Resumo
Objetivo
Analisar o impacto da pandemia da Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) no trabalho de enfermagem em unidades de urgência e emergência.
Métodos
Pesquisa de abordagem qualitativa realizada entre profissionais de enfermagem atuantes em unidades de urgência e emergência no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Dados coletados via online por meio de formulário semiestruturado e submetidos à análise lexicográfica no software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires (IRAMUTEQ).
Resultados
Participaram 31 profissionais de enfermagem. O aproveitamento do corpus textual foi de 94,9% mediante a geração de seis classes de segmentos de textos, que possibilitou identificar que os profissionais que atuam nessas unidades têm vivenciado sobrecarga no desenvolver laboral, dada a carga horária de trabalho exaustiva, bem como a falta de infraestrutura, de equipamentos de proteção e de recursos humanos. Ainda, evidenciaram-se desgastes físicos e mentais, com ênfase para o estresse e a exaustão, além do sentimento de medo pelo receio de contaminação.
Conclusão
A pandemia da COVID-19 promoveu impactos diretos no trabalho de enfermagem em unidades de urgência e emergência no que tange a aspectos relacionados a recursos humanos e materiais e infraestrutura, além da assistência prestada aos pacientes em condições graves.
Profissionais de enfermagem; Emergências; Infecções por coronavírus; COVID-19; Pandemias
Resumen
Objetivo
Analizar el impacto de la pandemia de Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) en el trabajo de enfermería en unidades de urgencia y emergencia.
Métodos
Investigación de enfoque cualitativo realizada entre profesionales de enfermería que actúan en unidades de urgencia y emergencia en el estado de Rio de Janeiro, Brasil. Datos recopilados en línea a través de formulario semiestructurado y presentados para análisis lexicográfico en el software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires (IRAMUTEQ).
Resultados
Participaron 31 profesionales de enfermería. El aprovechamiento del corpus textual fue del 94,9 % mediante la producción de seis clases de segmentos de textos, lo que posibilitó identificar que los profesionales que actúan en esas unidades han vivido una sobrecarga en el quehacer laboral, considerando la duración de la jornada de trabajo agotadora, como también la ausencia de infraestructura, de equipos de protección y de recursos humanos. Además, se evidenciaron desgastes físicos y mentales, con énfasis en el estrés y el agotamiento, además del sentimiento de miedo por el temor a la contaminación.
Conclusión
La pandemia de COVID-19 ocasionó impactos directos en el trabajo de enfermería en unidades de urgencia y emergencia en lo que se refiere a aspectos relacionados con recursos humanos y materiales y con la infraestructura, además de la atención brindada a los pacientes en condiciones graves.
Enfermeras practicantes; Urgencias médicas; Infecciones por coronavirus; COVID-19; Pandemias
Abstract
Objective
To analyze the impact of the Coronavirus Disease 2019 pandemic (COVID-19) on nursing work in emergency units.
Methods
A qualitative research conducted among nursing professionals operating in emergency units in the state of Rio de Janeiro, Brazil. Data collected online through a semi-structured form and submitted to lexicographic analysis in the software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires (IRAMUTEQ).
Results
Thirty-one nursing professionals participated. The use of the text corpus accounted for 94.9%, through the generation of six classes of text segments, which made it possible to identify that professionals working in these units have experienced overload in developing work, given the exhausting workload, as well as the lack of infrastructure, protective equipment and human resources. Also, physical and mental exhaustion was evidenced, with emphasis on stress and exhaustion, in addition to the feeling of fear for fear of contamination.
Conclusion
The COVID-19 pandemic promoted direct impacts on nursing work in emergency units regarding aspects related to human and material resources and infrastructure, in addition to the care provided to patients in severe conditions.
Nurse practitioners; Emergencies; Coronavirus infections; COVID-19; Pandemics
Introdução
Até setembro de 2021, o mundo registrou mais de 200 milhões de casos e mais de quatro milhões de mortes pela Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), causada pelo severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2), com o Brasil ocupando a segunda posição em número de óbitos.(11. World Health Organization (WHO). Novel coronavírus (COVID-19) Situation. Geneva: WHO; 2021 [cited 2021 Sep 15]. Available from: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
) Na equipe de enfermagem, a maior categoria profissional da saúde, essa doença já atingiu 58.358 trabalhadores brasileiros, com 865 óbitos, com destaque para o Rio de Janeiro com 9,5% das ocorrências, atrás apenas de São Paulo e Bahia.(22. Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Observatório da Enfermagem. São Paulo: COFEN; 2021 [citado 2021 Set 15]. Disponível em: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/
http://observatoriodaenfermagem.cofen.go...
)
A recomendação do encaminhamento de pessoas com sintomas mais graves da COVID-19 para os hospitais resultou em um fluxo aumentado de atendimentos nos serviços de urgência e emergência em todo o Brasil.(33. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de Manejo Clínico para Novo Coronavírus (2019-nCoV). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 Jul 23]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf
https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020...
) As equipes de enfermagem, que prestam os primeiros atendimentos à população nesses cenários, encontram-se na linha de frente do enfrentamento desse agravo ao cuidar de pacientes suspeitos ou confirmados, além dos assintomáticos, porém infectados.(44. Ferreira FG, Alencar AB, Bezerra SL, Sousa AA, Carvalho CM. A reflection on the mental health of the emergency nurse in the context of the pandemic by Covid-19. Res Soc Devel. 2020;9(7):e704974534.)
Nesses ambientes de trabalho, caracterizados como críticos e complexos, tais profissionais vivenciam de maneira peculiar o impacto gerado pela pandemia, tanto no sistema de saúde quanto na própria qualidade de vida.(55. Adams JG, Walls RM. Supporting the health care workforce during the COVID-19 global epidemic. JAMA. 2020;323(15):1439-40.) Eles não são apenas vulneráveis a um risco maior de infecção de si e da família, mas também a problemas de saúde mental, exigindo condições laborais que reduzam as chances de transmissão, além de atendimento especializado que promova sua saúde física e mental.(66. Smith GD, Ng F, Ho Cheung Li W. COVID-19: emerging compassion, courage and resilience in the face of misinformation and adversity [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(9-10):1425-8.)
São escassas as evidências científicas brasileiras sobre o real impacto da pandemia causada pelo SARS-CoV-2 no trabalho de enfermagem, profissão essencial nesse enfrentamento, especialmente em unidades de urgência e emergência. Ainda prevalecem protocolos com recomendações de medidas individuais (higiene e uso de equipamentos de proteção individual - EPI), fundamentais, porém insuficientes para abarcar a complexidade dos múltiplos fatores envolvidos nos processos de trabalho nesse momento de crise.(44. Ferreira FG, Alencar AB, Bezerra SL, Sousa AA, Carvalho CM. A reflection on the mental health of the emergency nurse in the context of the pandemic by Covid-19. Res Soc Devel. 2020;9(7):e704974534.)
Acreditando que as equipes de enfermagem possuem informações inestimáveis sobre a problemática, buscou-se dar voz aos profissionais para que políticas públicas e estratégias institucionais sejam estabelecidas de forma a atender às reais necessidades desse grupo, vislumbrando um cuidado seguro e com qualidade para todos. Assim, objetivou-se analisar o impacto da pandemia da COVID-19 no trabalho de enfermagem em unidades de urgência e emergência.
Métodos
Pesquisa de abordagem qualitativa, com dados coletados entre 20 e 24 de abril de 2020, via online, por meio de formulário semiestruturado aplicado entre profissionais de enfermagem (enfermeiros e técnicos) atuantes em unidades de urgência e emergência no estado do Rio de Janeiro, Brasil, que atenderam casos suspeitos e/ou confirmados de pacientes com COVID-19.
Os profissionais foram convidados por correio eletrônico e WhatsApp, mediante a técnica bola de neve para localizar possíveis participantes,(77. Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Rev Temáticas. 2014;22(4):203-20.) sendo os primeiros indicados pelas pesquisadoras e, posteriormente, pelos próprios profissionais.
A primeira parte do formulário continha dados de caracterização dos participantes, incluindo, sexo, idade, categoria profissional, tempo de formação, especialização, tipo de hospital, setor de atuação, escala de trabalho e treinamento sobre COVID-19. A segunda parte abarcava questões sobre o enfrentamento da COVID-19 no trabalho.
As respostas dos formulários constituíram a fonte primária de dados submetida à análise lexicográfica, por meio do software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires (IRAMUTEQ) pela Estatística Textual Clássica e Classificação Hierárquica Descendente (CHD).(88. Souza MA, Wall ML, Thuler AC, Lowen IM, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353.)
Resgataram-se as formas ativas das classes de segmentos de texto (substantivos, adjetivos, verbos e formas não reconhecidas), com destaque para as que obtiveram no teste qui-quadrado (χ2) um valor ≥3,84, logo, p<0,05. Quanto menor for o χ2, menos os termos estão relacionados à classe, em contrapartida, quanto menor for o p-valor, maior essa relação. Vocábulos com p<0,0001 são extremamente significantes, ao denotarem com mais de 99,99% de certeza que sua alocação na classe não foi ao acaso. Definiu-se o número de participantes no transcorrer do trabalho de campo, através da saturação dos dados,(99. Saunders B, Sim J, Kingstone T, Baker S, Waterfield J, Bartlam B, et al. Saturation in qualitative research: exploring its conceptualization and operationalization. Qual Quant. 2018;52(4):1893-907.) identificada durante a organização do material empírico para processamento no IRAMUTEQ.
Projeto aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (parecer n.º 3.980.287) (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 30612920.6.0000.0008). Utilizou-se um código alfanumérico mediante ordem de participação.
Resultados
Participaram da pesquisa 31 (100%) profissionais de enfermagem, a maioria mulheres (n=25/96,1%), com idade média de 37,4 anos, atuantes como enfermeiras (n=24/77,4%) em serviços hospitalares de urgência e emergência para adultos de distintos municípios do estado do Rio Janeiro, destacando-se a capital (n=13/41,9%) e Teresópolis (n=5/16,1%). Dez profissionais (32,3%) informaram não ter participado de treinamentos sobre a COVID-19. Pela Estatística Textual Clássica, que apresenta a relação entre a frequência e a quantidade de unidades léxicas, o corpus textual foi composto por 31 textos, com uma totalidade de 2.525 ocorrências, sendo 626 (100%) vocábulos distintos, dos quais 341 (54,5%) de única ocorrência (hápax), com uma média de 81,45 vocábulos por texto. No Diagrama de Zipf, é possível observar uma curva decrescente, no qual os pontos localizados no limite superior do gráfico, mais próximos ao Eixo Y, representam as palavras com uma alta frequência de repetição, porém menos numerosas em comparação ao conjunto de termos que compõem o material analisado, conforme indica o Eixo X (Figura 1).
Verifica-se que para o lado esquerdo da curva há poucas palavras que se repetem muitas vezes, e do lado direito há muitas palavras que se repetem poucas vezes. As cinco formas ativas mais frequentes nas respostas, por ordem de ranqueamento, foram: EPI (f=36), falta (f=33), treinamento (f=32), equipe (f=31) e paciente (f=29). O emprego desses termos está relacionado a um dos principais impactos da pandemia da COVID-19 no trabalho de enfermagem em unidades de urgência e emergência, a saber, a falta de EPI em quantidade e qualidade satisfatórios, além da necessidade de treinamentos constantes para as equipes promoverem os cuidados aos pacientes suspeitos ou confirmados da doença adequadamente. A CHD proporcionou o agrupamento de distintos segmentos de texto por classes, em função de seus vocábulos, pois o conjunto deles foi repartido considerando a presença ou ausência das formas lematizadas, constituindo, assim, diferentes mundos lexicais. Cada classe apresenta vocabulário semelhante entre si, de acordo com parâmetros léxicos em comum, e vocabulário diferente dos segmentos de texto das outras classes. Distinguiram-se 78 segmentos de texto, com classificação de 74 deles, logo, aproveitamento de 94,9%. A lematização resultou em 626 lemas (formas reduzidas) com 554 formas ativas. Na CHD geraram-se seis classes de segmentos de textos (Figura 2).
O corpus textual particionou-se em dois blocos (subcorpus) independentes. O primeiro foi composto pela classe 6 (14,86%), por uma segunda subdivisão incluindo a classe 5 (14,86%) e por outra subdivisão com as classes 2 (14,86%) e 1 (16,22%), que possuem conteúdos semânticos mais próximos, mas com certa diferenciação. O outro bloco foi formado pelas classes 3 (16,22%) e 4 (22,97%), sendo as mais isoladas das demais, demonstrando maior proximidade e homogeneidade entre as duas. O quadro 1 apresenta os principais vocábulos de cada classe com p<0,05, com destaque, na terceira coluna, para as palavras extremamente significantes com p<0,0001.
A partir dos conteúdos semânticos, expostos no quadro 1, nominaram-se os dois blocos de agrupamento de classes.
Bloco 1: O impacto da COVID-19 na organização do trabalho: recursos humanos, materiais e infraestrutura
Na classe 6 evidencia-se nitidamente que a pandemia da COVID-19 gerou consequências diretas no trabalho de enfermagem em unidades de urgência e emergência no que tange a sobrecarga dos profissionais da área que atuam diretamente no cuidado aos pacientes. Os participantes apontaram a necessidade premente de uma carga horária menos exaustiva, culminando com a formação de uma classe particular de conteúdos semânticos, na qual as palavras “carga”, “horário” e “necessário” foram as extremamente significantes (p< 0,0001).
“Desgastante, carga horária exaustiva e exposição máxima.” (P30)
“Redução da carga horária [...] e descanso de qualidade.” (P12)
A classe 5 apresentou o maior quantitativo de termos associados (n=18), tendo os vocábulos “humano”, “população”, “saúde”, “recurso” e “medo” como os mais relevantes (p< 0,0001). Os segmentos de texto desta classe indicaram a falta de infraestrutura e de recursos humanos e materiais, incluindo EPI, para a garantia de proteção aos profissionais e à população na pandemia. A palavra “medo” foi recorrente, principalmente pelo receio de contaminação.
“Falta de recursos humanos, medo de se contaminar.” (P11)
“Muito medo e sem as devidas proteções corretas. Falta de infraestrutura adequada e de EPI de qualidade. [...] Treinar os profissionais quanto à doença [...]. Aumentar o dimensionamento das equipes e oferecer infraestrutura correta.” (P31)
A Classe 2 interligada no mesmo nível hierárquico com a classe 1, agrupa segmentos de texto relacionados à percepção de sobrecarga dos profissionais de enfermagem nas unidades de urgência e emergência, inclusive pelo afastamento de colegas por conta da COVID-19.
“Estressante, sobrecarregados pela falta de profissionais devido ao adoecimento e afastamento de muitos.” (P18)
A Classe 1 tem em seu mundo lexical questões que indicam que o cuidado de enfermagem em tempos de pandemia é difícil, especialmente por conta do medo, além do estresse e da exaustão que afetam os trabalhadores da área, levando à necessidade premente de suporte psicológico para os mesmos. Nessa classe, a única palavra que obteve um p<0,0001 foi “cuidado”.
“Tem sido muito estressante e exaustivo para todos os envolvidos nos cuidados, não apenas para a enfermagem. Medo da contaminação. [...] Apoio psicológico aos profissionais que vivem em constante medo.” (P23)
“Cuidados de enfermagem [...], cansativo, ameaçador, porém, gratificante. [...] Falta de acompanhamento psicológico.” (P12)
Bloco 2: O impacto da COVID-19 na assistência prestada aos pacientes
Na classe 3, os termos mais significativos (p<0,0001) foram “prestar”, “assistência”, “dar” e “sintoma”. Seu conteúdo semântico revela que a prestação de uma assistência de enfermagem segura para si e para o outro, durante a pandemia causada pelo SARS-CoV-2, por si só é um grande desafio nos ambientes hospitalares de urgência e emergência, especialmente pelo risco de contaminação.
“Um técnico e um enfermeiro na porta de entrada e quando chegam dois casos ao mesmo tempo sempre um leva um tempo a mais para ser assistido. Os principais desafios são prestar a assistência de forma segura não só para cliente, mas para o profissional.” (P16)
A Classe 4 também engloba vocábulos que remetem à assistência, porém se diferencia por se referir à gravidade dos pacientes que chegam às unidades hospitalares, que, por vezes, não possuem vagas, materiais ou equipamentos, como EPI e ventiladores mecânicos, para suprir as demandas de atendimento nesses ambientes de cuidados críticos e complexos. Destaca-se também a falta de treinamentos para manusear os novos equipamentos.
“Pacientes chegam graves para mim e não ter mais vagas no meu setor por falta de ventilador. Recebo paciente saturando 60, com febre de 40 graus, e a equipe médica não pode entubar por falta de ventiladores.” (P10)
“Auxiliar nos procedimentos em paciente mais graves. Dificultoso pela falta de EPI adequado. Falta de respirador mecânico e os poucos novos que chegaram, a falta de treinamento [...] sobre o manuseio.” (P14)
Discussão
A limitação deste estudo refere-se à utilização de formulário eletrônico, que implicou em respostas mais curtas e objetivas se comparadas à entrevista presencial, inviável considerando as recomendações de distanciamento social. Ademais, essa investigação explorou a realidade do trabalho de enfermagem em apenas uma das unidades federativas do Brasil, limitando a generalização dos achados. Portanto, ressalta-se a necessidade de novas pesquisas com outros desenhos metodológicos e em outros cenários, para ampliar o conhecimento sobre essa temática.
Os resultados do estudo apresentam relevantes contribuições para o avanço científico relacionado ao enfrentamento da pandemia em unidades de urgência e emergências, ao evidenciar impactos contundentes no desenvolver laboral na enfermagem. Logo, é urgente a elaboração de políticas públicas e estratégias institucionais que possibilitem uma reorganização dos processos de trabalho, principalmente no que tange ao suporte psicológico e emocional ao trabalhador, além do provimento adequado de recursos humanos e materiais.
Evidenciou-se que um importante impacto da COVID-19 refere-se à sobrecarga e ao desgaste dos participantes decorrentes da carga horária exaustiva de trabalho, portanto, fatores estressores, previamente reconhecidos como característicos no cotidiano desses profissionais que atuam em unidades de urgência e emergência, foram visivelmente potencializados em tempos de pandemia.
Estudo realizado com enfermeiros para a avaliação de estresse, ansiedade, níveis de atenção e funcionamento psicomotor, verificou que todos os profissionais, após turno de 24 horas, não apresentavam concentração satisfatória, demandando custo mental extra para execução de tarefas inerentes à profissão em condições adversas. A carga horária de trabalho esteve correlacionada, significativamente, com a elevação dos níveis de estresse e diminuição dos processos de atenção, memória e capacidade psicomotora.(1010. Machado DA, Figueiredo NM, Velasques LS, Bento CA, Machado WC, Vianna LA. Cognitive changes in nurses working in intensive care units. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):73-9.)
A diminuição da capacidade de atenção e concentração desses profissionais, principalmente, após carga horária elevada de trabalho, pode favorecer a exposição e contaminação pelo SARS-CoV-2, principalmente no que se refere à atividade de paramentação e desparamentação, uma técnica complexa, que despende muito tempo e implica em vários movimentos corporais,(1111. Machado WC, Figueiredo NM, Brasil SS, Quarentena ML, Bittencourt LP, Tonini T, et al. Covid-19 in the paramentation movements of dressing and disposing of nurses: nightingale, the pioneer, was reasoned! Res Soc Devel. 2020;9(7):e741974731.) requerendo, portanto, atenção especial dos gestores em saúde.
À sobrecarga e ao desgaste soma-se a falta de infraestrutura e de recursos materiais, incluindo EPI em quantidade e qualidade adequados, que possam garantir uma atuação segura e livre de danos para todos. Tais evidências corroboram com a literatura que sinaliza que os riscos a que os trabalhadores de enfermagem, atuantes na linha de frente no cuidado das pessoas com COVID-19, estão submetidos se relacionam principalmente com a escassez e a qualidade dos EPI ofertados, especialmente, em locais de alta demanda de atendimento.(1212. Gallasch CH, Cunha ML, Pereira LA, Silva-Júnior JS. Prevention related to the occupational exposure of health professionals’ workers in the COVID-19 scenario. Rev Enferm UERJ. 2020;28:49596.)
Estudo que estimou o impacto da atual pandemia na organização dos serviços de emergência em 246 hospitais espanhóis reforçou os distintos impactos desse agravo no trabalho da enfermagem nessas unidades, pois também evidenciou escassez de recursos materiais, além de limitação de espaços para atendimento e testes para diagnóstico da doença. Ademais, mais de 5% das enfermeiras encontravam-se de licença médica 19% do tempo.(1313. Alquézar-Arbé A, Piñera P, Jacob J, Martín A, Jiménez S, Llorens P, et al. Impact of the COVID-19 pandemic on hospital emergency departments: results of a survey of departments in 2020 - the Spanish ENCOVUR study. Emergencias. 2020;32(5):320-31.)
O sentimento de medo pelo risco de contaminação foi recorrente entre os participantes deste estudo. Pesquisa multinacional realizada entre 906 profissionais de saúde, aproximadamente 16% foram identificados com ansiedade e 5% com estresse, relacionados ao trabalho neste período de pandemia. Estes profissionais também experimentaram o sentimento de medo da contaminação, exacerbando o sofrimento psicológico, além de enfrentarem o dilema de sobrecarregar os colegas de equipe mediante uma licença médica,(1414. Chew NW, Lee GK, Tan BY, Jing M, Goh Y, Ngiam NJ, et al. A multinational, multicentre study on the psychological outcomes and associated physical symptoms amongst healthcare workers during COVID-19 outbreak. Brain Behav Immun. 2020;88:559-65.) compatível com resultados atuais, tornando essencial o provimento de suporte físico e emocional para o gerenciamento dessas dificuldades.
A falta de recursos humanos, apesar de ser uma problemática prévia à pandemia, se intensificou diante dos afastamentos. O ritmo intenso de trabalho gera mais desgaste físico e emocional, doenças ocupacionais, licenças médicas e, consequentemente, aumento do absenteísmo no trabalho,(1515. Alves SR, Santos RP, Oliveira RG, Yamaguchi MU. Mental health services: perception of nursing in relation to overload and working conditions. Rev Fund Care Online. 2018;10(1):25-9.) logo, mais sobrecarga laboral, impondo a necessidade de ações gerenciais efetivas para garantir o dimensionamento adequado de pessoal nessas unidades de urgência e emergência.
A pandemia também é capaz de potencializar o presenteísmo na enfermagem, gerando significativas repercussões na saúde do trabalhador e na segurança do paciente, pois o profissional, por não ter condições físicas e/ou mentais para trabalhar, pode cometer erros na assistência e/ou contaminar outros profissionais e pacientes, caso esteja infectado. Observou-se esse tipo de presenteísmo durante a pandemia da COVID-19 na Austrália, quando uma equipe de saúde infectada com SARS-CoV-2 trabalhou por até sete dias, mesmo com sintomas respiratórios, contribuindo para um surto entre funcionários.(1616. Eisen D. Employee presenteeism and occupational acquisition of COVID-19. Med J Aust. 2020;213(3):140-e1.)
Com a pandemia, os serviços hospitalares buscaram se preparar para receber pacientes acometidos pela COVID-19. Entretanto, a maioria dessas instituições já apresentava superlotação de leitos em virtude de outras doenças que acometem a população.(1717. Marques LC, Lucca DC, Alves EO, Fernandes GC, Nascimento KC. Nursing care for safety in the mobile pre-hospital service. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200119.) A este cenário, já sobrecarregado, somaram-se novas demandas de cuidados para a equipe de enfermagem que trabalha com escalas de serviço, chegando, por exemplo, a 24 horas ininterruptas.(44. Ferreira FG, Alencar AB, Bezerra SL, Sousa AA, Carvalho CM. A reflection on the mental health of the emergency nurse in the context of the pandemic by Covid-19. Res Soc Devel. 2020;9(7):e704974534.)
Mediante o atual cenário, a prestação de uma assistência de enfermagem segura para si e para o outro consiste em um grande desafio, pois o conhecimento sobre essa doença ainda está em evolução e a escassez de EPI é uma realidade mundial. Nesse sentido, esses profissionais estão expostos ao risco iminente, diante do alto potencial de transmissibilidade do SARS-CoV-2, ao cuidar de pacientes suspeitos ou confirmados com COVID-19 durante as longas jornadas de trabalho,(66. Smith GD, Ng F, Ho Cheung Li W. COVID-19: emerging compassion, courage and resilience in the face of misinformation and adversity [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(9-10):1425-8.,1818. Jin YH, Cai L, Cheng ZS, Cheng H, Deng T, Fan YP, et al. A rapid advice guideline for the diagnosis and treatment of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) infected pneumonia (standard version). Mil Med Res. 2020;7(1):4.) como evidenciado pelos participantes.
A pandemia atual trouxe ainda a necessidade do redirecionamento da assistência para o atendimento de pacientes com distúrbios respiratórios, potencialmente relacionados à infecção pelo novo coronavírus. Essa mudança brusca influenciou a capacidade dos serviços em atender tanto as demandas relacionadas a síndromes respiratórias quanto de outras condições que envolvem cuidados críticos e complexos. Nessa linha, estudo, que buscou descrever a influência da pandemia em um serviço de emergência no Japão, destacou a dificuldade na aceitação hospitalar de pacientes com doenças agudas.(1919. Katayama Y, Kiyohara K, Kitamura T, Hayashida S, Shimazu T. Influence of the COVID-19 pandemic on an emergency medical service system: a population-based, descriptive study in Osaka, Japan. Acute Med Surg. 2020;7(1):e534.)
Pesquisa em serviço de emergência em Cingapura apresentou, como importantes medidas para minimizar o contágio no hospital, o uso de critérios mais amplos de casos suspeitos na triagem, mediante abordagem estratificada por risco para uso de EPI, e vigilância para pacientes e profissionais potencialmente expostos. Destacou-se que a detecção precoce dos casos em serviços de emergência não pode ser subestimada, principalmente pela alta exposição dos profissionais de saúde no gerenciamento de casos da COVID-19 sem EPI adequados,(2020. Wee LE, Fua TP, Chua YY, Ho AF, Sim XY, Conceicao EP, et al. Containing COVID-19 in the emergency department: the role of improved case detection and segregation of suspect cases. Acad Emerg Med. 2020;27(5):379-87.) fato identificado no presente estudo.
Conclusão
A pandemia da COVID-19 promoveu impactos diretos no trabalho de enfermagem em unidades de urgência e emergência no que tange aspectos relacionados a recursos humanos, materiais e infraestrutura, além da assistência prestada aos pacientes em condições graves. Destaca-se sobrecarga no desenvolver laboral, dada a carga horária de trabalho exaustiva, bem como a falta de infraestrutura, recursos materiais, incluindo EPI, e humanos, por conta dos afastamentos. Ainda, evidenciaram-se desgastes físicos e mentais, com ênfase para estresse e exaustão, além do sentimento de medo pelo receio de contaminação. Diante das peculiaridades destes cenários, que constituem a porta de entrada nos hospitais, os referidos impactos implicam em obstáculos à equipe de enfermagem na promoção de uma assistência de qualidade e segura para si (profissional) e para o outro (pacientes, colegas de trabalho, familiares). Nota-se a premência de treinamentos específicos, além da reorganização dos processos de trabalho em saúde, com suporte psicológico e emocional ao profissional, bem como o adequado provimento de recursos humanos e materiais em quantidade e qualidade necessárias, visando um cuidado seguro para todos.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) através do edital no. 12/2019 “Apoio aos Programas de Pós-graduação Stricto Sensu do Estado do Rio de Janeiro - 2019”.
Referências
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1World Health Organization (WHO). Novel coronavírus (COVID-19) Situation. Geneva: WHO; 2021 [cited 2021 Sep 15]. Available from: https://covid19.who.int/
» https://covid19.who.int/ -
2Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Observatório da Enfermagem. São Paulo: COFEN; 2021 [citado 2021 Set 15]. Disponível em: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/
» http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/ -
3Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de Manejo Clínico para Novo Coronavírus (2019-nCoV). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 Jul 23]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf
» https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf -
4Ferreira FG, Alencar AB, Bezerra SL, Sousa AA, Carvalho CM. A reflection on the mental health of the emergency nurse in the context of the pandemic by Covid-19. Res Soc Devel. 2020;9(7):e704974534.
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5Adams JG, Walls RM. Supporting the health care workforce during the COVID-19 global epidemic. JAMA. 2020;323(15):1439-40.
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6Smith GD, Ng F, Ho Cheung Li W. COVID-19: emerging compassion, courage and resilience in the face of misinformation and adversity [editorial]. J Clin Nurs. 2020;29(9-10):1425-8.
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7Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Rev Temáticas. 2014;22(4):203-20.
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8Souza MA, Wall ML, Thuler AC, Lowen IM, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353.
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9Saunders B, Sim J, Kingstone T, Baker S, Waterfield J, Bartlam B, et al. Saturation in qualitative research: exploring its conceptualization and operationalization. Qual Quant. 2018;52(4):1893-907.
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10Machado DA, Figueiredo NM, Velasques LS, Bento CA, Machado WC, Vianna LA. Cognitive changes in nurses working in intensive care units. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):73-9.
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11Machado WC, Figueiredo NM, Brasil SS, Quarentena ML, Bittencourt LP, Tonini T, et al. Covid-19 in the paramentation movements of dressing and disposing of nurses: nightingale, the pioneer, was reasoned! Res Soc Devel. 2020;9(7):e741974731.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
24 Jul 2020 -
Aceito
11 Abr 2022