se que há uma variabilidade quanto à tomada de decisão clínica, que deve ser cautelosa e baseada em uma avaliação individualizada do progresso do trabalho de parto e das preferências da paciente. A divergência encontrada nos resultados relacionada às intervenções adotadas no trabalho de parto destaca a importância de futuras pesquisas para um manejo mais eficaz e baseado em evidências.

Em relação aos desfechos neonatais observados neste estudo, não se verificou diferenças estatísticas significativas quanto aos índices de Apgar no primeiro e quinto minutos, nem quanto ao encaminhamento para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). Contudo, o grupo que recebeu analgesia mostrou uma associação com o nascimento de bebês de maior peso; um desfecho que também foi observado em uma coorte retrospectiva.(2121. Ambrosetti F, Grandi G, Petrella E, Sampogna V, Donno L, Rinaldi L, et al. The impact of epidural analgesia on delivery mode in Robson class 1 women: a retrospective cohort study. AJOG Glob Rep. 2023;3(2):100207.) Neste contexto, um estudo, coorte retrospectiva voltada para investigar a associação entre a analgesia neuroaxial e os resultados neonatais de 2.343 partos únicos, encontrou uma associação estatística entre as nulíparas que receberam analgesia e uma incidência significativamente maior de índices de Apgar inferiores a 7 no primeiro e quinto minutos, presença de líquido amniótico meconial e desacelerações cardíacas fetais.(3030. Watanabe K, Sakamaki D, Shiko Y, Kawasaki Y, Noguchi S, Mazda Y. Comparison between neonatal outcomes of labor and delivery with labor neuraxial analgesia and without analgesia: a propensity score-matched study. J Obstet Gynaecol Res. 2023;49(4):1144-53.) Outra pesquisa observou a associação entre a analgesia peridural durante o trabalho de parto e um risco aumentado de infecção neonatal em recém-nascidos a termo nascidos por via vaginal.(3131. Rosenberg K. Epidural analgesia associated with higher rate of neonatal infection. Am J Nurs. 2022;122(1):59.)

Na literatura, não há consenso entre os resultados neonatais relacionados à analgesia no parto e trabalho de parto. Uma coorte retrospectiva realizada com 850 mulheres, em Minas Gerais, identificou uma associação com maior chance de desfechos tais como: escore Apgar <7 no primeiro minuto (p<0,0001), manobras de reanimação (p<0,001) e encaminhamento para UTIN (p=0,004), principalmente entre gestantes de risco habitual.(3232. Silva YA, Araújo FG, Amorim T, Martins EF, Felisbino-Mendes MS. Obstetric analgesia in labor and its association with neonatal outcomes. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20180757.) Entretanto, um estudo multicêntrico realizado na Espanha, não foi identificado diferença significante nos resultados perinatais entre as fases inicial e tardia, exceto por uma proporção maior de escore Apgar <7 no primeiro minuto.(2828. Garcia-Lausin L, Perez-Botella M, Duran X, Mamblona-Vicente MF, Gutierrez-Martin MJ, Gómez de Enterria-Cuesta E, et al. Relation between Length of Exposure to Epidural Analgesia during Labour and Birth Mode. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(16):2928.)No Japão, um estudo de coorte retrospectiva (5.000 mulheres) mostrou associação entre analgesia combinada raquiperidural e Apgar <7 no primeiro minuto; porém ele não identificou diferença significativa na incidência de cesárea ou Apgar <7 no quinto minuto.(2929. Kurakazu M, Umehara N, Nagata C, Yamashita Y, Sato M, Sago H. Delivery mode and maternal and neonatal outcomes of combined spinal-epidural analgesia compared with no analgesia in spontaneous labor: a single-center observational study in Japan. J Obstet Gynaecol Res. 2020;46(3):425-33.)

Por outro lado, há estudos que apontam para uma ausência de associação entre analgesia e morbidade neonatal. Um estudo de coorte realizado na Espanha analisou 2.750 partos e não identificou qualquer relação, nem mesmo com valores de pH na artéria umbilical e escores de Apgar <7 no quinto minuto; porém, concluiu que o parto instrumental está associado a um risco aumentado de morbidade neonatal.(1212. Martínez AH, Almagro JJ, García-Suelto MM, Barrajon MU, Alarcón MM, Gómez-Salgado J. Epidural analgesia and neonatal morbidity: a retrospective cohort study. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(10):2092.) Uma revisão sistemática sobre o tema mostrou que não houve diferenças entre admissão na UTIN e Apgar <7 no quinto minuto de vida do RN.(66. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD000331. Review.) Os resultados do presente estudo confirmam esses resultados(66. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018;5(5):CD000331. Review.) e levam a inferir que o achado possivelmente esteja sendo afetado indiretamente pela relação entre parto instrumental e morbidade neonatal nos estudos que encontraram associação.

Entender a origem do processo da dor, bem como os desfechos maternos e neonatais, atentando aos fatores que podem influenciá-los é fundamental para prestar um cuidado com o mínimo possível de efeitos adversos indesejáveis, um cuidado de qualidade, holístico e individualizado em suas necessidades. Ressaltamos a importância de incluir a mulher no processo de decisão sobre as estratégias para alívio da dor, o que pode favorecer melhor experiência e satisfação com o parto. Destacamos aqui o papel da enfermagem em favorecer o empoderamento das mulheres usando as boas práticas.

As limitações da pesquisa estão relacionadas com o uso de fontes secundárias, sujeitas a registros incompletos, preenchimento inadequado da representação gráfica da evolução do parto, bem como falta de informações sobre o progresso do parto, ao reforço, à técnica e à dosagem da analgesia.

Para os próximos estudos, sugerimos realizar pesquisas prospectivas que possam avaliar os níveis de conhecimento e atualização tanto dos profissionais quanto das mulheres sobre as recomendações obstétricas, inclusive investigar como a educação pré-natal pode impactar na escolha no momento do trabalho de parto e na satisfação materna. Sugerimos também realizar estudos que mostrem o percentual de parturientes que pedem analgesia neuroaxial espontaneamente, bem como daquelas que aceitam analgesia quando ela é sugerida. É importante desenvolver pesquisas que analisem os desfechos obstétricos e neonatais a partir de subgrupos de risco habitual e alto risco, bem como a relação com desfechos tais como o parto instrumentalizado.

Conclusão

O uso de analgesia neuroaxial foi associado ao maior número de consultas pré-natais e intervenções durante o trabalho de parto e o parto, incluindo altas taxas de trabalho de parto com ocitocina, episiotomia, aumento na duração de trabalho de parto ativo e período expulsivo. A analgesia foi associada ao maior número de cesarianas, sofrimento fetal agudo, parada da progressão e ter um recém-nascido com maior peso ao nascer. Em relação ao grupo de parturientes sem analgesia, houve menor taxa de parto cesárea e predominância de posições semissentada e deitada no período expulsivo, que desfavorecem a evolução do parto.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia pela concessão de Bolsa de Mestrado.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Rosely Erlach Goldman (https://orcid.org/0000-0003-4011-1875) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2022
  • Aceito
    24 Jan 2024
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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