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Abordagem profissional e o comportamento suicida na Atenção Primária à Saúde

Conducta profesional y comportamiento suicida en la Atención Primaria de Salud

Resumo

Objetivo

Descrever a abordagem profissional à pessoa com comportamento suicida na Atenção Primária à Saúde e suas associações com as variáveis sociodemográficas, de escolaridade e ocupacionais dos trabalhadores de saúde.

Métodos

Estudo transversal. Participaram 192 profissionais de saúde de 20 Unidades Básicas de Saúde de um município da grande São Paulo. Foram aplicados um questionário para caracterização sociodemográfica, de escolaridade e ocupacional, e a Avaliação da Assistência Profissional às Pessoas com Comportamento Suicida. Os resultados foram apresentados por meio de medidas de tendência central e dispersão, e a análise utilizou testes paramétricos e não-paramétricos, considerando a natureza das variáveis. Utilizou-se nível de significância de 5%.

Resultados

Houve predominância do sexo feminino, média etária de 43,27 anos, nível superior e tempo médio de trabalho de 10,71 anos. Os domínios Percepção Profissional e Conhecimento/Habilidade obtiveram as maiores pontuações. Experiência Profissional e Organização da Rede de Atenção obtiveram menores pontuações, demonstrando fragilidade na atuação profissional e na articulação em rede requeridas na abordagem ao comportamento suicida. Idade, tempo de atuação na unidade e a frequência com que são atendidas as populações de risco para o comportamento suicida estiveram associadas às pontuações na Percepção Profissional, Experiência e Conhecimento/Habilidade.

Conclusão

Percepção, conhecimentos e habilidades dos profissionais de saúde da Atenção Primária contribuem para a abordagem ao comportamento suicida, associando-se às características ocupacionais e de escolaridade. Experiência profissional e Organização da rede de atenção denunciam as fragilidades na articulação necessária para a abordagem ao comportamento suicida, indicando caminhos para formação e trabalho em saúde.

Suicídio; Tentativa de suicídio; Atenção Primária à Saúde; Equipe de assistência ao paciente; Pessoal de saúde; Conhecimentos, atitudes e prática em saúde; Inquéritos e questionários

Resumen

Objetivo

Describir la conducta profesional hacia personas con comportamiento suicida en la Atención Primaria de Salud y su relación con las variables sociodemográficas, de escolaridad y ocupacionales de los trabajadores de la salud.

Métodos

Estudio transversal. Participaron 192 profesionales de la salud de 20 Unidades Básicas de Salud de un municipio de la Región Metropolitana de São Paulo. Se aplicó un cuestionario para la caracterización sociodemográfica, de escolaridad y ocupacional y la Evaluación de la Atención Profesional a Personas con Comportamiento Suicida. Los resultados fueron presentados mediante medidas de tendencia central y dispersión, y se utilizaron pruebas paramétricas y no paramétricas para el análisis, considerando la naturaleza de las variables. Se utilizó un nivel de significación del 5 %.

Resultados

Se observó predominancia del sexo femenino, de 43,27 años de edad promedio, nivel superior y con 10,71 años de tiempo de trabajo promedio. Los dominios que obtuvieron puntaje más alto fueron Percepción profesional y Conocimiento/habilidad. Los dominios Experiencia profesional y Organización de la red de atención recibieron el menor puntaje, lo que demuestra la debilidad de la actuación profesional y del trabajo en red requeridos para la adopción de una conducta profesional ante el comportamiento suicida. Las variables edad, tiempo de trabajo en la unidad y frecuencia con que se atiende a las poblaciones de riesgo de comportamiento suicida se asociaron con los puntajes de Percepción profesional, Experiencia y Conocimiento/Habilidad.

Conclusión

La percepción, los conocimientos y las habilidades de los profesionales de la salud de la Atención Primaria, junto con las características ocupacionales y de escolaridad, contribuyen para la adopción de una conducta profesional ante el comportamiento suicida. La experiencia profesional y la organización de la red de atención demuestran la debilidad de la unión necesaria para adoptar una conducta profesional ante el comportamiento suicida, e indican los caminos a seguir para la formación y el trabajo en el área de la salud.

Suicídio; Intento de suicídio; Atención Primaria de Salud; Grupo de atención al paciente; Personal de salud; Conocimientos, actitudes y práctica en salud; Encuestas y cuestionarios

Abstract

Objective

To describe the professional approach to people with suicidal behavior in Primary Health Care and its associations with the sociodemographic, educational and occupational variables of health workers.

Methods

Cross-sectional study of 192 health professionals from 20 Basic Health Units in a municipality in greater São Paulo. A questionnaire for sociodemographic, educational and occupational characterization was applied, as well as the instrument for Evaluating Professional’s Assistance to People with Suicidal Behavior. The results were presented using measures of central tendency and dispersion, and parametric and non-parametric tests were used in the analysis, considering the nature of the variables. A significance level of 5% was adopted.

Results

There was a predominance of females, average age of 43.27 years, higher education, and average working time of 10.71 years. The higher scores were reached in the Professional Sensibility and Knowledge/Abilities domains. Lower scores were obtained for Professional Experience and Organization of the Care Network, demonstrating frailty in the professional performance and in network coordination needed in the approach to suicidal behavior. Age, working time in the unit and the frequency of treatment of populations at risk for suicidal behavior were associated with scores in Professional Sensibility, Experience and Knowledge/Abilities.

Conclusion

Sensibility, knowledge and abilities of Primary Care health professionals contribute to the approach to suicidal behavior, associated with occupational and educational characteristics. Professional experience and Organization of the care network reveal the weaknesses in the coordination necessary to approach suicidal behavior, indicating paths for training and work in health.

Suicide; Suicide, attempted; Primary Health Care; Patient care team; Health personnel; Health knowledge, attitudes, practice; Surveys and questionnaires

Introdução

O comportamento suicida representa uma demanda de saúde pública mundial e a oferta de cuidados constitui um desafio para os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS). O comportamento suicida é compreendido como problema multidimensional resultante da interação entre vários aspectos, sejam eles ambientais, sociais, culturais, econômicos, fisiológicos, genéticos e biológicos.11. Cescon LF, Capozzolo AA, Lima LC. Abordagens e distanciamentos frente ao suicídio: analisadores de um serviço de atenção psicossocial. Saude Soc. 2018;27(1):185-200.

Estudos expressam a complexidade e a multifatoriedade do comportamento suicida. Fatores psicossociais e demográficos têm sido relacionados aos diferentes padrões identificados entre pessoas com comportamento suicida.22. Nunes AM. Suicídio em Portugal: imagem do país. J Bras Psiquiatr. 2018;67(1):25-33.

3. Klein J, Prabhakaran K, Latifi R, Rhee P. Firearms: the leading cause of years of potential life lost. Trauma Surg Acute Care Open. 2022;7(1):e000766.

4. Mackenzie JM, Borrill J, Hawkins E, Fields B, Kruger I, Noonan I, et al. Behaviours preceding suicides at railway and underground locations: a multimethodological qualitative approach. BMJ Open. 2018;8(4):e021076.
-55. Haghparast-Bidgoli H, Rinaldi G, Shahnavazi H, Bouraghi H, Kiadaliri AA. Socio-demographic and economics factors associated with suicide mortality in Iran, 2001-2010: application of a decomposition model. Int J Equity Health. 2018;17(1):77. Relações com estado civil, envelhecimento, escolaridade, renda, emprego e integração social foram observadas na população portuguesa e iraniana.22. Nunes AM. Suicídio em Portugal: imagem do país. J Bras Psiquiatr. 2018;67(1):25-33.,55. Haghparast-Bidgoli H, Rinaldi G, Shahnavazi H, Bouraghi H, Kiadaliri AA. Socio-demographic and economics factors associated with suicide mortality in Iran, 2001-2010: application of a decomposition model. Int J Equity Health. 2018;17(1):77.Nos Estados Unidos, evidencia-se como fator o acesso às armas de fogo,33. Klein J, Prabhakaran K, Latifi R, Rhee P. Firearms: the leading cause of years of potential life lost. Trauma Surg Acute Care Open. 2022;7(1):e000766. enquanto no Reino Unido, tentativas de suicídio são observadas em vias férreas.44. Mackenzie JM, Borrill J, Hawkins E, Fields B, Kruger I, Noonan I, et al. Behaviours preceding suicides at railway and underground locations: a multimethodological qualitative approach. BMJ Open. 2018;8(4):e021076.

A influência de fatores clínicos e genéticos tem sido analisada por meio dos históricos de diagnósticos somáticos identificados em pessoas do sexo masculino na tentativa de suicídio por enforcamento.66. Reisch T, Hartmann C, Hemmer A, Bartsch C. Suicide by hanging: Results from a national survey in Switzerland and its implications for suicide prevention. PLoS One. 2019;14(9):e0220508.O diagnóstico de Transtorno Obsessivo Compulsivo ao longo da vida associou-se à população com múltiplas tentativas de suicídio por meio da análise de risco poligênico.77. Lee D, Baek JH, Ha K, Cho EY, Choi Y, Yang SY, et al. Dissecting the genetic architecture of suicide attempt and repeated attempts in Korean patients with bipolar disorder using polygenic risk scores. Int J Bipolar Disord. 2022;10(1):3.

Entre os anos 2000 e 2019, a taxa global de suicídio diminuiu cerca de 36%, em clara alusão ao fato de que alguns países vêm priorizando a prevenção ao suicídio em suas agendas. Alguns deles desenvolveram estratégias de prevenção do suicídio a fim de cumprir a meta proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – reduzir para um terço a taxa mundial de suicídio até 2030.88. World Health Organization (WHO). Mental health action plan 2013-2020. Geneva: WHO; 2013 [cited 2019 Aug 30]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/89966/9789241506021_20eng.pdf?sequence
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...

Em sentido inverso, o Brasil apresentou, entre os anos de 2010 e 2019, um aumento de 43% no número anual de mortes por suicídio, atingindo uma taxa de 6,6/100 mil habitantes.99. Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada e óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil, 2011 a 2018. Bol Epidemiol. 2019;50(24):1-14.As violências autoprovocadas expressaram comportamento similar, com aumento de 39,8% entre os anos 2018 e 2019. O perfil populacional predominante foi de pessoas do sexo feminino (71,3%), com idade de 20 a 39 anos, da raça/cor autorreferida branca e negra, respectivamente, 47,3% e 42,4%; e entre quatro e 11 anos de escolaridade. Os meios comumente utilizados: envenenamento, objeto cortante e enforcamento, e o cenário residencial, o mais frequente (83,9%).99. Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada e óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil, 2011 a 2018. Bol Epidemiol. 2019;50(24):1-14.

As taxas padronizadas de suicídio apresentaram tendência crescente em todas as regiões do país, contudo, especificidades são observadas. As regiões Sul e Centro-Oeste mostram prevalência maior em relação às demais regiões brasileiras. As regiões Norte e Nordeste apresentaram a maior tendência de crescimento das taxas de suicídio no período analisado.1010. Palma DC, Oliveira BF, Ignotti E. Suicide rates between men and women in Brazil, 2000-2017. Cad Saude Publica. 2021;37(12):e00281020.

A despeito da reconhecida subnotificação em relação ao comportamento suicida, os dados apresentados possibilitam analisar suas diferentes características e tendências, contribuindo com o desenvolvimento de políticas públicas e recomendações para o enfrentamento da problemática. Nesse sentido, a Lei n.º 13.819/2019 instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio e um dos objetivos foi incentivar o cuidado à pessoa com comportamento suicida.1111. Brasil. Ministério da Saúde (Brasil). Lei nº 13.819, de 26 de Abril de 2019. Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1998 [citado 2023 Abr 13]. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n%C2%BA-13.819-de-26-de-abril-de-2019-85673796
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O cuidado, aqui compreendido como uma conexão intersubjetiva com o outro, acontece no interior de um espaço de tempo a partir do saber profissional e de tecnologias relacionais. No cuidado integral, as singularidades da pessoa são consideradas e há uma implicação no sentido de formar uma aliança com o profissional, na qual são estabelecidas e pactuadas as necessidades e as responsabilidades da pessoa. A interprofissionalidade e o trabalho em equipe, a articulação entre trabalhadores, gestores dos serviços de saúde e usuários, fortalecem a clínica ampliada e o trabalho em redes intrasetorial e intersetorial, resultando na oferta do cuidado integral no cotidiano das unidades de saúde, o que beneficia o desenvolvimento das pessoas, enquanto sujeitos de direitos.1212. Pinheiro R. Cuidado em Saúde-Cuidado e a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2009 [citado 2023 Abr 13]. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/cuisau.html
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A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) engloba o conjunto de ações e serviços que integram o cuidado à pessoa em sofrimento psíquico e atende aos pressupostos da Atenção Psicossocial. A APS compreende um de seus equipamentos, representada pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Em consonância à Reforma Psiquiátrica, o cuidado às pessoas em sofrimento psíquico deveria priorizar ações territoriais de base comunitária, colocando os profissionais da APS em contato com as demandas de saúde mental, incluindo o comportamento suicida.1313. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Portaria n.º 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011 [citado 2023 Abr 13]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
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Especificamente, o município que sedia a presente investigação notificou no período de 2011 a 2018, 679 casos de violências autoprovocadas, de acordo com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Desse total, 447 (65,83%) casos envolvendo pessoas do sexo feminino e 232 (34,17%), sexo masculino. Em consonância com o contexto nacional, observou-se aumento na ocorrência de lesões autoprovocadas em ambos os sexos.

Considerando o comportamento suicida como problema mundial de saúde pública, a complexidade e dinamicidade dos fatores que influenciam em seus desfechos, a importância de os profissionais da APS ofertarem medidas eficientes de prevenção, de detecção e de cuidado, e, as características loco-regionais; defende-se a importância de investigar a abordagem profissional às pessoas com comportamento suicida no contexto da APS e quais características sociodemográficas, de escolaridade e ocupacionais dos profissionais de saúde influenciam na qualidade dessa abordagem.

Neste contexto, o presente estudo objetivou descrever a abordagem profissional à pessoa com comportamento suicida na Atenção Primária à Saúde e suas associações com as variáveis sociodemográficas, de escolaridade e ocupacionais dos trabalhadores de saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo quantitativo do tipo transversal e correlacional,1515. Sampieri RH, Collado CF, Lúcio MP. Metodologia de pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013. descrito com base no Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).1616. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Med. 2007;16(4):10.

A pesquisa foi desenvolvida em um município da região metropolitana de São Paulo que conta com uma população estimada de 430 mil habitantes e possui 100% de cobertura territorial pela Estratégia da Saúde da Família. Desse modo, foram incluídas todas as 20 UBS do município.

Considerou-se amostra intencional e não probabilística com base na totalidade dos profissionais distribuídos entre as referidas unidades. As categorias profissionais incluídas foram agente comunitário de saúde, auxiliar/técnico de enfermagem, auxiliar/técnico de saúde bucal, medicina, educação física, enfermagem, fonoaudiologia, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social, além dos gerentes das UBS e técnicos administrativos. Os critérios de inclusão foram ser trabalhador da saúde e atuar em serviços da APS e como critério de exclusão, levou-se em consideração qualquer tipo de licença ou afastamento no momento da coleta de dados.

Sobre o tamanho da amostra importa ressaltar que o período de coleta de dados ocorreu entre abril e maio de 2021, concomitante a pandemia de COVID-19, situação que gerou o afastamento de profissionais por motivo de saúde e por fatores de risco ao COVID-19, fator que dificultou atingir o tamanho amostral proposto. Nesse período, o número de profissionais ativos foi de 741 indivíduos. Com base na fórmula n=(NZ2p(1p))/(Z2p(1p)+e2N1) (onde: n: amostra calculada, N: população, Z: variável normal, p: real probabilidade do evento, e: erro amostral), considerando-se erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%, calculou-se amostra representativa de 253 participantes.

Devido ao contexto sanitário da época, a coleta de dados foi conduzida por meio digital. Desse modo, os instrumentos foram transcritos para formulários eletrônicos (Google Forms). Elaborou-se questionário que incluiu três etapas: (i) Registro de consentimento de participação da pesquisa, (ii) Instrumento sociodemográfico e (iii) Instrumento de Avaliação da Assistência Profissional às Pessoas com Comportamento Suicida (IAAP-PCS). O formulário eletrônico foi submetido à avaliação dos pesquisadores e a um pré-teste em que participaram dez profissionais de saúde do município onde a investigação foi desenvolvida. O tempo médio de resposta do formulário chegou a 14 minutos e não se fizeram considerações quanto ao conteúdo e formato.1717. Faleiros F, Käppler C, Pontes FA, Silva SS, Goes FS, Cucik CD. Use of virtual questionnaire and dissemination as a data collection strategy in scientific studies. Texto Contexto Enferm. 2016;25(4):e3880014.

O link para acessar o formulário foi distribuído para todos os profissionais ativos por meio do e-mail institucional e por aplicativo de mensagens (WhatsApp®) em três datas com intervalo quinzenal. Aqueles que não responderam às três tentativas foram considerados como recusa.1717. Faleiros F, Käppler C, Pontes FA, Silva SS, Goes FS, Cucik CD. Use of virtual questionnaire and dissemination as a data collection strategy in scientific studies. Texto Contexto Enferm. 2016;25(4):e3880014.

Aplicou-se o Instrumento de Avaliação da Assistência Profissional às Pessoas com Comportamento Suicida (IAAP-PCS). Trata-se de um questionário constituído de 50 itens distribuídos entre cinco domínios: Identificação Profissional (14 itens), Percepção Profissional (9 itens), Experiência Profissional (7 itens), Conhecimento/Habilidade Profissional (12 itens) e Organização da Rede de Atenção (8 itens). Com exceção ao primeiro domínio (identificação profissional), os demais são compostos por afirmativas, cuja resposta está organizada segundo uma escala Likert de cinco pontos, sendo que a pontuação “1” corresponde à concordância mínima e a pontuação “5”, máxima. Não há itens que precisem de inversão da escala Likert e o escore é calculado com a somatória dos itens que compõem cada domínio ou do instrumento total, desse modo, os escores totais mínimo e máximo são, respectivamente, 36 e 180. O instrumento foi validado por meio da técnica Delphi, análise semântica e consistência interna, atingindo resultados satisfatórios.1818. Linhares LM, Kawakame PM, Tsuha DH, Souza AS, Barbieri AR. Construction and validation of an instrument for the assessment of care provided to people with suicidal behavior. Rev Saude Publica. 2019;53:48.

Em relação aos domínios, a Identificação Profissional abrange itens que abordam a formação, capacitação, tempo de atuação e frequência em os profissionais estão expostos a pessoas com fatores de riscos relevantes para o comportamento suicida. A Percepção Profissional refere-se ao modo como o profissional compreende o comportamento suicida e a importância da abordagem no contexto da APS. Na Experiência Profissional, os itens buscam resgatar as vivências do profissional e sua influência em torná-lo mais ou menos experiente em relação à abordagem à pessoa com comportamento suicida na APS. O domínio Conhecimento/Habilidade Profissional dedica-se a identificar o conhecimento teórico-prático que possibilite uma abordagem fundamentada política e cientificamente. A Organização da Rede relaciona-se à identificação da estrutura física, recursos assistenciais e processos de trabalho instituídos na lógica das Redes de Atenção à Saúde.1818. Linhares LM, Kawakame PM, Tsuha DH, Souza AS, Barbieri AR. Construction and validation of an instrument for the assessment of care provided to people with suicidal behavior. Rev Saude Publica. 2019;53:48.

As respostas do formulário eletrônico foram compiladas em um banco de dados do programa Excel - Microsoft Package® e usado o Statistical Package of Social Science (SPSS). As variáveis categóricas foram descritas por meio das frequências relativas e absolutas; as variáveis contínuas, média, desvio padrão (DP), mínimo, mediana e máximo. O coeficiente de correlação de Pearson ou de Spearman analisou os quatro domínios do instrumento de coleta de dados e as variáveis contínuas. Para análise dos domínios Percepção Profissional e Experiência Profissional entre as variáveis categóricas aplicaram-se o teste de Mann-Whitney (duas categorias) e teste de Kruskal-Wallis (três ou mais categorias). Os domínios Conhecimento, Habilidade Profissional e Organização da Rede de Atenção, bem como as variáveis categóricas foram analisados por meio do teste T (duas categorias) e a ANOVA (três ou mais categorias). Foi considerado para todas as análises um nível de significância de 5% (p-valor < 0,05).

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo em março de 2021, sob o protocolo de n.º 4.573.816 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 36139120.7.0000.5505) e atende à resolução n.º 466/12, referente às pesquisas que envolvem seres humanos.1919. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS 466/12. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF): Conselho Nacional de Saúde; 2012 [cited 2023 Abr 23]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/legislacao/resolucao-cns-466-12
https://www.inca.gov.br/publicacoes/legi...

Resultados

Participaram 192 profissionais de saúde da APS. A média de idade dos participantes foi de 43,27 anos, com desvio padrão de 10,01, idade mínima de 21 anos e máxima de 72 anos (n=186). Houve predominância de pessoas do sexo feminino (n=168; 87,5%), 54,7% (n=105) declararam possuir nível superior e alguma modalidade de pós-graduação. A média de tempo de experiência na APS foi de 10,71 anos, com desvio padrão de 7,21. Em relação a frequência de atendimento à populações com fatores de risco para comportamento suicida (Figura 1), observa-se que 84 (44%) atenderam muitas vezes pacientes com 60 anos ou mais e pessoas de 15 a 30 anos; 78 (41,7%) atenderam algumas vezes pessoas com enfermidades físicas incapacitantes; 72 (37,9%) atenderam muitas vezes pacientes com dores crônicas e 66 (34,7%) atenderam algumas vezes pessoas com transtornos mentais.

Figura 1
Frequência absoluta em relação ao atendimento de pessoas com desfechos de maior risco para comportamento suicida

No que se refere ao IAAP-PCS, o escore médio do domínio Percepção Profissional foi 37,45 (DP±5,51) e o Conhecimento/Habilidade Profissional registrou 40,52 (DP±6,81) correspondendo, respectivamente, 83,2% e 60,63% das pontuações totais. Esses resultados demonstram que ambos domínios são favoráveis à assistência à pessoa com comportamento suicida. Diferente disso, a Experiência Profissional e a Organização da Rede de Atenção indicaram pontuações menores, conforme detalhado na tabela 1.

Tabela 1
Pontuações obtidas entre os domínios do instrumento

Observou-se que profissionais mais jovens e com menor tempo de trabalho na unidade de saúde correlacionou-se com o escore do domínio Percepção Profissional. Com isso, afirma-se que esse perfil profissional tem compreensões que favorecem a abordagem à pessoa com comportamento suicida. Conforme ilustrado pela tabela 2, não houve outras correlações entre os domínios do IAAP-PCS e as variáveis contínuas.

Tabela 2
Correlação entre os domínios do IAAP-PCS e as variáveis contínuas

A análise apresentada na tabela 3 demonstra a associação das variáveis categóricas com os domínios Percepção Profissional, Experiência Profissional e Conhecimento/Habilidade Profissional. As variáveis que apresentaram correlação com os três domínios foram: possuir pós-graduação, ter tido mais de quatro disciplinas que abordavam comportamento suicida na formação acadêmica, participação em capacitação e em eventos científicos sobre o tema, e a frequência com que atendem pessoas com doenças incapacitantes e com transtornos mentais. Por fim, o domínio Organização da Rede de Atenção não se correlacionou com nenhuma variável categórica.

Tabela 3
Correlação entre os domínios Percepção Profissional, Experiência Profissional e Conhecimento/Habilidade Profissional e as variáveis categóricas

Discussão

Sobre a abordagem às pessoas com comportamento suicida na APS, os resultados possibilitam afirmar que os domínios Percepção Profissional e Conhecimento/Habilidade Profissional apresentaram maiores pontuações. Enquanto a Experiência Profissional e a Organização da Rede de Atenção foram os domínios com menores pontuações. Esses resultados indicam que, embora a compreensão e o conhecimento teórico-prático dos profissionais contribuam para a abordagem ao comportamento suicida; a experiência profissional, as condições no trabalho e a organização da RAPS representam fatores negativos, fragilizando a abordagem dessa problemática na APS.

Identificou-se que profissionais mais jovens e com menor tempo de trabalho na UBS compreendem o comportamento suicida de forma mais empática e reconhecem a importância dos serviços de saúde no enfrentamento dessa demanda. Esse achado encaminha à hipótese de que quanto mais recente a formação acadêmica, melhor o preparo dos profissionais para o manejo do comportamento suicida. Ademais, essa associação corrobora outras, como: possuir pós-graduação, ter quatro ou mais disciplinas sobre suicídio durante o curso, participar de eventos e capacitações sobre suicídio, variáveis que estiveram relacionadas a um maior escore geral do IAAP-PCS, evidenciando a importância de investir na qualificação profissional inicial e continuada.

Nesse sentido, conhecimentos e habilidades sobre o comportamento suicida são dimensões que interferem diretamente nas atitudes profissionais durante sua abordagem e cuidado. Diferentes estratégias de formação profissional são descritas e favoravelmente argumentadas na literatura científica.2020. Boukouvalas E, El-Den S, Murphy AL, Salvador-Carulla L, O'Reilly CL. Exploring health care professionals' knowledge of, attitudes towards, and confidence in caring for people at risk of suicide: a systematic review. Arch Suicide Res. 2020;24(Sup2):S1-S31. Um treinamento sobre comportamento suicida no método Question, Persuade e Refer (gatekeepers) oferecido para profissionais da educação, da saúde, do setor socioeconômico e de outros setores da sociedade suicida aumentou significativamente o conhecimento, a abordagem e a autoconfiança dos participantes para conduzir um contato inicial com a pessoa que expressa comportamento suicida.2121. Terpstra S, Beekman A, Abbing J, Jaken S, Steendam M, Gilissen R. Suicide prevention gatekeeper training in the Netherlands improves gatekeepers' knowledge of suicide prevention and their confidence to discuss suicidality, an observational study. BMC Public Health. 2018;18(1):637.

Oficinas de trabalho são estratégias também exploradas para a qualificação dos conhecimentos, habilidades e atitudes de profissionais de saúde da RAPS. Ao aplicar estratégias pedagógicas ativas e reflexivas, observou-se incremento na sensibilização e no conhecimento dos profissionais de saúde, favorecendo a corresponsabilidade entre os serviços da APS e da atenção estratégica, representada pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).2222. Santos DC, Alencar RA, Domingos TS. Workshops for approaching suicidal behavior: implementation in Primary Health Care. Rev Bras Enfermagem. 2021;74(Suppl 3):e20200405.

Os resultados encontrados evidenciaram que profissionais de saúde dispostos a modificar sua abordagem diante de novas aprendizagens e aqueles com formações qualificadas apresentaram maior disponibilidade na abordagem à pessoa com comportamento suicida. Entretanto, considerando os cursos de graduação da área da saúde, apontam-se melhorias requeridas nos currículos em relação ao desenvolvimento de competências profissionais em torno da saúde mental e da abordagem à pessoa com comportamento suicida.2323. Rodrigues J, Lazzarini DD, Martini JG, Testoni AK. Professor's perception of mental health teaching in nursing. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20170012.

24. Estreet A, Archibald P, Tirmazi MT, Goodman S, Cudjoe T. Exploring social work student education: The effect of a harm reduction curriculum on student knowledge and attitudes regarding opioid use disorders. Substance Abuse. 2017;38(4):369-75
-2525. Bonnin R, Gralnik LM, Rothe E, Obeso V, von Harscher H, Shoua-Desmarais N, et al. Overcoming stigma: a novel curriculum for teaching medical students about suicide. Acad Psychiatry. 2021;45(6):751-6.

As fragilidades observadas na formação inicial refletem sobre as concepções e as atitudes dos profissionais de saúde em relação à problemática, permitindo que a lacuna do conhecimento técnica e cientificamente fundamentado seja preenchida pelo senso comum, crenças e estigmas. Consequentemente, observam-se a persistência de atitudes e concepções negativas tornando iatrogênica a abordagem à pessoa com comportamento suicida seja na atenção hospitalar,2626. Lage LF, Santos DV, Stefanello S. Students and preceptors experience in a medical internship attending the person with suicidal behavior. Rev APS. 2021;24(Supl1):54-69. nos serviços da APS2727. Storino BD, Figueredo e Campos C, Chicata LC, Campos MA, Matos MS, Nunes RM, et al. Atitudes de profissionais da saúde em relação ao comportamento suicida. Cad Saude Colet. 2018;26(4):369-77. ou nos espaços de formação.2828. Öztürk A, Akin S. Evaluation of knowledge level about suicide and stigmatizing attitudes in university students toward who commit suicide. J Psychiatric Nurs. 2018;9(2):96-104.-2929. Moraes SM, Magrini DF, Zanetti AC, Santos MA, Vedana KG. Attitudes and associated fator related to suicide among nursing undergraduates. Acta Paul Enferm. 2016;29(6):643-9.

Com base nos achados da pesquisa, observa-se que a atuação profissional demonstrou que o atendimento frequente a pessoas com doenças incapacitantes e com transtornos mentais associou-se aos domínios Percepção, Experiência e Conhecimento/Habilidade Profissional do IAAP-PCS. Destaca-se a baixa pontuação observada no segundo domínio, permitindo inferir que os atendimentos aos segmentos populacionais com maior risco para o comportamento suicida na APS têm baixo potencial para qualificar a abordagem profissional.

Esse resultado se agrava diante do cenário brasileiro de transição epidemiológica e demográfica,3030. Martins TC, Silva JH, Máximao GC, Guimarães RM. Transição da morbimortalidade no Brasil: um desafio aos 30 anos de SUS. Cien Saude Colet. 2021;26(10):4483-96. bem como, da tendência de crescimento das taxas de suicídio, com destaque para o elevado número de suicídios entre jovens de 15 a 29 anos.99. Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada e óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil, 2011 a 2018. Bol Epidemiol. 2019;50(24):1-14.Tal situação coloca os profissionais da APS em contato com a população de risco para suicídio e requer que sejam estabelecidos mecanismos precoces para rastreamento, identificação, estratificação e manejo.1111. Brasil. Ministério da Saúde (Brasil). Lei nº 13.819, de 26 de Abril de 2019. Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1998 [citado 2023 Abr 13]. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n%C2%BA-13.819-de-26-de-abril-de-2019-85673796
https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n%C2...
,3131. Correia CM, Andrade IC, Gomes NP, Rodrigues GR, Cunha KS, Diniz NM. Psychosocial care for people with suicidal behavior from the perspective of users and health professionals. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03643.

A baixa pontuação no domínio Organização da Rede de Atenção chama a atenção para a competência do profissional da APS em se valer dos equipamentos de saúde e da intersetorialidade como estratégia na abordagem à pessoa com comportamento suicida. Esse resultado está relacionado à desarticulação entre os serviços da RAPS e à desconsideração da Rede de Atenção como dispositivo que dá suporte ao trabalho do profissional na APS que lida com comportamento suicida.

Esse domínio não se associou às variáveis investigadas nessa pesquisa, como nível de escolaridade e formação, o que representa uma segunda consequência relacionada às percepções que os profissionais de saúde da APS atribuem ao comportamento suicida. Nessa direção, a abordagem, entendida como demanda especializada, resulta em fragmentação do cuidado e encaminhamentos sem implicação entre os serviços da RAPS. As noções de imprevisibilidade e de periculosidade da pessoa em sofrimento psíquico, subjacente a essas noções, dificultam estabelecimento de uma postura ética, acolhedora e resolutiva.2626. Lage LF, Santos DV, Stefanello S. Students and preceptors experience in a medical internship attending the person with suicidal behavior. Rev APS. 2021;24(Supl1):54-69.

Na RAPS, a centralidade da APS no desenvolvimento de seus atributos ordenação, coordenação e longitudinalidade do cuidado se constituem como um desafio para gestores, coordenadores e trabalhadores da saúde. Uma das finalidades da RAPS é efetuar os pressupostos da atenção psicossocial às pessoas com ideação suicida e seus familiares, a partir da construção de Projetos Terapêuticos Singulares e do monitoramento contínuo dos casos.3232. Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MC. Self-harm throughout all life cycles: profile of victims using urgent and emergency care services in Brazilian state capitals. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2841-50.

Dispositivos como a Educação Permanente em Saúde (EPS) e o Apoio Matricial articulam assistência e gestão implicando os trabalhadores na construção de soluções que poderiam responder aos resultados negativos explicitados pelos domínios Experiência Profissional e Organização da Rede de Atenção.3232. Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MC. Self-harm throughout all life cycles: profile of victims using urgent and emergency care services in Brazilian state capitals. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2841-50. Intervenções realizadas na APS, valendo-se do referencial da EPS, indicam fortalecimento na articulação entre APS e CAPS, mobilizando trabalhadores em direção à Reforma Psiquiátrica.3131. Correia CM, Andrade IC, Gomes NP, Rodrigues GR, Cunha KS, Diniz NM. Psychosocial care for people with suicidal behavior from the perspective of users and health professionals. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03643.,3333. Scafuto JC, Saraceno B, Delgado PG. Formação e educação permanente em saúde mental na perspectiva da desinstitucionalização (2003-2015). Com Cien Saude. 2017;28(3/4):350-8. O município pesquisado tem em seu histórico estratégias instituídas de EPS, contudo, não havia processos em curso contemporâneos a investigação.

O Apoio Matricial beneficia as equipes de saúde da APS enquanto espaço para compartilhamento de dúvidas, expectativas e responsabilidades na abordagem à pessoa com comportamento suicida, seus familiares e pessoas significativas de sua rede de apoio.3434. Viana MM, Campos GW. Formação Paideia para o Apoio Matricial: uma estratégia pedagógica centrada na reflexão sobre a prática. Cad Saude Publica. 2018;34(8):e00123617. No município analisado, o matriciamento entre CAPS e UBS por meio da participação de psicólogos e assistentes sociais nas reuniões de equipe estava em andamento. Esses espaços validam e facilitam a interlocução na RAPS e pactuação entre os serviços, entretanto, a rotatividade de profissionais requer frequentes repactuação e articulação.

Essa pesquisa evidenciou as características da abordagem à pessoa com comportamento suicida na APS. Destaca-se a necessidade de ofertar espaços para reflexão sobre a percepção, conhecimento/habilidade e experiência profissional, enquanto contínua qualificação profissional sobre a problemática. A estratégias de formação no trabalho, especialmente, a EPS por motivar a aprendizagem articulada à ação profissional por meio do caráter crítico-reflexivo. Argumenta-se a importância de espaços que problematizem a assistência e a gestão do trabalho na abordagem ao comportamento suicida considerando a organização das redes de atenção à saúde, tais situações retornam para a qualificação da percepção, para o conhecimento e para a habilidade profissional. Por fim, a graduação, enquanto espaço privilegiado para uma aprendizagem significativa, também precisa preparar o futuro profissional para identificar e lidar com o fenômeno multifatorial do comportamento suicida.

As limitações do estudo decorrem do contexto sanitário da pandemia da COVID-19 durante a coleta de dados, que dificultou alcançar a quantidade de participantes proposta pelo cálculo amostral. Ademais, o desenho do estudo não permite estabelecer relações de causalidade que possam explicar os escores encontrados nos domínios do instrumento, desse modo, estudos com desenhos longitudinais são indicados para avançar na produção do conhecimento dessa temática.

Conclusão

Identificou-se que os profissionais da APS, no que se refere a abordagem à pessoa com comportamento suicida, apresentam melhor desempenho nos domínios Percepção Profissional e Conhecimento/Habilidade Profissional. Esses resultados estiveram associados à faixa etária dos profissionais, bem como à qualidade da formação inicial e continuada, e à frequência com que atendem pessoas com doenças incapacitantes e com transtornos mentais. A Experiência Profissional foi um dos domínios que obteve baixo escore e associou-se à característica da formação inicial e continuada e às frequências de atendimento às populações de risco para comportamento suicida. O domínio Organização da Rede de Atenção demonstrou baixo escore e não foram identificadas associações.

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Editado por

Editora Associada

Rafaela Gessner Lourenço (https://orcid.org/0000-0002-3855-0003) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2023
  • Aceito
    29 Abr 2024
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