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Sofrimento mental, suporte familiar e empoderamento de pessoas transgênero

Sufrimiento mental, apoyo familiar y empoderamiento de personas transgénero

Resumo

Objetivo

Identificar a presença de sofrimento mental, o suporte familiar e o empoderamento de pessoas transgênero residentes no Estado de Alagoas, Brasil.

Métodos

Estudo transversal, descritivo, quantitativo. Pessoas transgênero maiores de 18 anos que residiam no Estado de Alagoas foram incluídas no estudo. As entrevistas foram realizadas na plataforma Google Meet, mediante agendamento telefônico e WhatsApp. Foram utilizados: Questionário de identificação, Inventário de Ansiedade Traço-Estado, Escala de Depressão, Inventário de Percepção de Suporte Familiar e Escala de Empoderamento. Os dados foram inseridos no software Statistical Package For The Social Sciences 23, e analisados por meio de cálculo de frequências, médias, desvio-padrão e teste de Pearson Chi-Square.

Resultados

Foram entrevistadas 37 pessoas transgênero, com idade média de 27,35 anos, cor autorreferida preta/parda (91,8%), apresentando ideação suicida no último ano (48,6%), tentativa de suicídio (35,1%), risco para depressão (64,9%) e baixo suporte familiar (94,6%). Mulheres transgênero e pansexuais apresentaram maior traço de personalidade ansiosa e mulheres transgênero e bissexuais vivenciavam um maior estado ansioso. Houve maior comprometimento em pessoas heterossexuais na dimensão Afetivo-Consistente; em pessoas pansexuais, na dimensão Adaptação Familiar; em pessoas bissexuais, na dimensão Autonomia Familiar. O Ativismo Comunitário apresentou-se mais comprometido no empoderamento de pessoas transgênero.

Conclusão

As fragilidades nas relações familiares, aliado às condições de violência e preconceito vivenciados frente à dificuldade de muitos em conviver com a diversidade pode estar contribuindo para o sofrimento mental de pessoas transgênero. É preciso pensar em ações voltadas para a promoção do seu empoderamento, numa rede de apoio interna e externa à família.

Pessoas transgênero; Saúde mental; Ansiedade; Depressão

Resumen

Objetivo

Identificar la presencia de sufrimiento mental, apoyo familiar y empoderamiento de personas transgénero residentes en el estado de Alagoas, Brasil.

Métodos

Estudio transversal, descriptivo, cuantitativo. Se incluyeron en el estudio personas transgénero mayores de 18 años que residían en el estado de Alagoas. Las entrevistas se realizaron en la plataforma Google Meet, previamente programadas por teléfono y WhatsApp. Se utilizaron los siguientes instrumentos: Cuestionario de Identificación, Cuestionario de Ansiedad Estado Rasgo, Escala de Depresión, Cuestionario de Percepción de Apoyo Familiar y Escala de Empoderamiento. Los datos se ingresaron al software Statistical Package For The Social Sciences 23 y se analizaron mediante cálculo de frecuencias, promedios, desviación típica y prueba de Pearson Chi-Square.

Resultados

Se entrevistaron 37 personas transgénero, de 27,35 años de edad promedio, color autopercibido negro/pardo (91,8 %), que presentaron ideación suicida en último año (48,6 %), intento de suicidio (35,1 %), riesgo de depresión (64,9 %) y bajo apoyo familiar (94,6 %). Las mujeres transgénero y pansexuales presentaron mayor rasgo de personalidad ansiosa y las mujeres transgénero y bisexuales tuvieron más vivencias de estado ansioso. Hubo una mayor afectación en personas heterosexuales en la dimensión Afectivo-consistente; en personas pansexuales en la dimensión Adaptación familiar, y en personas bisexuales en la dimensión Autonomía familiar. El activismo comunitario se vio más comprometido en el empoderamiento de personas transgénero.

Conclusión

Las debilidades en las relaciones familiares, junto con las condiciones de violencia y prejuicio que enfrentan las personas transgénero ante la dificultad de muchos de convivir con la diversidad, puede contribuir con su sufrimiento mental. Es necesario pensar en acciones para promover su empoderamiento, mediante una red de apoyo interna y externa a la familia.

Personas transgénero; Salud mental; Ansiedad; Depresión

Abstract

Objective

Identify the presence of mental suffering, family support and empowerment of transgender people living in the State of Alagoas, Brazil.

Methods

Cross-sectional, descriptive, quantitative study. Transgender people over 18 years old who lived in the State of Alagoas were included in the study. The interviews were carried out on the Google Meet platform, through telephone and WhatsApp. The following instruments were used: Identification Questionnaire, State-Trait Anxiety Inventory, Depression Scale, Perceived Family Support Inventory and Empowerment Scale. The data were entered into the Statistical Package for the Social Sciences 23 software, and analyzed by calculating frequencies, means, standard deviation and the Pearson Chi-Square test.

Results

37 transgender people were interviewed, with an average age of 27.35 years, self-reported black/brown color (91.8%), presenting suicidal ideation in the last year (48.6%), attempted suicide (35.1%), risk for depression (64.9%) and low family support (94.6%). Transgender and pansexual women presented a greater anxious personality trait and transgender and bisexual women experienced a greater anxious state. There was greater impairment in heterosexual people in the Affective-Consistent dimension; in pansexual people, in the Family Adaptation dimension; in bisexual people, in the Family Autonomy dimension. Community Activism was more committed to empowering transgender people.

Conclusion

The weaknesses in family relationships, combined with the conditions of violence and prejudice experienced in the face of the difficulty of many in living with diversity, may be contributing to the mental suffering of transgender people. Thoughts about actions aimed at promoting their empowerment are essential, in a support network that can be internal and external to their family.

Transgender persons; Mental health; Anxiety; Depression

Introdução

Essa pesquisa teve como objeto de estudo o sofrimento mental, o suporte familiar e o empoderamento de pessoas transgênero. A transidentidade não é, em si, uma patologia.11. Albino MS, Garcia OR, Rodriguez AM, Wilhelm LA. Vivências de pessoas transgênero e equipe de enfermagem na atenção à saúde: encontros e desencontros. Cadernos Genero Diversidade. 2021;7(3):176-99.Pessoas transgênero são aquelas que cruzam as fronteiras de gênero, propondo novas maneiras de pensá-lo e vivenciá-lo.22. Ruiz MS. Histórias de vida e trabalho de pessoas transgêneras em Foz do Iguaçu/PR. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações: Universidade Estadual do Oeste do Paraná; 2022. [citado 2022 Dez 12]. Disponível em: https://tede.unioeste.br/handle/tede/6020
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Pessoas transgênero, especialmente as jovens, estão mais vulneráveis às piores condições de saúde mental e comportamento suicida.33. Corrêa FH, Rodrigues BB, Mendonça JC, Cruz LR. Pensamento suicida entre a população transgênero: um estudo epidemiológico. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):13-22. Um estudo realizado no Distrito Federal identificou que pessoas transgênero que expressaram gênero masculino apresentaram maior frequência de pensamento suicida (80%). Sobre a orientação sexual, 72,2% das pessoas heterossexuais e 87,5% das pessoas bissexuais apresentaram pensamentos suicidas. Em relação à aprovação familiar, o fato da família desaprovar ou desconhecer a orientação sexual dessas pessoas mostrou que a frequência de ideação suicida pode atingir aproximadamente 90% delas.33. Corrêa FH, Rodrigues BB, Mendonça JC, Cruz LR. Pensamento suicida entre a população transgênero: um estudo epidemiológico. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):13-22. Essas pessoas são mais vulneráveis ao sofrimento mental por terem que lidar com uma transfobia que é estruturante na sociedade. Pessoas pertencentes ao movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT+) relatam continuamente situações em que são violentadas e marginalizadas por indivíduos que não conseguem conviver com a diversidade.44. Façanha C, da Silva EG, Meira JC, de Castro EH. Pessoas LGBTQUIA+ preconceito e superação: movimento para além da dor e do sofrimento sob o viés da fenomenologia. Rev EDUCAmazônia. 2021;13(2):384-408.

Estudo de revisão sistemática indica que pessoas transgênero apresentam prevalência maior de transtorno mental do que a população em geral ou indivíduos cisgêneros.55. Pinna F, Paribello P, Somaini G, Corona A, Ventriglio A, Corrias C, et al.; Italian Working Group on LGBTQI Mental Health. Mental health in transgender individuals: a systematic review. Int Rev Psychiatry. 2022;34(3-4):292-359.

As adversidades vivenciadas pelas pessoas transgênero podem contribuir para o surgimento de sintomas de ansiedade. Esta é caracterizada como reação natural que incentiva o ser humano nas situações de estresse, mas pode tornar-se patológica e repercutir negativamente se vivenciada excessivamente e por longos períodos.66. American Psychiatry Association (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. 2014 [cited 2022 May 26]; 2-12. Available from: http://dislex.co.pt/images/pdfs/DSM_V.pdf
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Essas pessoas podem, ainda, apresentar sintomas de depressão, caracterizado como um transtorno de humor que causa danos à vida pessoal, tende a causar desânimo e pessimismo na pessoa, afetando a interação social, autoestima, padrões de sono e apetite, humor triste, sensação de vazio ou irritação, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam a capacidade funcional do indivíduo, alterações nítidas no afeto, tristeza profunda, ganho ou perda de peso significativo, alterações na qualidade do sono, perda de interesse por situações ou coisas que antes eram prazerosas.66. American Psychiatry Association (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. 2014 [cited 2022 May 26]; 2-12. Available from: http://dislex.co.pt/images/pdfs/DSM_V.pdf
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Os transtornos mentais apresentam forte influência no comportamento suicida e, aliados a fatores como a transfobia, podem acabar fortalecendo a ideação ou tentativa de suicídio. O comportamento suicida engloba desejo de apressar a morte, comportamento autodestrutivo indireto, parassuicídio, autoagressão deliberada, tentativa de suicídio, automutilação e o suicídio.77. Goodfellow B, Kõlves K, de Leo D. Contemporary Definitions of Suicidal Behavior: A Systematic Literature Review. Suicide Life Threat Behav. 2019;49(2):488-504.Um inquérito comunitário realizado na Austrália destaca a presença de taxas mais elevadas de tentativa de suicídio, automutilação e depressão na comunidade trans. As tentativas de suicídio ocorrem devido a uma complexa interação entre fatores de risco sociopolíticos, ambientais, interpessoais e estruturais.88. Zwickl S, Wong AF, Dowers E, Leemaqz SY, Bretherton I, Cook T, et al. Factors associated with suicide attempts among Australian transgender adults. BMC Psychiatry. 2021;21(81):81.

Nesse contexto, o suporte familiar poderia ser um amortecedor de diversos estressores na vida das pessoas, podendo ser associado à competência social, enfrentamento de problemas, senso de estabilidade, autoconceito, afeto positivo e bem-estar psicológico na vida dessas pessoas.99. Baptista MN. Desenvolvimento do Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF): estudos psicométricos preliminares. Psico-USF. 2005;10(1):11-9. Estudo de revisão integrativa aponta que a família pode apresentar-se como causadora ou fator protetivo de sofrimento psíquico em pessoas transgênero.1010. Cortes HM, Arauo LM. Repercussões da exclusão social na saúde mental de pessoas transgêneras. In: Sequeira C, Carvalho JC, Sa L, Seabra P, Silva M, Araujo O., editores. XI Congresso Internacional da ASPESM: mais saúde mental (Ebook]. Porto: ASPESM, 2020. p. 40-9. Disponível em: https://issuu.com/spesm/docs/final_e-book_2020_congresso_online-3_2.
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Estudo mostra que mesmo entre pessoas transgênero com famílias que apoiaram as suas transições, os pais veem um melhor bem-estar delas, quando elas têm mais apoio por parte da família, dos pares e das escolas.1111. Durwood L, Eisner L, Fladeboe K, Ji CG, Barney S, McLaughlin KA, et al. Social Support and Internalizing Psychopathology in Transgender Youth. J Youth Adolesc. 2021;50(5):841-54.

Além disso, a busca pelo empoderamento independe do gênero, aparência ou sexualidade. Ele faz parte de um processo que reconhece que as pessoas transgênero, historicamente, esteve à margem da sociedade, sendo excluída por discurso e práticas sexistas e transfóbicas.1212. Jesus JG, Alves H. Feminismo transgênero e movimentos de mulheres transexuais. Rev Cronos; 2010. 11(2). [citado 2024 Abr 29]. Disponível em https://periodicos.ufrn.br/cronos/article/view/2150/pdf
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Dessa forma, a pessoa empoderada poderia administrar melhor o uso de serviços de saúde, identificando com mais facilidade suas complicações e, tomando decisões mais assertivas. Assim, mensurar o empoderamento em pessoas em situação de vulnerabilidade é uma inovação no campo da atenção à saúde.1313. Pinto MS, Oliveira HX, Barbosa JC, Ramos AN. Guia de Aplicação da Escala de Empoderamento. Universidade Federal do Ceará. 2019 [citado 2021 Nov 12]. Disponível em: https://www.nhrbrasil.org.br/images/1-Guia_Escala_de_Empoderamento_2019.pdf
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A enfermagem tem papel importante no que diz respeito ao cuidado em saúde, visto que tais profissionais atuam na porta de entrada das demandas de saúde e é um elo de comunicação da população com toda a rede de saúde. Apesar disso, ainda existem lacunas na formação desse profissional voltadas para o cuidado às pessoas transgênero.11. Albino MS, Garcia OR, Rodriguez AM, Wilhelm LA. Vivências de pessoas transgênero e equipe de enfermagem na atenção à saúde: encontros e desencontros. Cadernos Genero Diversidade. 2021;7(3):176-99.

Nesse cenário, surgiu a seguinte questão norteadora: como se apresenta o sofrimento mental, o suporte familiar e o empoderamento de pessoas transgênero residentes no Estado de Alagoas, Brasil?

Assim, o presente estudo teve como objetivo identificar a presença de sofrimento mental, o suporte familiar e o empoderamento de pessoas transgênero residentes no Estado de Alagoas, Brasil.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, descritivo, quantitativo norteado pelo checklist de Verificação para Relatar Resultados de Pesquisas Eletrônicas na Internet (CHERRIES).

Segundo os dados estimados pelo Grupo Gay de Alagoas (GGAL), em 2021, 70 pessoas transgênero de Alagoas estavam em acompanhamento para realizar a cirurgia de redesignação sexual.1414. Gomes T. Alagoas tem 70 transgêneros à espera de cirurgia de mudança de sexo. Gazeta de Alagoas. 2020 [citado 2021 Nov 15]. Disponível em: https://d.gazetadealagoas.com.br/cidades/247174/alagoas-tem-70-transgeneros-a-espera-de-cirurgia-de-mudanca-de-sexo
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As entrevistas foram realizadas entre agosto e dezembro de 2020, durante o período de isolamento social devido à pandemia da COVID-19. Nesse contexto virtual, o processo de recrutamento foi mais desafiador, tendo em vista que nem todas as pessoas tinham acesso à internet ou a um dispositivo móvel, ou fixo, para responder a esta pesquisa.

A amostra foi intencional e não probabilística. Pessoas transgênero maiores de 18 anos e com acesso à Internet e dispositivo eletrônico que residiam no Estado de Alagoas foram incluídas no estudo.

A análise de poder do estudo foi realizada pelo software G*power, versão 3.0, utilizando-se os seguintes parâmetros: testes Qui-quadrado, testes de bondade de ajuste: tabelas de contingência e Post hoc. A análise de poder post hoc neste estudo foi de 78% para amostra de 37 participantes com um poder de efeito de 0,50.

As entrevistas foram realizadas por uma pessoa cisgênero, bissexual e mediante agendamento telefônico e WhatsApp e foram realizadas de forma remota por meio da plataforma Google meet. Após a realização de cada entrevista, foi solicitado às pessoas entrevistadas que indicassem outras pessoas transgênero que pudessem participar da pesquisa. Essa técnica de amostragem não probabilística snowball ou bola de neve surgiu para auxiliar na coleta de dados de populações de difícil acesso, de forma que a amostra vai crescendo à medida que as pessoas entrevistadas indicam outras pessoas que, possivelmente, farão parte da pesquisa.1515. Heckathorn DD, Cameron CJ. Network sampling: from snowball and multiplicity to respondent - driven sampling. Annu Rev Sociol. 2017;43(1):101-19. Foi disponibilizado um link em redes sociais (Facebook, Instagram, WhatsApp e Twitter) como forma de convite para participação da pesquisa e para maior alcance de participantes.

Foram utilizados os seguintes instrumentos: Questionário de Identificação, Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), Escala de Depressão - CES-D (Center for Epidemiologic Studies Depression Scale), Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF) e Escala de Empoderamento (EE).

O Questionário de Identificação foi elaborado pelos autores e serviu para coletar informações relativas à idade, orientação sexual, sexo, escolaridade, raça/cor, se trabalha, local de residência, com quem reside, estado conjugal, presença de ideação suicida no último ano e se já tentou suicídio alguma vez na vida.

O IDATE é composto por duas escalas distintas de autorrelato para medir dois conceitos distintos: estado de ansiedade e traço de ansiedade. A escala traço de ansiedade requer que as pessoas participantes descrevam como geralmente se sentem. A escala de estado de ansiedade requer das pessoas, indicar como se sentem num determinado momento. A escala traço de ansiedade e a escala de estado de ansiedade contêm 20 afirmações, cada uma. Na escala estado, os 20 itens são apresentados em uma escala Likert de 4 pontos: 1 – absolutamente não; 2-um pouco; 3 – bastante; 4 – muitíssimo. Na escala traço, os 20 itens são apresentados em uma escala Likert de 4 pontos: 1- quase nunca; 2 – às vezes; 3 – frequentemente; 4 – quase sempre. Os escores para as perguntas de caráter positivo são invertidos. Ou seja, se o paciente responder 4, atribui-se valor 1 na codificação; se responder 3, atribui-se valor 2; se responder 2, atribui-se valor 3; e se responder 1, atribui-se valor 4. O escore total varia de 20 a 80 para cada escala. Para fins de análise, estas escalas não possuem pontos de corte definidos, mesmo porque o nível pode variar conforme as características individuais e amostrais, pois se trata de um ordenamento de escores categóricos.1616. Fioravanti AC, Santos LF, Maissonette S, Cruz AP, Landeira-Fernandez J. Avaliação da estrutura fatorial da Escala de Ansiedade-Traço do IDATE. Aval Psicol. 2006;5(2):217-24. Estudo com amostra brasileira indica nível elevado de consistência interna em ambas as escalas que compõem o IDATE.1717. Andrade L, Gorenstein C, Vieira Filho AH, Tung TC, Artes R. Psychometric properties of the Portuguese version of the State-Trait Anxiety Inventory applied to college students: factor analysis and relation to the Beck Depression Inventory. Braz J Med Biol Res. 2001;34(3):367-74.

O CES-D é composto por 20 itens. Ele questiona sintomas depressivos nos últimos sete dias anteriores à entrevista. Cada resposta admite quatro gradações de intensidade (nunca ou raramente: 0, às vezes: 1, frequentemente: 2 e sempre: 3). Os itens 4, 8, 12 e 16 (positivos) são pontuados com gradação inversa. O escore final varia de 0 a 60 pontos e correspondem à soma da pontuação de todas as respostas. A pontuação maior que 15 pontos é o nível de corte que indica a presença de sintomas depressivos significativos. Esta escala apresenta viabilidade e validade, e mostrou-se sensível a variações na intensidade da sintomatologia depressiva, podendo ser utilizada em estudos epidemiológicos.1818. Gonçalves B, Fagulha T. The Portuguese version of the center for epidemiologic studies depression scale (CES-D). Eur J Psychol Assess. 2004;20(4):339-48.

O IPSF é um teste capaz de avaliar a percepção do suporte familiar. O instrumento é uma escala Likert de três pontos: quase nunca ou nunca, às vezes e quase sempre ou sempre. É constituído de 42 itens e três dimensões: Afetivo-Consistente, Adaptação Familiar, Autonomia Familiar. Os resultados do IPSF são obtidos através do cálculo dos escores de cada dimensão, além do escore geral (Suporte Familiar Total). Esse escore geral é referente à soma das pontuações de todas as dimensões, e quanto maior o número desse escore, maior é a percepção do indivíduo com relação ao suporte familiar. Os resultados de construto e confiabilidade do IPSF demonstraram índices bastante satisfatórios e pode ser muito útil no desenvolvimento de pesquisas sobre as características da família brasileira.99. Baptista MN. Desenvolvimento do Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF): estudos psicométricos preliminares. Psico-USF. 2005;10(1):11-9.

A EE avalia manifestações de empoderamento nas quais a pessoa demonstra ter no momento da sua aplicação. A EE está organizada em 25 itens e utiliza o modelo de Likert para pontuar cinco fatores: a) Autoestima e autoeficácia, b) Poder e impotência, c) Ativismo comunitário, d) Otimismo e Controle do futuro, e) Ira ou raiva justa. A escala de Likert é composta por itens onde o sujeito manifesta o grau de concordância conforme as quatro opções de respostas: 1 – Concordo plenamente - terá o valor 1; 2 – Concordo - terá o valor 2; 3 – Discordo - terá o valor 3; 4 – Discordo plenamente - terá o valor 4. A maior pontuação corresponde às maiores manifestações de empoderamento, com pontuação final podendo variar de 25 a 100. Essa escala apresenta validade e confiabilidade e pode ser aplicada em pessoas inseridas em um cenário de maior vulnerabilidade.1313. Pinto MS, Oliveira HX, Barbosa JC, Ramos AN. Guia de Aplicação da Escala de Empoderamento. Universidade Federal do Ceará. 2019 [citado 2021 Nov 12]. Disponível em: https://www.nhrbrasil.org.br/images/1-Guia_Escala_de_Empoderamento_2019.pdf
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Os dados resultantes da coleta foram inseridos no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23. Os dados foram analisados por meio de cálculo de frequências, médias e desvio-padrão para as variáveis sociodemográficas, ansiedade traço-estado, percepção de suporte familiar e empoderamento. O teste de coeficiente de correlação linear de Pearson foi utilizado para avaliar a associação entre depressão e comportamento suicida. Definiu-se a significância estatística em p≤0,05 e um nível de confiança de 95%. Não foi realizado pré-teste ou teste piloto para aplicação dos instrumentos de coleta.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas nº 4.013.350, Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 31120620.1.0000.5013. Após a aprovação, as pessoas transgênero que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme a Resolução n.º 466/12, a Resolução n.º 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde e o Ofício Circular n.º 1/2021/CONEP/SECNS/MS de orientações para procedimentos em pesquisas em ambiente virtual. As pessoas que demandaram algum cuidado em saúde mental foram encaminhadas para a rede de atenção psicossocial do Estado de Alagoas.

Resultados

Perfil sociodemográfico das pessoas participantes

Foram entrevistadas 37 pessoas transgênero. Destas, 51,5% eram do sexo feminino e 48,6% do sexo masculino, com média de idade de 27,3 (±9,15) anos. A média de idade entre os sexos foi de 26,6 (±11,6) anos para o masculino e 28 (±6,13) anos para o feminino. A média de idade variou quando analisado conforme a orientação sexual, sendo de 28,7 (±11,4) anos para pessoas heterossexuais, 33,5 (±7,77) anos para pessoas homossexuais, 28 (±8,44) anos para pessoa bissexual e 24,1 (±3,94) anos para pessoa pansexual. A cor autorreferida predominante foi preta (45,9%) e parda (45,9%), 27% tinham ensino médio completo e 24,3% tinham ensino superior completo (Tabela 1). Observou-se que 62,1% das pessoas transgênero estavam desempregadas ou tinham um emprego informal, enquanto 37,9% possuíam um emprego formal. Verificou-se que 75,7% moram em Maceió, 48,6% afirmaram morar com os familiares e 24,3% moravam sozinhos. Quando as pessoas foram questionadas sobre o estado conjugal, 54,1% afirmaram que nunca casaram (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas de pessoas transgênero

Ansiedade traço-estado e risco para Depressão

A média de ansiedade estado e ansiedade traço foram de 47,65 (±13,35) e 48,30 (±14,65), respectivamente (Tabela 2). Os valores para ansiedade estado e ansiedade traço foram mensurados considerando a orientação sexual das pessoas transgênero do estudo. Identificou-se média de ansiedade estado maior para pessoas bissexuais (60,0±15,6) e menor para pessoas homossexuais (34,5±6,37). Na ansiedade traço, a média foi menor para pessoas homossexuais (42,0±2,82) e maior para pessoas pansexuais (55,45±12,63) (Tabela 2). Observou-se que 64,9% das pessoas transgênero apresentaram risco para depressão (Tabela 2). Não houve diferença estatisticamente significativa entre a orientação sexual e o risco para depressão (p>0,05). A Percepção de Suporte Familiar também foi mensurada de acordo com a orientação sexual. Foi identificado maior média para pessoa bissexual (22,25±4,64) na dimensão “Afetivo Consistente” e menor média (20,37±3,49) para pessoa heterossexual. A dimensão “Adaptação Familiar” apresentou maior média (18,00±2,44) para pessoa bissexual e menor para pessoa pansexual (15,36±4,77). Já a dimensão “Autonomia Familiar”, apresentou maior média para pessoas homossexuais (9,00±5,65) e menor média para pessoas bissexuais (6,00±3,47) (Tabela 2).

Tabela 2
Ansiedade estado-traço, risco para depressão e percepção de suporte familiar

Ideação e tentativa de suicídio

Observou-se que 48,6% (n= 18) das pessoas transgênero apresentaram ideação suicida no último ano. Destas, 83,3% (n= 15) tinham risco de depressão (p<0,05), onde se destacam as pessoas pansexuais (n= 9; 81,8%). Em relação à tentativa de suicídio, 35,1% (n= 13) responderam que já tentaram alguma vez na vida. Destas, 76,9% (n= 10) apresentaram risco de depressão (p>0,05), onde se destacam as pessoas heterossexuais (n= 6; 31,6%).

Percepção de suporte familiar e Empoderamento

Identificou-se que 94,6% das pessoas transgênero apresentaram baixo suporte familiar. As dimensões que apresentaram maiores médias foram: “Afetivo consistente” (20,86±4,00) e “Adaptação familiar” (16,86±4,00) (Tabela 3). As pessoas transgênero obtiveram média geral de 9,72 (±1,90) no nível de empoderamento. Os fatores que mais contribuíram para o empoderamento foram “Poder e impotência” (2,29±0,51) e “Otimismo e controle do futuro” (2,14±0,68). O fator que menos contribuiu para o empoderamento de pessoas transgênero foi o “Ativismo comunitário” (1,54±0,44) (Tabela 3).

Tabela 3
Percepção do suporte familiar e empoderamento de pessoas transgênero

Discussão

A maioria das pessoas transgênero do presente estudo possui o ensino médio completo e o ensino superior incompleto. Esse dado concorda com estudo sobre a “educação básica e o acesso de pessoas transgênero e travestis à educação superior”, onde mostra que estas conseguiram concluir o ensino médio. Por outro lado, o mesmo estudo destaca que é muito pequena a quantidade de pessoas que conseguem ingressar no ensino superior. E, dentre os que conseguem ingressar na graduação, um quantitativo pequeno consegue concluir.1919. Lima T. Educação básica e o acesso de transexuais e travestis à educação superior. Rev Inst Estud Bras. 2020;77(11):70-87.

Ainda que alguns participantes do atual estudo tenham informado que possuem um vínculo formal (62,1%), este, geralmente, não faz parte da realidade das pessoas transgênero. Os contextos da empregabilidade para essas pessoas carregam uma problemática cheia de desafios que envolvem o preconceito, transfobia, documentos, tais como o registro civil, uso de banheiros, uniformes, escolaridade e a linguagem corporal e verbal.2020. Silva MA, Luppi CG, Veras MA. Work and health issues of the transgender population: factors associated with entering the labor market in the state of São Paulo, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(5):1723-34.

Em relação à cor autorreferida, a maioria se declarou preto e pardo. Esse dado está conforme o levantamento do “1º Mapeamento de pessoas trans na cidade de São Paulo” que traz que a maioria das pessoas entrevistadas se autodeclararam preta ou parda (57%).2121. Diéguez CRMA, Rodrigues CCP, Venturi G, Bicev JT, Adamos RE. Mapeamento das Pessoas Trans na Cidade de São Paulo: relatório de pesquisa. Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC). Relatório n° de janeiro de 2021: TFM/074/2019/SMDCH/LGBTI. Processo administrativo n°: 6074.2019/0003541-3.

Estudos mostram que pessoas transgênero apresentam maiores riscos para o desenvolvimento de transtornos mentais como a ansiedade. Além da sensação de medo, tensão ou preocupação, as pessoas transgênero apresentam alguns fatores estressores que podem estar ligados à ansiedade como a baixa autoestima, imagem corporal, solidão, rejeição familiar, isolamento social, vergonha, discriminação e ausência de apoio social e familiar.2222. Fernández-Rouco N, Carcedo RJ, López F, Orgaz MB. Mental Health and Proximal Stressors in Transgender Men and Women. J Clin Med. 2019;8(3):413-27.

23. Francisco LC, Barro AC, Pacheco MS, Nardi AE, Alves VM. Anxiety in sexual and gender minorities: an integrative review. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):48-56.
-2424. Silva RR, Silva LA, Souza MV, Silva MV, Neves MP, Vargas D, et al. Minority gender stress and its effects on mental health as a risk factor for depression in transgender persons: literature review. Res Soc Dev. 2021;10(3):e51610313693.O atual estudo identificou sintomas de ansiedade mais elevados em pessoas transgênero, bissexuais e pansexuais.

Estudo realizado nos Estados Unidos com pessoas jovens transgênero afirma que elas apresentam níveis de ansiedade e depressão mais altos que indivíduos cisgêneros, sobretudo, porque enfrentam mais desafios ao longo da vida.2525. Brown C, Porta CM, Eisenberg ME, McMorris BJ, Sieving RE. Family relationships and the health and well-being of transgender and gender-diverse youth: a critical review. LGBT Health. 2020;7(8):407-19. Outro estudo realizado na China mostra uma alta prevalência de adoecimento mental, como depressão, ansiedade e problemas relacionados ao estresse em pessoas transgênero.2626. Braz DG, Reis MB, Horta AL, Fernandes H. Vivências familiares no processo de transição de gênero. Acta Paul Enferm. 2020;33:eAPE20190251 Uma pesquisa com 928 pessoas transgênero na Austrália identificou que 73% das pessoas relataram um diagnóstico de depressão ao longo da vida.2727. Melo DS, Silva BL, Mello R. A sintomatologia depressiva entre lésbicas, gays, bissexuais e transexuais: um olhar para a saúde mental. Rev enferm UERJ. 2019;27:e41942.Estudo realizado na Argentina identificou a presença de sintomas depressivos em mulheres transgênero (50,8%).2828. Radusky PD, Zalazar V, Cardozo N, Fabian S, Duarte M, Frola C, et al. Reduction of gender identity stigma and improvements in mental health among transgender women initiating HIV treatment in a trans-sensitive clinic in Argentina. Transgend Health. 2020 Dec;5(4):216-24.No atual estudo, identificou-se que 64,9% das pessoas transgênero apresentaram risco para depressão. Isso reforça a necessidade do profissional de saúde ter um olhar voltado para a identificação da presença de sofrimento mental nessas pessoas.

Como os transtornos mentais influenciam no comportamento suicida,77. Goodfellow B, Kõlves K, de Leo D. Contemporary Definitions of Suicidal Behavior: A Systematic Literature Review. Suicide Life Threat Behav. 2019;49(2):488-504. faz-se necessário a sua avaliação em todas as pessoas que apresentem sofrimento mental. Sendo assim, a presença de ideação suicida no último ano foi relatada por 48,6% das pessoas participantes deste estudo. Essa frequência é maior do que a encontrada em uma pesquisa realizada no Rio Grande do Norte, onde 41,4% das pessoas travestis e transgênero apresentaram ideação suicida.2929. Silva GW, Meira KC, Azevedo DM, Sena RC, Lins SL, Dantas ES, et al. Factors associated with suicidal ideation among travestis and transsexuals receiving assistance from transgender organizations. Cien Saude Colet. 2021;26 Suppl 3:4955-66. Outro estudo com pessoas transgênero realizado no Distrito Federal identificou que 73,7% das pessoas participantes da pesquisa tiveram pensamentos suicidas em algum momento da vida e 29,9% haviam tentado suicídio, pelo menos uma vez na vida. O estudo afirma ainda que o sofrimento relacionado ao próprio corpo e fatores socioeconômicos como a cor/raça, estado civil e escolaridade podem estar relacionados com as tentativas de suicídio.33. Corrêa FH, Rodrigues BB, Mendonça JC, Cruz LR. Pensamento suicida entre a população transgênero: um estudo epidemiológico. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):13-22.

Este estudo identificou que 94,6% das pessoas transgênero apresentaram baixo suporte familiar. As dimensões do Inventário de Percepção de Suporte Familiar mais comprometida foram “Afetivo consistente” e “Adaptação familiar”. A primeira dimensão tem a ver com a comunicação familiar, a assertividade e atenção dos membros da família. A segunda tem relação com os conflitos, discordância entre os membros e as críticas que geralmente são associadas ao afeto negativo.99. Baptista MN. Desenvolvimento do Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF): estudos psicométricos preliminares. Psico-USF. 2005;10(1):11-9.Estudo de revisão indica que as qualidades do relacionamento familiar influenciam nos resultados de saúde e bem-estar de pessoas transgênero.2525. Brown C, Porta CM, Eisenberg ME, McMorris BJ, Sieving RE. Family relationships and the health and well-being of transgender and gender-diverse youth: a critical review. LGBT Health. 2020;7(8):407-19.A rejeição familiar tem se tornado um forte agravante à depressão e tentativa de suicídio. Enquanto o suporte familiar é visto como um fator protetor a esses agravantes.2626. Braz DG, Reis MB, Horta AL, Fernandes H. Vivências familiares no processo de transição de gênero. Acta Paul Enferm. 2020;33:eAPE20190251,2727. Melo DS, Silva BL, Mello R. A sintomatologia depressiva entre lésbicas, gays, bissexuais e transexuais: um olhar para a saúde mental. Rev enferm UERJ. 2019;27:e41942.

É importante compreender que o empoderamento visa o fortalecimento e desenvolvimento de capacidades que possam equilibrar os fatores de risco.3030. Bomtempo J, Mendes JA. Risco, Proteção e Empoderamento na Adolescência Transexual: reflexões a partir de um estudo de caso. In: Lima AO, Andrade TA, Cunha UC. Juventudes: pesquisas e campos de atuação. Editora CRV; 2020. p. 37-52. Ao buscar o empoderamento das pessoas transgênero se reconhece que elas estão à margem dos processos sociais, excluídas por discursos e práticas sexistas, cissexistas e transfóbicos. É emergente a movimentação a respeito da despatologização e formulação de novas estratégias discursivas por pessoas transgênero, ao considerarem o imaginário social ligado à noção de uma divisão morfológica rígida e imutável entre sexo e gênero como um fator de opressão das pessoas trans, por regular corpos não conformes à norma binária homem/pênis e mulher/vagina.1212. Jesus JG, Alves H. Feminismo transgênero e movimentos de mulheres transexuais. Rev Cronos; 2010. 11(2). [citado 2024 Abr 29]. Disponível em https://periodicos.ufrn.br/cronos/article/view/2150/pdf
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No atual estudo, os fatores que mais contribuíram para o empoderamento das pessoas transgênero foram: “Poder e impotência” e “Otimismo e controle do futuro”. O fator que menos contribuiu para o empoderamento foi o “Ativismo comunitário”. Este fator está relacionado à organização de comunidades para resolver problemas sociais e melhorar suas condições econômicas e, diretamente relacionado à participação social.3030. Bomtempo J, Mendes JA. Risco, Proteção e Empoderamento na Adolescência Transexual: reflexões a partir de um estudo de caso. In: Lima AO, Andrade TA, Cunha UC. Juventudes: pesquisas e campos de atuação. Editora CRV; 2020. p. 37-52.As ações produzidas pelos movimentos sociais colaboraram para a construção de novos projetos de vida, apresentando caminhos e perspectivas de futuro; apoiando no processo de transição e promovendo autonomia e empoderamento para resistir e reagir às agressões.3131. Selles BR, Almeida PF, Ahmad AF, Lemos A, Ribeiro CR. Redes sociais de apoio às pessoas trans: ampliando a produção de cuidado. Saúde Debate. 2022;46(Supl 6):148-61.

O apoio e suporte de profissionais da saúde pode ser especialmente importantes para o empoderamento dessas pessoas.3232. Pflugeisen CM, Boomgaarden A, Denaro AA, Konicek D, Robinson E. Patient Empowerment Among Transgender and Gender Diverse Youth. LGBT Health. 2023;10(6):429-38. Estudo de revisão integrativa mostra que pessoas transgênero não têm encontrado respostas às suas demandas de saúde, são vítimas de preconceitos e violências nos serviços e procuram atendimento em casos extremos de adoecimento.3333. Rosa DF, Carvalho MV, Pereira NR, Rocha NT, Neves VR, Rosa AD. Nursing Care for the transgender population: genders from the perspective of professional practice. Rev Bras Enferm. 2019;72 suppl 1:299-306. Estudo realizado com profissionais de enfermagem aponta que existe um desconhecimento sobre a temática, representações sociais carregadas de juízo de valores e preconceitos, discursos biologicistas e uma visão patológica envolvendo essas pessoas.11. Albino MS, Garcia OR, Rodriguez AM, Wilhelm LA. Vivências de pessoas transgênero e equipe de enfermagem na atenção à saúde: encontros e desencontros. Cadernos Genero Diversidade. 2021;7(3):176-99.,1010. Cortes HM, Arauo LM. Repercussões da exclusão social na saúde mental de pessoas transgêneras. In: Sequeira C, Carvalho JC, Sa L, Seabra P, Silva M, Araujo O., editores. XI Congresso Internacional da ASPESM: mais saúde mental (Ebook]. Porto: ASPESM, 2020. p. 40-9. Disponível em: https://issuu.com/spesm/docs/final_e-book_2020_congresso_online-3_2.
https://issuu.com/spesm/docs/final_e-boo...

Estudo de revisão sistemática identifica algumas estratégias clínicas de intervenções afirmativas: a) fornecer psicoeducação, b) permitir espaço para as famílias expressarem reações ao gênero de seus filhos, c) enfatizar o poder protetor da aceitação familiar, d) utilizar múltiplas modalidades de apoio, e) dar às famílias oportunidades de aliança e defesa, f) conectar as famílias aos recursos da comunidade, e g) centralizar abordagens e preocupações intersetoriais.3434. Malpas J, Pellicane MJ, Glaeser E. Family-Based Interventions with Transgender and Gender Expansive Youth: Systematic Review and Best Practice Recommendations. Transgend Health. 2022;7(1):7-29.

Esse estudo mostra a necessidade de se pensar em ações intersetoriais voltadas para a promoção do empoderamento da pessoa transgênero e de uma rede de apoio interna e externa à família. Os profissionais de enfermagem devem realizar uma abordagem familiar, de forma que a mesma possa receber orientações sobre a importância do acolhimento familiar para a promoção da saúde física e mental das pessoas transgênero.3030. Bomtempo J, Mendes JA. Risco, Proteção e Empoderamento na Adolescência Transexual: reflexões a partir de um estudo de caso. In: Lima AO, Andrade TA, Cunha UC. Juventudes: pesquisas e campos de atuação. Editora CRV; 2020. p. 37-52.

É necessário haver parceira entre os serviços de saúde, os coletivos sociais organizados voltados a esse público e as instituições de ensino superior visando a promoção de formação e treinamento de profissionais da saúde para o acolhimento e atendimento das demandas em saúde de pessoas transgênero; Que os cursos da área da saúde, em especial os da enfermagem, incluam como disciplina obrigatória em seus currículos a temática de gênero e sexualidade com destaque para sexualidades e identidades de gênero não normativas; Que enfermeiros garantam às pessoas transgênero o tratamento pelo gênero com o qual se identificam, como sinônimo de qualidade na assistência à saúde e de garantia da efetivação das políticas já existentes, dos direitos da pessoa humana e da obediência aos princípios de equidade do Sistema Único de Saúde.11. Albino MS, Garcia OR, Rodriguez AM, Wilhelm LA. Vivências de pessoas transgênero e equipe de enfermagem na atenção à saúde: encontros e desencontros. Cadernos Genero Diversidade. 2021;7(3):176-99.

É fundamental reconhecer as vulnerabilidades enfrentadas pelas pessoas transgênero e garantir um atendimento que respeite sua singularidade, proporcionando um cuidado abrangente e centrado no cuidado humanizado e holístico. Nesse contexto, a enfermagem desempenha um papel crucial na identificação e enfrentamento dos desafios enfrentados pelas famílias de pessoas transgênero. Ao promover uma comunicação efetiva na família, contribui para a construção de laços mais sólidos e compreensivos.

As limitações deste estudo foram: a) a ausência de contato presencial com as pessoas transgênero da pesquisa, devido à pandemia da COVID-19. b) Dificuldades de acesso à internet das pessoas transgênero para participarem da entrevista. c) A maioria dos artigos citados é de autores cisgênero. d) O universo considerado de 70 pessoas pode estar subestimado, por se tratar de um levantamento de uma organização não governamental local. e) A amostra foi intencional e não probabilística.

Conclusão

Este estudo identificou que as pessoas transgênero entrevistadas apresentaram sofrimento mental mediante a identificação da presença de ideação suicida no último ano, tentativa de suicídio ao longo da vida, risco de depressão e baixo suporte familiar. Mulheres transgênero pansexuais apresentaram maior traço de personalidade ansiosa e mulheres transgênero bissexuais vivenciavam maior estado ansioso. O Ativismo Comunitário apresentou-se mais comprometido no empoderamento de pessoas transgênero, indicando dificuldades nas lutas de coletivos sociais.

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Editado por

Editor Associado

Thiago da Silva Domingos (https://orcid.org/0000-0002-1421-7468) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2023
  • Aceito
    29 Abr 2024
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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