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Pandemia de COVID-19: Sono e fadiga em profissionais da saúde mental

Pandemia de COVID-19: sueño y fatiga en profesionales de la salud mental

Resumo

Objetivo

Analisar a relação entre fadiga e qualidade do sono em profissionais dos serviços de saúde mental durante a pandemia de COVID-19.

Métodos

Este estudo transversal e correlacional foi desenvolvido entre outubro de 2021 e julho de 2022 com profissionais dos serviços de saúde mental no Rio Grande do Sul, Brasil. Foram usados questionários sociolaboral e de saúde, Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh e Escala de Avaliação da Fadiga. A análise foi descritiva e analítica, e foram usados testes qui-quadrado, exato de Fischer, correlação de Spearman e análise de regressão binária logística (nível de significância de 5%).

Resultados

Participaram 141 profissionais, com prevalência de má qualidade do sono e alta fadiga. A má qualidade do sono mostrou associação ao afastamento do trabalho por doença nos últimos seis meses (p=0,023), cansaço ao final da jornada de trabalho (p=0,011), realização de tratamento de saúde (p=0,012) e fadiga (p=0,006). A fadiga alta foi associada a sentir-se cansado ao final da jornada de trabalho (p=0,017). Modelos multivariados evidenciaram que profissionais com fadiga alta e cansaço frequentemente e/ou sempre apresentaram duas vezes mais chances de ter má qualidade do sono.

Conclusão

Fadiga e qualidade do sono estão significativamente associadas, com maior chance de má qualidade do sono entre os que apresentam níveis elevados de fadiga. Estratégias para reduzir a sobrecarga laboral, melhorar a qualidade do sono e promover um ambiente saudável são recomendadas.

Fadiga; Qualidade do sono; Serviços de saúde mental; Saúde ocupacional; COVID-19; Pandemias; Inquéritos e questionários

Resumen

Objetivo

Analizar la relación entre fatiga y calidad del sueño en profesionales de los servicios de salud mental durante la pandemia de COVID-19.

Métodos

Este estudio transversal y correlacional se llevó a cabo entre octubre de 2021 y julio de 2022 con profesionales de los servicios de salud mental del estado de Rio Grande do Sul, Brasil. Se utilizó un cuestionario sociolaboral y otro de salud, el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh y la Escala de Evaluación de la Fatiga. El análisis fue descriptivo y analítico y se utilizaron las pruebas ji cuadrado, exacto de Fischer, correlación de Spearman y análisis de regresión binaria logística (nivel de significación de 5 %).

Resultados

Participaron 141 profesionales, con una prevalencia de mala calidad del sueño y altos niveles de fatiga. La mala calidad del sueño demostró estar relacionada con la ausencia al trabajo por enfermedad en los últimos seis meses (p=0,023), cansancio al final de la jornada de trabajo (p=0,011), realización de tratamiento de salud (p=0,012) y fatiga (p=0,006). La fatiga elevada se relacionó con sentirse cansado al final de la jornada de trabajo (p=0,017). Modelos multivariados evidenciaron que los profesionales con elevada fatiga y cansancio presentan siempre o frecuentemente el doble de probabilidad de tener mala calidad del sueño.

Conclusión

La fatiga y la calidad del sueño están significativamente relacionadas con una mayor probabilidad de mala calidad del sueño entre las personas que presentan altos niveles de fatiga. Se recomiendan estrategias para reducir la sobrecarga laboral, mejorar la calidad del sueño y promover un ambiente saludable.

Fatiga; Calidad del sueño; Servicios de salud mental; Salud laboral; COVID-19; Pandemias; Encuestas y cuestionarios

Abstract

Objective

To analyze the relationship between fatigue and sleep quality in mental health professionals during the COVID-19 pandemic.

Method

This cross-sectional and correlational study was carried out between October 2021 and July 2022 with professionals from mental health services in Rio Grande do Sul, Brazil. Socio-occupational and health questionnaires, the Pittsburgh Sleep Quality Index and the Fatigue Assessment Scale were used. The analysis was descriptive and analytical, and chi-square, Fischer’s exact, Spearman’s correlation and logistic binary regression analysis (5% significance level) were used.

Results

A total of 141 professionals took part, with a prevalence of poor sleep quality and high fatigue. Poor sleep quality was associated with sick leave in the last six months (p=0.023), tiredness at the end of the working day (p=0.011), health treatment (p=0.012) and fatigue (p=0.006). High fatigue was associated with feeling tired at the end of the working day (p=0.017). Multivariate models showed that professionals with high fatigue and frequent and/or constant tiredness were twice as likely to have poor sleep quality.

Conclusion

Fatigue and sleep quality are significantly associated, with a greater chance of poor sleep quality among those with high levels of fatigue. Strategies to reduce work overload, improve sleep quality and promote a healthy environment are recommended.

Fatigue; Sleep quality; Mental health services; Occupational health; COVID-19; Pandemics; Surveys and questionnaires

Introdução

A saúde mental esteve marcada por distintos modelos de assistência em sua trajetória. As modificações nas concepções epistemológica e simbólica de loucura e adoecimento mental favoreceram mudanças tanto econômicas, sociais e políticas como em aspectos organizacionais do sistema de saúde e colaboraram para transformar as instituições e formas de cuidado especialmente no Brasil.11. Samaio ML, Bispo Junior JP. Entre o enclausuramento e a desinstitucionalização: a trajetória da saúde mental no Brasil. Trab Educ Saúde. 2021;19:e00313145.

As mudanças organizacionais contribuíram para centrar o cuidado em saúde mental nos indivíduos, na promoção de sua autonomia e reinserção social. Porém, desafios ainda permeiam o trabalho em serviços de saúde mental. Às vezes, os profissionais enfrentam situações opostas às recomendações da Reforma Psiquiátrica, como a desagregação do cuidado com foco na medicalização dos usuários. Alguns fatores contribuem para isso, incluindo o déficit de recursos públicos para o cuidado em território, que possibilita a desarticulação na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS),22. Centenaro AP, Silveira A, Colet CF, Kleibert KR, Santos GK. Potentials and challenges of Psychosocial Care Centersin the voice of health workers. Rev Enferm UFSM. 2022;12(e58):1-16.e as cargas físicas e psíquicas decorrentes da necessidade de atenção constante e intervenções em usuários com agitação psicomotora, risco de fuga, automutilação e outras emergências psiquiátricas que podem repercutir na saúde dos trabalhadores.33. Oliveira EB, Silva RS, Sora AB, Oliveira TS, Valério RL, Dias LB. Minor psychic disorders in nursing workers at a psychiatric hospital. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03543.

A pandemia de Covid-19 exigiu que as equipes compostas por profissionais tais como psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos e técnicos de enfermagem reorganizassem as atividades ofertadas. Nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), foi necessário reformular os projetos terapêuticos singulares, alterando a frequência e o tempo de permanência dos usuários no serviço, diminuindo o número de atividades em grupo e acompanhando-os por telefone (ligações e aplicativo de mensagens). No âmbito hospitalar, as internações de usuários envolvendo riscos a si próprios ou a terceiros foram preservadas. Neste sentido, os profissionais precisaram atentar para além do cuidado de rotina nas unidades, incluindo medidas de controle quanto ao risco de infecção pelo coronavírus.44. Rio Grande do Sul. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Saúde. Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde. Orientações para serviços da rede de atenção psicossocial sobre estratégias de prevenção à propagação da Covid-19. Versão revisada em 08/04/2021. Rio Grande do Sul. Governo do Estado do Rio Grande do Sul; 2021 [citado 2023 Jul 23]. Disponível em: https://coronavirus.rs.gov.br/upload/arquivos/202104/08162037-orientacoes-aos-servicos-da-rede-de-atencao-psicossocial-sobre-estrategias-de-prevencao-de-disseminacao-da-covid-19-revisada-em-08-04-2021.pdf
https://coronavirus.rs.gov.br/upload/arq...
Isto aumentou o número de tarefas, deixando-os mais suscetíveis a alterações no sono e fadiga.

Fadiga pode ser compreendida como uma sensação de exaustão ou cansaço, com redução no estado de alerta que pode comprometer as atividades laborais.55. Silva TP, Araújo WN, Stival MM, Toledo AM, Burke TN, Carregaro RL. Musculoskeletal discomfort, work ability and fatigue in nursing professionals working in a hospital environment. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03332.O sono é um mecanismo fisiológico necessário à sobrevivência humana, que atua multifatorialmente no organismo: quando em boa qualidade, favorece a manutenção de uma boa vigília;66. Kim LJ, Tufik S, Andersen ML. Sleep Neurophysiology. In: Haddad FL, Gregório LC. Manual do residente: medicina do sono. Barueri: Manole; 2017, p. 23-30. quando prejudicado, pode causar instabilidade física, mental e contribuir para fadiga.77. Bonanno L, Metro D, Papa M, Finzi G, Maviglia A, Sottile F, Corallo F, et al. Assessment of sleep and obesity in adults and children: observational study. Medicine (Baltimore). 2019 Nov;98(46):e17642.

Alguns estudos apontaram repercussões da pandemia de Covid-19 na qualidade do sono e fadiga tanto em profissionais da linha de frente como naqueles que atuaram indiretamente no cuidado a pacientes infectados,88. Meo SA, Alkhalifah JM, Alshammari NF, Alnufaie WS. Comparison of Generalized Anxiety and Sleep Disturbance among Frontline and Second-Line Healthcare Workers during the COVID-19 Pandemic. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(11):5727. evidenciando uma relação entre má qualidade do sono e alta fadiga.99. Nazario EG, Silva RM, Beck CL, Centenaro AP, Freitas EO, Miranda FM, et al. Fatigue and sleep in intensive care nursing workers in the COVID-19 pandemic. Acta Paul Enferm. 2023;36:eAPE000881.Os profissionais de saúde mental não atuaram diretamente no cuidado a pacientes infectados, mas as repercussões no contexto de trabalho e o advento da pandemia de Covid-19 sugerem um impacto na saúde dessas pessoas.

Cotidianamente, os profissionais de saúde mental se deparam com a vulnerabilidade dos usuários e necessidade de cuidado contínuo; no período pandêmico, as mudanças no cenário de atuação, o convívio com o medo de contaminação e a maior incidência de usuários com ideação suicida1010. Barbosa AS, Nascimento CV, Dias LB, Espírito Santo TB, Chaves RC, Fernandes TC. Processo de trabalho e cuidado em saúde mental no Centro de Atenção Psicossocial da UERJ na pandemia de COVID-19. Braz J Health Biomedical Sciences. 2020:19(1):11-9.,1111. Rocha DM, Oliveira AC, Reis RK, Santos AM, Andrade EM, Nogueira LT. Comportamento suicida durante a pandemia da COVID-19: aspectos clínicos e fatores associados. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE02717.também impulsionando danos à saúde. Ademais, foram observadas maior suscetibilidade à desestabilização mental em alguns pacientes, redes afetiva e de cuidado familiar fragilizadas e autocuidado prejudicado,1010. Barbosa AS, Nascimento CV, Dias LB, Espírito Santo TB, Chaves RC, Fernandes TC. Processo de trabalho e cuidado em saúde mental no Centro de Atenção Psicossocial da UERJ na pandemia de COVID-19. Braz J Health Biomedical Sciences. 2020:19(1):11-9. exigindo dos profissionais de saúde mental um maior esforço para atender às demandas.

Os problemas apresentados justificam a necessidade de ampliar os estudos para identificar situações que podem comprometer a saúde dos profissionais de saúde mental. Assim, foi questionado: Qual foi a relação entre fadiga e qualidade do sono em profissionais de saúde mental durante o período pandêmico? Portanto, o objetivo do estudo foi analisar a relação entre fadiga e qualidade do sono em profissionais de serviços de saúde mental na pandemia de Covid-19.

Acredita-se que identificar os níveis de fadiga e classificar a qualidade do sono e os fatores que contribuíram para estes agravos em profissionais de saúde mental na pandemia de Covid-19 pode colaborar com a produção de conhecimento sobre a saúde desses profissionais, refletindo sobre a necessidade de estratégias para promover a saúde, subsidiar intervenções e prevenir danos.

Métodos

Este estudo transversal e analítico seguiu as recomendações da ferramenta STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) e foi desenvolvido com profissionais de serviços públicos de saúde mental em uma Região no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

A pesquisa foi realizada de outubro de 2021 a julho de 2022 em municípios pertencentes a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) do Rio Grande do Sul. Esta coordenadoria tem sede na cidade de Santa Maria e abrange duas regiões de saúde (Verdes Campos e Entre Rios), totalizando 33 municípios. Nove deles têm serviços públicos de Atenção Psicossocial Especializada. Os dados foram coletados em 18 serviços públicos de saúde mental, incluindo Centros de Atenção Psicossocial e Hospitais com leitos de Saúde Mental.

Para selecionar os participantes, foi usada amostragem não probabilística. Após a identificação de 200 profissionais de saúde, o tamanho amostra foi estimado considerando um nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%, resultando em um tamanho amostral mínimo de 132 profissionais. Foram incluídos profissionais da equipe multiprofissional (enfermeiros, assistentes sociais, médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeuta, profissional de Educação Física, farmacêutico, técnicos de enfermagem e agente redutor de danos) que atuaram no serviço de referência durante pelo menos um mês. Foram excluídos aqueles que estavam em férias (ou licença de qualquer natureza) durante a coleta de dados.

Foi usado um questionário sociolaboral e de saúde com variáveis categóricas (sexo atribuído no nascimento, filho(s), situação conjugal, categoria profissional na instituição, turno de trabalho, instituição, outro emprego, treinamento para atuar no local, acidente de trabalho, opção pelo horário de trabalho, tratamento de saúde, uso de medicação, afastamento do trabalho por doença nos últimos seis meses, atividade física, uso do tempo livre para atividades de lazer com a família e/ou amigos, e cansaço ao final da jornada de trabalho) e quantitativas (idade, carga horária de trabalho semanal e anos de trabalho na unidade). Salienta-se que os tipos de medicação e tratamento de saúde não foram investigados.

Para avaliar a qualidade do sono e os possíveis distúrbios do sono de forma padronizada e confiável no último mês, foi usado o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI-BR) em sua versão validada para o português do Brasil. A validade desta escala foi atestada por especialistas (incluindo seu autor original), mostrando uma adequada propriedade psicométrica com o grupo de pacientes investigados. Durante o processo de adaptação transcultural, não foram realizadas modificações estruturais no questionário. Os escores das versões traduzida e original mostraram correlações significativas, indicando uma boa intercambialidade linguística entre os questionários traduzido e original e atestando que o instrumento mensura o que se propõe a mensurar. O instrumento tem sete componentes, e a soma dos valores gera um escore global de pontuação que pode variar na faixa de 0-21 pontos. Considerando que uma pontuação global de PSQI>5 indica dificuldades em pelo menos dois componentes,1212. Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo IC, Barba ME, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12(1):70-5.aqueles que obtiveram até 5 pontos foram classificados como tendo uma boa qualidade do sono; os que obtiveram mais que 5 pontos foram classificados como tendo má qualidade do sono.

A fadiga foi avaliada usando a Escala de Avaliação da Fadiga, validada e adaptada ao contexto brasileiro junto a trabalhadores da saúde, que apresentou propriedades psicométricas satisfatórias. A validação foi baseada na técnica de análise fatorial a partir dos valores do teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e do teste de Esfericidade de Bartlett.1313. Gouveia VV, Oliveira GF, Mendes LA, Sousa LE, Cavalvanti TM, Melo RL. Escala de avaliação da fadiga: adaptação para profissionais da saúde. Rev Psicol Organ Trab. 2015;15(3):246-56. A escala (tipo Likert) é considerada concisa e acessível para ser aplicada e suas qualidades psicométricas são adequadas. Em sua análise, a soma do escore total varia de 10 a 50 pontos, sendo que a pontuação de valores deve ser invertida nos itens quatro e dez. No presente estudo, o ponto médio (25,72±5,47) foi considerado como ponto de corte; assim, escores < 26 indicaram fadiga baixa e escores ≥ 26 indicaram fadiga alta.1414. Esteves GG, Leão AA, Alves EO. Fadiga e Estresse como preditores do Burnout em Profissionais da Saúde. Rev Psicol Organ Trab. 2019;19(3):695-702.

Antes da coleta, foi realizado um estudo piloto com os pós-graduandos do grupo de pesquisa, coordenado por uma das autoras, para corrigir possíveis inadequações e aprimorar a forma da aplicação do questionário. Após os ajustes necessários para atender aos objetivos, o estudo piloto foi submetido a uma nova avaliação e, na ausência de sugestões, ele foi considerado adequado para a pesquisa.

Os dados foram coletados online e presencialmente conforme disponibilidade dos participantes nos turnos da manhã, tarde e noite. Para coleta presencial, o convite foi realizado individualmente no local de trabalho. Após informar o objetivo do projeto, a voluntariedade da participação e outras questões éticas relacionadas à pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi disponibilizado para leitura e assinatura após concordância com seus termos; uma via foi retida pelo coletor e a outra foi entregue ao participante. Posteriormente, os questionários foram entregues e uma data foi agendada para sua devolução dentro de cinco dias. Após o quinto pedido de devolução, o questionário foi considerado perdido.

A coleta online foi disponibilizada, pois alguns locais e campos de estudo optaram pelo modo não presencial devido às restrições impostas pela pandemia de Covid-19. Após o aceite das instituições, o coordenador da equipe recebeu um link de acesso ao questionário no Google Forms para compartilhá-lo com os profissionais convidados via e-mail. Ao acessar o link, eles eram direcionados para o TCLE. Após sua leitura, cada participante era convidado a assinalar uma caixa de diálogo onde a continuidade ou não de participar na pesquisa podia ser escolhida. Em caso afirmativo, o participante era direcionado a uma outra página contendo os instrumentos de coleta de dados. A participação era encerrada quando o participante clicava na opção para enviar questionário. O convite foi enviado aos profissionais elegíveis a cada 15 dias (até três tentativas) para sensibilizá-los a participar no estudo.

Destaca-se que não houve viés nas coletas de dados online e presencial, pois em ambas modalidades os questionários podiam ser preenchidos com flexibilidade no tempo de resposta. Assim, a capacidade individual dos participantes de compreender os instrumentos caracterizou o processo em ambas formas de coleta e os aspectos éticos de pesquisa digital foram respeitados. A boa adesão à pesquisa indica que os métodos usados foram adequados. Embora os estudos desenvolvidos em ambiente virtual possam limitar a participação de indivíduos menos habituados ao uso de ferramentas digitais, eles são uma estratégia a ser considerada em contextos que restringem a aproximação física.1515. Pedroso GG, Ferreira AC, Silva CC, Silva GA, Lanza FM, Coelho AC. Coleta de dados para pesquisa quantitativa online na pandemia da COVID-19: relato de experiência. Rev Enferm UFSM. 2022;12:e13.

A análise dos dados foi realizada usando estatísticas descritiva e inferencial com auxílio do software estatístico SPSS (v. 21.0). As variáveis categóricas foram descritas usando frequências absoluta (N) e relativa (%). As variáveis quantitativas com distribuição normal foram apresentadas como média e desvio padrão; aquelas que não atenderam ao pressuposto de normalidade foram apresentadas como mediana e intervalo interquartil. A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste Kolmogorov-Smirnov (n>50).

Tabelas de contingência foram criadas para realizar cruzamentos entre qualidade do sono (variável dependente) e as variáveis categóricas. Os testes estatísticos qui-quadrado e exato de Fisher foram usados para analisar associação entre variáveis.

Na regressão logística, associação ajustada foi realizada entre má qualidade do sono (variável dependente) e as demais variáveis usando o método Enter. No modelo ajustado 1, entraram as variáveis que apresentaram p<0,25 na análise bivariada; no modelo ajustado 2, entraram as variáveis que apresentaram p<0,15 com significância estatística (p<0,05). Para medir associação, foram usados Odds Ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%). A multicolinearidade foi verificada por meio do fator de inflação de variância (VIF), considerando VIF<5 (ou VIF<10) como aceitável para cada variável. A qualidade do ajuste foi verificada usando o teste de Hosmer-Lemeshow. A confiabilidade dos instrumentos de coleta de dados foi avaliada analisando a consistência interna pelo coeficiente alfa de Cronbach (PSQI-BR=0,71; EAF=0,71).

Para medir a força de associação entre as variáveis contínuas, foi usado o teste de Correlação Spearman de acordo com a normalidade dos dados. Em todas as análises, o nível de significância foi de 5% (p<0,05).

O desenvolvimento deste estudo atendeu aos padrões brasileiros de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (Parecer 4.814.205) Certificado de Apresentação de Apreciação Ética 47485721.5.0000.5346.

Resultados

A amostra final foi composta por 141 profissionais de saúde que atuavam em serviços públicos de saúde mental. Esta quantidade foi maior que o tamanho amostral inicial, correspondendo a 70,5% da população, com idades entre 19 e 66 anos (média de 38 anos; DP±10,7). Houve predomínio de profissionais do sexo feminino 72,3% (n=102) e profissionais com companheiros 66,7% (n=94). Quanto aos dados laborais, mais da metade dos profissionais atuavam em CAPS (n=74; 52,5%) e frequentemente e/ou sempre se sentiam cansados no final da jornada de trabalho (n=78; 55,3%). Em relação à saúde, foi observado predomínio de profissionais que realizavam tratamento de saúde (n=75; 53,2%), usavam medicação (n=78; 55,3%), praticavam atividade física (n=82; 58,2%) e realizavam atividades de lazer uma ou mais vezes na semana (n=128; 90,8%). Nos profissionais, foram evidenciadas prevalência de má qualidade do sono (n=90; 63,8%) e fadiga alta (n=74; 52,5%). Foi evidenciada associação significativa entre má qualidade do sono e fadiga alta (p=0,006). Ao associar as variáveis sociolaborais e de saúde com qualidade do sono e fadiga, foi observada diferença estatística significativa entre má qualidade do sono e as variáveis afastamento do trabalho por doença nos últimos seis meses (p=0,023), cansaço no final da jornada de trabalho (p=0,011) e tratamento de saúde (p=0,012). Fadiga alta foi associada a sentir-se cansado no final da jornada de trabalho (p=0,017) (Tabela 1).

Tabela 1
Associação das variáveis laborais e de saúde com qualidade do sono e fadiga de profissionais dos serviços de saúde mental (n=141)

Na análise de correlação entre as variáveis do estudo, foram identificadas as seguintes correlações: direta e moderada entre idade e tempo de trabalho (r=0,580; p<0,01); fraca e inversa entre idade e fadiga (r=-0,192; p<0,05); e fraca e direta entre qualidade do sono e fadiga e (r=0,273; p<0,01). Conforme a tabela 2, foi evidenciada associação significativa entre má qualidade do sono e fadiga alta (p=0,006).

Tabela 2
Associação entre qualidade do sono e fadiga de profissionais dos serviços de saúde mental (n=141)

A tabela 3 apresenta as associações brutas e ajustadas entre fadiga, cansado ao final da jornada de trabalho, lazer e qualidade do sono. Modelos multivariados evidenciaram que os profissionais dos serviços de saúde mental com fadiga alta e cansaço frequentemente e/ou sempre apresentaram mais chances de ter má qualidade do sono (OR=2,33; IC=1,13-4,82; OR=2,15; IC=1,04-4,42, respectivamente).

Tabela 3
Associações bruta e ajustada entre fadiga, cansado ao final da jornada de trabalho, lazer e qualidade do sono (n=141)

Discussão

Os resultados apontaram que os profissionais de saúde mental que atuaram na pandemia de Covid-19, com avaliação de fadiga alta e cansaço frequentemente e/ou sempre ao final da jornada de trabalho, tiveram chances mais elevadas para má qualidade do sono. Na Tailândia, estudo com enfermeiras evidenciou que aquelas do grupo de “curta duração do sono” experienciaram mais excessivas fadiga e sonolência diurna quando comparadas àquelas do grupo de “duração adequada do sono”.1616. Chaiard J, Deeluea J, Suksatit B, Songkham W, Inta N. Short sleep duration among Thai nurses: Influences on fatigue, daytime sleepiness, and occupational errors. J Occup Health. 2018;60(5):348-55. Erratum in: J Occup Health. 2018;60(6):e2. No Brasil, uma pesquisa desenvolvida em Unidades de Terapia Intensiva durante a pandemia de Covid-19 revelou que profissionais de enfermagem com fadiga alta apresentaram quatro vezes mais chances de qualidade do sono ruim (OR=4,86; IC=1,50-15,75).99. Nazario EG, Silva RM, Beck CL, Centenaro AP, Freitas EO, Miranda FM, et al. Fatigue and sleep in intensive care nursing workers in the COVID-19 pandemic. Acta Paul Enferm. 2023;36:eAPE000881.

Houve prevalência de má qualidade do sono e fadiga alta em profissionais da saúde mental durante a pandemia de Covid-19. Outros estudos com populações semelhantes evidenciaram má qualidade do sono durante a pandemia1717. Vancampfort D, Mugisha J. Mental health and lifestyle in mental health nurses: a cross-sectional, nation-wide study from Uganda during COVID-19 times. Pan Afr Med J. 2022;42:210.,1818. Fidanci I, Güleryüz OD, Fidanci I. An analysis on sleep quality of the healthcare professionals during the COVID- 19 pandemic. Acta Medica Mediterranea. 2020;36(6);3797-800. e prevalência de fadiga alta.1919. Liu Y, Xian JS, Wang R, Ma K, Li F, Wang FL, et al. Factoring and correlation in sleep, fatigue and mental workload of clinical first-line nurses in the post-pandemic era of COVID-19: a multi-center cross-sectional study. Front Psychiatry. 2022;13:963419.

No presente estudo, 31,1% dos profissionais que tinham outro emprego apresentaram má qualidade do sono e fadiga alta. Embora associação significativa não tenha sido identificada, esse dado merece destaque pois ter mais de um vínculo empregatício repercute em uma maior chance de ter alterações no sono.2020. Andrechuk CR, Caliari JS, Santos MA, Pereira FH, Oliveira HC, Ceolim MF. The impact of the COVID-19 pandemic on sleep disorders among Nursing professionals. Rev Lat Am Enfermagem. 2023c;31:e3795.

A maioria dos profissionais de turno diurno apresentou qualidade do sono ruim e fadiga alta. Isto pode ser o resultado da quantidade de atividades desenvolvidas neste turno, sobretudo aquelas realizadas no ambiente hospitalar relacionadas à admissão e alta de pacientes, que durante a pandemia de Covid-19, ocorreram de forma mais acelerada. Além disso, a atenção dos profissionais precisou ser redobrada devido à suspensão das visitas e atividades em grupo, o que pode ter favorecido a agitação psicomotora de alguns pacientes e repercutido em trabalho excessivo. Nos CAPS, este dado pode ser um reflexo das adaptações realizadas nas atividades presenciais diurnas que passaram a ocorrer em outros formatos, p.ex., acompanhamento de pacientes em tratamento por telefone para manter o vínculo ao mesmo tempo em que o distanciamento social era também mantido.

Um estudo realizado com profissionais de enfermagem brasileiros mostrou significância estatística na relação entre turno de trabalho e duração do sono, isto é, o turno diurno apresentou maiores pontos médios, sugerindo que os profissionais apresentaram menos horas de descanso2121. Cavalheiri JC, Pascotto CR, Tonini NS, Vieira AP, Ferreto LE, Follador FA. Sleep quality and common mental disorder in the hospital Nursing team. Rev Lat Am Enfermagem. 2021;29:e3444. com repercussão em maiores níveis de fadiga.

Alterações no padrão de sono afetam o desempenho laboral dos profissionais, favorecendo a sonolência diurna, reduzindo o estado de alerta, prejudicando o raciocínio, gerando sobrecarga cognitiva e elevando as chances de erro na prestação de cuidados.2121. Cavalheiri JC, Pascotto CR, Tonini NS, Vieira AP, Ferreto LE, Follador FA. Sleep quality and common mental disorder in the hospital Nursing team. Rev Lat Am Enfermagem. 2021;29:e3444. Igualmente, fadiga é um importante problema na sociedade atual, principalmente devido às elevadas demandas no local de trabalho, longas jornadas de trabalho, perturbação do ritmo circadiano, redução no tempo de sono e demandas sociais.2222. Caldwell JA, Caldwell JL, Thompson LA, Lieberman HR. Fatigue and its management in the workplace. Neurosci Biobehav Rev. 2019;96:272-89. Review.

Destaca-se que os profissionais na área de saúde mental convivem com muita carga de trabalho, estresse, tensão emocional e esgotamentos físico e mental, que podem levar ao seu adoecimento.2323. Sousa KH, Gonçalves TS, Silva MB, Soares EC, Nogueira ML, Zeitoune RC. Risks of illness in the work of the nursing team in a psychiatric hospital. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3032. Nestes serviços, há diversas necessidades de cuidado dos usuários, que geralmente apresentam problemas graves e persistentes, exigindo um maior envolvimento dos profissionais no trabalho. Além disso, a escassez de recursos financeiros e o déficit de recursos humanos nestes serviços contribuem para sobrecarregar os profissionais,2424. Oliveira JF, Santos AM, Primo LS, Silva MR, Domingues ES, Moreira FP, et al. Job satisfaction and work overload among mental health nurses in the south of Brazil. Cien Saude Colet. 2019;24(7):2593-9. podendo aumentar o cansaço e assim prejudicar o sono.

Neste estudo, predominaram os profissionais do sexo feminino, uma característica comum aos profissionais de saúde que representaram a maior força de trabalho na pandemia de Covid-19.2525. Santos GB, Lima RC, Barbosa JP, Silva MC, Andrade MA. Cuidado de si: trabalhadoras da saúde em tempos de pandemia pela Covid-19 / Cuidado de sí: trabajadoras de la salud en tiempos de pandemia de COVID-19. Trab Educ Saúde. 2020;18(3):e00300132. Neste período, as tarefas laborais e as atividades relacionadas ao cuidado familiar (geralmente associadas às mulheres) podem ter sobrecarregado estes profissionais. Neste sentido, um estudo realizado durante a pandemia de Covid-19 com profissionais de enfermagem no Brasil identificou que ser do sexo feminino eleva as chances de alteração no sono.2020. Andrechuk CR, Caliari JS, Santos MA, Pereira FH, Oliveira HC, Ceolim MF. The impact of the COVID-19 pandemic on sleep disorders among Nursing professionals. Rev Lat Am Enfermagem. 2023c;31:e3795.

No estudo em tela, a má qualidade do sono foi associada ao afastamento do trabalho por doença nos últimos seis meses e ter realizado tratamento de saúde, sugerindo que o sono interfere na saúde dos profissionais nos serviços de saúde mental. Alguns estudos apontam agravos físicos e psíquicos associados a prejuízos no sono, tais como ansiedade, depressão,2626. rito-Marques JM, Franco CM, Brito-Marques PR, Martinez SC, Prado GF. Impact of COVID-19 pandemic on the sleep quality of medical professionals in Brazil. Arq Neuropsiquiatr. 2021;79(2):149-55. sensação de baixa autoestima, irritabilidade, labilidade de humor, distúrbios do apetite, sensação de má digestão, flatulência, ganho de peso,2727. Silva RM, Lenz FC, Schlotfeldt NF, Morais KC, Beck CL, Martino MM, et al. Sleep assessment and associated factors in hospital nursing workers. Texto Contexto Enferm. 2023;31:e20220277. diabetes mellitus,2828. Ricardo SJ, Araujo MY, Mantovani AM, Santos LL, Turi BC, Queiroz DC, et al. Associação entre qualidade do sono e doenças cardiometabólicas de pacientes da Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2019;24:e008.e doenças cardiovasculares.2929. Huang T, Mariani S, Redline S. Sleep irregularity and risk of cardiovascular events: the multi-ethnic study of atherosclerosis. J Am Coll Cardiol. 2020;75(9):991-9.

Sentir-se cansado ao final da jornada de trabalho também foi associado a qualidade do sono ruim e fadiga alta. A repetitividade das tarefas, condições de trabalho inseguras, ambiente físico inadequado e ruídos também afetam a saúde dos trabalhadores.2323. Sousa KH, Gonçalves TS, Silva MB, Soares EC, Nogueira ML, Zeitoune RC. Risks of illness in the work of the nursing team in a psychiatric hospital. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3032. Na pandemia de Covid-19, foram registrados elevadas demandas de trabalho, maiores índices de ansiedade, estresse, esgotamento e pacientes com risco de suicídio,3030. Puangsri P, Jinanarong V, Wattanapisit A. Impacts on and care of psychiatric patients during the outbreak of COVID-19. Clin Pract Epidemiol Ment Health. 2021;17:52-60. Review. que podem ter repercutido nesses profissionais manifestando-se como cansaço.

Nesse sentido, uma pesquisa norueguesa apontou que experenciar alta carga de trabalho continuamente resulta em quase duas vezes maior chance de desenvolver problemas no sono.3131. Cropley M, Rydstedt LW, Andersen D. Recovery from work: testing the effects of chronic internal and external workload on health and well-being. J Epidemiol Community Health. 2020;74(11):919-24. A fadiga, vista como sensação de esgotamento e diminuição na capacidade de realizar trabalhos físico e mental,1616. Chaiard J, Deeluea J, Suksatit B, Songkham W, Inta N. Short sleep duration among Thai nurses: Influences on fatigue, daytime sleepiness, and occupational errors. J Occup Health. 2018;60(5):348-55. Erratum in: J Occup Health. 2018;60(6):e2. pode resultar das características do ambiente de trabalho, embora de natureza multicausal.3232. Venegas Tresierra CE, Leyva Pozo AC. [Fatigue and mental workload among workers: about social distancing.]. Rev Esp Salud Publica. 2020;94:e202010112. Spanish.

Análises de correlação entre fadiga e idade mostraram que quanto maior a idade menor é a fadiga. Um estudo brasileiro identificou uma associação entre maiores níveis de fadiga e profissionais de enfermagem mais jovens.55. Silva TP, Araújo WN, Stival MM, Toledo AM, Burke TN, Carregaro RL. Musculoskeletal discomfort, work ability and fatigue in nursing professionals working in a hospital environment. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03332. De modo semelhante, um estudo coreano avaliou fadiga mais grave em enfermeiros mais jovens.3333. Cho OH, Yoon J, Kim M. Influencing factors of fatigue among public health nurses during the COVID-19 pandemic: A cross-sectional study. Public Health Nurs. 2023;40(1):80-9. Isso pode ser um reflexo de autocobrança quanto ao desempenho laboral e realização de tarefas além de suas funções buscando corresponder às expectativas.55. Silva TP, Araújo WN, Stival MM, Toledo AM, Burke TN, Carregaro RL. Musculoskeletal discomfort, work ability and fatigue in nursing professionals working in a hospital environment. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03332. Além disso, uma constante busca por atualização e qualificação é atualmente necessária para permanecer no mercado de trabalho, o que sugere maior fadiga.2525. Santos GB, Lima RC, Barbosa JP, Silva MC, Andrade MA. Cuidado de si: trabalhadoras da saúde em tempos de pandemia pela Covid-19 / Cuidado de sí: trabajadoras de la salud en tiempos de pandemia de COVID-19. Trab Educ Saúde. 2020;18(3):e00300132.

Idade foi também fortemente correlacionada com tempo de trabalho, indicando que quanto maior a idade, maior é o tempo de trabalho. Maior tempo de trabalho indica maior exposição dos profissionais ao contexto de trabalho em saúde mental, embora ela nem sempre seja adequada à saúde física e psíquica dos profissionais. Por outro lado, mais idade e maior tempo de trabalho durante a pandemia favoreceram a capacidade dos profissionais de adaptação às mudanças no ambiente de trabalho e liderança em condições críticas e estressantes.3434. Caroccini TP, Balsanelli AP, Neves V. Nurses'resilience in the COVID-19 pandemic: an integrative review. Rev Enferm UFSM. 2023;12(60):1-20. Review.

Assim, ações de promoção da saúde tais como práticas à promoção do sono, adoção de uma rotina regular no horário de deitar e levantar, redução da luminosidade e do ruído e incentivo a atividades físicas e de lazer, são necessárias, especialmente para melhorar a qualidade do sono e minimizar a fadiga. Sabe-se que os tempos livre e/ou de lazer contribuem consideravelmente para recuperação individual após as atividades laborais. Porém, os recursos tecnológicos tornam cada vez mais difícil reduzir as atividades do trabalho, diminuindo ou abolindo o tempo destinado ao lazer e prejudicando o descanso e a recuperação das pessoas.3131. Cropley M, Rydstedt LW, Andersen D. Recovery from work: testing the effects of chronic internal and external workload on health and well-being. J Epidemiol Community Health. 2020;74(11):919-24.

Um estudo norte-americano evidenciou que indivíduos com menor envolvimento em atividades de lazer durante a pandemia do Covid-19 apresentaram menor bem-estar mental, com sintomas depressivos significativamente mais elevados quando comparados aos que se mantiveram envolvidos com lazer nesse período.3535. Shen X, MacDonald M, Logan SW, Parkinson C, Gorrell L, Hatfield BE. Leisure Engagement during COVID-19 and Its Association with Mental Health and Wellbeing in U.S. Adults. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(3):1081.Pode-se considerar que o cuidado prestado nos serviços de saúde mental requer um contínuo envolvimento dos profissionais, podendo ser prejudicado quando ele é desenvolvido por indivíduos adoecidos.

As limitações do estudo referem-se a: (1) delineamento transversal, que limita a possibilidade de concluir sobre as relações causais entre qualidade do sono e fadiga; (2) temporalidade da coleta de dados, pois os profissionais que responderam aos questionários no fim do período da coleta experienciaram outro cenário pandêmico, com menos restrições nos serviços de saúde mental; e (3) dificuldade na realização integral da coleta de dados presencialmente devido às restrições impostas pela pandemia de Covid-19, embora a pesquisa online tenha contribuído para os resultados.

Discutir sobre a saúde do trabalhador é indispensável, principalmente nos serviços de saúde mental onde essa população fica suscetível a agravos à saúde. Assim, sugere-se realizar outros estudos com diferentes abordagens metodológicas para ampliar as evidências sobre o tema. Ações para promover a saúde destes profissionais devem ser planejadas, principalmente o desenvolvimento de um ambiente laboral saudável e estímulo a bons hábitos do sono.

Conclusão

Fadiga em profissionais de saúde mental durante a pandemia de Covid-19 mostrou relação com qualidade do sono. Fadiga alta e má qualidade do sono foram associadas ao cansaço. Fadiga alta e cansaço aumentam as chances de má qualidade do sono. Os dados revelaram risco à saúde do trabalhador o que pode comprometer a qualidade do cuidado prestado por eles. Estratégias devem ser desenvolvidas para reduzir a sobrecarga laboral e ampliar a capacidade de enfrentamento. Reitera-se o papel dos gestores dos serviços de saúde na reorganização do ambiente e dos processos de trabalho com intuito de promover um ambiente saudável aos profissionais de saúde mental.

Agradecimentos

Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editor Associado

Thiago da Silva Domingos (https://orcid.org/0000-0002-1421-7468) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2023
  • Aceito
    29 Abr 2024
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