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Uma-coisa: corpo-bicho, corpo-dispositivo, corpo-coisa

A-thing: body-animal, body-device, body-thing

Resumo

Este texto apresenta o objeto vestível uma-coisa (2013), que problematiza as singularidades do corpo ao monitorar e ampliar a visceralidade, representando os ruídos corporais em visualidades no espaço. O artefato vestível é apresentado em três situações de uso e contextos de significação denominados: "corpo-bicho", que organiza as materialidades da forma através da alteração da silhueta e da reordenação corpórea; "corpo-dispositivo", que capta os dados fisiológicos; e "corpo-coisa", que evoca modos de percepção e processos de individuação, na medida em que o usuário/performer pode habitar uma-coisa e reconhecer os distintos espaços.

palavras-chave:
corpo-espaço; tecnologias vestíveis; espacialidades corpóreas

Abstract

This paper is concerned with the a-thing project (2013) and its discussions about body's singularities, tracking the visceral data to amplify bodily noises and to represent them as the information visualisation in the space. The wearable artefact presents itself in three different situations of use and contexts of significance named as "body-animal", which organizes material attributes of shape by changing the silhouette and reordering the body; "body-device", which captures physiological data; and "body-thing" that evokes modes of perception and process of individuation, considering that the user/performer can inhabit a-thing and recognise different spaces.

keywords:
bodyspace; wearable technologies; bodily spatialities


Introdução

O texto contextualiza teoricamente o encontro entre um indivíduo e o objeto vestível denominado uma-coisa, procurando compreender as consequências desse diálogo, enquanto modos de percepção e processos de individuação, durante o tempo em que habitam os espaços cotidianos. A peça organiza-se pela existência do corpo e apresenta-se por discursos sensoriais - tátil, sonoro e visual, dados a partir da percepção dos usuários. Assim, o objeto uma-coisa traz a discussão sobre a singularidade dos ruídos corpóreos, captados e ampliados no espaço expositivo.

Aquilo de que carecemos é, portanto, de alargar as fronteiras da consciência, aguçar nossa capacidade de discernimento e atenção, tornarmo-nos capazes de penetrar cada vez mais nessa grande razão, ou nessa inteligência viva de nosso corpo, cuja comparação com uma máquina, por mais perfeita que esta possa ser, apenas empobrece e torna grosseira a dinâmica incessante dos processos corporais1 1 . GIACOIA Jr., Oswaldo. Resposta a uma questão: o que pode um corpo? In: LINS, Daniel & GADELHA, Sylvio (orgs). Nietzsche e Deleuze: que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 210. .

Ao monitorar a visceralidade e construir sonoridades e visualidades no espaço, uma-coisa propõe discutir mecanismos processuais e aspectos perceptivos do usuário, enquanto ele se movimenta e dialoga com o artefato vestível2 2 . O projeto uma-coisa é de autoria de Agda Carvalho e Luisa Paraguai, e contou com a colaboração de Nilzeth Gusmão para a exposição "Em#meios 5.0", no Museu Nacional da República, em Brasília, em 2013. (Figura 1). A obra, como performance, apontou possibilidades através da vivência do público, que serão discutidas aqui em três manifestações corpóreas: "corpo-bicho", "corpo-dispositivo" e "corpo-coisa".

Ao envolver o corpo e expandir o significado do vestir, uma-coisa acontece inicialmente como corpo-bicho. Nesta situação, um quase invasor passa a compartilhar o espaço com o corpo do usuário/performer. O corpo-dispositivo capta e amplifica os ruídos corporais no espaço, compartilhando na circulação espacial a experiência íntima que é despertada através de uma visualidade (projeção no espaço) articulada com o ruído. O corpo-dispositivo elabora assim a leitura dos sinais da presença do outro no espaço e instaura territórios sonoros, para que se negociem os planos de ocupação. Estes sinais são adicionados ao arquivo de uma-coisa. Para cada usuário que vivencia o artefato, acumulam-se sons que interferem na representação visual no espaço. O corpo-coisa é o acontecimento, em resposta à produção do movimento físico - kiai3 3 . "Kiai" é uma palavra japonesa composta por dois caracteres. "O 'Ki' é tomado como a energia vital das entidades viventes. Todos os seres vivos, independente se são - particularmente - humanos possuem essa energia vital. O termo 'kiai' é o grito efetuado durante os golpes e quer dizer unir e concentrar o espírito". LOURENÇÃO, Gil Vicente. Identidades, práticas e moralidades transnacionais: etnografia da esgrima japonesa no Brasil. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009, p. 189. - pelo(a) performer; em consequência, sonoridades; na medida em que a respiração é determinante, sons corpóreos, como os batimentos cardíacos, serão monitorados, registrados e visualmente apresentados. Os sons de uma-coisa são acúmulos das respostas sonoras dos indivíduos que a vivenciam. Na totalidade da situação corpo-bicho e corpo-dispositivo surge o corpo-coisa, que apresenta, por essas condições, as respostas corporais e sensórias do indivíduo. (Figura 2)

Corpo-bicho

Corpo-bicho é o instante em que a estrutura flexível envolve, com sua materialidade, o usuário. O corpo-bicho estabelece as primeiras trocas e, neste encontro, organiza-se uma transformação entre o corpo e o objeto vestível. Pode-se expor a situação de contágio e de uma variação formal, ou seja, de mutabilidade da silhueta. O corpo-bicho estabelece-se no contato com as coisas no mundo, aproxima-se dos outros enquanto experiência vivida, constitui-se em centro de agenciamento.

A estrutura vestível corrompe processos perceptivos com sua materialidade. Essa condição do vestir causa a convivência com o significado e as singularidades do artefato, que se revela como um invólucro, um habitar que filtra aparentemente as interferências externas. Na contaminação, o corpo habita o corpo-bicho e o corpo-bicho habita o corpo. "A possibilidade de se revelarem esses aspectos mais profundos de um objeto, ou seu 'ser real', está condicionada a um tipo de experiência deste que ultrapassa a aproximação meramente utilitária, e isso se dá no espaço compartilhado de uma habitação"4 4 . SARAMAGO, Ligia. A topologia do Ser: lugar, espaço e linguagem no pensamento de Martim Heidegger. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2008, p. 43. .

Quando ocupa o corpo com sua couraça mole e levemente flexível, o corpo-bicho estabelece outra existência. Esta convivência desperta um diálogo sensível entre o corpo e a estrutura amorfa, que o envolve com uma película verde, composta de uma espécie de minitentáculos. A superfície externa apresenta uma textura macia, como radares táteis que alteram as potencialidades perceptivas. O corpo assume o invólucro e este desenvolve movimentos sutis enquanto o indivíduo investiga o espaço e entende os atributos plásticos de uma-coisa, experimentando sua textura e criando outras superfícies-limite.

Já a segunda capacidade, subcortical, que por conta de sua repressão histórica é menos conhecida, permite-nos apreender o mundo em sua condição de campo de forças que nos afetam e se fazem presentes em nosso corpo sob a forma de sensações. O exercício desta capacidade está desvinculado da história do sujeito e da linguagem. Com ela o outro é uma presença viva feita de multiplicidade plástica de forças que pulsam em nossa textura sensível, tornando-se assim parte de nós mesmos5 5 . ROLNIK, Suely. Geopolítica da cafetinagem. 2006, p. 3. Disponível em: ‹http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Geopolitica.pdf›. Acesso em: julho de 2015. .

O corpo-bicho está sujeito aos distintos acontecimentos e estímulos. Os movimentos dos minitentáculos são quase imperceptíveis, mas facilitam sutis alterações da forma, possibilitam organizações da própria estrutura. O corpo-bicho apresenta uma silhueta que expõe a especificidade do encontro e, neste diálogo simbiótico, explicita questões íntimas com a expansão de movimentos durante o reconhecimento espacial.

O objeto vestível estabelece relações de pertencimento ao acompanhar o corpo em sua circulação e leitura espacial, percebe distâncias, capta presenças e enfrenta os obstáculos do lugar. "Essencialmente espacializante, ele existe em estreita proximidade com os locais e as regiões que se configuram a partir de seu estar no mundo"6 6 . SARAMAGO, Ligia. Op. cit., p. 103. .

O corpo-bicho é uma forma mutável, uma estrutura orgânica, assimétrica e celular, que se adapta aos corpos e revela as subjetividades e individualidades físicas. O corpo-bicho toma posse momentaneamente do outro. E esta característica instável permite uma experiência que se renova continuamente, quando se estabelece outro encontro.

Corpo-dispositivo

Refletir sobre os processos de mediação entre indivíduo e tecnologia, implica em contextualizar padrões de percepção e ação - modos de aproximação e distanciamento social; significa pensar sobre um corpo situado, investido dos atributos técnicos e vivenciado nas especificidades do entorno que, como diz Borges7 7 . BORGES, Fernanda Carlos. A filosofia do jeito. Um modo brasileiro de pensar com o corpo. São Paulo: Summus, 2006. p. 3. "é um espaço significativo, portanto, significa um espaço como propriedade de acontecimentos" no qual as tensões musculares "estão no corpo mas também no espaço. Os corpos se cruzam; o espaço é cheio". Nesse sentido, a estrutura de uma-coisa - organizada pela forma do corpo-bicho e funcionalidades das interfaces tecnológicas - registra e acumula fluxos e ritmos corporais momentâneos do performer, enquanto atributos de energia do mesmo; situando-o diferentemente no contexto do espaço expositivo, a estrutura acaba por descrever também outras particularidades pela reordenação e amplificação de referências sonoras.

Importa, neste trabalho, compreender "a passagem do material para a interface" enquanto "criação de uma cartografia capaz de inventariar"8 8 . POISSANT, Louise. A passagem do material para a interface. In: DOMINGUES, Diana (org.). Arte, ciência e tecnologia. Passado, presente e desafios. São Paulo: Editora Unesp, 2009, p. 71. a organização da materialidade para experimentar relações e conexões oriundas dos dados (informações fisiológicas). O dispositivo organiza-se pelas interfaces tecnológicas, compreendidas como objeto técnico, que "jamais é um elemento fechado em si mesmo, pois, dada sua constituição, ele se relaciona com outras realidades técnicas, bem como com realidades humanas"9 9 . WEBER, José Fernandes. As relações entre objeto técnico, mediação e ensino refletido da técnica em Simondon. In: Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 20, maio/outubro 2013, p. 150. . Essas interfaces, denominadas "condutoras" por Poissant10 10 . Cf. POISSANT, Louise. Op. cit., p. 79-82. , categorizam-se em "sensores, gravadores e difusores" pela mesma, e neste projeto estruturam o processo de geração, registro e visualização dos dados. O oxímetro atua como sensor ao monitorar a saturação de oxigênio no pulmão e a frequência cardíaca do performer e usuário de uma-coisa. Gravados, esses dados passam a modular a sonoridade rítmica produzida em software específico. Os registros sonoros são manipulados digitalmente e apresentam-se, simbolicamente, comoo uma memória transformável, pela acumulação de percepções corpóreas.

O corpo-bicho instala-se no corpo-dispositivo e passa a compor com os elementos eletromecânicos embedados na peça e em proximidade com a epiderme do performer/usuário. Essa estrutura monitora o espaço do entorno, registrando e acumulando os dados íntimos e momentâneos dos visitantes para ressituá-los no contexto do espaço expositivo e descrever particularidades. Os fluxos e ritmos corporais são absorvidos e amplificados, revelando sons viscerais como atributos de energia vital de uma-coisa. Percebe-se que "a técnica não pode ser apreendida em si e por si mesma; ela representa uma fase, um modo de responder à questão sobre o sentido do homem ser no mundo"11 11 . SIMONDON apud WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 151. .

Em momento posterior, durante a performance, os dados monitorados são reproduzidos enquanto visualização de dados - círculos concêntricos, sobrepostos ou não, localizam na visualidade o gráfico de correlação entre idade (anos) e frequência cardíaca (bpm) de todos os usuários de uma-coisa.

Aqui se revela toda a fecundidade inerente à ousadia de tomar o corpo como ponto de apoio para uma nova concepção de unidade, como unidade de organização. Ela torna possível uma unidade que não suprime o múltiplo, mas que o exige, de identidade subjetiva que não proscreve a diferença, mas a promove. Esse é o único conceito de unidade compatível com a hipótese da vontade de poder, como "caráter inteligível" do universo12 12 . GIACOIA Jr., Oswaldo. Op. cit., p. 271. .

Neste processo de mediação tecnológica, as fronteiras entre homem e objeto técnico, entre o que é interno e externo, não configuram articulações estáticas, mas domínios relativos onde o dentro e o fora não cessam de se transformar. Assim, "tanto um quanto outro não existem independentemente da relação, a ponto de se poder afirmar que é a própria relação que os constitui"13 13 . WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 145. .

A estrutura, nomeada corpo-dispositivo, apresenta-se pela "interação incorporada"; "uma atividade situada, em tempo real, multimodal, engajada, e com o sentido de incorporação como um fenômeno emergente"14 14 . ARMSTRONG apud BENNET, Peter & O'MODHRAIN, Sile. Towards tangible enactive-interfaces. In: Proceedings of the 4th International Conference on Enactive Interfaces. Grenoble, France: Association ACROE; Summus Editorial, 2006, p. 38. . O performer movimenta-se e articula-se em uma configuração de forças específicas que, por sua vez, implicam em maneiras próprias de agir e responder. A partir da articulação destas tensões, o corpo-dispositivo existe e se reconhece no espaço.

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos15 15 . WEINMANN, Amadeu de Oliveira. Dispositivo: um solo para a subjetivação. In: Psicologia & Sociedade, v. 18, n. 3, setembro/dezembro 2006, p. 17. Disponível em: ‹http://www.scielo.br/pdf/ psoc/v18n3/a03v18n3.pdf›. Acesso em: julho 2015. .

As espacialidades corpóreas do performer/usuário estabelecem-se em conexões com o ambiente físico local e delimitam campos sensórios de experimentação a partir de fronteiras dinâmicas, cujos domínios relativos entre o dentro e o fora não cessam de se transformar.16 16 . Cf. BRUNO apud SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.

A peça vestível compõe outra camada de pele, participando das situações que o corpo enfrenta na ocupação espacial. Este corpo móvel apresenta reações, desperta sensações no reconhecimento da peça, principalmente quando está em mobilidade. O corpo-dispositivo armazena os desvios e acasos de um percurso - oscilações de fatos e territórios modificados cotidianamente.

Corpo-coisa

Dissolvem-se aqui as figuras de sujeito e objeto, e com elas aquilo que separa o corpo do mundo. (...) chamei de "corpo vibrátil" essa segunda capacidade de nossos órgãos dos sentidos em seu conjunto. É nosso corpo como um todo que tem esse poder de vibração às forças do mundo17 17 . ROLNIK, Suely. Op. cit., 2006, p. 3. .

O corpo-coisa é a construção articulada de envolvimento dos indivíduos no e pelo mundo, construção que se expande em movimentos, visualidades e sonoridades. O performer ao transitar no espaço, dialoga com sua própria visceralidade e com os dados acumulados de outros, transformando estes elementos em composições visuais. Os ruídos marcam, de certa forma, o ritmo dos movimentos corpóreos à medida que são recodificados na apresentação do performer. A sonoridade apresenta-se como uma dinâmica articulação de um arquivo de dados em sincronia com a atuação física. Não interessa enfatizar ordens hierárquicas entre som e movimento corpóreo, mas reconhecer um diálogo estruturante e interativo entre os mesmos. Como afirma Simondon, "o homem não é superior, nem inferior ao objeto técnico, mas mantém com ele uma relação de igualdade, de reciprocidade de intercâmbios"18 18 . WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 152. .

A relação corpo-bicho e corpo-dispositivo desperta sentidos e tensões como corpo-coisa. Experimenta uma existência complexa, expõe as reações do organismo e constrói visualidades. A acumulação de vivências configura as representações. Como afirma Varela, "o mundo não é dado a priori, independente do indivíduo, mas seu conhecimento é um processo ativo, de recuperação e construção constantes por parte dos mesmos"19 19 . VARELA, F.J.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. The embodied mind, cognitive science and human experience. Cambridge, London: The MIT Press, 2000, p. 149-150. . Nesta experimentação, reorganizam-se as materialidades, os dados e as informações vitais, discutindo-os sob o prisma da complexidade de construção da subjetividade. "Este plano é o 'corpo vibrátil', no qual o contato com o outro, humano e não-humano, mobiliza afetos, tão cambiantes quanto a multiplicidade variável que constitui a alteridade"20 20 . ROLNIK, Suely. O corpo vibrátil de Lygia Clark. Folha de São Paulo, 30 de abril de 2000. .

Entre a vibratilidade do corpo e sua capacidade de percepção há uma relação paradoxal, já que se trata de modos de apreensão da realidade que obedecem a lógicas distintas e irredutíveis. É a tensão desse paradoxo que mobiliza e impulsiona a potência do pensamento/criação, na medida em que novas sensações que se incorporam à nossa textura sensível são intransmissíveis por meio das representações de que dispomos. Por essa razão elas colocam em crise nossas referências e impõem a urgência de inventarmos formas de expressão21 21 . ROLNIK, Suely, Op. cit., 2006, p. 3. .

A condição de estar em processo é um modo do encontro de uma-coisa. A diversidade das experiências sensórias e perceptivas expõe o evento que se modifica continuamente com os indivíduos quando corpo-coisa.

Trata-se do processo de individuação, do qual os objetos técnicos constituem uma dimensão do seu efetivar, e que ele próprio é concebível apenas enquanto processo. Não há princípio de individuação, somente processo. Por essa razão, o que daí resulta é sempre processual, mediado, tanto no domínio interno à tecnologia - em que ocorre a mediação entre elementos técnicos e relações interindividuais no conjunto técnico - quanto externo - aquele da relação dos objetos técnicos com o restante das "realidades humanas", da relação entre objeto técnico e cultura22 22 . WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 151. .

Considerações finais

O objeto vestível uma-coisa expõe subversões comportamentais. O processo está imbricado neste acontecimento, já que é na mutabilidade dos sentidos e das experiências com a espacialidade que se encontra uma-coisa. O indivíduo assume o vestir e reorganiza o corpo que, modificado pela situação, é percebido momentaneamente como um outro corpo. O indivíduo encontra o corpo-bicho e apreende a materialidade na vivência sensorial, evocando outros sentidos para o "estar no mundo". Nesse acoplamento, entendem-se as texturas, os volumes e o peso pelas respostas corpóreas. O envolvimento causa uma habitação e uma conexão com uma-coisa; os comportamentos são variáveis, dependem das relações que emergem no contato. O corpo-dispositivo registra e acumula os dados momentâneos do performer, situando-o no contexto do espaço expositivo e descrevendo particularidades; reordena e amplifica alguns fluxos e ritmos corporais, revelando sons viscerais - atributos fisiológicos do usuário. Os dados, ampliados com o corpo-dispositivo, elaboram outros significados na percepção do entorno. Na convergência do corpo-bicho e do corpo-dispositivo encontra-se o modo de acesso das coisas do mundo e, nesta fenda perceptiva, depara-se com o corpo-coisa, um lugar anterior à manifestação de uma-coisa.


  • 23
    Iran do Espírito Santo, da série Desenhos 1985 - 2013.
  • 1
    . GIACOIA Jr., Oswaldo. Resposta a uma questão: o que pode um corpo? In: LINS, Daniel & GADELHA, Sylvio (orgs). Nietzsche e Deleuze: que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 210.
  • 2
    . O projeto uma-coisa é de autoria de Agda Carvalho e Luisa Paraguai, e contou com a colaboração de Nilzeth Gusmão para a exposição "Em#meios 5.0", no Museu Nacional da República, em Brasília, em 2013.
  • 3
    . "Kiai" é uma palavra japonesa composta por dois caracteres. "O 'Ki' é tomado como a energia vital das entidades viventes. Todos os seres vivos, independente se são - particularmente - humanos possuem essa energia vital. O termo 'kiai' é o grito efetuado durante os golpes e quer dizer unir e concentrar o espírito". LOURENÇÃO, Gil Vicente. Identidades, práticas e moralidades transnacionais: etnografia da esgrima japonesa no Brasil. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009, p. 189.
  • 4
    . SARAMAGO, Ligia. A topologia do Ser: lugar, espaço e linguagem no pensamento de Martim Heidegger. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2008, p. 43.
  • 5
    . ROLNIK, Suely. Geopolítica da cafetinagem. 2006, p. 3. Disponível em: ‹http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Geopolitica.pdf›. Acesso em: julho de 2015.
  • 6
    . SARAMAGO, Ligia. Op. cit., p. 103.
  • 7
    . BORGES, Fernanda Carlos. A filosofia do jeito. Um modo brasileiro de pensar com o corpo. São Paulo: Summus, 2006. p. 3.
  • 8
    . POISSANT, Louise. A passagem do material para a interface. In: DOMINGUES, Diana (org.). Arte, ciência e tecnologia. Passado, presente e desafios. São Paulo: Editora Unesp, 2009, p. 71.
  • 9
    . WEBER, José Fernandes. As relações entre objeto técnico, mediação e ensino refletido da técnica em Simondon. In: Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 20, maio/outubro 2013, p. 150.
  • 10
    . Cf. POISSANT, Louise. Op. cit., p. 79-82.
  • 11
    . SIMONDON apud WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 151.
  • 12
    . GIACOIA Jr., Oswaldo. Op. cit., p. 271.
  • 13
    . WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 145.
  • 14
    . ARMSTRONG apud BENNET, Peter & O'MODHRAIN, Sile. Towards tangible enactive-interfaces. In: Proceedings of the 4th International Conference on Enactive Interfaces. Grenoble, France: Association ACROE; Summus Editorial, 2006, p. 38.
  • 15
    . WEINMANN, Amadeu de Oliveira. Dispositivo: um solo para a subjetivação. In: Psicologia & Sociedade, v. 18, n. 3, setembro/dezembro 2006, p. 17. Disponível em: ‹http://www.scielo.br/pdf/ psoc/v18n3/a03v18n3.pdf›. Acesso em: julho 2015.
  • 16
    . Cf. BRUNO apud SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.
  • 17
    . ROLNIK, Suely. Op. cit., 2006, p. 3.
  • 18
    . WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 152.
  • 19
    . VARELA, F.J.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. The embodied mind, cognitive science and human experience. Cambridge, London: The MIT Press, 2000, p. 149-150.
  • 20
    . ROLNIK, Suely. O corpo vibrátil de Lygia Clark. Folha de São Paulo, 30 de abril de 2000.
  • 21
    . ROLNIK, Suely, Op. cit., 2006, p. 3.
  • 22
    . WEBER, José Fernandes. Op. cit., p. 151.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2015
  • Aceito
    04 Maio 2015
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