Acessibilidade / Reportar erro

Desafios no controle da epidemia da dengue no Brasil

A dengue é uma doença febril aguda causada por quatro vírus geneticamente relacionados (DENV 1-4), mas antigenicamente diferentes, transmitida por vetores artrópodes o que caracteriza uma arbovirose. No Brasil, o vetor da dengue é a fêmea do mosquito Aedes aegypti e, em algumas regiões da África e da Ásia podem ser transmitidos pelo Aedes albopictus, família Flaviviridae e gênero Flavivirus. O vírus da dengue (DENV) é RNA de fita simples e polaridade positiva.(11. Cattarino L, Rodriguez-Barraquer I, Imai N, Cummings DAT, Ferguson NM. Mapping global variation in dengue transmission intensity. Sci Transl Med. 2020;12(528):eaax4144.,22. Stanaway JD, Shepard DS, Undurraga EA, Halasa YA, Coffeng LE, Brady OJ, et al. The global burden of dengue: an analysis from the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet Infect Dis. 2016;16(6):712-23.)

Epidemias de dengue com o aumento histórico de casos em 2024, de internações e mortes são importantes desafios para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a economia brasileira.

As evidências apontam que o mosquito transmissor tenha vindo nos navios que partiam da África com escravos. No Brasil, a primeira epidemia documentada ocorreu em 1981-1982, em Boa Vista (RR), causada pelos sorotipos 1 e 4. Após quatro anos, em 1986, ocorreram epidemias atingindo o estado do Rio de Janeiro e algumas capitais da região Nordeste. Desde então, a dengue vem ocorrendo de forma endêmica, intercalando-se com a ocorrência de epidemias, geralmente associadas à introdução de novos sorotipos em áreas sem transmissão ou alteração do sorotipo predominante, acompanhando a expansão do mosquito vetor.(33. Brasil. Ministério da Saúde. Disponível https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/vinte-estados-apresentam-tendencia-de-estabilidade-ou-queda-na-incidencia-de-dengue. Acessado em 07/04/2024.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
,44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.)As epidemias de dengue determinam importante impacto no sistema de saúde tanto pela sobrecarga de atendimentos como econômico.(55. Shepard DS, Undurraga EA, Halasa YA, Stanaway JD. The global economic burden of dengue: a systematic analysis. Lancet Infect Dis. 2016;16(8):935-41.)

A urbanização descontrolada com acúmulo de recipientes não biodegradáveis como garrafas e pneus, acúmulo de lixo, vasos de plantas em áreas abertas nos domicílios e ao redor de áreas de convivência proporcionou o ambiente aquático necessário para o desenvolvimento dos mosquitos. Aliado a isso, o crescimento populacional e a ocupação desordenada dos espaços públicos, a falta de saneamento básico, principalmente nas periferias dos grandes centros urbanos e os fatores climáticos como aumento da temperatura e das chuvas, mantém as condições favoráveis para a expansão do mosquito. Sendo assim, é fundamental destacar o papel do Estado nas epidemias de dengue, pois é o Estado que deve proporcionar condições dignas de moradia, garantindo saneamento básico para toda a população.

A dengue tem padrão sazonal, com risco para epidemias, principalmente entre os meses de outubro de um ano a maio do ano seguinte e é distribuída principalmente no Mediterrâneo Oriental, Sudeste Asiático, África, Pacífico Ocidental e América do Sul. No mundo, cerca de 2,5 bilhões de pessoas estão em risco de contrair dengue, e os casos notificados são mais de 100 milhões por ano. Até 500.000 pessoas desenvolvem formas graves potencialmente fatais da infecção.(55. Shepard DS, Undurraga EA, Halasa YA, Stanaway JD. The global economic burden of dengue: a systematic analysis. Lancet Infect Dis. 2016;16(8):935-41.,66. Bowman LR, Donegan S, McCall PJ. Is dengue vector control deficient in effectiveness or evidence? systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis. 2016;10(3):e0004551.) Na última década, as epidemias de dengue no Brasil, vêm aumentando em frequência e em importância, assim como em diversas partes do mundo, sendo observado um número crescente de casos graves e óbitos, além do aumento de casos de chikungunya e Zika, também transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti.

No primeiro trimestre de 2024, o Brasil registrou mais de 2,5 milhões de casos, recorde histórico no período, com mais de 1.000 mortes. O vírus da dengue possui quatro sorotipos diferentes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 e todos podem causar doença. Os quatro sorotipos circulam simultaneamente no território nacional, embora o sorotipo 1 seja o mais prevalente.(33. Brasil. Ministério da Saúde. Disponível https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/vinte-estados-apresentam-tendencia-de-estabilidade-ou-queda-na-incidencia-de-dengue. Acessado em 07/04/2024.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
,44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.)

A resposta imunológica com a produção de anticorpos gerada após a infecção primária para um determinado sorotipo, também induz a resposta heterotípica (infecção por um outro sorotipo) de curto prazo, por alguns meses, após a infecção primária. Porém, a memória imunológica é capaz de neutralizar um sorotipo homólogo (mesmo sorotipo da infecção anterior) da dengue, isto é, a imunidade específica ao sorotipo persiste durante a vida. Uma nova infecção com sorotipo diferente (heterólogo) pode piorar o quadro clínico, levando à dengue grave e potencialmente fatal. Durante a segunda infecção, os anticorpos produzidos na primeira infecção podem reagir de forma cruzada, embora não sejam totalmente neutralizantes. Esta resposta imunológica pode ser excessivamente reativa, dependente de uma segunda infecção, e resultar em uma doença grave e morte.(77. Khan MB, Yang ZS, Lin CY, Hsu MC, Urbina AN, Assavalapsakul W, Wang WH, Chen YH, Wang SF. Dengue overview: An updated systemic review. J Infect Public Health. 2023;16(10):1625-42.

8. Paz-Bailey G, Adams LE, Deen J, Anderson KB, Katzelnick LC. Dengue. Lancet. 2024;17;403(10427):667-82.
-99. Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia/Ministério da Saúde. Manual de prevenção, diagnóstico e tratamento da dengue na gestação e no puerpério. São Paulo: Federação Brasileira de Associações de Ginecologia Obstetrícia/ Ministério da Saúde; 2024. 51 p.)

O quadro clínico da dengue é consequência de uma resposta imune, envolvendo leucócitos, principalmente macrófagos e monócitos, produção de citocinas e imunocomplexos, determinando um processo inflamatório endotelial generalizado, causando aumento da permeabilidade por má função vascular endotelial, extravasamento de líquidos para o interstício, queda da pressão arterial e manifestações hemorrágicas associadas a trombocitopenia e agressão aos hepatócitos (hepatite aguda). A proteína não estrutural do vírus da dengue (NS1) também tem capacidade de alterar a permeabilidade vascular por interação direta com o endotélio vascular e liberação de citocinas vasoativas das células do sistema imunológico.(77. Khan MB, Yang ZS, Lin CY, Hsu MC, Urbina AN, Assavalapsakul W, Wang WH, Chen YH, Wang SF. Dengue overview: An updated systemic review. J Infect Public Health. 2023;16(10):1625-42.) O aumento da permeabilidade vascular leva ao choque e consequente hipoperfusão de órgãos, resultando no comprometimento progressivo destes, acidose metabólica, coagulação intravascular disseminada (CIVD) e insuficiência renal aguda. Há variações na patogenicidade entre cepas e sorotipos, e o título viral se correlaciona com a gravidade da doença. Fatores do hospedeiro também são importantes para maior gravidade como extremos de idade, comorbidades e fatores genéticos.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.,77. Khan MB, Yang ZS, Lin CY, Hsu MC, Urbina AN, Assavalapsakul W, Wang WH, Chen YH, Wang SF. Dengue overview: An updated systemic review. J Infect Public Health. 2023;16(10):1625-42.,1010. Sarker A, Dhama N, Gupta RD. Dengue virus neutralizing antibody: a review of targets, cross-reactivity, and antibody-dependent enhancement. Front Immunol. 2023 2;14:1200195.)

O diagnóstico clínico da dengue pode ser difícil, dependendo de onde o paciente se encontra e desenvolve os sintomas. O quadro clínico da dengue pode ser mimetizado por uma série de patógenos como o vírus da zika, chikungunya entre outros. O período de incubação da dengue é entre 3 e 14 dias, média de 5 a 6 dias.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.

5. Shepard DS, Undurraga EA, Halasa YA, Stanaway JD. The global economic burden of dengue: a systematic analysis. Lancet Infect Dis. 2016;16(8):935-41.

6. Bowman LR, Donegan S, McCall PJ. Is dengue vector control deficient in effectiveness or evidence? systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis. 2016;10(3):e0004551.

7. Khan MB, Yang ZS, Lin CY, Hsu MC, Urbina AN, Assavalapsakul W, Wang WH, Chen YH, Wang SF. Dengue overview: An updated systemic review. J Infect Public Health. 2023;16(10):1625-42.

8. Paz-Bailey G, Adams LE, Deen J, Anderson KB, Katzelnick LC. Dengue. Lancet. 2024;17;403(10427):667-82.

9. Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia/Ministério da Saúde. Manual de prevenção, diagnóstico e tratamento da dengue na gestação e no puerpério. São Paulo: Federação Brasileira de Associações de Ginecologia Obstetrícia/ Ministério da Saúde; 2024. 51 p.

10. Sarker A, Dhama N, Gupta RD. Dengue virus neutralizing antibody: a review of targets, cross-reactivity, and antibody-dependent enhancement. Front Immunol. 2023 2;14:1200195.

11. Huber JH, Childs ML, Caldwell JM, Mordecai EA. Seasonal temperature variation influences climate suitability for dengue, chikungunya, and Zika transmission. PLoS Negl Trop Dis. 2018;12(5):e0006451.

12. Pinto SB, Riback TI, Sylvestre G, Costa G, Peixoto J, Dias FB, et al. Effectiveness of Wolbachia-infected mosquito deployments in reducing the incidence of dengue and other Aedes-borne diseases in Niterói, Brazil: A quasi-experimental study. PLoS Negl Trop Dis. 2021;15(7):e0009556.

13. Velez ID, Tanamas SK, Arbelaez MP, Kutcher SC, Duque SL, Uribe A, et al. Reduced dengue incidence following city-wide wMel Wolbachia mosquito releases throughout three Colombian cities: Interrupted time series analysis and a prospective case-control study. PLoS Negl Trop Dis. 2023;17(11):e0011713.

14. Halstead SB. Three dengue vaccines - what now? N Engl J Med. 2024;390(5):464-5.

15. The Lancet Infectious Diseases. Can we control dengue? Lancet Infect Dis. 2023;23(10):1095.

16. Brasil. Ministério da Saúde. Entenda como funciona a vacina contra dengue ofertada pelo SUS [citado 2024 Abr 7]. Disponível: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/entenda-como-funciona-a-vacina-contra-dengue-ofertada-pelo-sus.
https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/2...

17. Kallás EG, Cintra MA, Moreira JA, Patiño EG, Braga PE, Tenório JC, Infante V, etal. Live, attenuated, tetravalent butantan-dengue vaccine in children and adults. N Engl J Med. 2024;390(5):397-408.

18. Seixas JBA, Giovanni Luz K, Pinto Junior V. Atualização clínica sobre diagnóstico, tratamento e prevenção da dengue. Acta Med Port. 2024 1;37(2):126-35.
-1919. World Health Organization (WHO). Dengue and severe dengue. [consultado 2024 Apr 7]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dengue-and-severe-dengue
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
)

A fase aguda da dengue ocorre nos primeiros 5 dias de sintomas. Neste período, é possível identificar o vírus no sangue. Testes moleculares como reverse transcription polymerase chain reaction (RT-PCR) podem detectar RNA do DENV. A proteína não estrutural NS1 pode ser detectada também nos primeiros cinco dias de sintomas por testes imunocromatográficos. Um resultado negativo de teste molecular ou NS1 não é conclusivo, dependendo do tempo de evolução da doença. O ensaio imunoenzimático de captura de anticorpos IgM (MAC-ELISA), pode ser usado para a detecção qualitativa de anticorpos IgM que ocorre após o sexto dia do início dos sintomas. IgM pode persistir por 90 dias ou mais. Os anticorpos IgG começam a ser detectados a partir do sétimo dia do início dos sintomas na infecção primária, porém na infecção heteróloga (segunda infecção) pode ser detectado a partir do primeiro dia do início dos sintomas.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.,99. Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia/Ministério da Saúde. Manual de prevenção, diagnóstico e tratamento da dengue na gestação e no puerpério. São Paulo: Federação Brasileira de Associações de Ginecologia Obstetrícia/ Ministério da Saúde; 2024. 51 p.,1010. Sarker A, Dhama N, Gupta RD. Dengue virus neutralizing antibody: a review of targets, cross-reactivity, and antibody-dependent enhancement. Front Immunol. 2023 2;14:1200195.)

Cerca de 80% das infecções primárias por DENVs não apresentam sintomas e a infecção pode passar despercebida. A primeira manifestação clínica da dengue é a febre abrupta, que tem duração de dois a sete dias, geralmente alta (39oC a 40oC), associada a cefaleia, adinamia, mialgias, artralgias e à dor retro-orbitária. Anorexia, náuseas e vômitos podem estar presentes, assim como a diarreia. O exantema ocorre aproximadamente em 50% dos casos, é predominantemente do tipo maculopapular, atingindo face, tronco e membros, incluindo plantas dos pés e as palmas das mãos. Na maior parte das vezes, os sintomas melhoram a partir do sétimo dia, recuperação clínica em torno de duas a três semanas.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.,77. Khan MB, Yang ZS, Lin CY, Hsu MC, Urbina AN, Assavalapsakul W, Wang WH, Chen YH, Wang SF. Dengue overview: An updated systemic review. J Infect Public Health. 2023;16(10):1625-42.,1818. Seixas JBA, Giovanni Luz K, Pinto Junior V. Atualização clínica sobre diagnóstico, tratamento e prevenção da dengue. Acta Med Port. 2024 1;37(2):126-35.)

Cerca de 10% dos casos sintomáticos podem evoluir com doença grave. Os sinais de alarme devem ser valorizados, assim como os pacientes orientados a procurar a assistência médica na ocorrência deles. A maioria dos sinais de alarme é resultante do aumento da permeabilidade vascular, que marca o início da piora clínica do paciente e sua possível evolução para o choque por extravasamento plasmático. A plaquetopenia e a CIVD, podem levar a hemorragias graves. Os principais sinais de alarme da dengue são: Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua; vômitos persistentes; acúmulo de líquidos (inchaço, ascite, derrame pleural, derrame pericárdico); hipotensão postural ou lipotimia; hepatomegalia; sangramento de mucosa; letargia e irritabilidade.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.,77. Khan MB, Yang ZS, Lin CY, Hsu MC, Urbina AN, Assavalapsakul W, Wang WH, Chen YH, Wang SF. Dengue overview: An updated systemic review. J Infect Public Health. 2023;16(10):1625-42.,1818. Seixas JBA, Giovanni Luz K, Pinto Junior V. Atualização clínica sobre diagnóstico, tratamento e prevenção da dengue. Acta Med Port. 2024 1;37(2):126-35.)

Até o momento, não temos medicações antivirais para dengue. O tratamento é de suporte, hidratação e sintomáticos. São contraindicados antiinflamatórios e ácido acetil salicílico (aspirina), por alterarem a agregação plaquetária e aumentarem o risco de sangramento. Diversas pesquisas têm estudado anticorpos monoclonais específicos para DENV1 que exibem forte potência neutralizante, mas não apresentam reatividade cruzada com outros sorotipos.(99. Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia/Ministério da Saúde. Manual de prevenção, diagnóstico e tratamento da dengue na gestação e no puerpério. São Paulo: Federação Brasileira de Associações de Ginecologia Obstetrícia/ Ministério da Saúde; 2024. 51 p.,1010. Sarker A, Dhama N, Gupta RD. Dengue virus neutralizing antibody: a review of targets, cross-reactivity, and antibody-dependent enhancement. Front Immunol. 2023 2;14:1200195.)

As estratégias atuais para o controle da dengue limitam-se a esforços para suprimir o número de mosquitos imaturos e adultos, através da pulverização de inseticidas, campanhas pelas mídias para reduzir os criadouros domiciliares e peridomiciliares e orientação para uso de repelentes. Mesmo onde recursos consideráveis são investidos nessas atividades, a supressão sustentada das densidades de mosquitos tem sido difícil e surtos sazonais continuam a ocorrer, principalmente em locais com falta de saneamento básico. Outra área promissora para o controle da dengue é o uso de mosquitos modificados: desde a descoberta de que os mosquitos infectados pela bactéria Wolbachia têm capacidade limitada de transmitir arbovírus, programas pioneiros de introdução de mosquitos infectados por Wolbachia foram iniciados no Brasil, Indonésia, Colômbia e Singapura, porém ainda não temos resultados conclusivos.(1111. Huber JH, Childs ML, Caldwell JM, Mordecai EA. Seasonal temperature variation influences climate suitability for dengue, chikungunya, and Zika transmission. PLoS Negl Trop Dis. 2018;12(5):e0006451.

12. Pinto SB, Riback TI, Sylvestre G, Costa G, Peixoto J, Dias FB, et al. Effectiveness of Wolbachia-infected mosquito deployments in reducing the incidence of dengue and other Aedes-borne diseases in Niterói, Brazil: A quasi-experimental study. PLoS Negl Trop Dis. 2021;15(7):e0009556.
-1313. Velez ID, Tanamas SK, Arbelaez MP, Kutcher SC, Duque SL, Uribe A, et al. Reduced dengue incidence following city-wide wMel Wolbachia mosquito releases throughout three Colombian cities: Interrupted time series analysis and a prospective case-control study. PLoS Negl Trop Dis. 2023;17(11):e0011713.)

A vacina ideal contra a dengue deve produzir resposta de longo prazo contra os quatro sorotipos. Atualmente, existem duas vacinas licenciadas no Brasil: Dengvaxia (Sanofi-Pasteur) e a Qdenga (Takeda Pharma). Ambas são vacinas compostas de vírus vivo atenuado. As duas vacinas utilizam a tecnologia de DNA recombinante, em que genes dos diferentes sorotipos do vírus da dengue são inseridos na estrutura genética de um vírus atenuado. A diferença entre as vacinas está no vírus atenuado utilizado como estrutura genética: a Dengvaxia usa o vírus vacinal da febre amarela, e a QDenga® usa o próprio DENV-2 atenuado.(1414. Halstead SB. Three dengue vaccines - what now? N Engl J Med. 2024;390(5):464-5.,1515. The Lancet Infectious Diseases. Can we control dengue? Lancet Infect Dis. 2023;23(10):1095.)

No Brasil, a Dengvaxia® está indicada para idade a partir de 6 anos até 45 anos, o esquema completo é com três doses. No ensaio de fase 3 mostrou que crianças que eram originalmente soronegativas para DENV e receberam a vacina, apresentaram maior risco de desenvolver dengue grave após adquirirem infecção, pela resposta imunológica exacerbada. Assim, a vacina está aprovada apenas para indivíduos com infecção prévia por dengue confirmada laboratorialmente e que vivem em áreas endêmicas.

A QDenga® está indicada a partir de 4 anos de idade até 60 anos com duas doses com intervalo de três meses entre as doses. Indivíduos tanto soronegativos como soropositivos para dengue podem tomar a vacina QDenga®. As vacinas se mostraram eficazes na prevenção da dengue e na redução de hospitalizações.(1616. Brasil. Ministério da Saúde. Entenda como funciona a vacina contra dengue ofertada pelo SUS [citado 2024 Abr 7]. Disponível: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/entenda-como-funciona-a-vacina-contra-dengue-ofertada-pelo-sus.
https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/2...
) A Dengvaxia® raramente é mais utilizada em áreas endêmicas devido à necessidade de pré-triagem de anticorpos contra dengue.

Uma vacina em dose única está sendo avaliada pelo Instituto Butantan (São Paulo, Brasil) chamada de Butantan-DV recombinante com vírus vivo atenuado. Em estudo recentemente publicado mostrou 84% de eficácia geral em 2 anos entre indivíduos de 2 e 60 anos de idade.(1717. Kallás EG, Cintra MA, Moreira JA, Patiño EG, Braga PE, Tenório JC, Infante V, etal. Live, attenuated, tetravalent butantan-dengue vaccine in children and adults. N Engl J Med. 2024;390(5):397-408.)

O controle da dengue continua sendo um grande desafio para o Brasil. Nos próximos anos, não teremos mudanças das condições climáticas, pelo contrário, há previsão calor excessivo e chuvas intensas com alagamentos. O Brasil é o primeiro país do mundo a oferecer o imunizante no sistema único de saúde (SUS). As vacinas para dengue trazem um alento, mas têm impacto ainda não totalmente elucidado em grandes populações, além de serem limitadas em imunodeprimidos e idosos, e contraindicadas em grávidas. Embora exista um importante papel individual da população eliminando criadouros do mosquito, o Estado tem papel fundamental estabelecendo uma política nacional na promoção de saneamento básico e na melhoria da infraestrutura das periferias dos grandes centros urbanos, além de capacitar as equipes multidisciplinares dos serviços de saúde no reconhecimento rápido dos casos graves e tratamento adequado para reduzir a mortalidade.

Referências

  • 1
    Cattarino L, Rodriguez-Barraquer I, Imai N, Cummings DAT, Ferguson NM. Mapping global variation in dengue transmission intensity. Sci Transl Med. 2020;12(528):eaax4144.
  • 2
    Stanaway JD, Shepard DS, Undurraga EA, Halasa YA, Coffeng LE, Brady OJ, et al. The global burden of dengue: an analysis from the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet Infect Dis. 2016;16(6):712-23.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Disponível https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/vinte-estados-apresentam-tendencia-de-estabilidade-ou-queda-na-incidencia-de-dengue Acessado em 07/04/2024.
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/vinte-estados-apresentam-tendencia-de-estabilidade-ou-queda-na-incidencia-de-dengue
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2024.
  • 5
    Shepard DS, Undurraga EA, Halasa YA, Stanaway JD. The global economic burden of dengue: a systematic analysis. Lancet Infect Dis. 2016;16(8):935-41.
  • 6
    Bowman LR, Donegan S, McCall PJ. Is dengue vector control deficient in effectiveness or evidence? systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis. 2016;10(3):e0004551.
  • 7
    Khan MB, Yang ZS, Lin CY, Hsu MC, Urbina AN, Assavalapsakul W, Wang WH, Chen YH, Wang SF. Dengue overview: An updated systemic review. J Infect Public Health. 2023;16(10):1625-42.
  • 8
    Paz-Bailey G, Adams LE, Deen J, Anderson KB, Katzelnick LC. Dengue. Lancet. 2024;17;403(10427):667-82.
  • 9
    Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia/Ministério da Saúde. Manual de prevenção, diagnóstico e tratamento da dengue na gestação e no puerpério. São Paulo: Federação Brasileira de Associações de Ginecologia Obstetrícia/ Ministério da Saúde; 2024. 51 p.
  • 10
    Sarker A, Dhama N, Gupta RD. Dengue virus neutralizing antibody: a review of targets, cross-reactivity, and antibody-dependent enhancement. Front Immunol. 2023 2;14:1200195.
  • 11
    Huber JH, Childs ML, Caldwell JM, Mordecai EA. Seasonal temperature variation influences climate suitability for dengue, chikungunya, and Zika transmission. PLoS Negl Trop Dis. 2018;12(5):e0006451.
  • 12
    Pinto SB, Riback TI, Sylvestre G, Costa G, Peixoto J, Dias FB, et al. Effectiveness of Wolbachia-infected mosquito deployments in reducing the incidence of dengue and other Aedes-borne diseases in Niterói, Brazil: A quasi-experimental study. PLoS Negl Trop Dis. 2021;15(7):e0009556.
  • 13
    Velez ID, Tanamas SK, Arbelaez MP, Kutcher SC, Duque SL, Uribe A, et al. Reduced dengue incidence following city-wide wMel Wolbachia mosquito releases throughout three Colombian cities: Interrupted time series analysis and a prospective case-control study. PLoS Negl Trop Dis. 2023;17(11):e0011713.
  • 14
    Halstead SB. Three dengue vaccines - what now? N Engl J Med. 2024;390(5):464-5.
  • 15
    The Lancet Infectious Diseases. Can we control dengue? Lancet Infect Dis. 2023;23(10):1095.
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde. Entenda como funciona a vacina contra dengue ofertada pelo SUS [citado 2024 Abr 7]. Disponível: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/entenda-como-funciona-a-vacina-contra-dengue-ofertada-pelo-sus
    » https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/entenda-como-funciona-a-vacina-contra-dengue-ofertada-pelo-sus
  • 17
    Kallás EG, Cintra MA, Moreira JA, Patiño EG, Braga PE, Tenório JC, Infante V, etal. Live, attenuated, tetravalent butantan-dengue vaccine in children and adults. N Engl J Med. 2024;390(5):397-408.
  • 18
    Seixas JBA, Giovanni Luz K, Pinto Junior V. Atualização clínica sobre diagnóstico, tratamento e prevenção da dengue. Acta Med Port. 2024 1;37(2):126-35.
  • 19
    World Health Organization (WHO). Dengue and severe dengue. [consultado 2024 Apr 7]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dengue-and-severe-dengue
    » https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dengue-and-severe-dengue

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br